MG – Mineração e transposição de águas para grande empresa é licenciada de forma irregular pelos governos estadual e federal, condenando uma das áreas com patrimônio natural e cultural mais significativos de Minas Gerais
UF: MG
Município Atingido: Dom Joaquim (MG)
Outros Municípios: Alvorada de Minas (MG), Conceição do Mato Dentro (MG), Dom Joaquim (MG)
População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas, Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física
Síntese
A população dos municípios de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Alvorada de Minas, especialmente seus agricultores familiares e comunidades tradicionais, sofrem os impactos da implementação do projeto de mineração da empresa Anglo Ferrous Mineração Minas-Rio S.A. (adquirido da empresa MMX). Os relatos de pessoas atingidas indicam que se verifica a poluição de cursos d?água, cortes de áreas significativas de Mata Atlântica e que muitas famílias estão sofrendo pressão governamental e privada pelo deslocamento compulsório de suas terras, assim como danos em suas instalações e propriedades, dependentes de terra e água para plantios e produção de doces entre outros produtos artesanais que comercializam.
Segundo denúncia da Rede Brasileira de Justiça Ambienta enviada ao Ministério Público, pessoas envolvidas na luta de resistência ao empreendimento receberam telefonemas anônimos com intimidações e ameaças.
Prevê-se que o projeto coloque em risco de extinção de cursos d?água da Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço e que comprometa a saúde e o abastecimento da população pela contaminação do solo e da água, além da causar a desagregação social e inviabilizar os sistemas produtivos das comunidades tradicionais e pequenos produtores locais. O projeto pode também comprometer a vocação da região para o turismo, baseado no aproveitamento de sua paisagem natural, na pujante biodiversidade regional, bem como de cavernas, sítios arqueológicos e cidades dos ciclos do Ouro e do Diamante.
Além da mina, que tem previsão de produzir 26,5 milhões de toneladas anuais de minério de ferro durante 40 anos, o Projeto Minas-Rio inclui a construção de um mineroduto de 523 km, que atravessará 32 municípios e fará o transporte dos minérios até o Porto Açu, no município de São João da Barra, no Rio de Janeiro. O mineroduto deverá consumir 2.500 metros cúbicos de água por hora do Rio do Peixe, equivalentes a 9% de sua vazão histórica nos períodos de seca. Uma represa de 5 km de diâmetro será construída para receber 25 milhões de toneladas anuais de rejeitos. Os investimentos totais (mina, mineroduto e porto) são da ordem de US$ 7 bilhões, nos próximos 3 anos.
Em 11/12/2008, na cidade de Diamantina, a Unidade Regional Colegiada/Jequitinhonha do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais (URC Jequitinhonha) concedeu Licença Prévia (LP) à, em reunião marcada pela pressão da empresa e do governo do Estado a favor do empreendimento. Havia indícios de comprometimento de conselheiros com projetos patrocinados pela Anglo Ferrous. Entretanto apenas três conselheiros apresentaram pareceres demonstrando a inviabilidade ambiental do projeto e as incoerências do processo do licenciamento. O Ministério Público Estadual informou que a empresa havia descumprido um Termo de Ajustamento de Conduta. O parecer do Estado recomendou a aprovação da LP, embora demonstrando os danos irreversíveis da implementação do projeto para as águas, a perspectiva do turismo ecológico, que o próprio Estado alentara na região por mais de uma década, para a biodiversidade e as tradições populares locais
Doze conselheiros votaram a favor da empresa. Em nota, o Movimento pelas Serras e Águas de Minas e o Fórum do Desenvolvimento Sustentável de Conceição do Mato Dentro apontaram que representantes do empresariado e do governo estadual pressionaram os conselheiros presentes à reunião a concederem a LP. O conselheiro Paulo Almeida, do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM), órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia, foi obrigado a votar favoravelmente à concessão da LP, após ter fundamentado seu voto em contrário. A coação do conselheiro ficou patenteada, pois a mudança do voto foi manifestada após ser-lhe repassado um telefone celular, por representante do Sindicato da Indústria da Extração Mineral, imediatamente após de ter apresentado parecer contrário à concessão da LP, naquela reunião. Constrangido, após receber o telefonema, resignou-se a declarar que daria um voto institucional, a favor da LP.
A entrada da MMX na região de Conceição do Mato Dentro foi iniciada pelo ex-prefeito e ex-presidente do Partido Verde em Minas Gerais, deputado federal José Fernando Aparecido de Oliveira. O poder de sedução das empresas MMX/Anglo Ferrous alcançou a realização de parcerias com entidades até então tidas como autônomas na defesa do ambientalismo, a exemplo da Associação Mineira de Defesa do Meio Ambiente (Amda), a Sociedade Amigos do Tabuleiro (SAT) e o Instituto Biodiversitas.
Contexto Ampliado
O Movimento pelas Serras e Águas de Minas denuncia como prática corrente dos governos municipais, estadual de Minas e da União, anuir ou promover o fracionamento de empreendimentos por diferentes etapas ou fases de instalação e operação, como se a avaliação por partes fosse idêntica à avaliação de seu conjunto. Nesse sentido, o governador do Estado, Aécio Neves, publicou decreto, em 05/03/2008, declarando como de utilidade pública, para fins de desapropriação, terrenos para o Mineroduto Sistema MMX Minas-Rio, antes mesmo que o projeto da Mina obtivesse a Licença Prévia do órgão estadual de meio ambiente. No mesmo sentido, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu Licença de Instalação do mesmo Mineroduto (LI nº 515, de 02/06/2008), sem que a atividade principal do empreendimento, a Mina, estivesse licenciada.
Em palestra proferida no Seminário Minas de Minas, realizada pela Assembleia Legislativa do Estado, em 2008, o secretário de Estado de Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, reconheceu ser uma esquizofrenia o licenciamento do Mineroduto antes da Licença da Mina propriamente dita. Carvalho informou ainda que havia tentado a integração do licenciamento com o IBAMA, não obtendo sucesso.
Uma ação civil pública do Ministério Público Federal revelou a incompetência e provável improbidade administrativa do IBAMA, na pressa de licenciar o Mineroduto. Ficou comprovada a incompetência técnica do órgão na avaliação dos impactos sociais do empreendimento. Um arquiteto sem qualquer formação na área social ou antropológica foi responsável pela análise dos impactos sociais do Mineroduto, com mais de 500 km de extensão, entre Minas Gerais e o litoral fluminense. O IBAMA e o Iphan tiveram que refazer os laudos arqueológicos sobre os impactos da obra, em alguns casos, baseando-se tão somente em literatura especializada ou em pesquisas de campo em total desconformidade com as normas estabelecidas. Na reunião da Licença de Instalação, em dezembro de 2009, o Ibama atestou a conformidade das obras de terraplanagem da Anglo Ferrous, sem ter realizado vistoria no local.
A posição do governo Aécio Neves não deixou, porém, nada a desejar à tendência manifesta do IBAMA, favorável ao projeto do grupo EBX e da Anglo Ferrous. Durante a fase de fiscalização do escritório do Instituto Estadual de Florestas (IEF), em Diamantina, foram constatadas várias irregularidades nos processos de sondagem e cortes de remanescentes de Mata Atlântica na região. A direção da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMAD) ordenou que os técnicos aguardassem a solução dos problemas.
É o que ficou registrado no ofício do Subsecretário de Gestão Ambiental Integrada, Ilmar Bastos Santos, ao Supervisor do Escritório Regional do IEF no Alto Jequitinhonha, Silvio de Vilhena, pelo ofício nº012/SGAI/Semad/Sisema. Assim manifestaria o Subsecretário:
Senhor Supervisor,
Conforme tratado e discutido com a presença de técnicos do Sisema na reunião realizada na Semad em 2 de abril de 2008 sobre o assunto em epígrafe [MMX – Áreas de Pesquisa Mineral em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas], venho solicitar a à vossa senhoria a adoção de seguintes medidas:
– Até que sejam dirimidas todas as dúvidas pertinentes aos laudos de vistoria elaborados pelos técnicos do IEF, realizados no dia 05 de março de 2008, sobre as áreas de pesquisas executadas pela MMX, ficam suspensas as ações adotadas contra a empresa relativamente à suspensão das Apefs (…).
As Autorizações para Exploração Florestal (APEFs), no caso, são as autorizações de cortes de matas, no presente relato, para entrada de equipamentos de sondagens minerais. A vistoria do IEF havia constatado que o empreendedor executara aberturas e pontos de sondagem fora dos perímetros e pontos autorizados pelo órgão, e que fizera cortes de Mata Atlântica em Estágio Avançado de Regeneração, quando havia permissão para fazê-lo somente em áreas em estágio médio de regeneração. A conivência do governo estadual com a destruição ambiental ficou também patenteada na degradação de cursos dágua e nascentes, algumas das quais soterradas pelas obras de terraplanagem da Anglo Ferrous.
A mina e a grande barragem de rejeitos do projeto Minas-Rio afetarão também áreas onde residem duas comunidades tradicionais, remanescentes de quilombos, da região. Os processos de coação das comunidades e o cerceamento do direito de ir e vir vêm sendo denunciados desde o início de 2009. Milícias armadas apossaram-se de logradouros públicos e cobram identificação daqueles que passam pelo local. No início da chegada da MMX, carros da empresa teriam chegado a cercar carros do IBAMA e do próprio IEF, que iriam vistoriar a região.
Vários destes episódios – além das situações de constrangimento da população tradicional – estão devidamente registrados nos vídeos Conceição: Guarde nos Olhos I, II e III, realizados pela Camarela Studios e publicados no portal Youtube.
Em março de 2010, Zulmira Furbino, em reportagem para o Estado de Minas Gerais, também trouxe denúncias com esse teor. Segundo Furbino, na comunidade de Água Santa, na Serra da Ferrugem, havia famílias se armando e construindo barricadas para impedir o acesso de agentes da empresa, que estaria utilizando homens armados para impedir o acesso dos sitiantes a estradas secundárias e trilhas tradicionais, ligadas a distritos vizinhos, que agora estariam sob controle privado da Anglo.
Furbino também relata que aqueles que venderam suas terras para a empresa, mesmo que a um preço elevado, hoje não conseguem se realocar na região, pois o preço dos imóveis estaria alto, devido à especulação imobiliária em torno das terras potencialmente de interesse da empresa.
Aécio Vieira, morador da região, relata a Furbino que: Antes da mineração, o hectare custava entre R$ 500 a R$ 1 mil. Hoje, a Anglo colocou o preço da área que é prioridade para ela entre R$ 12 mil e R$ 15 mil.
Em outra reportagem veiculada no mesmo jornal no mês seguinte, Furbino entrevistou descendentes de quilombolas da comunidade de Mumbuca, que afirmaram enfrentarem problemas decorrentes da pressão da empresa para que vendam suas terras, situadas na área de lavra da mina, sem garantias de reassentamento. Segundo Furbino, a empresa firmou um acordo com as comunidades locais, intermediado pelo Ministério Público Estadual (MPE), pela Defensoria Pública de Minas Gerais e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que garante que ela irá reassentá-los na mesma região, além de se comprometer a pagar indenizações justas pelas terras adquiridas e fornecer assistência técnica e sementes por dois anos.
Porém, na prática, o que estava ocorrendo é que as famílias eram transferidas para novas áreas e, ao invés de receber a escritura das novas propriedades, assinavam um contrato de comodato que garantia sua permanência ali por apenas dois anos. Após este prazo, a renovação do contrato deveria ser negociada com a empresa, e sua continuidade na nova terra ficaria sujeita ao interesse dela em renová-los. A assistência técnica prometida também não estava sendo fornecida.
Josefina Pimentel, de uma das famílias que firmara acordo com a empresa, afirmou a Furbino que só sairia de sua casa após ter certeza de que não iria sofrer o mesmo que famílias já transferidas: Já recebemos 30% do valor (acertado com a empresa). O preço pago pela nossa terra foi bom. O lugar para onde vamos é até melhor do que esse e a casa também. É menor, mas tem revestimento no chão, não é de chão batido. O problema é que não tem jeito de sair daqui sem ter certeza de que a gente será proprietário dessa terra. Não vamos sair de jeito nenhum.
O promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, Almir Geraldo Guimarães, afirmou a Furbino que as irregularidades seriam apuradas e que o Ministério Público Estadual (MPE) discordava do termo de comodato que foi assinado – pelos superficiários que venderam suas terras à Anglo American e que receberam terrenos em outros locais. Comodao significa empréstimo e todo empréstimo um dia terá que ser devolvido, lembra. Segundo ele, o contrato não cumpre o termo de compromisso assinado com os atingidos e não é reconhecido pelo MPE como um instrumento jurídico de transferência de terra. Só a escritura definitiva garante a propriedade.
Em junho de 2010, a comunidade de Mumbuca novamente voltou aos noticiários, dessa vez devido ao assassinato de um membro da comunidade conhecido como Delzinho, um dos principais articuladores da resistência ao empreendimento.
De acordo com Dora Alvarenga, Delzinho era o responsável pelo espaço onde as reuniões da comunidade eram realizadas e foi um dos primeiros a se indignar contra a mineração da MMX-Anglo Ferrous. Delzinho denunciava com frequência crimes ambientais ilegais cometidos pela empresa, como o corte ilegal de madeira e seu posterior enterramento para burlar a fiscalização, e os impactos das obras na vida da comunidade.
Em janeiro de 2012, uma reportagem de Leandro Uchoas informava que os problemas enfrentados pelas comunidades rurais de Conceição de Mato Dentro havia se intensificado. Entrevistado por Uchoas, José Adilson Gonçalves, o Zé Pepino, afirmou na época: Há uns quatro anos, minha água começou a sujar. Eles não fizeram nada. Eu tinha um pomar de goiabeira, e uma área de 300 metros de peixe. Acabou tudo. Só tem lama, óleo e sujeira. Ano passado, eu perdi nove cabeças de boi. Minha família teve problema de pele, coceira. Eles não fazem nada. Eu não estou nem na lista dos atingidos.
Uchoas também relata ter presenciado o momento em que agentes de segurança da empresa ameaçavam agricultores na região. Segundo ele: Durante a apuração desta reportagem, o Brasil de Fato flagrou um conflito de terra entre a Anglo American e agricultores. Chegando à propriedade dos irmãos Lúcio e Antônio Pimenta para entrevistá-los, o repórter encontrou um carro da segurança da empresa. O veículo havia entrado no terreno da família. Os seguranças haviam ido abordar os irmãos, mas recuaram ao perceber que estavam sendo fillmados.
Posteriormente, afirmaram que as terras invadidas eram da empresa. Dois dias antes, uma plantação havia sido destruída no mesmo local. Lúcio Guerra Júnior estava presente, e tentou chamar a polícia, que se negou a atender à convocação. Pouco depois, um policial chegou ao local no mesmo veículo que um representante da empresa. Ele solicitou que se apresentasse a documentação de posse das terras. Tanto Lúcio quanto o representante da empresa apresentaram documentos que comprovariam a posse. Todos foram para a delegacia fazer um Boletim de Ocorrência. O impasse ainda será julgado.
Claudia Brasil, a serviço da Rádio Câmara, colheu relatos similares, como o do agricultor João Élcio, que afirmou:
“Trinta hectares eu negociei com eles. Pagou-me agora esses dias. Mas tem duas meninas que estão casadas, que eles têm de passar 20 hectares para cada uma delas, não passaram ainda. Pagou-me agora – tem mais de um ano – sem juros nenhum. O negócio dos royalties da mineração, porque eu moro lá em cima na serra. Não me deram documentação nenhuma do royalty, que um advogado deles mesmo me falou que eu tinha direito dos royalties, daqui a quatro anos, quando começar a tirar o minério. Não me deu comprovante disso, não me deu nada. Eu saí com uma ameaça, mas eu não concordo com essa compra deles aí, sem juros, não.”
O então secretário de meio-ambiente de Conceição do Mato Dentro, Sandro Lage, afirmou a Brasil de Fato que: Nas cidades, nós temos um impacto grande pelo grande contingente de trabalhadores hoje na cidade formando repúblicas, impactando nosso casario, nosso trânsito. O mercado imobiliário, também muito inflacionado em função da hospedagem desses trabalhadores aqui na cidade.” Outro problema relatado seria a incapacidade do aterro controlado da cidade em gerenciar os resíduos sólidos gerados pela população aumentada.
Em março de 2012, uma decisão judicial paralisou as obras da mina até que a empresa obtivesse aprovação expressa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Segundo o promotor de Justiça de Conceição do Mato Dentro, Almir Geraldo Guimarães, autor da ação que deu origem à liminar, as operações da empresa representam risco de destruição do patrimônio histórico da região, inclusive de sítios arqueológicos detentores de reminiscências de quilombolas.
A promotoria também exigiu que seja paralisada a implantação do empreendimento sobre os sítios arqueológicos quilombolas e em seu entorno, bem como o pagamento, pela Anglo Ferrous, de indenização relativa aos danos materiais irreparáveis e morais coletivos em decorrência do empreendimento em montante não inferior a R$ 5 milhões.
Em abril daquele mesmo ano, o Ministério Público Estadual de Minas Gerais (MPE/MG) obteve nova vitória junto ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG); dessa vez, conseguindo que o tribunal embargasse as obras da planta de beneficiamento de minério de ferro na Serra do Sapo, em Conceição do Mato Dentro.
Isto porque o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) do Jequitinhonha aprovou a redefinição do raio de proteção da cavidade (caverna arqueológica) CAI-03 de 250 metros para 100 metros, localizada na área da mina. Segundo a procuradoria, somente o IBAMA possuía competência para tal alteração. Esta liminar foi cassada em setembro daquele ano. Naquele mesmo mês, o MPF realizou uma audiência pública em que foram relatados diversos abusos cometidos pela empresa. Na ocasião, o MPF sistematizou as denúncias da seguinte forma:
Enquanto, por um lado, os moradores são impedidos de utilizar estradas, caminhos e passagens em áreas adquiridas pela empresa, por outro, seus funcionários, de maneira arrogante e prepotente, entram e passam pelas terras dessas mesmas famílias, com caminhonete e veículos pesados, sem qualquer consentimento prévio do proprietário, destruindo estradas, mata-burros, cercas e porteiras. (…) Na medida em que os danos causados às estradas e mata-burros vêm dificultando e, por vezes, até impedindo o acesso das comunidades rurais aos serviços públicos básicos, como educação, saúde etc. Há inúmeros relatos de interrupção do transporte escolar em razão dos danos, bem como manifestações de preocupação em relação às pessoas idosas e pessoas com necessidade de atendimento emergencial no sistema de saúde, por temerem que, em situações de urgência, a interrupção dos acessos possa ter consequências graves e danosas.
Como consequência, o MPF emitiu recomendações para que a empresa cessasse de realizar tais práticas, que configurariam crimes como ameaça, constrangimento ilegal, violação de domicílio, dano e até perturbação do sossego, que é uma contravenção. Por isso, recomendaram que a empresa suspenda imediatamente situações, processos e ações que configurem violações aos direitos humanos, que promova a reparação e compensação das violações já constatadas e tome medidas para evitar novas ocorrências. Recomendou-se ainda a manutenção regular das estradas e abstenção de entrar ou permanecer, sem a autorização do proprietário, em propriedades particulares.
Outras duas recomendações foram emitidas pelo MPF para que a empresa e o Município de Alvorada de Minas tomassem medidas para evitar que o intenso trânsito próximo à escola Municipal São José do Arruda, localizada naquele município, continuasse a gerar emissões excessivas de poeira, representando risco à saúde dos estudantes.
Por fim, o MPF também recomendou à empresa medidas urgentes para monitoramento da qualidade da água dos córregos a jusante da área do empreendimento, sobretudo dos Córregos Passa Sete (também denominado Passa Três) e Pereira (também denominado Vargem Grande). As comunidades que dependem desses córregos reclamam da piora na qualidade da água após o início das obras da mina. Segundo o MPF, isto seria uma violação de uma das condicionantes impostas pelos órgãos ambientais durante o licenciamento ambiental.
O Diário do Comércio noticiou, em novebro daquele ano2012, que a Anglo revisava os custos e o cronograma do empreendimento. Segundo o jornal, os custos de implantação de todo o sistema de mina (MG), mineroduto e complexo portuário (RJ) passaria de quatro para oito bilhões de reais e a Anglo calculava que todo o empreendimento levaria um ano e maio meio a mais além do previsto. Essa estimativa levava em consideração um cenário em que os empreendedores conseguissem derrubar todas as liminares que suspendiam diversas fases do sistema, além d e conseguissem as autorizações ambientais necessárias.
Em nota, a Anglo divulgou que: Desde julho, a empresa tem se dedicado a solucionar os desafios de licenciamento. Eles incluem três ações civis públicas que afetam as atividades de construção na planta de beneficiamento, assim como questões de acesso a terras que afetam a rota do mineroduto de 525 quilômetros.
Em dezembro de 2012, a empresa conseguiu autorização do IBAMA para início da instalação da linha de transmissão para fornecimento de energia necessária ao funcionamento da mina. Para tanto, a empresa irá desmatar uma extensa área de Mata Atlântica nos municípios de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas. A linha de transmissão vai percorrer aproximadamente 90 quilômetros, a partir da subestação elétrica na cidade mineira de Itabira.
Em seis de maio de 2013, foi realizada uma nova audiência pública, dessa vez na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG), para discutir os impactos socioambientais já causados pela mineradora. De acordo com matéria veiculada pela ALMG, na ocasião, foram denunciadas grilagem de terras, assoreamento de córregos e rios, coação da população e destruição do meio ambiente.
Em relato na audiência, o representante do Movimento dos Atingidos de Conceição do Mato Dentro, Lúcio Guerra Júnior, reafirmou denúncias anteriores de que seguranças da empresa mineradora estavam proibindo a população de transitar por estradas e de chegar até as propriedades rurais. A Anglo está fazendo grilagem de terras e os donos dos terrenos não estão sendo autorizados a passar e a entrar em seus terrenos. Além disso, os rios da região estão sofrendo assoreamento e diversas comunidades sofrem com a falta de água e com a poluição dos mananciais. Na área urbana do município os problemas estavam associados aos congestionamentos, problemas de saúde, de educação e de segurança pública.
Segundo a defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre, há ainda a omissão do poder público, em relação ao não cumprimento das condicionantes ambientais e sociais que a empresa mineradora se comprometeu, com a liberação da licença de instalação. Para ela, se o Estado não pode cumprir o seu papel fiscalizador, ele não pode autorizar a implantação.
Ao fim da audiência pública, várias entidades reivindicaram a suspensão das atividades da mineradora na região, monção na qual obtiveram o apoio de diversos deputados estaduais presentes na audiência.
Em agosto de 2013, o empreendimento sofreu o novo revés quando a Prefeitura Municipal de Dom Joaquim anunciou publicamente que os caminhões da companhia estavam proibidos de entrar no município para a continuidade das obras de uma adutora que levaria água do rio do Peixe até Conceição do Mato Dentro, a uma vazão de 2.500 metros cúbicos de água por hora.
Como forma de coação aà empresa, a prefeitura mandou instalar estacas nas vias de acesso ao município. Em reportagem publicada no portal Hoje em Dia, Bruno Porto informa que, segundo a prefeitura, a decisão estava relacionada com os impactos locais do empreendimento, tais como a destruição de ruas e rede de esgoto em decorrência do trânsito de caminhões pesados, além de assoreamento de rios.
Entrevistado pelo repórter, o prefeito Joraci Madureira, afirmou na ocasião que os termos de compromisso assinados pela Anglo American somavam obrigações de reparos orçados em R$ 25 milhões, mas os estragos totais somariam pelo menos R$ 100 milhões. O impacto ambiental, que é talvez o mais grave, não se quantifica e nem se recupera.
No mês seguinte, o movimento dos atingidos pelo empreendimento foiram a público denunciar novas irregularidades;, dessa vez, em relação a atos do licenciamento ambiental realizados pela Superintendência Regional de Regularização Ambiental Jequitinhonha (MG). De acordo com o movimento social, a SUPRAM teria contrariado decisão do Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM) ao aceitar estudos financiados pela empresa em substituição a outros realizados por empresa de consultoria indicada pelo movimento social. Segundo o relato:
Diante do impasse provocado pela precariedade dos estudos referentes ao universo dos atingidos pelo empreendimento Minas-Rio, o COPAM decidiu por votação, em 2010, que a Anglo American custeasse um laudo confeccionado por empresa independente e de notório saber técnico, a ser indicada pela Comissão dos Atingidos, com vistas à caracterização sociocultural da Área Diretamente Afetada (ADA) e da Área de Influencia Direta (AID). Tal estudo foi realizado pela empresa Diversus e protocolado na SUPRAM em 2011 e 2012. Enquanto o EIA-RIMA do empreendimento indicava duas comunidades como atingidas, o relatório da Diversus identificou outras 20 comunidades, ampliando o universo dos atingidos para 22 comunidades. Contudo, a SUPRAM aceitou um terceiro estudo sobre as comunidades afetadas, realizado sob encomenda da própria Anglo American pela consultoria Ferreira Rocha, que nega a conclusão do relatório da Diversus e reafirma a conclusão do EIA-RIMA.
Entendemos que a SUPRAM, ao avalizar esse estudo no processo de licenciamento, comete graves erros:
A SUPRAM considerou o estudo da Diversus incompleto sem dispor, para tanto, de parecer único fundamentado, e sem que esta conclusão tenha sido levada à votação no COPAM. A SUPRAM impediu, assim, a decisão dos conselheiros;
A aceitação do estudo Ferreira Rocha sem votação no órgão deliberativo – o COPAM – configura um ato contrário à decisão do mesmo, que determinou que a indicação da consultoria fosse feita pela Comissão dos Atingidos e não pela empresa interessada. Desta forma, a SUPRAM atropela a decisão do COPAM, que garantiria um mínimo de controle social sobre a elaboração do estudo, por aqueles que mais sofrerão as consequências do empreendimento;
Atenta igualmente contra a decisão do COPAM o fato de a equipe responsável pela elaboração do estudo Ferreira Rocha não dispor de notório saber técnico, não contando nem mesmo com profissionais técnicos qualificados para a caracterização requerida;
Em parecer único, a SUPRAM utilizou as conclusões desse estudo – elaborado por consultores escolhidos, contratados e pagos diretamente pela Anglo American – para a avaliação da viabilidade ambiental e social do empreendimento. Esta postura parcial na condução do processo de licenciamento configura um golpe que beneficiará diretamente esta multinacional em detrimento da vida e dos direitos de centenas de famílias.
Cronologia:
05 de março de 2008: Governo do Estado de Minas Gerais publica decreto declarando como de utilidade pública terrenos para o Mineroduto do Sistema Minas-Rio. No mesmo dia, técnicos do IEF realizam vistorias em àáreas de pesquisa da MMX, foram constatadasndo áreas de corte localizadas fora do perímetro anteriormente autorizado.
Abril de 2008: SEMAD realiza reunião para discutir vistorias no local de instalação da mina.
02 de junho de 2008: IBAMA concede licença de instalação do mineroduto.
2009: Membros de comunidades situadas próximas aos locais das obras denunciam a ação de milícias armadas que impedem trânsito por áreas tradicionais dessas comunidades. Ações são denunciadas na série de vídeos “Guarde nos Olhos”.
Dezembro de 2009: Em reunião para discutir licenciamento do empreendimento, IBAMA atesta conformidade de obras de terraplanagem da Anglo Ferrous.
Março de 2010: Reportagem do jornal O Estado de Minas divulga denúncias da comunidade Água Santa a respeitoda atuação de homens armados a serviço da empresa que estariam impedindo “o acesso dos sitiantes a estradas secundárias e trilhas tradicionais”.
Abril de 2010: Quilombolas da comunidade de Mumbuca denunciam impactos das obras da empresa.
Junho de 2010: Delzinho, quilombola da comunidade de Mumbuca, é assassinado.
Janeiro de 2012: Moradores de comunidades rurais de Conceição do Mato Dentro denunciam poluição da água das propriedades da região.
Março de 2012: Decisão judicial paralisa as obras da mina até que a empresa obtivesse aprovação expressa do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)
Abril de 2012: MPE/MG obtéêm decisão favorável à ação que pedia o embargo das obras da planta de beneficiamento de minério de ferro na Serra do Sapo, em Conceição do Mato Dentro.
Setembro de 2012: Liminar concedida pelo TJ-MG ao MPE é cassada.
No mesmo mês, MPF realiza audiência para discutir impactos do empreendimento. Denuúncias veiculadas na audiência resultam em recomendações do MPF à empresa para que cessasse práticas que violavam os direitos das comunidades.
Novembro de 2012: Anglo anuncia adiamento do cronograma das obras.
Dezembro de 2012: IBAMA autoriza instalação de linhas de transmissão para fornecimento de energia elétrica ao empreendimento.
06 de maio de 2013: ALMG realiza audiência pública para discutir impactos do empreendimento.
Agosto de 2013: Prefeitura Municipal de Dom Joaquim impede continuidade de obras para construção de adutora para fornecimento de água para empreendimento.
Última atualização em: 27 de maio de 2014
Fontes
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