MG – População de Riacho dos Machados teme atividade ilegal de mineradora e rompimento de barragem
UF: MG
Município Atingido: Riacho dos Machados (MG)
Outros Municípios: Janaúba (MG), Montes Claros (MG), Porteirinha (MG)
População: Agricultores familiares, Ribeirinhos, Trabalhadores rurais sem terra
Atividades Geradoras do Conflito: Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição do solo, Precarização/riscos no ambiente de trabalho
Danos à Saúde: Acidentes, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida
Síntese
Organizações da sociedade civil no norte de Minas Gerais denunciaram a mineradora Riacho dos Machados, que implantou uma barragem de rejeitos de ouro da mina no município de Riacho dos Machados (MG), por alteamento ilegal. A barragem foi construída pelo método a jusante, de baixo risco, mas com potencial de danos considerado alto. A mineradora é subsidiária da multinacional canadense Leagold Mining Corporation.
As organizações também denunciam a recorrência de ilegalidades praticadas pela mineradora, como a perfuração de poços artesianos em comunidades vizinhas à área da empresa. Conforme o parecer indexado ao processo de Licenciamento Ambiental, as comunidades rurais de Rodeador e Tumbica foram consideradas Áreas de Influência Direta do empreendimento.
Contexto Ampliado
O estudo de Olintho Silva (1995) destaca que o “Ciclo Econômico do Ouro” impulsionou a atividade de mineração em Minas Gerais. O ciclo se sobrepôs à descoberta e extração de diamantes (no século XVII) e caracterizou-se sobretudo por ações predatórias dos jazimentos, agressão violenta ao meio ambiente, imprevidente desequilíbrio que causava desabastecimento e, consequentemente, ciclos de fome que castigavam os pioneiros da mineração.
As autoridades, quase sempre, estavam ausentes nas funções de encaminhar soluções aos problemas, mas muito presentes na cobrança do quinto e na manutenção de seus privilégios corporativistas.
Segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), o Estado de Minas Gerais, entre 2012 e 2013, respondia por aproximadamente 53% da produção de minerais metálicos e 29% de minérios em geral, sendo considerado o Estado minerador mais importante do País. O Estado extrai mais de 160 milhões de toneladas por ano de minério de ferro, e possui reservas minerais de nióbio para mais de 400 anos. A atividade de mineração está presente em mais de 250 municípios mineiros, com mais de 300 minas em operação, sendo que 40 das maiores minas do País estão localizadas no Estado.
Associadas a estas minas estão as barragens de rejeito de minérios. Conforme o caderno de economia do G1, o rejeito de mineração é o que sobra quando se usa água para separar o minério de ferro do material sem valor comercial. É o jeito mais barato de fazer o beneficiamento. Em geral, esse rejeito é composto por minérios pobres (com baixa concentração de ferro), areia e água. Por isso, fica com um aspecto de lama.
De acordo com a notícia já existem processos de beneficiamento mais modernos que não utilizam água. A barragem de rejeitos é uma barragem de contenção, é a estrutura mais usada para armazenar o material desse beneficiamento. O método mais antigo, simples e barato, que consiste num dique feito a partir de solo compactado, blocos de rocha ou do próprio rejeito, e é construído para barrar a lama à medida que o reservatório vai enchendo, quando novas camadas de barragem são construídas, num processo chamado de alteamento.
Conforme noticiado pelo jornal Brasil de Fato, existem cerca de 780 barragens de rejeitos de minério em nosso País fiscalizadas por vistoria. No que diz respeito à segurança, 723 barragens (não somente de rejeitos) estão classificadas como “de alto risco”.
O uso de rejeitos para a construção da própria barragem é a forma mais comum no Brasil, tanto por conta do custo mais baixo e da facilidade da construção, quanto pelo menor uso de energia. Contudo, o método também possui seus pontos negativos.
Conforme o portal Politize, o relatório da Agência Nacional das Águas (ANA) de 2017 sobre segurança de barragens apontou que, no Brasil, temos 24.092 barragens cadastradas pelos órgãos fiscalizadores, sendo que 58% delas estão regularizadas e apenas 18,7% possuem pelo menos uma das características descritas na Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei n. 12.334/10 de 20 de setembro de 2010).
Em entrevista ao G1, Fernando Cantini – engenheiro de minas e especialista em geotecnia – afirmou que o método não é tão confiável, se comparado a outras formas de construção de barragem de rejeitos. Além disso, o sistema de drenagem e filtro desse tipo de construção é mais complexo de se executar e monitorar.
O portal destacou de acordo com dados da ANA que no Brasil são registrados mais de três acidentes com barragens por ano. Ademais, a Agência Pública destaca que, desde 2011, quando o primeiro relatório foi produzido, até 2017, a ANA registrou 24 acidentes. Contudo, o número real é maior: a própria agência reconhece que há acidentes não relatados e mesmo barragens que não foram informadas ao governo federal.
Além dos acidentes, os relatórios da ANA contabilizaram mais de sete incidentes com barragens por ano. Esse tipo de notificação ocorre quando há alguma ocorrência na barragem que, se não for controlada, pode levar a um acidente. Em sete anos, foram 52 incidentes.
Os casos de crime ambiental de rompimento das barragens de rejeitos de Mariana e Brumadinho, ambos em Minas Gerais, chamaram atenção para as vulnerabilidades desses empreendimentos para a população que vive no entorno e para o meio ambiente.
A barragem de rejeitos de Mariana é de propriedade da Samarco, mineradora brasileira, administrada por meio de um empreendimento em conjunto entre a Vale S. A. e a BHP Billiton. Seu rompimento em 2015 resultou no volume de 43,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos despejados e um total de 19 mortes.
Conforme o portal Politize, a lama de rejeitos percorreu um total de 663 quilômetros até chegar ao mar, no Estado do Espírito Santo. Além disso, a lama atingiu o Rio Doce, que abrange 230 municípios que têm seu leito como meio de captação de água, e cujas populações rurais/tradicionais utilizavam-no como meio de subsistência. Segundo ambientalistas, os efeitos dos rejeitos no mar serão sentidos por, no mínimo, 100 anos. Este caso também foi retratado neste Mapa (veja aqui).
O referido portal também destaca que, no caso de Brumadinho, a barragem de rejeitos também pertence à mineradora multinacional brasileira Vale S.A. E que, por mais que esse rompimento tenha despejado uma quantidade menor de rejeitos em comparação ao de Mariana, seus impactos sociais e ambientais foram tão grandes quanto.
Ainda sinaliza que, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), a barragem não apresentava pendências documentais, bem como era considerada inativa, ou seja, não estava recebendo nenhuma nova carga de rejeitos. O volume de dejetos expelido foi de cerca de 12 milhões de m³ (1m³ equivale a 1.000 litros) e a velocidade da lama atingiu 80 quilômetros por hora.
No momento da tragédia, sirenes de segurança deveriam ter sido acionadas para alertar trabalhadores da Vale e moradores da região. Isso, porém, não aconteceu. A lama, que continha ferro, sílica e água, atingiu o rio Paraopeba, o que acabou por afetar negativamente a qualidade da água. Apesar de a lama não ser considerada tóxica pela Vale, alguns órgãos – como as Secretarias de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad/MG), e de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa/MG) – comunicaram que essa água presente no rio apresentava riscos ao meio ambiente e à saúde humana.
Até o final de agosto de 2019 (cerca de 7 meses depois), foram contabilizadas 241 mortes e outras 21 pessoas ainda seguem desaparecidas. As famílias de mortos, feridos e desaparecidos pelo crime ambiental de Brumadinho ainda aguardam por justiça e indenizações da Vale S.A, como analisamos em outra ficha neste Mapa de Conflitos (veja aqui).
Neste Mapa também foram retratados outros casos de rompimento de barragem de rejeitos em Minas Gerais (veja aqui). Em 2006 e 2007, a barragem de rejeitos da Rio Pomba Mineração se rompeu duas vezes, comprovando os riscos da atividade minerária para a sustentabilidade hídrica da região a jusante das suas bacias hidrográficas.
A população de Miraí e Muriaé foi diretamente atingida pelo rompimento da barragem de rejeitos de lavras de bauxita da empresa e o vazamento de substâncias tóxicas. A questão do não respeito a legislação na implantação desses empreendimentos de mineração denunciam os riscos inerentes a execução desses projetos.
Por exemplo, os rompimentos de barragens de rejeitos da Rio Pomba Mineração, onde a extração e transposição de águas para grande empresa é licenciada de forma irregular pelos governos estadual e federal, condenando uma das áreas com patrimônio natural e cultural mais significativos de Minas Gerais. É possível ainda observar outros casos que identificam inúmeros conflitos envolvendo a mineração no Estado.
Mesmo com todo o cenário de riscos frente à produção de minério e as barragens de rejeitos, o poder público, empresas e grandes corporações que se mantém com a exploração mineral insistem em alguns métodos que comprometem a segurança da população e meio ambiente.
Ainda assim, inúmeros casos continuam acontecendo, como o da mineradora Riacho dos Machados, no norte de Minas Gerais, que implantou barragem de rejeitos de ouro por alteamento ilegal próximo ao município de Montes Claros/MG. A mineradora é subsidiária da multinacional canadense Leagold Mining Corporation. A barragem foi construída pelo método a jusante, de baixo risco, mas com o potencial de danos considerado alto.
Conforme notícia divulgada pelo G1, a operação de mineração na cidade teve início no ano de 2013. A Mineração Riacho dos Machados Ltda emprega 352 pessoas de forma direta e 438 terceirizados. No local é extraído ouro e, somente em 2018, foram beneficiadas 1.942.535 toneladas. Dados da própria mineradora apontam que a barragem da empresa tem extensão de 75,8 hectares e capacidade de armazenamento de 9.646.166 m³, entre água e rejeitos.
Atualmente, estão armazenados 6.260.256 m³, cerca de 65% de sua capacidade. A estrutura da barragem de rejeitos da área tem 500 mil metros quadrados e 33 metros de altura, que armazena um volume de 3,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração de ouro.
Foi noticiado pelo blog Combate Racismo Ambiental, por meio de republicação de matéria do Brasil de Fato, que organizações da sociedade civil da região denunciaram a mineradora. Segundo as entidades, esta viola o artigo 6º da Lei Estadual 23.291/2019, que obriga a apresentação de Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO) para iniciar as atividades. No documento, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Riacho dos Machados, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, a entidade Ecos do Gorutuba e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) argumentam que a mineradora precisaria de um novo licenciamento por conta da nova lei.
Em outubro de 2019, as atividades da empresa foram embargadas pela equipe de fiscalização da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram). Entretanto, segundo as organizações, alguns dias depois, o embargo foi revertido por decisão de Robson Lucas da Silva, subsecretário da fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). As entidades denunciaram ainda falta de transparência nesse processo. Os documentos não estavam disponíveis na sede da Supram, em Montes Claros, nem no Sistema Integrado de Informação Ambiental (Siam). As organizações afirmam ainda que a postura da Semad era reincidente, e que a mesma mineradora já teve suas atividades paralisadas por outras irregularidades.
Conforme denunciado pela CPT, em todos os casos, os embargos foram derrubados logo depois pelo referido órgão. O texto da carta também denuncia a recorrência de ilegalidades praticadas pela mineradora, como a perfuração de poços artesianos em comunidades vizinhas à área da empresa.
Conforme o jornal O Norte, a carta foi assinada pelo Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), Associação de Amigos do Rio Gorutuba (Ecos do Gorutuba), Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Cáritas Diocesana de Montes Claros, Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Riacho dos Machados e Porteirinha, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Câmaras de Vereadores de Janaúba, Porteirinha e Nova Porteirinha, Agência Jurismineira de Desenvolvimento Unificação e Amparo, Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Instituto Grande Sertão (IGS) e Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente (Codema) de Porteirinha.
Destaca-se que nos termos do Artigo 225 da Constituição Federal de 1988, as entidades que subscreveram a carta solicitavam que o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPE/MG) convocasse audiência pública, através da Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça do Meio Ambiente das Bacias dos Rios Verde Grande e Pardo, com o tema “Responsabilidades não cumpridas da Mineradora LeaGold em Riacho dos Machados e proposição de projetos de compensação socioambiental a ser executado pela mineradora”.
Na carta, é solicitado que as autoridades cobrem da mineradora o cumprimento de todos os compromissos já firmados em função dos impactos ambientais de sua operação, e, ainda, que o relatório da empresa canadense seja encaminhado à Promotoria Pública de Porteirinha e para a Coordenadoria Regional das Promotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente das Bacias Hidrográficas dos Rios Verde Grande e Pardo.
Cobram também da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) o monitoramento de água e sedimentos logo após a barra do rio Piranga com o ribeirão Confisco, que deságua no lago da barragem de Bico da Pedra.
Conforme notícia do G1, após a tragédia em Mariana em 2015, uma comissão foi montada para acompanhar os trabalhos desenvolvidos pela Riacho dos Machados LTDA, com Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPE/MG), membros da empresa e dos sindicatos rurais e Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente de Montes Claros (Codema).
Segundo dados da Agência Nacional das Águas (ANA), devido à forma em que foi construída, a barragem de Riacho dos Machados é considerada de baixo risco. Entretanto, a ANA destaca que a barragem é de dano potencial alto. Isto significa que, caso a barragem se rompa, poderá causar mortes, destruição ambiental e material, fatores que levam a população local a se preocupar com a integridade da instalação.
É sinalizado por membros da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que, caso haja algum rompimento, os resíduos desceriam rio abaixo e chegariam à Barragem do Rio Gorutuba, responsável pelo abastecimento de água de Janaúba e parte de Nova Porteirinha, atingindo muitas famílias.
Ainda de acordo com a reportagem do G1, da barragem até a cidade de Riacho dos Machados são cerca de 10km, em linha reta; até Porteirinha, são 37km. A Defesa Civil em Riacho dos Machados afirma que foram feitos dois treinamentos de evacuação da área com a população local.
Segundo a Mineração Riacho dos Machados LTDA, as simulações envolveram sistema de comunicação com sirenes, carros de som, sistema de rádio e de telefones cadastrados, evacuação da área, ponto de encontro e retirada de pessoal para área segura.
Cronologia
2013 – Início de Operação da Mineração de Riacho dos Machados LTDA.
2015 – Uma comissão é montada para acompanhar os trabalhos desenvolvidos pela Riacho dos Machados LTDA, com MPE, membros da empresa e dos sindicatos rurais e Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente de Montes Claros (Codema).
Fevereiro – 2019 – Um alerta aos governos e à população sobre os riscos de rompimento do único reservatório de rejeitos do Norte de Minas é lançado por meio da “Carta de Janaúba”, durante uma mobilização da comunidade de Montes Claros, líderes políticos, religiosos e ambientalistas.
2019 – Organizações da sociedade civil da região denunciam a mineradora Riacho dos Machados por violação do artigo 6º da Lei Estadual 23.291/2019. No documento, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Riacho dos Machados, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porteirinha, a entidade Ecos do Gorutuba e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) argumentam que a mineradora precisaria de um novo licenciamento por conta da nova lei.
Outubro – 2019 – As atividades da empresa são embargadas pela equipe de fiscalização da Superintendência Regional de Meio Ambiente (Supram).
Outubro – 2019 – Após alguns dias do embargo, o subsecretário da fiscalização da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Robson Lucas da Silva, reverte a decisão.
Atualização : 01/01/2020
Fontes
CAETANO, B. Entidades denunciam mineradora por alteamento ilegal em barragem. Combate Racismo Ambiental, Rio de Janeiro, 20 nov. 2019. Disponível em: http://bit.ly/39wXcDC. Acesso em: 12 dez. 2019.
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PEIXOTO, J; VELOSO, V. Moradores temem riscos que barragem de Riacho dos Machados pode trazer em caso de rompimento. G1 Grande Minas, Belo Horizonte, 31 jan. 2019. Disponível em: https://glo.bo/2SL2tRU. Acesso em 12 dez. 2019.
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