MA – Agricultores familiares de São Raimundo lutam contra Suzano Papel e Celulose e empresário do setor madeireiro, enquanto pressionam pela conclusão do processo de desapropriação da terra e implantação de assentamento.
UF: MA
Município Atingido: Urbano Santos (MA)
Outros Municípios: Anapurus (MA), Belágua (MA), Santa Quitéria do Maranhão (MA), Santana do Maranhão (MA), Urbano Santos (MA)
População: Agricultores familiares
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Madeireiras, Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
O Baixo Parnaíba Maranhense vive nas últimas décadas uma forte pressão de grandes grupos e produtores do agronegócio que articulam o desmatamento de suas florestas para utilização da madeira como carvão vegetal e abrir espaço para a produção de monocultivos de soja e/ou eucalipto.
O município de Urbano Santos está inserido nesta realidade e vem sofrendo pressões especialmente por parte da empresa Suzano Papel e Celulose S. A, que já possui atuação intensa nos municípios vizinhos. Não foi sem razão, portanto, que em 2012 o Ministério do Meio Ambiente (MMA) incluiu este município na lista daqueles com maiores índices de desmatamento do bioma Cerrado.
Urbano Santos também apareceu no Relatório sobre conflitos no campo no Brasil, de 2012, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), como o município do estado do Maranhão com o maior número de conflitos. Eles acontecem em 28 comunidades e envolvem cerca de 1.459 famílias.
Localizado neste município está o Povoado São Raimundo, comunidade de agricultores familiares extrativistas que habita a região há muito mais de 60 anos, tendo como fonte de subsistência a exploração sustentável e duradoura das chapadas de cerrado para coleta de frutos, especialmente o bacuri. São cerca de 55 famílias na comunidade que figuram na lista da CPT mencionada acima.
A comunidade de São Raimundo sofre pressões da Suzano Papel e Celulose, mas seu principal adversário na manutenção de seu modo de vida tradicional é o empresário Luis Evandro Loeff. Loeff é proprietário do imóvel Fazenda São Raimundo, declarada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) como grande propriedade improdutiva e passível de desapropriação. A desapropriação foi requerida pela comunidade de São Raimundo para a criação de um Projeto de Assentamento Extrativista (PAE).
O empresário Loeff vem ameaçando desmatar uma grande área da Chapada ocupada pela comunidade para plantar eucalipto. O processo de licenciamento deste empreendimento mostrou-se falho e os documentos apresentados por Loeff são passíveis de questionamento. A Procuradora Regional da República e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura no Estado do Maranhão (Faetema) apontam a ausência de consulta aos agricultores familiares envolvidos e que, na licença emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Maranhão, consta como endereço do imóvel outro município que não São Raimundo.
Os agricultores familiares de São Raimundo estão organizados e resistem aos avanços da Suzano por um lado e de Loeff por outro. Enquanto resistem, aguardam e pressionam pela conclusão do processo de desapropriação da terra e implantação do assentamento.
Contexto Ampliado
O verde que eu conheço é a natureza que Deus nos deixou; para eles não vale nada, só serve para derrubar. Morador de São Raimundo, município de Urbano Santos, sobre as empresas de soja e eucalipto atuantes na região do Baixo Parnaíba, Maranhão.
O município de Urbano Santos está localizado na região nordeste do estado do Maranhão, e faz parte do Baixo Parnaíba Maranhense. Com população de aproximadamente 24.573 pessoas, segundo dados do IBGE, a economia do município se baseia na criação de gado em grandes propriedades tradicionais, na agricultura de subsistência nas áreas marginais da pré-Amazônia maranhense e no extrativismo nas áreas de cerrado, onde, até final da década de 1990, prevalecia a agricultura familiar. Está inserido no bioma Cerrado e se caracteriza pela larga ocorrência de bacurizeiros nativos.
O bacuri ocupa lugar de grande importância no município como um todo, pois é a espécie nativa de maior abundância, e representa a principal fonte de renda e de alimentação para a população rural.
A região da Chapada Maranhense é repleta de ribeirões e nascentes de rios, sendo o maior deles o rio Preguiça, cujos afluentes nascem nos municípios de Urbano Santos, de Santa Quitéria, de Santana do Maranhão e de Barreirinhas.
Em função da expansão das grandes lavouras de soja e das monoculturas de eucalipto, que ganharam força a partir da década de 1990, essa área tem sido alvo de intensos processos de desmatamento e expulsão dos agricultores de suas terras tradicionalmente ocupadas.
A comunidade de São Raimundo é um povoado deste município e é nela, principalmente, que se desenrola o conflito narrado adiante. Segundo o Programa Territórios Livres, o povoado São Raimundo surgiu entre 1838 e 1841, tendo sido palco da revolta da Balaiada, que ocorreu no Maranhão nesta época. No local residem cerca de 50 famílias, majoritariamente negras, que trabalham com agricultura familiar e extrativismo em uma área de aproximadamente 1.635 hectares que faz parte da Chapada São Raimundo.
Das 1.459 famílias que compõem as 28 comunidades que enfrentam conflitos agrários no município de Urbano Santos, 55 delas, segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), estão em São Raimundo.
As famílias de agricultores são detentoras da posse destas terras, que integravam a grande propriedade chamada Fazenda São Raimundo, há no mínimo 60 anos. A ocupação das terras é duradoura e a comunidade rural se consolidou e sobrevive dela, tendo feito, até 2010, uso e gozo das terras livremente e sem oposição do proprietário, o empresário Luis Evandro Loeff, conhecido na região como Gaúcho.
Segundo o Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Territórios Livres), a comunidade vive da produção da agricultura familiar, com plantações de mandioca, milho e feijão consorciadas em sistema agroflorestal e, principalmente, da coleta de frutas da mata nativa de cerrado, em especial, o bacuri.
Durante os primeiros meses do ano, no verão, as comunidades extrativistas da região do Baixo Parnaíba, e também de São Raimundo, adentram pelas Chapadas para coleta, pois é o tempo da safra do bacuri. Depois de abril, retornam para as suas casas e, com o recurso obtido da venda dos frutos coletados, garantem a sobrevivência no restante do ano.
No entanto, estão tendo seu modo de vida ameaçado pelo avanço do agronegócio e das plantações e monoculturas de eucalipto, muito comuns na região. Trata-se de uma disputa por território e recursos naturais entre comunidades tradicionais e grandes empreendimentos de monocultura.
A principal ameaça para São Raimundo, no entanto, vem do Gaúcho, que começou a fazer, a partir de 2010, reiteradas tentativas de desmatar a chapada da comunidade. Ainda que o povoado São Raimundo não tenha, por hora, projetos sendo desenvolvidos pela Suzano, seus moradores não permitem que a empresa ostente suas placas em seu território, tampouco nas chapadas próximas. Inclusive, as lideranças comunitárias manifestaram sua insatisfação com a atuação da empresa na região e afirmaram que não vão aceitar sua presença em seu território:
Nunca vamos dizer que fazer devastação é bom; […] essa Suzano já desabrigou muita gente. Eles foram chegando com bonitas promessas, iludindo as pessoas desavisadas, e algumas delas venderam suas áreas por qualquer coisa. […] Mas nós, da comunidade de São Raimundo, estamos unidos, somos uma comunidade que luta pela terra, para conseguir encontrar aquilo que é necessário para sobreviver.
Os objetivos desta empresa não são modestos; segundo a reportagem, pretende-se chegar a uma produção de 7,2 toneladas anuais de papel e celulose em 2015, sendo 1,3 milhões oriundos do sul do Maranhão. Na estimativa feita por Régis, apenas no município de Santa Quitéria, vizinho a Urbano Santos, 70 mil hectares seriam destinados ao eucalipto.
Como muitos outros, os agricultores familiares extrativistas de São Raimundo sofrem pela falta de assistência técnica e extensão rural para suas atividades. Entretanto, desde 2010, este cenário vem começando a mudar. Em janeiro deste ano, teve início o Projeto Sustentabilidade do Extrativismo do Bacuri em Urbano Santos, do Fórum Carajás (rede de entidades do Maranhão, Pará e Tocantins criada em 1992 para acompanhar as políticas públicas e desenvolver projetos para a Região do Carajás), com o objetivo de estimular e facilitar o manejo de brotações de bacurizeiros no município de Urbano Santos, financiado com recursos da Coordenadoria Ecumênica de Serviços (CESE) e da organização alemã Ação Mundo Solidário (ASW). O projeto, que também atende outras comunidades na região, tem como um de seus objetivos conscientizar ainda mais os moradores acerca da preservação da Chapada, e desenvolver atividades de manejo sustentável das matas.
Este não é o primeiro caso de agricultores familiares ameaçados por este tipo de processo produtivo no Maranhão. O Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil já relatou o caso dos agricultores familiares e quilombolas do município de Chapadinha que sofrem pressão da Suzano Papel e Celulose para entrar em suas terras com a monocultura de eucalipto.
Segundo informações do Programa Territórios Livres do Baixo Parnaíba (Fórum Carajás, SMDH, CCN e FDBPM) até pouco tempo atrás os bacuris eram fartos nas Chapadas. No entanto, o avanço do agronegócio da soja e do eucalipto vem empurrando as comunidades para áreas cada vez menores de extrativismo. Ano a ano a colheita do bacuri vai diminuindo graças ao desmatamento para os plantios de monocultura e carvoaria, que derrubam os frutos ainda verdes.
Em algumas comunidades no entorno das Chapadas, o avanço do agronegócio é permitido pelas famílias de agricultores que vendem suas posses de terras para os grandes empresários. Em São Raimundo (e também em Bom Principio, Boa União e Bracinho, nos municípios de Urbano santos, e Santa Quitéria), no entanto, foi diferente: a comunidade resistiu e impediu o desmatamento de sua área de Chapada para plantio de eucalipto, preferindo reforçar o cultivo de bacuris.
No ano 2000 foi criada a Associação Comunitária do Povoado de São Raimundo para fortalecer e organizar a luta pela reforma agrária na comunidade.
Como parte dessa estratégia, a comunidade requereu, em 2009, vistoria pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para a criação de um assentamento extrativista, processo extremamente dificultado no Maranhão pelo agronegócio.
O movimento organizado da comunidade São Raimundo, segundo o Programa Territórios Livres, desarrumou com esta ação a lógica prevista, para todo o município de Urbano Santos, de privilegiar o agronegócio e deseducar as populações.
No começo dos anos 1980, a Suzano Papel e Celulose adotou a estratégia de promover uma imagem de responsabilidade empresarial. Porém, os atores sociais locais contestaram o marketing da empresa, segundo o Programa Territórios Livres. Da metade dos anos 1980 até 2010, a Suzano se esecializou em concentração e grilagem de terras e desmatamento de espécies nativas para introdução do eucalipto.
Por isso, ao mesmo tempo em que a empresa afirmava a sua responsabilidade social para com o município de Urbano Santos, a equipe do Fórum Carajás questionava: Qual é seu projeto para as comunidades tradicionais deste município?
Os participantes do Fórum responderam, eles mesmos, a essa questão: O que se sabe é que as roças da comunidade de Santana sucumbiram aos tratores da Suzano. Os moradores aventaram que a empresa diminuísse a sua área de plantio de eucalipto. O responsável da empresa simplesmente refutou tal hipótese.
De acordo com informações do Fórum Carajás, a comunidade de São Raimundo vive, desde 2005, sérios embates com relação à manutenção do seu território. Os agentes responsáveis pelo conflito variam de tempos em tempos, ora são os proprietários dos terrenos, ora as terceirizadas das grandes empresas e ora o INCRA, para o qual a comunidade solicitou desapropriação da área e criação de assentamento extrativista.
Sobre a questão da desapropriação, o Fórum Carajás informou que o Incra cumpriu todas as etapas do processo que antecedem a assinatura de um decreto pela Presidência da República. O proprietário, entretanto, entrou com pedido de suspensão por vícios no processo, alegação acatada pelo juiz federal que cuidava do caso e que concedeu a liminar. O Fórum destacou considerações dúbias no despacho deste Juiz: a propriedade está na APA Upaon Açú, portanto, não poderia ser desapropriada pelo INCRA, mas o proprietário pode ir lá plantar eucalipto.
Em 30 de junho de 2010, a Associação Comunitária do Povoado de São Raimundo lançou abaixo-assinado pedindo que as autoridades intercedessem a seu favor com relação às ameaças que vinham sofrendo. De acordo com o texto do abaixo-assinado, Francisca Maria, presidente da associação à época, estaria sendo caluniada. A mesma recebeu um documento da polícia informando que estava sendo acusada de ameaçar uma pessoa de morte, fato este refutado amplamente pela comunidade: Nós da associação pedimos encarecidamente para que este caso seja resolvido. Estamos preocupados com a fragilidade da presidente, por ser uma lutadora pelo bem coletivo de todos e no momento passa por essa dificuldade e pressão psicológica.
Não muito tempo depois, em 27 de outubro de 2010, foi realizada, no município de Urbano Santos, uma consulta a partes interessadas nas reuniões públicas sobre o manejo florestal realizado pela Suzano Papel e Celulose. A execução desta reunião ficou a cargo do Bureau Veiras Certification, contratado pela Suzano para realizar uma auditoria da certificação de seus plantios de eucalipto.
Em novembro de 2010, a ONG Entrerrios publicou um Relatório de Crimes Ambientais provocados pelas empresas ACM e JS, terceirizadas da Suzano Papel e Celulose, na zona rural do município Urbano Santos.
De acordo com o relatório, os efeitos das ações das empresas refletem alterações significativas no equilíbrio dos sistemas naturais e no modo de vida das comunidades, especialmente, com o aumento da exploração da monocultura de eucalipto. Estes processos transformaram toda a estrutura ecológica e social, provocando, assim, uma maior fragilidade e vulnerabilidade dessas localidades.
No diagnóstico, a ONG Entrerrios destacou os seguintes impactos socioambientais contra as comunidades de Urbano Santos, incluindo São Raimundo:
1 Degradação de mananciais: represamento de córrego causando eutrofização da água (aumento excessivo de nutrientes e redução do oxigênio disponível na água, o que causa mortandade de animais e perda de qualidade da água), contaminação da água com resíduos de óleos e lubrificantes das máquinas, o que impede a comunidade de utilizar a água para lazer e abastecimento;
2 Derrubada e depredação de árvores protegidas por lei: redução de espécie de grande importância para o cerrado, pois contribui significativamente na alimentação de animais silvestres; redução na fonte de alimentação e renda das comunidades vizinhas à área desmatada;
3 Moradores insatisfeitos com a implantação da monocultura de eucaliptos: devido à redução das florestas nativas, os moradores das comunidades tiveram sua fonte de alimento e renda através do extrativismo muito reduzida;
4 Madeira nativa das áreas desmatadas sendo transportada à noite: ato que causa suspeitas de desacordo com a legislação brasileira. De acordo com o diagnóstico; muitos pequizeiros foram derrubados, sendo esta uma árvore protegida por lei.
Em documento do Repórter Brasil, de março de 2011, é destacada a atuação dos órgãos do poder público no que diz respeito ao incentivo à instalação das monoculturas de eucalipto no Maranhão, especialmente o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). De acordo com a reportagem, o BNDES inclusive figurava como sócio de algumas empresas do ramo de produção de papel e celulose, tendo 4,38% de participação acionária na Suzano em dezembro de 2010. Tratava-se de um setor que coleciona conflitos com comunidades tradicionais, povos indígenas e outros segmentos, sem que isso motive um diálogo mais próximo entre o banco e os atingidos pelos empreendimentos.
Mayron Régis, integrante do Fórum Carajás, explica na reportagem que desde a década de 1980 existe uma relação intrínseca do BNDES com o eucalipto na região em que os Estados de MA, PI, TO e PA fazem fronteira. Na região do Baixo Parnaíba, onde se localiza São Raimundo, Régis afirmou que a disputa pelas terras entre o eucalipto e a soja tem vitimado de maneira crescente as comunidades tradicionais. Os desmatamentos atingem áreas de extrativismo (do pequi, bacuri, babaçu e outros), e os conflitos agrários se multiplicam.
A região apresenta potencial para a produção madeireira, o que despertou o interesse pelas terras em grandes corporações dos setores de carvão, celulose, móveis, siderurgia, dentre outros. Régis identificou as empresas Vale, Gerdau, Margusa, Suzano como as principais atuantes na região, que envolvia um complexo sistema de compra, arrendamento e terceirização de terras. Segundo Régis, tal processo trouxe marcas de violência e ilegalidades. As denúncias de grilagem das terras são muitas, e recentemente envolvem a Suzano Papel e Celulose.
Em fevereiro de 2011, foi encerrado o projeto Comunidade Tradicional e a Sustentabilidade do Extrativismo do Bacuri em Urbano Santos. Em 23 de maio deste ano, foi relatado ao blog Territórios Livres por Domingos, liderança comunitária de São Raimundo, uma disputa ocorrida entre a comunidade de Bracinho, em Urbano Santos, e a Suzano Papel e Celulose. A empresa tentou entrar na área de Chapada desta comunidade para desmatar espécies nativas de cerrado e, segundo o relato, contou com a cumplicidade da Polícia Militar, que intimidou a população. No entanto, a comunidade resistiu, montando barreiras e impedindo o avanço dos tratores.
O ocorrido em Bracinho foi uma amostra do que se passava também em Bom Princípio e São Raimundo, áreas pelas quais a Suzano tinha grande interesse e onde realizava pressões constantes. Segundo Domingo, caso os tratores voltem, a ideia é incendiar o maquinário.
Os agricultores familiares de São Raimundo e do Baixo Parnaíba não estão sozinhos na sua resistência à Suzano, tendo o apoio de muitas instituições da sociedade civil organizada, tais como o já mencionado Fórum Carajás, o Movimento Sindical Rural, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura no Estado do Maranhão (Faetema), dentre outras, que colaboram no combate às opressões da empresa na região.
Em reportagem publicada em 08 de novembro de 2011, Mayron Régis esclareceu que a soja no Baixo Parnaíba ocupava uma determinada faixa de terra, enquanto os eucaliptos ocupavam outra, deixando para a agricultura familiar um pequeno pedaço de Chapada e de Baixão. Na reportagem, ele afirmava que a resistência dascomunidades de Boa União, São Raimundo, Bom Princípio e Bracinho, todas no município de Urbano Santos, era benéfica para a saúde da população: Onde a agricultura familiar resistiu ao avanço da soja e do eucalipto se respira outro ar. […] O senhor Antonio brindou a todos com essa informação. Quase ninguém adoece e caso adoeça volta no mesmo instante para a comunidade.
Em outra reportagem, Régis identificou os ganhos econômicos dos agricultores familiares de São Raimundo com a coleta de bacuri. A análise apresentada se baseou na área de Chapada de 800 hectares que a comunidade explorava: Sem a Chapada coberta de bacurizeiros e pequizeiros, com certeza, a renda despencaria absurdamente. Ele estimou que, em condições ideais, cada hectare comportaria 100 bacurizeiros. Uma árvore geraria entre mil e cinco mil frutos. Os 800 hectares de São Raimundo somariam 80.000 bacurizeiros que produziriam 80.000.000 de frutos. Extraindo-se a polpa, que custava dez reais (em novembro de 2011), a comunidade geraria então, aproximadamente, R$32 milhões ao ano. A Chapada de São Raimundo guarda um valor inestimável apenas pelos bacurizeiros.
A estimativa de Mayron é que apenas a comunidade de São Raimundo coletasse de cinco a dez toneladas de polpa de bacuri entre os meses de janeiro e abril, proporcionando uma renda de cerca de 100 mil reais para quase 40 famílias, ou R$ 2.500 por família. Segundo Mayron, a quantidade coletada indicaria um sub aproveitamento, mas indica também que as famílias vão devagar com o andor na hora de retirar da natureza seu sustento. O bacurizeiro precisa de cuidados extremos para que se desfrute dos seus frutos por anos e anos a fio.
Em 15 de janeiro de 2012 foi divulgada notícia, pelo blog Combate Racismo Ambiental, de que trabalhadores da Suzano e terceirizados em Urbano Santos teriam realizado protesto por conta de atraso de três meses no pagamento. Durante o protesto, foi incendiada a plantação de eucalipto e feito um piquete na porta da empresa.
Poucos meses depois deste evento, as obras da Suzano para implantação de plantio de eucalipto em diversos municípios no entorno de Urbano Santos foram paralisadas por ordem judicial, a partir de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e acatada pelo Tribunal Regional Federal (TRF), em 19 de março de 2012. O tribunal decidiu suspender o licenciamento ambiental concedido pela Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Maranhão (Sema) à empresa.
De acordo com a ação civil pública, o licenciamento havia sido concedido para o plantio destinado à produção de carvão, mas a empresa pretendia exercer atividade também para a produção de celulose. Segundo reportagem publicada no blog Combate Racismo Ambiental, o MPF ainda alegou que as licenças obtidas foram concedidas pela Sema, quando deveriam ter sido concedidas pelo Ibama, já que a área afetada compreende a bacia do Rio Parnaíba, que divide os estados do Maranhão e Piauí, sendo, portanto, de propriedade da União.
O documento informava ainda que uma das causas para o parecer de paralisação havia sido o risco de grandes impactos ambientais na área, que já apresenta graves problemas ambientais relacionados ao desmatamento.
O parecer da Procuradoria Regional da República da 1a Região (PRR1) relatava ainda outros problemas do licenciamento, como o fato de o parecer favorável da Sema não ter considerado os questionamentos de cidadãos quantos aos possíveis impactos sociais do empreendimento no local. Nenhum levantamento foi feito pelo INCRA sobre a situação fundiária dessas comunidades, destacou o parecer do MPF.
A decisão de suspender o licenciamento da Suzano foi comemorada pelos agricultores e pelos grupos que os apoiavam. No entanto, Aldir Dantas, do blog O Quarto Poder, em matéria de 25 de março de 2012, afirmou que, apesar de a suspensão ser motivo de comemoração, era preciso seguir atento quanto à conivência e até a proteção que o Grupo Suzano recebia das instituições públicas. Dantas afirmou que:
Seria oportuna a imediata investigação sobre a incorporação de terras devolutas ao patrimônio do Grupo Suzano Papel Celulose, que deveriam ser utilizadas para a reforma agrária estadual e naturalmente para a produção de alimentos, mas atualmente estão ocupadas pelo eucalipto. Para que se tenha uma dimensão do protecionismo que é dado ao Grupo Suzano Papel Celulose, o Iterma [Instituto de Terras do Maranhão] tem todo o levantamento e informações das áreas devolutas; se ainda não tomou qualquer atitude, é decorrente do favorecimento que é dado ao grupo predador.
As constantes ações predadoras que assolam o município foram comprovadas pela publicação da Portaria n˚ 97/2012 do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Assinada em 22 de março de 2012, a portaria listava os municípios situados no bioma Cerrado que apresentam os maiores índices de desmatamento, e que necessitavam de ações prioritárias e de incentivo à manutenção de vegetação nativa e à recuperação de áreas degradadas Urbano Santos estava entre eles.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgou, em maio de 2012, o relatório Conflitos no campo do Brasil. Com dados de 2011, o estado do Maranhão apresentou o maior número de conflitos: 224 casos. A Suzano Papel e Celulose, a Vale S/A e a MPX aparecem em mais de cinco mil conflitos com famílias de agricultores no Maranhão. As três empresas que tocam grandes projetos no território de 331 935,507 km² do estado participam de quase metade dos conflitos com posseiros.
Inaldo Serejo, coordenador estadual da CPT, afirmou à época da divulgação do relatório que estes números poderiam ser ainda mais expressivos, pois o mesmo foi baseado nos registros de denúncias à Polícia ou à própria CPT. Ele explicou que a maior causa de conflitos no Maranhão está relacionada à concentração da terra nas mãos de um reduzido número de grandes proprietários, situação essa que resulta na concentração da renda e do poder.
Serejo relatou ainda que existem casos com denúncias que remontam há 20 anos e que permanecem sem solução: a falta de rigor nas investigações e na aplicação de penas contribui para a preservação dessa estrutura pelos grupos que concentram a terra, a renda e o poder no estado.
Em 29 de junho de 2012, o blog Territórios Livres divulgou nota do INCRA em que o órgão informava que havia recebido da Sema a Licença de Instalação e Operação n˚ 141/2012, Processo n˚ 5559/2009, referente ao Projeto de Assentamento de Reforma Agrária a ser criado na Fazenda São Raimundo, município de Urbano Santos.
No dia 26 de novembro de 2012, o Sr. Domingos Alves, secretário geral da Associação Comunitária do Povoado São Raimundo, compareceu à Ouvidoria Agrária Regional no INCRA no Maranhão para denunciar as ameaças que a comunidade vinha sofrendo por parte do Sr. Luis Evandro Loeff desde então. Domingos declarou o seguinte:
Que o senhor Evandro Loeff está pressionando a comunidade para aceitar que faça o desmatamento de 945 hectares sob a alegação de que vai beneficiar a comunidade; que se os moradores não conseguirem até o dia dois de dezembro algum documento que impeça o desmatamento iniciará o desmatamento sem o consentimento da comunidade; que por se tratar de uma área que possui processo de desapropriação em trâmite no INCRA solicita ao órgão que adote as providências cabíveis para impedir a devastação da área, que é um local onde a comunidade sobrevive e de onde tira o seu sustento.
Em reportagem do blog Territórios Livres sobre esta denúncia, afirmou-se que os funcionários do Sr. Loeff, em reuniões com a comunidade, disseram ter licença ambiental conferida pela Sema, mas nunca a apresentaram. De acordo com a reportagem, os documentos encontrados no cartório de Urbano Santos foram um termo de averbação de reserva legal que não tem nenhuma validade jurídica e um outro que explica as razões para a pressão da parte do senhor Loeff que se desmate São Raimundo.
A matéria de Mayron Régis afirava ainda que o Sr. Loeff estaria endividado junto à Archer Daniels Midland (ADM), empresa do setor de agronegócio, em quase seis milhões de reais, por investimento em propriedades no Mato Grosso do Sul. Essa dívida teria vencimento em agosto de 2013. O repórter analisou que o lucro obtido com a venda de carvão vegetal oriundo da plantação seria destinado a quitar esta dívida. Régis relembrou ainda o processo de desapropriação da área de São Raimundo que corre no INCRA desde 2009 e que, até o final de 2012, não havia sido marcada sequer uma audiência de conciliação. Questionando o INCRA sobre o conflito iminente, a resposta é de que nada se poderia fazer, deixando claro, a seu ver, que a Justiça Federal e o INCRA tem culpa no cartório.
O Sr. Luis Evandro Loeff conduz seus investimentos no Maranhão direto do Mato Grosso do Sul, e estes giram em torno das monoculturas de soja e eucalipto. Anteriormente ao caso de São Raimundo, ele comprou parte da Chapada da comunidade de Bebedouro, município de Santa Quitéria, desmatou e plantou eucalipto.
Segundo Mayron Régis, os moradores de Bebedouro não teriam mais aonde coletar bacuri e nem terra para plantar, sendo obrigados a se dirigirem, quando precisam, até as comunidades vizinhas de Bracinho, Bom Princípio e São Raimundo. Estas comunidades vivem do que é seu. Régis citou o advogado Diogo Cabral, da Faetema, em sua ação contra a tentativa de desmatamento colocada em prática pelo Sr. Loeff: essa comunidade [São Raimundo] convive com o meio ambiente saudável por séculos e que um desmatamento de mais de 900 hectares, como o que o senhor Loeff gostaria de fazer, destitui-los-ia dessa convivência.
A reportagem de Régis trazia ainda mais um elemento de apoio à resistência dos agricultores de São Raimundo: o relato de Paulo, funcionário do cartório de Urbano Santos, que afirmou admirar muito a luta da líder Francisca pela desapropriação de São Raimundo e condena que algumas pessoas aqui de Urbano Santos esquematizem junto com o pessoal do Loeff para que o desmatamento aconteça.
Em dois de dezembro de 2012, encerrou-se o prazo dado pelo Sr. Loeff para desmatar a área da comunidade São Raimundo. No entanto, em decisão do dia quatro do mesmo mês, a juíza Odete Maria Pessoa Mota, de Urbano Santos, garantiu a proteção da posse da terra para os 1.635 hectares da comunidade, ocupados por cerca de 35 famílias.
No dia 18 de dezembro de 2012, o Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (GERUR), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), apresentou, na sede do Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Urbano Santos (STTR), o Relatório de Impactos Socioambientais no Baixo Parnaíba Maranhense.
O relatório apresenta os impactos sociais e ambientais em diversas comunidades e municípios na região do Baixo Parnaíba Maranhense por parte da atuação dos plantadores de soja e da Suzano Papel e Celulose por conta do plantio de eucalipto. De acordo com o relatório, nas comunidades pesquisadas em Urbano Santos, o assoreamento de rios, igarapés e lagoas – no aspecto ambiental – e os direitos trabalhistas negados pelas empresas terceirizadas pelo Grupo Suzano – no aspecto social – foram os principais problemas identificados.
Em 23 de abril de 2013, o desembargador Lourival Serejo negou o efeito suspensivo da liminar interposta por Luís Evandro Loeff contra a comunidade de São Raimundo.
A diretoria da Faetema apresentou, através de uma coletiva de imprensa, em 22 de maio de 2013, um relatório dos conflitos agrários no estado do Maranhão que apresentam as condições mais criticas. Na ocasião, o caso do conflito de São Raimundo mereceu destaque e denúncia por parte dos diretores e advogados presentes, devido às pressões que o Sr. Loeff vinha exercendo sobre a comunidade. De acordo com os representantes da Faetema, neste povoado, além da expulsão e ameaça das famílias de trabalhadores (as) rurais, é comprovada por pesquisadores a importância histórica de São Raimundo como palco da maior revolução popular no Maranhão, a tão conhecida Guerra da Balaiada.
Em seu relato, a Faetema acrescentou mais um problema com relação às ações judiciais que o Sr. Loeff movia contra os agricultores e denunciou uma tentativa de fraude no licenciamento: Na licença expedida pela Sema em favor do Gaúcho, constam, como municípios de localização do imóvel São Raimundo, as cidades de Colinas e Santa Quitéria, e não no município de Urbano Santos, onde de fato está o terreno.
No dia 26 de junho de 2013, a Associação Comunitária do Povoado São Raimundo obteve nova vitória judicial no conflito contra o Sr. Loeff. Após o empresário ter recorrido da decisão de abril que indeferiu seu pedido de efeito suspensivo, nesta data, a justiça de Urbano Santos mais uma vez decidiu favoravelmente aos agricultores, garantindo seu direito de permanecer na terra que ocupam. As terras foram consideradas como grande propriedade improdutiva e passível de desapropriação. O juiz manteve seu parecer anterior.
Até julho de 2013, o processo de desapropriação tramitava vagarosamente no Incra-MA.
Cronologia
2000: Criada a Associação Comunitária do Povoado de São Raimundo para fortalecer e organizar a luta pela reforma agrária na comunidade.
2005: Acirramento das pressões das grandes empresas monocultoras de eucalipto sobre a região da chapada de São Raimundo.
2009: Comunidade de São Raimundo requer vistoria pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para criação de Assentamento Extrativista.
2010: Agravamento das pressões de Evandro Loeff sobre a comunidade de São Raimundo.
30 de junho de 2010: Associação Comunitária do Povoado de São Raimundo lança abaixo-assinado pedindo que as autoridades intercedam a seu favor com relação às ameaças sofridas.
27 de outubro de 2010: Realizada, no município de Urbano Santos, uma consulta a partes interessadas sobre manejo florestal.
Novembro de 2010: ONG Entrerrios publica Relatório de Crimes Ambientais provocados pelas empresas ACM e JS, terceirizadas da SUZANO Papel e Celulose, na zona rural do município Urbano Santos.
23 de maio de 2010: Relato de arranca rabo corrido entre a comunidade de Bracinho, em Urbano Santos, e a Suzano Papel e Celulose.
15 de janeiro de 2012: Divulgada notícia, sem confirmações, de que trabalhadores da Suzano e terceirizados em Urbano Santos teriam realizado protesto por conta de atraso de três meses no pagamento.
19 de março de 2012: Suspensão judicial do licenciamento para obras da Suzano Papel e Celulose em Urbano Santos pelo TRF.
22 de março de 2012: publicada a Portaria n˚ 97/2012 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), que atualiza a listas de municípios que mais desmatam o Bioma Cerrado; Urbano Santos consta da lista.
Maio de 2012: Comissão Pastoral da Terra divulga o relatório Conflitos no campo do Brasil. O estado do Maranhão apresenta o maior número de conflitos. Urbano Santos é o município do estado com o maior número de conflitos identificados, em 28 comunidades.
29 de junho de 2012: Incra informa que recebeu da Sema a Licença de Instalação e Operação n˚ 141/2012, Processo n˚ 5559/2009, referente ao Projeto de Assentamento de Reforma Agrária a ser criado na Fazenda São Raimundo, município de Urbano Santos.
26 de novembro de 2012: Denúncia ao INCRA, por parte dos moradores de São Raimundo, sobre as ameaças que a comunidade vem sofrendo por parte do Sr. Luis Evandro Loeff.
02 de dezembro de 2012: Encerra-se o prazo dado pelo Sr. Loeff para desmatar a área da comunidade São Raimundo.
04 de dezembro de 2012: Juíza Odete Maria Pessoa Mota, de Urbano Santos, garantiu a proteção da posse da terra para os 1.635 hectares da comunidade.
18 de dezembro de 2012: Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (GERUR), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), apresenta Relatório de Impacos Socioambientais no Baixo Parnaíba Maranhense.
23 de abril de 2013: Justiça nega efeito suspensivo da liminar interposta por Luis Evandro Loeff contra a comunidade de São Raimundo.
22 de maio de 2013: A diretoria da Faetema apresenta relatório dos conflitos agrários no estado do Maranhão. São Raimundo é destaque pela gravidade do conflito devido às pressões que o Sr. Loeff exerce sobre a comunidade.
26 de junho de 2013: Nova vitória judicial: após Loeff ter recorrido, a Justiça manteve o parecer de abril em favor da Associação Comunitária do Povoado São Raimundo.
Fontes
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