MG – Aliciamento de trabalhadores rurais nordestinos impõe condições degradantes de trabalho para a produção de cana-de-açúcar na região do Triângulo Mineiro

UF: MG

Município Atingido: Uberaba (MG)

Outros Municípios: Conquista (MG), Delta (MG), Perdizes (MG), Uberaba (MG)

População: Comunidades urbanas, Operários, Trabalhadores rurais assalariados

Atividades Geradoras do Conflito: Agroindústria, Monoculturas, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Poluição do solo

Danos à Saúde: Acidentes, Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal

Síntese

Anualmente, cerca de 20 mil trabalhadores rurais boias-frias migram do Nordeste para a região do Triângulo Mineiro para trabalharem nas lavouras e nas usinas de cana-de-açúcar, submetendo-se ao agenciamento dos ?gatos? e à exploração da mão-de-obra em regime análogo à escravidão. O crescimento da indústria sucroalcooleira, alimentada pela política de agroenergia ou biocombustíveis, aumenta os problemas. Os municípios não possuem serviços públicos (saúde, educação e segurança pública, por exemplo) estruturados para lidar com o contingente populacional, o que favorece a proliferação de redes de tráfico de crianças e adolescentes, de prostituição infantil, bem como aumento da criminalidade em geral.

No Município de Perdizes, 70 trabalhadores se libertaram da rede de exploração da Fazenda Lagoa da Prata, ao entrarem em greve e promoverem, em abril de 2007, uma passeata pelas ruas da cidade para denunciar suas condições de trabalho. ?Vivíamos praticamente em regime de escravidão. Não tínhamos carteira assinada e os funcionários fazenda, além de roubarem na pesagem da cana, descontavam R$ 170 por mês por uma cesta básica que só tinha feijão e salsicha. No final do mês, a gente sempre estava devendo para os patrões?, afirmou o trabalhador rural, Raimundo da Silva ao jornal Correio Braziliense.

Os trabalhadores haviam sido aliciados no município de Ibiassuce, na Bahia, com a proposta do agenciador conhecido como ?Zoinho?, de um salário de R$ 400 mais remuneração extra por produção e ajuda de custo para alimentação. Com a intervenção do Procurador do Trabalho, Elias Queiroz, os fazendeiros assinaram um acordo com os trabalhadores, indenizando-os com um salário de R$ 380 e uma ajuda de custo de R$ 100, para retornarem à Bahia.

De acordo com notícia de Amaury Junior (Estado de Minas, 14/05/2007), em Perdizes, o ?gato? Juarez César de Carvalho, dono do Armazém Carvalho, acusado, em 2007, por seus trabalhadores, de não honrar compromissos trabalhistas, chegou a ser preso pela Polícia Federal em 2005, com seu sócio, Lélio Zanuto, quando trabalhava para a Usina Delta (município de Delta) sob a acusação de manter 170 cortadores de cana em regime análogo ao de escravo. Os trabalhadores haviam sido aliciados em Alagoas e eram obrigados a comprar em seu Armazém, a preços acima do mercado.

A Usina Delta (onde trabalhava Juarez César de Carvalho quando foi preso pela Polícia Federal por explorar trabalhadores rurais, em 2005) pertence ao Grupo Carlos Lyra, que possui outras usinas de cana-de-açúcar e sede em Maceió, capital de Alagoas. A Usina Delta é a principal usina do município de Delta, localizado às margens do Rio Grande, na divisa com o estado de São Paulo. O município dobra sua população de 5 mil para 10 mil habitantes na época da safra da cana. Segundo o prefeito de Delta, José Eustáquio da Silva, ?o município está em colapso. Os postos de saúde, hospitais e escolas estão abarrotados. E o pior é que junto com os trabalhadores vem toda espécie de gente e bandido?.

Contexto Ampliado

Segundo a Agência Repórter Brasil, a família Lyra é centenária e uma das mais ricas de Alagoas. Carlos Lyra é irmão do ex-deputado João Lyra, dono do grupo que leva seu nome, um conglomerado que reúne dez empresas, dentre as quais cinco usinas de cana-de-açúcar (sendo três em Alagoas e duas no Triângulo Mineiro) e também empresas nos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalar. Em 2006, quando concorreu ao governo de Alagoas pelo PTB, João Lyra era o segundo candidato mais rico do país, com bens declarados no valor de R$ 236 milhões (perdeu para o atual governador, Teotônio Vilela, do PSDB). João Lyra também é pai de Thereza Collor, viúva de Pedro Collor, irmão do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello, e pai de Lurdinha Lyra, vice-prefeita de Maceió.(Thenório)

Em fevereiro de 2008, fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) libertaram 53 pessoas que trabalhavam em condições degradantes na Usina Laginha, do Grupo João Lyra, no município de União dos Palmares, em Alagoas. Em novembro de 2007, a empresa já havia firmado um termo de ajuste de conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho para fornecimento adequado de equipamentos de segurança aos trabalhadores.

O Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego é integrado por inspetores do trabalho, procuradores do trabalho e policiais federais. Segundo a Comissão Pastoral da Terra, o Ministério do Trabalho contabiliza, de janeiro de 2003 a outubro de 2008, 25 operações do Grupo Móvel, que resgataram 6.779 trabalhadores da condição análoga à de escravo em canaviais dos estados de Goiás (6 casos), São Paulo (4), Alagoas, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (3 em cada), Rio de janeiro (2), além de Ceará, Minas Gerais, Paraná e Pará (1 em cada).

Segundo o prefeito de Delta, a criminalidade aumentou significativamente entre 2004 e 2007, período em que a Usina Delta praticamente duplicou sua produção. Somente em 2007, a sede dos Correios na cidade foi invadida por bandidos quatro vezes e três pessoas morreram, assassinadas com requintes de crueldade. Os municípios de Delta e Conquista passaram a ter oito homicídios por ano, em Uberaba, o número de crimes dessa natureza cresceu de 34 para 60 casos em apenas dois anos, segundo o delegado Heli Andrade. O município também passou a abrigar centenas de prostitutas, espalhadas por 27 boates e casas de prostituição. O tráfico de crianças e adolescentes e a prostituição infantil vieram à tona quando a Polícia do Rio Grande do Sul desmantelou uma rede de aliciadores e de traficantes de meninas e meninos que agia em Delta. (Ribeiro Jr., Proliferação desenfreada…)

A terceirização do recrutamento de boias-frias aos gatos distribui a responsabilidade e riscos de penalização pelo trabalho degradante entre as empresas produtoras e os agenciadores. No caso citado do ?gato? Juarez César de Carvalho, os boias-frias por ele contratados eram obrigados a fazer suas compras no armazém dele. Como garantia de pagamento, deixavam seus cartões bancários e as respectivas senhas bancárias com o agente. Segundo o delegado da Polícia Federal Davidson Chagas, responsável pelo caso, ?no final de cada mês, os comerciantes reuniam todos os 170 cartões, sacavam o dinheiro, abatiam o débito e entregavam uns trocados para os trabalhadores que contraíam cada um, em média, R$ 700 em dívidas no armazém?. Os ?gatos? foram soltos para responderem o processo em liberdade e, segundo a reportagem do Correio Braziliense, Juarez continuava se apossando dos cartões de seus trabalhadores em 2007. ?Os trabalhadores rurais explorados raramente reclamam porque são ameaçados por Juarez , que anda armado?, afirmou o cortador de cana alagoano Leandro dos Santos da Costa, que já foi seu empregado.

Segundo estatísticas do Conselho Tutelar e da Prefeitura de Delta, apresentadas pelo jornal Estado de Minas, havia, em 2007, no município, cerca de 60 meninas grávidas ou mães de recém-nascidos. A mesma realidade era vivenciada pelo município de Conquista.

O modus operandi da monocultura de cana e das usinas sucro-alcooleiras, sua relação com verdadeiras redes de aliciamento e espoliação da força-de-trabalho, são objeto de pesquisas preliminares de campo do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) da UFMG. Essas pesquisas foram feitas na região do Triângulo Mineiro (Uberaba), mas também no interior de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Foram colhidos impressionantes depoimentos de trabalhadores das monoculturas de cana. Esse esforço de pesquisa resultou no livro Despoluindo incertezas: impactos territoriais da expansão de agrocombustíveis e perspectivas para uma produção sustentável, de autoria de Wendell Ficher Teixeira Assis e Marcos Cristiano Zucarelli. A consulta ao livro pode ser importante para a caracterização do contexto mais amplo do caso aqui relatado.

Última atualização em: 21 de dezembro de 2009

Fontes

?Cana-de -açúcar e a violência no Triângulo Mineiro: Proliferação desenfreada da cana-de-açúcar está levando a fome, a criminalidade e o tráfico de crianças a localidades do Triângulo Mineiro?. O Estado de Minas. 13/05/2007. Disponível em http://www.cedefes.org.br/new/index.php?conteudo=materias/index&secao=2&tema=24&materia=3647, último acesso em 26/02/2009.

Ribeiro Jr., Amaury. ?Cana ainda é combustível para o trabalho escravo: ?Gatos? e empresários continuam explorando nordestinos no ciclo de expansão econômica de cidades do Triângulo Mineiro?. Correio Braziliense. 14/05/2007. Disponível em http://br.groups.yahoo.com/group/GT_racismoambiental/message/1192, último acesso em 26/02/2009.

?Mais de 450 pessoas são resgatadas de fazendas em Alagoas?. Repórter Brasil. 26/02/2008. Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1296, último acesso em 26/02/2009.

Grupo Carlos Lyra. Disponível em http://www.carloslyra.com.br/, último acesso em 26/02/2009.

Grupo João Lyra. Disponível em http://www.grupojoaolyra.com.br/, último acesso em 26/02/2009.

Comissão Pastoral da Terra. ?Etanol e trabalho escravo: aonde o governo brasileiro quer chegar?? Nota pública. 17/11/2008.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *