MG – Acampamento Maria da Conceição sofre ameaças e violações ambientais causadas pela mineração
UF: MG
Município Atingido: Itatiaiuçu (MG)
População: Agricultores familiares, Trabalhadores rurais sem terra
Atividades Geradoras do Conflito: Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
O acampamento Maria da Conceição, localizado a aproximadamente 78 quilômetros da capital mineira, Belo Horizonte, é prioritariamente organizado por mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sendo um dos maiores produtores de hortaliças, frutas e legumes orgânicos da região. Conta também com uma escola e diferentes atividades culturais que fortalecem as atividades no campo.
A área está sendo alvo de especulação imobilária para fins mineráros. Antes da ocupação, pertencia à empresa Mineração e Metálicos S.A. (MMX), do Grupo EBX, do empresário Eike Batista. As terras encontravam-se abandonadas e a MMX falida. O MST apontou que a área sofreu constantes violações ambientais com a atividade mineradora frequente em seu solo. Em 2019, a ocupação continua sendo alvo de ameaças.
Contexto Ampliado
O acampamento Maria da Conceição está localizado no município de Itatiaiuçu, interior de Minas Gerais, a aproximadamente 78 quilômetros da região metropolitana de Belo Horizonte. Resultado da luta da Jornada das Mulheres do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o acampamento tem sido mantido com trabalho e organização coletiva, garantindo a produção de alimentos, construção de barracos e organização dos núcleos de base das famílias, além do forte envolvimento com a construção da Escola do Campo.
De acordo com o site Planeta MG, o acampamento Maria da Conceição teve sua fundação no dia 08 de março de 2017, Dia Internacional das Mulheres, durante a Jornada Nacional de Lutas das Mulheres. A ocupação foi organizada por mulheres do MST e famílias ligadas ao movimento. Segundo o jornal Brasil de Fato, há aproximadamente 600 pessoas na ocupação.
Na área onde hoje é o acampamento, tem sido realizado um importante trabalho de recuperação da terra, antes abandonada, improdutiva e desmatada. No local, agora são produzidas hortaliças, frutas, verduras e legumes. As hortas particulares ou comunitárias são livres de agrotóxicos, fertilizantes químicos mistos e sementes transgênicas. Utilizam o princípio da sustentabilidade, agroecologia e cultivo de alimentos saudáveis, totalmente orgânicos, desde o preparo da terra, a semeadura, com grãos crioulos, até a colheita manual. O acampamento abastece Belo Horizonte com alimentos orgânicos e sustenta as famílias ali residentes e organizadas em núcleos. Assim como outros acampamentos do MST, cada núcleo é responsável por realizar tarefas específicas que cada família executa em favor da comunidade, numa divisão coletiva do trabalho. Todos participam da construção nos lotes familiares quando os acampados não têm condições financeiras de erguerem seu próprio barraco.
Segundo informações do site Planeta MG, no acampamento há um espaço chamado Plenária, construído para ser utilizado pelo “Sim, Eu Posso!”, um programa de alfabetização de jovens e adultos e de reforço escolar para as crianças, além de servir também para as reuniões dos núcleos e eventos culturais. As aulas, ministradas por professores voluntários, acontecem de segunda a quinta-feira, com cerca de 60 alunos de várias idades. Aos finais de semana, são promovidos eventos culturais, como rodas de cantiga, cirandas e cultos ecumênicos.
As construções – tanto da Plenária, da Ciranda e do Galpão de Produção, em que são separados e armazenados os alimentos – têm participação de todos os acampados. No acampamento há também a Casa da Saúde, local onde são atendidas emergências. Todo o tratamento é realizado por meio de medicamentos fitoterápicos e advindo de conhecimentos tradicionais.
O Acampamento conta ainda com dois tanques experimentais de criação de tilápias, segundo matéria do site Planeta MG. Há a proposta de implementação de um projeto, por parte do Governo do Estado de Minas Gerais, o Programa de Segurança Alimentar (PSA), que visa a criação de aves, suínos e abelhas. No entanto, devido a problemas orçamentários, ainda não foram repassados recursos para que o projeto seja implantado no local.
De acordo com o jornal Brasil de Fato, esta área ocupada chamava-se, anteriormente, fazenda Santa Terezinha, e pertencia à Mineração e Metálicos S.A. (MMX), do Grupo EBX, do empresário Eike Batista, hoje em recuperação judicial. Batista foi preso em janeiro de 2017 por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Na época da ocupação, as terras encontravam-se abandonadas. O MST apontou que a área sofreu constantes violações ambientais com a atividade mineradora em seu subsolo.
Em julho de 2017, apenas alguns meses após a ocupação, uma liminar concedida por juiz da Vara Agrária do Tribunal de Justiça do Estado de MG determinou a reintegração de posse do acampamento. No dia 17 de julho, um dia antes do prazo da ação da reintegração, o MST concedeu uma entrevista coletiva na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALEMG), prometendo resistir à ação de despejo impetrada pela MMX contra o acampamento Maria da Conceição. Deputados aliados criticaram a ordem judicial de despejo.
Segundo o coordenador estadual do MST, Silvio Neto, a área não cumpria sua função social no momento da ocupação, e o movimento resistiria à reintegração de posse.
Carlos Alberto Torezani, advogado do MST, afirmou que a liminar concedida não cumpria os requisitos do novo Código Civil, pois não foi realizada audiência preliminar, em que o magistrado deveria ir à área objeto do conflito para verificar o seu uso efetivo.
O advogado afirmou ainda que a MMX entrou no processo após ordem judicial, como assistente dos autores, alegando que um casal de proprietários rurais arrendou a área para a atividade pecuária. No entanto, segundo Torezani, não havia provas de que o terreno fora destinado para a criação de gado.
Além disso, havia agravos de instrumento contra o pedido de reintegração de posse, que seriam julgados em 10 dias a partir de sua proposição. Sendo assim, não era esperado o despejo das famílias antes da análise desses recursos.
No mesmo dia 17 de julho, enquanto era realizada a coletiva na ALEMG, foi realizado pelo MST um bloqueio na rodovia BR-381, na altura da localidade de Santa Terezinha, no município de Itatiaiuçu, com objetivo de denunciar o despejo iminente. Apesar de haver três agravos pedindo a suspensão do despejo, ainda a serem julgados na Vara Agrária de Minas Gerais, o judiciário insistia em efetivar a retirada das famílias. Para Silvio Neto, da Direção Estadual do MST, o conflito que ameaçava as famílias era responsabilidade do Estado.
“O mesmo Estado que liberta um criminoso e o coloca em sua mansão é o que decide retirar as famílias da terra e despejá-las sem apontar para onde poderiam ir”, denunciou em entrevista para o portal Intersindical
Silvio Neto também destacou que não bastava a suspensão do despejo, era preciso resolver a questão agrária: “A MMX é uma massa falida, que possui cerca de oito mil hectares na região metropolitana, grande parte abandonados. Ela deveria vender a terra, até como parte de sua recuperação econômica, cabe ao Governo de Minas Gerais comprá-la para assentar as famílias.”
Segundo o Dr. Carlos Alberto Torezani, advogado popular que acompanhou o caso, o pedido de reintegração de posse sequer partiu da empresa, que entrou posteriormente nos autos: “Quem iniciou o processo foi o casal José Pinto de Melo e Cleide Pedrosa, irmã de Carlaile Pedrosa, ex-prefeito de Betim pelo [Partido da Social Democracia Brasileira] PSDB. As autoridades alegam um suposto contrato de arrendamento para criação de gado, o que configura um incidente de falsidade nos autos, porque não há provas deste fato. Não há atividade pecuária naquela fazenda há pelo menos 12 anos.”
O advogado argumentou também que o procedimento para o despejo não foi realizado, tornando a decisão arbitrária: “É um contrassenso que haja uma ordem dessa, porque os agravos deverão ser julgados agora, no dia 27 de julho. De acordo com a lei, o juiz deveria fazer uma vistoria e uma audiência preliminar. Se ele fosse até a área, saberia que não há nenhuma produção além daquela feita pelas famílias Sem Terra.”
Mirinha Muniz, acampada no local, advertiu ao portal Intersindical, em 19 de julho de 2019, que: “as famílias têm objetivo de ficar, já fincaram raiz ali. Construíram suas casas, encanaram água, estão produzindo. Se o estado permitir essa remoção, vai haver uma tragédia. Não temos para onde ir.”
Leonardo Nogueira, do Levante Popular da Juventude, ressaltou que esta é uma pauta histórica e que o movimento possui uma proposta diferenciada para o cultivo da terra: “Estamos falando de trabalhadores que foram expulsos de forma brutal de suas terras por senhores latifundiários que ainda ocupam o poder. Quando a gente critica a estrutura agrária brasileira e diz que a terra tem que cumprir sua função social, estamos dizendo que o MST cumpre um papel fundamental na construção de uma alternativa para o campo. Estamos falando de um movimento que é o maior produtor de arroz da América Latina e tem a agroecologia como princípio.”
O então deputado estadual Rogério Corrêa, do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais (PT/MG), cobrou uma posição do Governo do Estado em relação aos conflitos que se alastram ali: “Criei um projeto de lei que precisa ser aprovado. Ele propõe a instauração permanente da Mesa de Negociações. Temos 15 milhões de desempregados, as ocupações só tendem a aumentar. O governo precisa se decidir, ou entende as ocupações como conflitos, como uma questão social, ou entende como crime.”
Em julho de 2018, o juiz Marcelo Bretas realizou a primeira condenação de Eike Batista – 30 anos de prisão -, numa ação penal decorrente da “Operação Eficiência”, em que o empresário é acusado de ter pago propina de U$S 16,5 milhões em 2010 (cerca de R$ 30 milhões, na época) ao ex-governador Sérgio Cabral (do Movimento Democrático Brasileiro – MDB), de acordo com reportagem do site O Tempo.
A ocupação, entretanto, continou resistindo. No dia 22 de fevereiro de 2019, de acordo com matéria publicada no Jornal GGN, a escola do Acampamento Maria da Conceição sofreu uma ameaça de fechamento por parte do governo do Estado. A escola nos assentamentos, no campo, no local de moradia é uma conquista histórica.
“Ter escola na comunidade possibilita os adultos estudarem, coisa que eles não poderão fazer se a escola for longe de suas moradias”, afirma Matilde Araújo, da direção estadual do setor de educação do MST.
O direito de ter a escola próxima ao local de moradia é assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pela Constituição Federal de 1988. “Fechar escola no acampamento é um ato de covardia com as crianças, jovens e adultos que estão naquele espaço. Faz parte do pacote retirada de direitos. Nós não vamos aceitar que isso aconteça”, completa Matilde.
A participação das mulheres é forte no acampamento, e elas também se destacam na construção do projeto político-pedagógico da escola. Na opinião de Adriana, do setor de educação do acampamento Maria da Conceição, há um significado político na construção de escolas nas áreas do MST: “Nossos alunos ficam isentos de preconceito. Na cidade, eles sofrem por ter poeira nos pés e por ser sem terra. A educação no MST trabalha com a ideia de pensar a formação dos jovens dentro da terra, trabalhando com o que eles vivem.”
Para a etapa final da construção da escola, foi necessário arrecadar doações de materiais e também de mão de obra. Houve apoio da regional metropolitana do MST através da Secretaria do Acampamento e do Armazém do Campo de BH, bem como abertura de uma coleta de doações através do site vakinha.com, a encerrar-se em janeiro de 2020. Todo o valor arrecadado será usado para quitar as dívidas com as lojas de material de construção da região.
Segundo o Planeta MG, o acampamento Maria da Conceição tem sofrido embargo econômico e social no município de Itatiaiuçu. A proibição da prefeitura em permitir que o acampamento possa comercializar seus produtos no mercado tem provocado constantes reivindicações por parte das lideranças do acampamento. A ausência de visitas médicas e de assistentes sociais do município também é um exemplo de negligência por parte do poder público.
A cerca de 100 metros do acampamento há torres e postes de transmissão de energia elétrica, mas não há acesso à eletricidade. A energia é obtida por meio de gerador movido a combustível e placas solares doados, mas que não conseguem suprir as necessidades da comunidade. A água potável é disponibilizada nas caixas de reserva. Cada família precisa abastecer as vasilhas, pois não há água encanada ou tratamento de esgoto.
Quase dois anos depois, no dia 27 de agosto de 2019, a Regional Milton Freitas (MST-MG) comunicou a suspensão do pedido de reintegração de posse da Fazenda Monte Galvão, onde o acampamento está situado.
Segundo matéria no site do MST, do mesmo dia, em pouco mais de dois anos de ocupação, o acampamento Maria da Conceição já se destacava pela produção agroecológica. As famílias do local comemoraram a notícia da suspensão da ordem de reintegração de posse da área.
O acampamento tem recebido manifestações de apoio de várias organizações e representantes do movimento popular, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais (Sindieletro-MG), Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE), Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindpetro), Levante Popular da Juventude, Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Coletivo Alvorada, Coletivo independente e Militante de Belo Horizonte, além do deputado estadual Rogério Corrêa.
Última atualização: 24/09/2019 10:11:54
Cronologia
8 de março de 2017 – Fundação do acampamento Maria da Conceição.
Julho de 2017 – Liminar é concedida por juiz da Vara Agrária do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, determinando a reintegração de posse do acampamento.
17 de julho de 2017 – Entrevista coletiva do MST na Assembleia Legislativa de Minas Gerais.
– MST bloqueia a BR 381, município de Itatiaiuçu, com objetivo de denunciar o despejo iminente.
Julho de 2018 – Juiz Marcelo Bretas condena Eike Batista a 30 anos de prisão.
22 de fevereiro de 2019 – Escola do Acampamento Maria da Conceição sofre ameaça de fechamento por parte do governo do Estado de Minas Gerais.
27 de agosto de 2019 – Regional Milton Freitas do MST (MST-MG) comunica suspensão do pedido de reintegração de posse da Fazenda.
Fontes
ACAMPAMENTO Maria da Conceição: luta, resistência e solidariedade. Planeta MG, 18 jun. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2lazWae. Acesso em: 13 set. 2019.
AJUDE na construção da Escola do MST de Itatiaiuçu / MG. Vakinha, 16 jan. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2lmmhg3. Acesso em: 11 set. 2019.
AZEVEDO, Agatha. Acampamento Maria da Conceição irá erguer mais uma Escola do Campo. MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, 30 jul. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2M45fvv. Acesso em: 11 set. 2019.
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MST continua a avançar sobre terras de corruptos: Eike Batista e Eduardo Alves. Viomundo, 26 jul. 2017. Disponível em: https://bit.ly/2lnJRcv. Acesso em: 13 set. 2019.
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MST promete resistir à ação de despejo nesta terça (18). ALMG – Assembleia Legislativa de Minas Gerais, 17 jul. 2017. Disponível em: https://bit.ly/2mkp8qf. Acesso em: 10 set. 2019.
MULHERES ocupam parque gráfico da Globo no Rio em defesa da democracia. RBA – Rede Brasil Atual, 08 mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2msARmn. Acesso em: 13 set. 2019.
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REINTEGRAÇÃO de posse de acampamento em Itatiaiuçu (MG) foi suspensa. MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, 17 ago. 2019. Disponível em: https://bit.ly/2kSjnj8. Acesso em: 13 de set.2019.