Indígenas isolados da TI Pirititi lutam por demarcação contra invasões, grilagens, madeireiros, queimadas e empreendimentos logísticos

UF: RR

Município Atingido: Rorainópolis (RR)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Madeireiras

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Doenças respiratórias, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), a Terra Indígena (TI) Pirititi está localizada no município de Rorainópolis, no estado de Roraima. É habitada por um grupo de indígenas em isolamento voluntário, classificado pela Funai como um registro “confirmado”, nos termos do inciso I do art. 4º da Lei no 6.001/73, o Estatuto do Índio.

O território, ainda não demarcado pela Funai, expõe os Pirititi aos riscos de invasões, grilagens, madeireiros, queimadas e empreendimentos logísticos, como o Linhão de Tucuruí, cujo traçado prevê atravessar, em especial, a TI Waimiri Atroari, ou Kinja, como essa etnia se autodenomina. O histórico de enfrentamento dos Kinja contra este e outros projetos pode ser conferido neste Mapa de Conflitos. Muitos dos relatos sobre os Pirititi têm origem na narrativa e nas percepções do povo Kinja sobre os riscos aos quais eles estão sujeitos.

Enquanto a demarcação da TI Pirititi não se concretiza, entidades, movimentos sociais, indigenistas, Ministério Público Federal (MPF), dentre outros, empenharam-se em cobrar da Fundação Nacional do Índio (Funai) – atualmente Fundação Nacional dos Povos Indígenas –  a renovação da interdição administrativa da área, iniciada em 2012 e renovada duas vezes, entre 2015 e 2018, sempre por três anos.

Perto da expiração do prazo da última portaria, em 2021, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a Survival Internacional, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outros aliados realizaram campanhas e pressionaram o órgão indigenista a cumprir com o seu papel constitucional em relação aos Pirititi. Diferentemente do ocorrido em gestões anteriores, a pressão do movimento indígena resultou em duas portarias de apenas seis meses cada uma ao longo de 2022.

 

Contexto Ampliado

Os Waimiri-Atroari, ou Kinja, como se autodenominam, chamaram a atenção para a existência do grupo Pirititi na década de 1980, afirmando serem seus parentes. Assim, os Kinja os denominaram de Piruichichi (Pirititi), ou, ainda, Tiquiriá. Relatos posteriores dos Waimiri-Atroari, durante o processo administrativo de demarcação do seu território, confirmaram a presença dos Pirititi fora da TI. O termo kinja será utilizado no percorrer deste caso para referir-se aos Waimiri-Atroari, que constantemente se posicionam na defesa aos Pirititi.

Segundo lideranças da TI Waimiri-Atroari para o relatório do Instituto Socioambiental (ISA) intitulado “Cercos e Resistência: Povos Indígenas Isolados”, organizado por Fany Ricardo e Majoí Fávero Gongora, os Pirititi são descendentes dos Xikiwipi, denominação utilizada pelos mais velhos para se referir a um povo com quem conviviam ao norte de seu território desde tempos imemoriais.

“Os Kinja os chamam de parente, talvez porque não reconheçam como iguais apenas os que partilham de sua língua, cultura e saberes, mas também aqueles que partilham de uma condição de vida conhecida. Que esta condição histórica de isolamento não signifique aos Pirititi o enfrentamento das mesmas atrocidades vividas pelos Kinja.”

A partir da década de 1980, a Funai passou a colher evidências sobre a localização dos Pirititi, com a ocorrência de contatos indiretos. Além da identificação de rastros na mata, por vezes, membros da equipe se aproximavam de localidades vizinhas carregando objetos, como, por exemplo, bacias.

Em junho de 1988 a Funai e a Eletronorte lançaram o Programa de Apoio aos Waimiri Atroari (PWA), no âmbito do Termo de Compromisso TC 002/87, como compensação pelos impactos causados pela UHE Balbina aos Waimiri Atroari. Por terem vivido a violência do modelo de desenvolvimento predatório, encarnado pela BR 174 e UHE Balbina (projetos descritos com mais detalhes na ficha deste Mapa de Conflitos dedicada aos Kinja), eles ficaram alertas contra projetos que representassem uma ameaça à vida, lutando pelos direitos territoriais indígenas e pelo respeito à existência em autoisolamento dos Pirititi, como apontou o ISA.

No entanto, os Pirititi não demonstravam interesse pelo contato, recusando as oportunidades de encontro. O relatório do ISA ainda menciona que, em 1998, os próprios Kinja, acompanhados por funcionários da Funai, fizeram uma expedição de vigilância, repetindo o mesmo itinerário de dez anos antes na demarcação da Terra Indígena Waimiri-Atroari.

Na ocasião, a equipe registrou ocupações não indígenas próximas à região dos Pirititi e áreas de invasão em sua própria terra, antes inexistentes. Então, lideranças kinja que estiveram presentes nas expedições de 1988 e 1998 assinaram uma carta enviada ao então presidente da então Fundação Nacional do Índio (Funai), Sulivan Silvestre, e ao Departamento de Índios Isolados, em setembro de 1998, na qual denunciam as ameaças que pairavam sobre os Pirititi e solicitavam a interdição da área de ocupação.

“Os Pirititi estão fora da nossa reserva, do outro lado do Rio Branquinho, onde o governo de RR e o Incra estão construindo estradas e fazendo assentamentos. Se os brancos encontrarem esses nossos parentes, eles vão morrer com as doenças ou mesmo de tiros. Nós achamos que eles são poucas pessoas e queremos que eles vivam tranquilos e longe dos brancos. Por isso queremos que a Funai demarque uma terra (…) para que os Pirititi fiquem com sua terra garantida, se a Funai não fizer nada nós mesmos vamos lá fazer a demarcação e proibir novos assentamentos naquele lugar. Nós vimos também uma picada dentro da nossa terra, feita depois que a nossa terra já tinha sido demarcada. Queremos que a Funai trabalhe rápido e fale para ninguém fazer estradas e assentamentos perto do Rio Branquinho.”

Anos depois, em 2011, durante um sobrevoo de equipe da Funai, foram avistados maloca e roçados do grupo. De acordo com o MPF, os registros do sobrevoo foram documentados pela Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) no processo administrativo Funai nº 08620.083438/2012-71.

Os Kinja, desde 2008, lutavam contra a instalação do Linhão de Tucuruí pelo Ministério de Minas e Energia (MME). De acordo com o Conselho Indígena Missionário (Cimi), a obra do “linhão de transmissão” partiria de Manaus até Boa Vista, com um percurso de 721 quilômetros, seguindo o eixo da BR-174. Dentro da terra indígena Waimiri-Atroari são 125 quilômetros planejados para construção de 250 torres de transmissão, cada uma com mais de 40 metros de altura.

Os Kinja já alertavam para uma grave violação aos direitos humanos sobre seus parentes e vizinhos. Assim, em 2011 -no último ano do governo do segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva –, segundo matéria da Amazônia Real, a Justiça Federal, ao observar que o traçado escolhido pela Transnorte estava em área delimitada como ocupação dos Pirititi, declarou a nulidade do leilão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de um dos lotes da linha de transmissão e suspendeu o processo de licenciamento ambiental.

Em 2012, a Funai regulamentou a primeira Portaria de Restrição de Uso na TI Pirititi por um prazo de três anos. Esta primeira portaria (Nº. 1.672 de 14/12/2012, publicada no DOU em 26/12/2012) estabeleceu restrição ao direito de ingresso, locomoção e permanência de pessoas estranhas aos quadros da Funai, a ser fiscalizada pelas equipes da Frente de Proteção Etnoambiental Waimiri-Atroari/CGIIRC – restrição que não se aplicava às Forças Armadas e policiais no cumprimento de suas funções institucionais.

O MPF se posicionou sobre o paradoxo da publicação desta e demais portarias de interdição posteriores, como consta no Inquérito Civil nº 1.32.000.000118/2020-21, pois a Funai jamais deu início ao procedimento formal para identificação e demarcação da terra indígena, restando como proteção, ainda que frágil, a necessária interdição administrativa da área habitada pelos Pirititi. Isto não afastou, porém, a vulnerabilidade do território e dos indígenas que dele dependem. Afirmam os procuradores federais:

“À míngua do início do procedimento demarcatório, a interdição administrativa deferida em portaria pela Presidência da Funai é a única proteção jurídica oferecida atualmente aos Pirititi. Embora precária, sua manutenção é absolutamente imprescindível enquanto pender de instrução a demarcação e correspondente homologação.”

Em 2012, em um sobrevoo rotineiro de fiscalização e acompanhamento das ocupações no entorno da TI Waimiri Atroari, o então coordenador técnico do Programa Waimiri-Atroari (PWA), Porfírio Carvalho, avistou uma pequena clareira e solicitou ao piloto uma aproximação para averiguação, pois acreditava ser uma invasão.

Conforme relatório do ISA: “Avistaram uma casa tipicamente indígena, toda coberta de palha, e algumas bananeiras. Identificada a localização, voltaram em novo sobrevoo no dia seguinte, com uma delegação composta por Kinja e funcionários da Funai. Registraram aspectos arquitetônicos da maloca e fotografaram dois indivíduos pirititi, um com um arco e flecha na mão e ambos completamente nus”.

Segundo os Kinja, em relato para os pesquisadores do ISA, Porfírio Carvalho comunicou oficialmente os resultados da averiguação à Funai e atestou a importância de uma ação imediata, pois identificaram roças de colonos a apenas 6 km da casa dos Pirititi e uma estrada vicinal a 10 km. Como eles viajam por grandes distâncias (objetos levados pelos Pirititi de uma aldeia kinja foram encontrados a cerca de 100 km de distância), era grande o risco de massacre dos Pirititi pelos colonos. Além disso, um possível contágio por gripe, por exemplo, dizimaria o grupo, especialmente por este ser composto por pequeno número de pessoas.

O temor de um futuro genocídio contra os Pirititi se ampliou ao longo dos anos posteriores. Em outubro de 2016, o então governo de Michel Temer limitou o orçamento da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) pelo decreto no. 8.859. A medida cortou em 38% os recursos para custeio e investimento da Funai. As consequências deste decreto no estado de Rondônia foram as extinções das CTL (Coordenação Técnica Local) Cacoal, Espigão do Oeste, Rolim Moura e a Frente da CTL Mirante da Serra, além da CFPE Uru-Eu-Wau-Wau, conforme publicou a Amazônia Real.

Convém mencionar que o cenário na época, marcado pelo golpe parlamentar que resultou na destituição da então presidenta Dilma Rousseff, deu margem para o franco desmantelamento das políticas para povos tradicionais e demais políticas sociais no Brasil. Nos anos subsequentes, estas ações tomam-se mais alinhadas com setores econômicos como o agronegócio e outros responsáveis por atividades predatórias em áreas indígenas.

Um ato do governo federal nesta direção foi analisado por Antonio Oviedo, Tiago Moreira dos Santos e Juliana Batista (2021). Segundo eles, em 2017, por meio do Decreto n.º 9.010, assinado pelo então presidente Michel Temer, foram estabelecidas as atribuições das Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambientais, dentre elas a de “proteger os povos indígenas isolados” (artigo 22, I) e “promover o levantamento de informações relativas à presença e à localização de índios isolados” (artigo 22, II).

Já o artigo 23, II, determina que, às Coordenações Técnicas Locais, compete “implementar ações para a localização, o monitoramento, a vigilância, a proteção e a promoção dos direitos de índios isolados ou de recente contato, em sua área de atuação, nos casos específicos de subordinação da Coordenação Técnica Local à Frente de Proteção Etnoambiental, na forma definida em ato do Presidente da Fundação Nacional do Índio”.

No entanto, ainda segundo Oviedo, Santos e Batista (2021), o decreto foi “eivado de contradições notórias”, suscitando protestos e críticas assertivas de lideranças indígenas e do quadro de servidores da Funai. Um exemplo, dentre outros, foi a extinção de 51 Coordenações Técnicas Locais (CTLs), sendo que 40 atendiam a indígenas de áreas remotas da Amazônia. De acordo com o portal Amazônia Real (abril de 2017), estas medidas também afetavam territórios com povos isolados.

Segundo avaliações dos servidores da Funai, por meio de nota emitida pela Associação Nacional dos Servidores da Funai (Ansef), o repúdio ao Decreto nº 9.010/2017 baseou-se no fato de a condução e a edição do decreto terem sido elaboradas sem qualquer consulta aos povos indígenas, em flagrante desrespeito ao previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Os servidores, portanto, exigiam sua imediata revogação. Também as Frentes de Proteção Etnoambientais (FPE) foram gravemente impactadas cumulativamente pelas restrições orçamentárias, algumas com risco objetivo de fechamento. Avaliam:

“Tal circunstância foi relatada no Memorando nº 29/2017/CGIIRC/DPT-FUNAI (de 11/04/2017), encaminhado à Presidência da Funai em 13/04/2017, que se encontra registrado no SEI-Funai, processo nº 08620.006661/2017-18, tendo como consequência a grave vulnerabilidade de povos de recente contato e isolados, deixados à própria sorte, frente aos interesses econômicos de exploração dos seus territórios.”

Em abril de 2018, de acordo com notícia veiculada pelo Ibama na ocasião, ainda na vigência da Portaria de Restrição de uso e ingresso nº 1271/2015, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu 7.387 toras extraídas ilegalmente da área da futura TI Pirititi. O instituto identificou os responsáveis pela extração ilegal em junho do mesmo ano. O furto danificou 1.372 hectares de floresta nativa da Amazônia. Os agentes ambientais aplicaram oito autos de infração, totalizando R$ 15,5 milhões, contra duas madeireiras e dois proprietários rurais.

 

Foto da apreensão de madeira extraída ilegalmente da TI Pirititi em abril de 2018. Fonte: Ibama

Após a apreensão, a fiscalização na região foi reforçada com agentes ambientais de outros estados, que receberam apoio do Exército e da Companhia Independente de Policiamento Ambiental (Cipa) de Roraima. “As árvores cortadas tinham destino certo. A investigação apontou quem são os criminosos responsáveis pela destruição do patrimônio natural dos índios”, afirmou o coordenador de Operações de Fiscalização do Ibama, Roberto Cabral.

Mesmo sem contar com o processo demarcatório, à revelia do que preconiza a Constituição Federal de 1988, a interdição da área foi renovada pela Funai em dezembro de 2018 sem maiores alterações em relação às portarias normativas de 2012 e 2015, de acordo com o MPF.

A análise do ISA sobre as portarias da Funai publicadas em 2012, 2015 e 2018, “Relatório Técnico Sobre Desmatamento e Invasões nas Terras Indígenas Jacareúba-Katawixi e Pirititi”, de Oviedo, Santos e Batista (2021), se alinhou ao parecer do MPF, para quem a medida de restrição de uso gerou expectativa e especulações sobre a sua não renovação, contribuindo para a eclosão de invasões e desmatamentos nas terras isoladas em períodos de término e renovação das portarias.

Segundo relatório do ISA, especialmente sobre a situação das TIs Pirititi e Jacareúba-Katawix:

“A não renovação das Portarias de Restrição de Uso não seria ato capaz de ‘desconstituir’ a terra indígena, visto que, por elementar disposição constitucional, os direitos indígenas são originários e o processo administrativo de demarcação, meramente declaratório. Nessa vereda, tanto o artigo 25 da Lei n.º 6.001/1973 (Estatuto do Índio), quanto a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal (STF), marcam que os direitos territoriais dos indígenas independem de demarcação. Demais disso, a Constituição grava as terras indígenas como ‘inalienáveis, indisponíveis e imprescritíveis’ (artigo 231, § 4º).”

No cenário de pressões socioeconômicas sobre a TI Pirititi, os Kinja seguiam lutando para que os isolados também fossem protegidos em relação ao projeto da Linha de Transmissão – “Linhão Tucuruí”, passando a demandar um debate mais direto com diferentes agentes políticos e ambientais.

Segundo matéria do portal Amazônia Real, em 2019, os Kinja, por ocasião de sua festa tradicional, o maryba, receberam uma comitiva composta por 18 pessoas, incluindo a então Coordenadora Geral da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos Indígenas, a deputada federal Joênia Wapichana (REDRede/E-RR). Eles cobraram dos visitantes a certeza de que seriam respeitados no projeto de construção do Linhão de Tucuruí, além de exigirem proteção aos Pirititi.

Sarah Shenker, coordenadora da campanha da Survival International pela proteção das terras dos povos indígenas isolados, em entrevista à revista Le Monde Diplomatique Brasil (set. 2021), afirmou que as restrições de uso são um dos poucos mecanismos que protegem terras de povos mais vulnerabilizados (cujos territórios carecem de devida demarcação) e que, em tese, impediriam invasores de adentrar nesses territórios.

No entanto, de acordo com Shenker, o governo federal não cumpre seu papel de garantir os recursos para que a Funai e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama) possam fazer o trabalho de fiscalização e monitoramento nessas regiões:

“O problema é a falta de recursos e, principalmente, a falta de vontade política para cumprir com essa função. Não é só apatia, é uma tentativa explícita e intencional de roubarem essas terras e não terem mais, como eles dizem, ‘o obstáculo dos povos indígenas’”.

A aflição dos Kinjas sobre o futuro do seu território e dos seus parentes Pirititi se justificava, pois se sentiam ameaçados pelo modo como o então presidente da República Jair Bolsonaro (PSL, depois PL) conduzia a política indigenista nacional. Ele havia, inclusive, prometido declarar o empreendimento de interesse da política de segurança nacional, excluindo-o, assim, do dever de Consulta Prévia da Convenção 169 – sobre Povos Indígenas e Tribais – da Organização Internacional do Trabalho (OIT), direito já anteriormente negligenciado no histórico de luta dos Kinja e Pirititi.

O então presidente Bolsonaro prometeu, em entrevista à TV Bandeirantes, que “independente da manifestação dos índios”, a linha de transmissão de energia do Linhão de Tucuruí seria construída. “Não conseguimos fazer o linhão de Manaus para Boa Vista porque tangencia uma reserva indígena; estamos com problema indígena ainda”, segundo publicou a Amazônia Real.

Por conseguinte, em maio de 2019 as empresas Centrais Elétricas Brasileiras S.A (Eletrobras) e Alupar (holding de controle nacional privado) apresentaram à Funai o “estudo de Componente Indígena”, apontando planos para a implementação de novos postos de fiscalização nas áreas indígenas, incluindo na região interditada para a futura TI Pirititi.

No ano de 2019, dados coletados por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registraram, ao todo, 197.632 focos de incêndio no País – 49% a mais do que em 2018, quando haviam sido registrados 132.872 focos. Em agosto de 2019, os dados registraram aumento expressivo dos alertas de desmatamento na Amazônia, com 30.900 focos de incêndio no bioma – um número três vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2018.

Antes disso, a explosão dos alertas de desmatamento do Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real (Deter) – também do Inpe – já havia chamado atenção para a situação preocupante das florestas no País. Entre janeiro e agosto de 2019, 9.078 focos de incêndio foram registrados em terras indígenas. No mesmo período de 2018, as reservas registraram 4.827 ocorrências, conforme publicou o Brasil de Fato.

O Inpe também mostrou que a quantidade de territórios atingidos também aumentou, passando de 231 terras indígenas, em 2018, para 274, em 2019 – um aumento de 18,6%. Em 2019, os focos de incêndio nesses territórios aumentaram 87% em relação ao registrado no ano anterior.

Chamou atenção a quantidade de queimadas identificadas em terras indígenas com portarias de restrição de uso e ingresso devido à presença de povos indígenas isolados. Quatro das seis TIs nessa categoria – todas elas na Amazônia – foram afetadas por queimadas em 2019.

Além da TI Pirititi, o Inpe registrou nas TIs Jacareúba/Katawixi (AM), Piripkura (MT) e Ituna/Itatá (PA), em conjunto, 207 focos de incêndio. Essa quantidade de queimadas em terras sob restrição representou um aumento de 52% em relação ao registrado em 2018, e foi mais de quatro vezes maior do que a média dos dez anos anteriores. Em 28 de outubro de 2020, o Cimi publicou um relatório a respeito da violência contra povos indígenas, também registrando o aumento das queimadas sobre os territórios em 2019 com base em dados do Inpe.

O sistema Sirad de monitoramento independente do Instituto Socioambiental registrou, em janeiro de 2020, a abertura de um ramal no interior da TI Pirititi para demarcação de lotes, conforme imagens de satélites. As imagens de fevereiro e março de 2020 mostram a diferença no avanço do desmatamento ao longo do ramal para delimitação e abertura de lotes, como analisaram Antonio Oviedo, Tiago dos Santos e Juliana Batista (2021).

A pandemia de covid-19, iniciada no Brasil em março de 2020, foi um grande sinal de alerta para as ameaças à vida dos povos tradicionais. As medidas do poder executivo, negligentes do ponto de vista sanitário, e que fragilizaram ainda mais a integridade dos territórios indígenas, tendiam a provocar conflitos socioambientais ainda mais devastadores durante a pior fase da crise sanitária, especialmente para os povos isolados. Portanto, os Pirititi, dentre outros, foram o cerne da defesa e das políticas de urgência propostas pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Em abril de 2020, o desmatamento ao longo do referido ramal continuou apresentando novas áreas abertas que somavam 29,5 hectares, como apontaram Oviedo, Santos e Batista (2021).

Diante dessas evidências, nesta e em outras TIs, em condição de isolamento ou não, em junho de 2020, a Apib, por meio de 12 advogados indígenas, de partidos políticos como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Rede Sustentabilidade (Rede), Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Comunista do Brasil (PC do B), e a Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direitos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ ingressaram com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que este determinasse medidas urgentes que garantissem a vida dos indígenas ante a pandemia de covid-19.

A ADPF foi acompanhada de pedido de medida liminar, considerando a urgência da situação e, ainda, a proximidade do recesso judiciário. As entidades justificaram a aplicabilidade da ADPF e afirmaram, já na Introdução:

“1.A pandemia da COVID-19 vem afetando dramaticamente a vida de toda a população brasileira, com dezenas de milhares de mortos, mais de um milhão de pessoas contaminadas, gravíssima crise econômica e sofrimento generalizado. Porém, os danos e riscos para os povos indígenas são ainda maiores do que para o restante da população. Existe a possibilidade real de extermínio de etnias inteiras, sobretudo de grupos isolados ou de recente contato. Outros povos indígenas estão sendo também afetados de modo desproporcional. A irresponsabilidade sanitária do governo federal – que, mesmo depois de 55 mil mortos no país, continua tratando o coronavírus como ‘gripezinha’, com indiferença e negacionismo científico – se aliou ao aberto racismo institucional contra os povos indígenas para gerar uma verdadeira tragédia civilizacional. Está em curso um genocídio! E vidas indígenas importam!

2.Diante desse quadro aterrador, os povos indígenas do Brasil não poderiam ficar inertes. Protagonistas da sua própria história, eles vêm, através da entidade nacional que os representa – a APIB –, e coadjuvados pelos partidos Arguentes, defender perante esta Suprema Corte o mais básico dos seus direitos constitucionais: o direito de existir.”

Ao final, requisitaram da União Federal todas as medidas imediatas e necessárias para que fossem instaladas e mantidas barreiras sanitárias para proteção das terras indígenas em que estão localizados povos isolados e de recente contato – citando a TI Pirititi no rol dos territórios mencionados.

Além disso, exigiram que a União determinasse que os serviços do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi) do Sistema Único de Saúde (SUS) devessem ser: “imediatamente prestados a todos os indígenas no Brasil, inclusive os não aldeados (urbanos) ou que habitem áreas que ainda não foram definitivamente demarcadas”.

“(e) Seja determinado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) que, com auxílio técnico das equipes competentes da Fundação Oswaldo Cruz do Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), e participação de representantes dos povos indígenas, elabore, em 20 dias, plano de enfrentamento do COVID-19 para os povos indígenas brasileiros, com medidas concretas, e que se tornará vinculante após a devida homologação pelo relator desta ADPF. Os representantes dos povos indígenas na elaboração do plano devem ser indicados pela APIB (pelo menos três) e pelos Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (pelo menos três).”

Em fevereiro de 2021, o ISA exibiu resultados do monitoramento no Boletim Sirad-Isolados. A investigação utilizou dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que diagnosticou o comportamento de grileiros em territórios com povos isolados. Foi constatado que as terras com esta característica – Pirititi, Tanaru e Piripkura – eram as mais ameaçadas, de acordo com as sobreposições de registros do CAR junto aos dados do Serviço Florestal Brasileiro – SICAR e os limites das terras indígenas da Funai.

O CAR é um documento autodeclaratório, sem validade fundiária. Segundo o Código Florestal de 2012, o cadastro é obrigatório para todos os imóveis rurais no País, mas seu uso é explicitamente proibido na regularização de posses ou propriedades. Neste caso, é inconstitucional e lesa o artigo 231 da CF-88, que declara as terras indígenas como sendo de usufruto exclusivo dos indígenas.

“Portanto, o processo de registro do CAR sobreposto às terras indígenas promove insegurança jurídica e favorece a grilagem, ou o roubo desses territórios”, sintetiza o boletim do ISA.

A TI Pirititi apresentou quase metade do território (47,8%) ameaçado por grileiros, enquanto a TI Tanaru teve sua área ameaçada em 38,8%, e a TI Piripkura, 21,4%. Em Pirititi, durante o mês de abril de 2020, o monitoramento identificou uma área desmatada de 29,5 hectares. O boletim concluiu que as terras que mais possuíam CAR ilegais incidentes em seu território eram as que tinham portarias de restrição de uso. No caso de Pirititi e Piripkura, as portarias venceriam em 2021 por seu prazo de validade de três anos ter sido estabelecido por portarias publicadas em 05/12/2018.

No entanto, graças aos alertas repassados para a frente de proteção responsável, o desmatamento foi freado. Em fevereiro de 2021 foram encontrados mais 2,5 hectares em novos desmatamentos. A autofiscalização feita pelos agentes indígenas, neste caso, os Kinja, foi responsável pela sensível diminuição do desmatamento, como divulgado pelo ISA e Portal Amazônia.

No entanto, as ações e omissões do governo Bolsonaro tendiam a esvaziar todos os esforços conjuntos para mitigar os desmatamentos na TI Pirititi. De acordo com a Survival Internacional e outras organizações pela defesa indígena, como o Cimi e o ISA, em documento assinado coletivamente e publicado em maio de 2021, o então presidente e seus aliados planejavam extinguir as portarias de restrição de uso e disponibilizar terras de povos indígenas isolados para a exploração, com a anuência de políticos da esfera estadual e federal.

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) e a Survival lançaram um vídeo, em 19 de maio de 2021, expondo a situação e pedindo ao governo federal que renovasse as portarias de restrições de uso, expulsasse os invasores e finalizasse os processos de demarcação desses territórios.

A não renovação das portarias de restrição àquela altura significava, de acordo com as organizações envolvidas com a campanha, “uma bomba relógio”. Na prática, os desmatamentos ocorridos pelo menos desde 2018 na TI Pirititi apontavam que essa bomba já havia explodido há algum tempo, fazendo da demarcação a efetivação de um direito mais do que urgente.

Por isso, no dia 28 de junho de 2021, o MPF ajuizou uma ação civil pública (ACP) visando a demarcação da TI. A ACP foi assinada pelo então procurador da República Alisson Marugal, titular do Ofício de Defesa dos Direitos Indígenas. Devido à morosidade em demarcar a área, a ACP pediu a finalização do processo administrativo num prazo de três anos. Enquanto o procedimento não fosse concluído, também foi solicitada a prorrogação judicial da portaria de interdição.

Além disso, foram expedidas recomendações ao Ibama e à Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Roraima (Femarh/RR) orientando a execução de ações de combate às infrações ambientais e anulação de licenças ilegais em favor de posseiros e grileiros da região. As recomendações foram assinadas pelos procuradores da República Alisson Marugal e Matheus de Andrade Bueno, titulares do ofício de Defesa do Meio Ambiente.

Parte do embasamento do MPF para a ACP foi a grande morosidade da Funai na condução dos procedimentos demarcatórios, observando que, ao longo dos anos, a fundação buscou reiteradamente “escusar-se da responsabilidade decorrente de sua inação alegando limitações de pessoal e/ou orçamentárias, conforme se constata dos ofícios encaminhados ao MPF em 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018”.

“Em recente diligência no caderno apuratório, após formal requisição ministerial ao Diretor de Proteção Territorial da Funai, o MPF obteve negativa de acesso a todos os processos atinentes à identificação e demarcação de terras indígenas em Roraima. Como consequência, impetrou-se o Mandado de Segurança nº 1003724-39.2020.4.01.4200, que tramitou na 4ª Vara Federal. Apesar de ter sido a ação julgada procedente, houve devolução da matéria ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para reexame necessário. Visando ao acesso imediato aos cadernos da Funai, este Parquet interpôs apelação com pedido de tutela antecipada recursal, ainda não apreciado.”

Em setembro de 2021 o sistema SIRAD de monitoramento independente do ISA detectou a abertura de um novo ramal muito próximo aos limites da TI Pirititi, que já havia desmatado 129 hectares de floresta no entorno da TI e representava uma nova frente de ameaça.

Em 29 de novembro de 2021, a Coiab e a Survival Internacional lançaram uma campanha para renovação de restrição nas TIs Piripkura, Pirititi, Jacareúba/Katawixi e Ituna/Itatá, prevendo o desmatamento das florestas, a poluição dos rios e o desaparecimento dos povos e de sua cultura caso a renovação das portarias não fosse concedida o quanto antes.

“Para que isso não aconteça, a Funai precisa URGENTEMENTE renovar as portarias. São elas que garantem a interdição dos territórios e a vida dos indígenas isolados. Assine a petição! Aja agora e mobilize-se. Nós, povos indígenas, não permitiremos mais massacres! Precisamos que você lute ao nosso lado. Os povos isolados têm o direito de viver nos seus territórios. Assine AQUI.

A Funai, contudo, permitiu que a portaria decretada para a terra indígena de Pirititi expirasse em 05 de dezembro de 2021, sendo um nova emitida com um prazo de interdição de apenas seis meses, tempo visto como muito curto por indígenas, indigenistas e ambientalistas.

O indigenista Elias Bigio, ex-coordenador-geral da Coordenação de Índios Isolados da Funai declarou à Folha de São Paulo: “Não é que eles não tenham contato. Há um histórico de relação interétnica. O que rejeitam é o contato com a nossa sociedade, que levou ao extermínio de muitos deles”.

Já a então coordenadora executiva da Apib, Sônia Guajajara, salientou a gravidade do risco que pairava sobre os povos isolados, especialmente com os discursos do então governo federal, que estimulavam as invasões:

“Eles ficam totalmente sem o subsídio que garante sua sobrevivência, sem o alimento, sem a água. Então, é a vida deles que está em risco. Não é só da parte de atirar de bala. Ameaça porque eles ficam sem o espaço que precisam para garantir sua sobrevivência. Não é questão de escolher viver ali, sempre viveram dessa forma.”

Em outubro de 2022 o Decreto n 11.226, assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro, revogou o Decreto n.º 9.010 e aprovou o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Funai. A Apib publicou uma análise jurídica sobre esta mudança, que alimenta retrocessos do ponto de vista formal e material.

Do ponto de vista formal, o decreto afronta o princípio da consulta e consentimento prévio, livre e informado dos povos indígenas, consagrado no art. 6º da Convenção 169 da OIT, segundo o qual o Estado tem o dever de consultar previamente os povos indígenas, “todas as vezes que atos de caráter administrativo e legislativos forem capazes de lhes afetar”.

No aspecto material, o referido ato normativo viola os seguintes preceitos constitucionais: “princípio da vedação do retrocesso social e princípio da autodeterminação dos povos originários. Ambos se configuram como valores basilares protegidos pela constituição e por tratados internacionais de direitos humanos aos povos indígenas”, como aponta a Apib.

O sítio Metrópoles, Estado de São Paulo, G1 e outros veículos publicaram que a Funai havia renovado, em 10 de outubro de 2022, por breves seis meses, a portaria que restringia o acesso de pessoas não autorizadas à TI Pirititi. De acordo com a portaria, o objetivo era dar continuidade aos trabalhos de monitoramento e proteção do povo Pirititi.

Em nota, o Instituto Socioambiental (ISA) salientou que o tempo de prorrogação era insuficiente para a retirada de invasores do local: “Esse tempo é insuficiente para garantir os processos de retirada de invasores. Enquanto isso, madeireiros e grileiros continuam avançando sobre o território dos indígenas isolados da área.”

Análise do ISA (2021) evidencia que os períodos que antecedem o término de vigência/renovação das portarias de restrição de uso apresentam registros de desmatamento, fruto da ausência de operações de fiscalização, bem como da expectativa e especulação dos invasores sobre a não renovação das Portarias. O gráfico do desmatamento a seguir mostra que a regulamentação das portarias de restrição de uso não combate o desmatamento ilegal, pois a retirada ilegal de madeira ainda ocorre no interior da TI Pirititi.

Em 10 de novembro de 2022, o Ministério da Justiça enviou a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) à TI. Conforme o MJ, transmitido em reportagem do G1, os militares da Força Nacional atuariam nas atividades e nos serviços de manutenção da ordem pública, da segurança das pessoas e na preservação do patrimônio com ações em caráter episódico e planejado, por 90 dias. A atuação, portanto, se encerraria em 30 de janeiro de 2023.

Em novembro de 2022 ocorreu um acordo entre MPF e Funai interditando a Terra Indígena Pirititi, além de prever delimitação da nova TI até 2025. Conforme informações da Folha de Boa Vista, a Funai também informou que iria concluir os relatórios de identificação e delimitação da terra indígena até fevereiro de 2025. A fundação se comprometeu a concluir e apresentar o relatório circunstanciado de identificação e delimitação da área da TI no prazo de três anos, contados a partir de fevereiro de 2022.

Em acatamento às recomendações expedidas pelo MPF em 2021, o Ibama executou ações de combate às infrações ambientais, e a Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Femarh) de Roraima anulou as licenças ilegais concedidas em favor de posseiros e grileiros da região.

Atualizado em janeiro de 2023.

Cronologia

1980 – Os Waimiri-Atroari, ou Kinja, como se autodenominam, chamam a atenção para a existência dos Pirititi em área vizinha ao seu território.

1988 – A Funai passa a colher evidências sobre a localização dos Pirititi, por meio de contatos indiretos. Além da identificação de rastros na mata, por vezes, membros da equipe se aproximam de localidades vizinhas carregando objetos.

1998 – Os Kinja, acompanhados por funcionários da Funai, fazem uma expedição de vigilância, repetindo o mesmo itinerário de dez anos antes na demarcação da Terra Indígena Waimiri Atroari.

Setembro de 1999 – Lideranças dos Kinja enviam carta ao então ao presidente da Funai e Departamento de Índios Isolados, Sulivan Silvestre, reivindicando proteção efetiva ao território Pirititi contra ameaças aos territórios indígenas.

2008 – Ameaça da instalação do Linhão de Tucuruí pelo Ministério de Minas e Energia nas TIs Waimiri-Atroari e Pirititi.

2011 – Durante sobrevoo de equipe da Funai são avistados maloca e roçados do grupo Pirititi. Os registros do sobrevoo são documentados pela Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) no processo administrativo Funai nº 08620.083438/2012-71.

2012 – A Funai regulamenta a primeira Portaria de Restrição de Uso na TI Pirititi por um prazo de três anos.

2012 – Em sobrevoo rotineiro de fiscalização e acompanhamento das ocupações no entorno da TI Waimiri Atroari, o então coordenador técnico do PWA, Porfírio Carvalho, avista uma pequena clareira e solicita ao piloto uma aproximação para averiguação, pois acredita ser uma invasão na TI Pirititi.

Outubro de 2016 – O governo Temer limita o orçamento da Coordenação Geral de Índios Isolados e Recém Contatados (CGIIRC) pelo decreto no. 8.859. A medida corta em 38% os recursos para custeio e investimento da Funai.

24 de março de 2017 – Publicação do Decreto n.º 9.010, assinado pelo então presidente Michel Temer, estabelecendo as atribuições das Coordenações das Frentes de Proteção Etnoambientais, dentre elas a de “proteger os povos indígenas isolados” (artigo 22, I) e “promover o levantamento de informações relativas à presença e à localização de índios isolados” (artigo 22, II), dentre outras providências.

Abril de 2018 – O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreende 7.387 toras extraídas ilegalmente da TI Pirititi.

Dezembro de 2018 – A interdição da TI Pirititi é renovada sem maiores alterações em relação às portarias normativas de 2012 e 2015.

2019 – Os Kinja cobram, de uma comitiva de parlamentares, respeito no projeto de construção do Linhão de Tucuruí e proteção aos Pirititi.

Maio de 2019 – As empresas Eletrobras e Alupar apresentam à Funai o “estudo de Componente Indígena” e apontam planos para a implementação de novos postos de fiscalização nas áreas indígenas, incluindo na região da área interditada de Pirititi.

Agosto de 2019 – Dados colhidos por satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registram o aumento expressivo dos alertas de desmatamento na Amazônia. O Instituto registra 30.900 focos de incêndio no bioma – um número três vezes maior do que o registrado no mesmo período de 2018.

Junho de 2020 – A Apib, por meio de 12 advogados indígenas, de partidos políticos como o PSOL, PSB, Rede, PT, PDT e PC do B, e da Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direitos da UERJ ingressam com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo que este determine medidas urgentes que garantam a vida dos indígenas durante a pandemia da covid-19.

Fevereiro de 2021 – O ISA exibe resultados do monitoramento no Boletim Sirad-Isolados. As terras com esta característica – Pirititi, Tanaru e Piripkura – são as mais ameaçadas, de acordo com as sobreposições de registros do CAR.

Fevereiro de 2021 – São encontrados mais 2,5 hectares em novos desmatamentos. A fiscalização dos agentes indígenas, neste caso, os Kinja, atua na sensível diminuição do desmatamento da TI Pirititi.

19 de maio de 2021 – A COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), o OPI (Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) e a Survival lançam vídeo pedindo ao governo que renove as restrições de uso, expulse todos os invasores e finalize os processos de demarcação desses territórios.

28 de junho de 2021 – O MPF ajuiza ação civil pública (ACP) visando a demarcação da TI Pirititi. A ACP é assinada pelo procurador da República, Alisson Marugal, titular do ofício de Defesa dos Direitos Indígenas, e tem um prazo de três anos.

Setembro de 2021 – O sistema SIRAD de monitoramento independente do ISA detecta a abertura de novo ramal de loteamento perto dos limites da TI Pirititi, com 129 hectares de floresta desmatados no entorno da TI.

29 de novembro de 2021 – A Coiab e a Survival Internacional lançam campanha para renovação de restrição nas TIs Piripkura, Pirititi, Jacareúba/Katawixi e Ituna/Itatá, prevendo o desmatamento das florestas, a poluição dos rios e o desaparecimento dos povos e sua cultura caso a renovação das portarias não seja concedida o quanto antes.

05 de dezembro de 2021 – A portaria de restrição de 2018 para a terra indígena de Pirititi é extinta, e uma nova portaria é emitida por apenas seis meses, tempo visto como muito curto por indígenas, indigenistas e ambientalistas.

10 de outubro de 2022 – A Funai renova, por mais seis meses, a portaria que restringe o acesso de pessoas não autorizadas à Terra Indígena (TI) Pirititi. De acordo com a portaria, o objetivo é dar continuidade aos trabalhos de monitoramento e proteção do povo Pirititi.

Outubro de 2022 – Decreto n 11.226, assinado pelo então presidente Jair Bolsonaro, revoga o Decreto n.º 9.010 e aprova o Estatuto e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Funai.

10 de novembro de 2022 – O Ministério da Justiça envia a Força Nacional à TI por 90 dias para atividades e serviços de manutenção da ordem pública, segurança das pessoas e preservação do patrimônio, com ações em caráter episódico e planejado.

Novembro de 2022 – Um acordo entre MPF e Funai interdita a Terra Indígena Pirititi, além de prever delimitação da nova TI até 2025. Funai afirma que irá concluir os relatórios de identificação e delimitação da terra indígena até fevereiro de 2025.

 

Fontes

ACORDO entre MPF e Funai interdita Terra Indígena Pirititi. Folha de Boa Vista, 17 nov. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3Vik9C2. Acesso em: 05 dez. 2022.

ALLESSI, Gil. Terras de indígenas isolados estão prestes a perder proteção legal da Funai e a cair nas mãos de invasores. El País, 15 out. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3GSs9Fq. Acesso em: 05 dez. 2022.

APIB, seis partidos políticos e Direito da UERJ ingressam com ADPF e pedido de liminar junto ao STF para impedir genocídio indígena. Apib, 30 jun. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3wahSeG. Acesso em: 05 dez. 2022.

ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL – APIB; COORDENAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA – COIAB; ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO AMAPÁ E NORTE DO PARÁ – APOIANP e FEDERAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO PARÁ – FEPIPA. Nota técnica sobre o Projeto Barão do Rio Branco. 17 maio 2019. Disponível em: https://bit.ly/3u3uqpH. Acesso em: 05 dez. 2022.

BASSI, Bruno S. De Olho nos Ruralistas publica relatórios sobre desmatamento na Amazônia e no Cerrado. De Olho nos Ruralistas, 31 mar. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3OL3sfK. Acesso em: 05 dez. 2022.

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COSTA, Luciano. Linhão em terra indígena de Roraima deve ter equipes com 200 fiscais e sigilo sobre minérios. Reuters, 27 maio 2019. Disponível em: https://bit.ly/3OJTlI5. Acesso em: 05 dez. 2022.

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GRILAGEM avança e ocupa quase metade da Terra Indígena Pirititi, onde há povos isolados em RR. G1, 29 mar. 2018. Disponível em: http://glo.bo/3XBDuzr. Acesso em: 05 dez. 2022.

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IBAMA multa em R$ 15 milhões responsáveis por extração ilegal de madeira em terra indígena de Roraima. G1, 16 jun. 2108. Disponível em: http://glo.bo/3ANljgs. Acesso em: 05 dez. 2022.

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TRAJANO, Andrezza. Waimiri Atroari não autorizam linhão de Tucuruí em suas terras. Amazônia Real, 08 jan. 2016. Disponível em: https://bit.ly/3GRV1xh. Acesso em: 05 dez. 2022.

URGENTE: o plano que pode exterminar povos indígenas isolados. Survival Brasil, 19 maio 2021. Disponível em: https://bit.ly/3UcLnsj. Acesso em: 05 dez. 2022.

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