GO – Povo indígena Avá-Canoeiro, reduzido a seis indivíduos que ainda aguardam a delimitação de suas terras, parcialmente inundadas por duas centrais elétricas
UF: GO
Município Atingido: Minaçu (GO)
Outros Municípios: Colinas do Sul (GO), Minaçu (GO)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida
Síntese
O povo indígena Avá-Canoeiro ocupa uma área de 38 mil hectares demarcada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 1996. Denominada Terra Indígena Avá-Canoeiro, é localizada nos municípios de Minaçu e de Colinas do Sul, no estado de Goiás. Identificada no final dos anos 1940 pelo então Serviço de Proteção ao Índio (SPI), a etnia foi oficialmente reconhecida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) durante a ditadura militar, momento a partir do qual começou a reivindicar seus direitos territoriais. Apesar de demarcada em 1996, a TI Avá-Canoeiro ainda não foi homologada, gerando uma situação de insegurança e incertezas quanto à reprodução social e física desse povo indígena, ainda nos dias de hoje.
Os conflitos envolvendo situações de injustiça ambiental e saúde, sofridos por este povo de reduzido número (atualmente seis indivíduos), ameaçam a sua sobrevivência e os aproxima da extinção. O principal e mais contundente conflito que o grupo enfrentou nas últimas décadas foi a construção da represa e o enchimento do lago da Usina Hidrelétrica (UHE) Serra da Mesa, de propriedade da Furnas Centrais Hidrelétricas S. A. Anos mais tarde os Avá-Canoeiros foram também atingidos pela UHE Cana Brava, que barra o mesmo Rio Tocantins, abaixo da UHE Serra da Mesa.
Entretanto, ao longo das décadas a nação indígena Avá-Canoeiro vem sendo atingida por inúmeros casos de violação de seus direitos, que passam pela ausência e negligência do poder público (na figura da própria Funai e de outras agências governamentais, como a Fundação Nacional de Saúde – Funasa), até a ação indiscriminada de saque e roubo de madeira e outros recursos naturais dentro de suas terras tradicionais. Em 2004, a exploração ilegal madeireira e de minerais foi denunciada pela administração regional de Goiás, além da pesca predatória em suas terras. Investigações da Polícia Federal, da Funai e do Ibama levaram ao envolvimento de madeireiros, pescadores e garimpeiros nos crimes ambientais.
No caso da UHE Cana Brava, o Ministério Público Federal acatou as denúncias de que a construção da barragem não cumpriu com a legislação ao deixar na área inundada a mata original. Isso causou, entre outros problemas, o apodrecimento da água, comprometendo a reprodução da fauna aquática represada no lago artificial e a utilização do pescado como fonte de alimentos para a comunidade indígena, assim como para as demais comunidades que vivem da pesca na região do entorno da represa.
Em 2007 o MPF moveu uma Ação Civil Pública contra as empresas do consórcio da UHE, solicitando a reparação da vegetação que não foi retirada onde hoje se encontra o reservatório.
Contexto Ampliado
De acordo com estudos enográficos e historiográficos compilados pelo portal Povos Indígenas do Brasil (PIB) mantido pelo Instituto Socioambiental (ISA), há controvérsias em relação à origem do povo indígena Avá-Canoeiro. Algumas versões alegam que os Avá-Canoeiro remontam aos grupos Carijó (denominação genérica atribuída pelos colonizadores aos diversos grupos Guarani do sul do país) de São Paulo, levados para Goiás entre 1724 e 1726 pela bandeira de Bartolomeu Bueno a fim de auxiliar na defesa contra os índios nativos da região e trabalharem como mão-de-obra na mineração. Após o fim da bandeira, os Avá-Canoeiro permaneceram no território, dessa vez como grupo autônomo; porém, estudos etnolinguísticos apontam uma afinidade entre os Avá-Canoeiro e grupos Tupi-Guarani amazônicos.
Historicamente, os registros históricos apontam o rio Tocantins e seus afluentes como principais áreas de ocupação da etnia. Entretanto, a partir de 1820, os Avá-Canoeiro passam a ser encontrados não apenas nos rios, mas também nas altas montanhas entre o rio Maranhão e os povoados de Santa Tereza e Amaro Leite; além de algumas aldeias no rio Canabrava e outros lugares.
Segundo o PIB: Os Canoeiro continuaram suas relações hostis com a população regional, fazendo com que diversos governos da Província dirigissem contra o grupo inúmeras expedições oficiais. Sua localização era crucial na incipiente ocupação do território goiano nesse período, já que se situavam em plena área de expansão da pecuária e em meio à rota de contato (o rio Tocantins) que ligava os dois mais importantes polos de desenvolvimento regionais (a capital da província e Porto Real, hoje Porto Nacional).
Como consequência, os Avá-Canoeiro se dispersaram por um vasto território, desde os sopés da serra Dourada até o interior e leste da Ilha do Bananal. Separados, os grupos do Araguaia e do Tocantins passam a ter histórias diferenciadas.
Ainda segundo o PIB: Os grupos do alto Tocantins permaneceram, entre 1940 e 1998, nos municípios de Santa Tereza, Cavalcante e Campinaçu. Nesse período, prosseguiram os conflitos armados com fazendeiros e demais ocupantes da região. A primeira frente de atração oficial para esses grupos iniciou seus trabalhos por volta de 1946, com a fundação, pelo CNPI (Conselho Nacional de Proteção ao Índio), do Posto Canoeiro na serra das Trombas, na região do rio Canabrava. A frente construiu estradas, alegou manter contatos visuais com índios, iniciou a entrega supostamente bem sucedida de brindes, mas não conseguiu estabelecer nenhum contato mais concreto com os Avá-Canoeiro.
Os trabalhos da frente de atração foram encerrados em 1950, sendo retomados somente em 1969 após conflitos entre os índios e fazendeiros em torno da posse de gado – os índios estariam abatendo os animais nas fazendas para consumo próprio. A Funai não conseguiu estabelecer contato com os índios e os fazendeiros passaram a contratar jagunços para caçá-los e manter a área limpa, eufemismos que escondiam o massacre dos Avá-Canoeiro. Como consequência, os índios abandonaram diversas aldeias, como as existentes nos córregos Jacira, Descobertas, Limeira, Boa Nova e Abaixo. Na mesma época, a aldeia da Mata do Café foi atacada e dizimada por fazendeiros. Cerca de 15 pessoas foram mortas e seus corpos incendiados junto com suas malocas.
Em 1983, cerca de 14 anos após o estabelecimento da segunda frente de atração, a Funai finalmente estabeleceu seu primeiro contato oficial com a etnia. Segundo o PIB: um grupo Avá-Canoeiro, remanescente da aldeia da Mata do Café, formado por duas mulheres, uma menina e um menino, resolveram fazer contato com regionais.
Em 1985, houve avanços nos estudos demarcatórios e os primeiros atos de interdição de suas terras, localizadas nos municípios de Minaçu e Cavalcante. A partir dessa época, a Funai, com auxílio da Polícia Federal (PF), começou a monitorar e afastar invasores da área da futura TI. Em agosto de 1988, cerca de 30 garimpeiros foram expulsos da área pela PF.
Os primeiros esforços de identificação e demarcação da população e da terra indígena dos Avá-Canoeiro aconteceram nos anos 1990, sem, entretanto, garantir uma delimitação de seus territórios tradicionalmente ocupados pela falta de informação dos agentes do serviço público federal à época.
Atualmente, os Avá-Canoeiro do alto Tocantins encontram-se divididos em dois grupos. O que foi contatado em 1983 vive próximo ao Posto de Atração. O outro grupo, arredio, perambula pela AI Avá-Canoeiro e pelo interflúvio dos rios Preto e Bagagem, nas serras próximas ao rio Maranhão. O ponto de dispersão deste grupo parece ser o mesmo dos outros arredios e contatados do alto Tocantins: a Mata do Café e as serras dos municípios de Niquelândia, Cavalcante e Minaçu, ao longo do alto rio Tocantins.
Os primeiros debates acerca dos possíveis impactos da UHE Serra da Mesa sobre o território dos Avá-Canoeiro tiveram lugar em Altamira já em fevereiro de 1989. Como consequência, a União das Nações Indígenas (UNI) decidiu, em abril de daquele ano, impetrar um mandado de segurança visando garantir a área da reserva. Ao mesmo tempo, a entidade buscava firmar um acordo com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente e a empresa Furnas.
Em maio de 1989, a Funai entrou na Justiça Federal com um pedido de liminar de reintegração de posse com objetivo de garantir a intervenção policial na retirada de garimpeiros do território. A operação de desintrusão ocorreu em 09 de maio, quando a PF expulsou de 40 a 100 garimpeiros da região do rio Maranhão.
Em junho de 1989, uma nova reunião realizada pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente foi realizada para discutir a demarcação da TI. Àquela altura, a extensão e o perímetro da reserva já estavam definidos.
No mês seguinte, nasceu Putjawa, uma das primeiras crianças após a aproximação dos Avá-Canoeiro à Funai em 1983. Com este nascimento, a etnia passou a contar então com 14 indivíduos conhecidos. O nascimento da pequena índia foi apresentado pela imprensa da época como um símbolo de esperança e renascimento para a etnia, pois há 18 anos não se registrava o nascimento de uma menina.
Em abril de 1990, diversas entidades sensíveis à causa dos índios criaram o Comitê Pró-Avá-Canoeiro, e uma das primeiras ações do grupo foi o encaminhamento de um documento ao Governador do Estado de Goiás pressionando-o a garantir a demarcação da reserva.
Em 04 de fevereiro de 1991, o então presidente Fernando Collor de Mello assinou o decreto 22, que alterou os procedimentos administrativos para demarcação de terras indígenas no Brasil, estabelecendo a competência da Funai para tanto e extinguindo o Grupo Interministerial até então existente, que acabava por postergar todo o processo, já que era usado por grupos sociais poderosos, a partir de suas articulações políticas, para impor à administração pública os interesses desses grupos. O decreto também estabeleceu as bases para a participação do grupo indígena interessado no processo de definição da área a ser demarcada, de forma a respeitar suas especificidades culturais e territoriais (BRASIL, 1991).
As mudanças reacenderam as esperanças do Comitê Pró Avá-Canoeiro de que o processo administrativo relativo à TI Avá-Canoeiro fosse finalmente concluído.
Em julho de 1993, uma notícia reacendeu também as preocupações em relação aos impactos da TI Serra da Mesa. Visando garantir a continuidade das obras da usina, e a cumprir um acordo firmado com a empresa Furnas, a Funai iniciou a busca de um indivíduo isolado da etnia que supostamente estaria vivendo na área do território a ser inundada.
Em abril de 1996, diante da iminente abertura das comportas da UHE Serra da Mesa, foi anunciado que os Avá-Canoeiros remanescentes, novamente reduzidos a apenas seis indivíduos, seriam transferidos de sua aldeia para uma nova, fora da área a ser inundada. Foi estabelecida uma indenização monetária de dois milhões de dólares aos índios como compensação, e os recursos deveriamser utilizados pela Funai para custear programas de preservação da cultura da etnia.
Em outubro de 1996, uma matéria de Roberto Naves para o Correio Braziliense informava entretanto que o represamento do rio Tocantins poderia ser adiado, pois o empreendimento – apesar de ameaçar a integridade do território Avá-Canoeiro e secar áreas exploradas por uma população ribeirinha não-indígena estimada na época em 1800 pessoas – não contava com estudos de impactos ambientais, motivo pelo qual o procurador da República no Tocantins exigiu a suspensão do fechamento das comportas, previstas para aquele mês, até que tais estudos estivessem concluídos e fossem analisados pelo Ibama. A dispensa dos estudos havia ocorrido devido ao fato de que a lei que os exige ainda não estava em vigor à época do licenciamento ambiental da usina em 1986.
O juiz federal em Tocantins Marcelo Dolzany da Costa atendeu parcialmente aos pedidos do MPF determinando que o Ibama realizasse novo licenciamento do empreendimento sob as regras da época, mas de forma simplificada, já que um EIA foi descartado pelo magistrado. Até aquela ocasião, a autorização do congresso para inundação da terra indígena ainda estava pendente.
Em outubro de 1996, o Ministério da Justiça reconheceu a Terra Indígena Avá-Canoeiro abrangendo parte dos municípios de Minaçu e Colinas do Sul, com superfície de 38 mil hectares, e determinou que a Funai procedesse a sua demarcação administrativa para posterior homologação (Pequeno, 2006:707).
Entretanto, no mesmo mês, o Congresso Nacional autorizou Furnas Centrais Hidrelétricas S. A. a proceder ao aproveitamento hidrelétrico da Serra da Mesa, localizada no Rio Tocantins, exatamente nos trechos dos municípios de Minaçu e Colinas do Sul. A autorização, prevista pelo Decreto Legislativo nº103/1996, estabelecia que os concessionários de utilização da Usina Hidroelétrica (UHE) Serra da Mesa ficariam obrigados a cumprir e manter integralmente os convênios, ajustes e termos de cooperação celebrados com a Funai, visando a proteção e compensação da nação indígena Avá-Canoeiro (DL nº103/1996).
O fechamento das comportas aconteceu em 27 de outubro de 1996. A inundação do lago da represa tomou 10% de seu território, e outros grandes impactos vieram com a construção das estradas de acesso, linhas de transmissão e retirada de material argiloso para a construção da UHE.
Em 1997, foi criado o Posto Indígena Avá-Canoeiro, dentro da TI, como compensação pela área inundada das nascentes do Rio Tocantins.
Em janeiro daquele ano, um grupo de garimpeiros, atraídos pelo rebaixamento das águas do rio Tocantins, invadiu a área da reserva em busca de ouro na altura dos municípios de Colinas do Norte e Minaçu. A atividade impactava diretamente o território indígena na medida em que as águas estavam sendo contaminadas por mercúrio e estavam sendo abertas clareiras nas matas. Segundo informações do chefe do posto da Funai, veiculadas no jornal O Popular, a Fundação, com o apoio do Batalhão da Polícia Federal (BPF), estava realizando inspeções na área para coibir as atividades ilegais, mas tais operações estariam sendo dificultadas pelo leito reduzido do rio, já que muitas áreas invadidas apresentam difícil acesso, somente pelo rio.
Em reunião realizada na Comissão de Consumidor, Meio Ambiente e Minorias do Congresso Nacional, em fevereiro de 1997, as invasões à reserva foram objeto de debates. A partir de relatório de técnicos da Funai, ficou claro que a questão do garimpo ilegal não era o único problema para o povo Avá-Canoeiro, pois também foram identificadas 58 famílias de posseiros na área, as quais não poderiam ser removidas até que a regularização fundiária da TI fosse realizada.
Em abril de 1997, a Furnas anunciou que daria sequência ao acordo firmado com a Funai e adquiriria terras para reassentar os índios como forma de compensação pelas terras inundadas. Tudo dependia apenas da entrega de um relatório da Funai especificando as terras a serem compradas. Entre as áreas preferenciais para os antropólogos da Funai estavam terrenos que continham as nascentes dos rios que cortam a reserva, principalmente a cabeceira do rio Pirapitinga, perto da nova aldeia. Tais escolhas, segundo a Funai, visavam evitar que as nascentes dos rios fossem contaminadas.
A ameaça permanecia importante principalmente devido à reiterada invasão da TI por garimpeiros. Em fevereiro de 1998, uma nova ação de fiscalização encontrou 11 balsas usadas para o garimpo de ouro dentro da TI.
Paralelamente aos esforços para garantir a integridade ambiental do território Avá-Canoeiro, a Funai também estava realizando ações para garantir a continuidade do povo em si. A partir de julho de 1999, com o apoio do Instituto Goiano de Pré-história e Arqueologia (IGPA) da Universidade Católica de Goiás (UCG), iniciaram tentativas de aproximar o grupo de Minaçu de outro que vivia na Ilha do Bananal, no lado tocantinense da fronteira. Este grupo também se encontrava extremamente reduzido, contando com apenas nove indivíduos. Para tanto, ele foi convidado a conhecer a reserva goiana. A expectativa dos indigenistas era de que eles pudessem ser atraídos para a TI como forma de fortalecer a etnia. Além disso, os Avá-Canoeiros tocantinenses viviam em terras da etnia Javaé, sendo todos oriundos do grupo expulso da Mata do Café, com os quais historicamente possuíam relações hostis, de forma que viviam precariamente em terras alheias e frequentemente eram objeto de atitudes discriminatórias.
As primeiras tentativas, entretanto, se mostraram infrutíferas. Na visita realizada naquele ano, 1999, os Avá-Canoeiro da aldeia Javaé permaneceram na reserva por apenas cinco dias, talvez devido aos diferentes graus de aculturação entre os grupos e à distância linguística (o grupo de Tocantins fala principalmente o português, enquanto o grupo goiano tem dificuldades com a língua do colonizador, falando principalmente sua língua original; além disso, apesar de pertenceram à mesma etnia, eles advêm de frações distantes).
O processo de demarcação do território, contudo, sofreu novo revés no final de 2000, quando – após 15 anos de iniciado o processo de desintrusão da reserva e quando restavam apenas cinco famílias de posseiros na área – um advogado chamado José Paiva de Novaes surgiu apresentando-se como posseiro na área, sob a alegação de que teria adquirido as terras cedidas por Carlindo Esteves Filho, antigo posseiro, à sua ex-esposa Isabel Natividade Pinheiro por ocasião de sua separação. Segundo matéria de Marina Oliveira para o Correio Braziliense, o novo posseiro estaria incentivando os remanescentes a permanecerem nas terras, além de ter movido uma ação de manutenção de posse contra a Funai.
A Funai alegou na época que a transmissão era ilegal na medida em que a própria posse de Carlindo foi considerada de má-fé durante o processo de indenização das famílias de posseiros da região.
Em sua defesa pública, divulgada em nota do Correio Braziliense, o advogado se defendeu alegando que a demarcação da TI Avá-Canoeiro era um subterfúgio utilizado pela própria Funai para reservar a área, de grande beleza cênica, para futuros empreendimentos de turismo ecológico, não sendo a demarcação procedente na medida em que (recorrendo a um argumento hoje em voga entre os agricultores brasileiros) haveria muita terra para pouco índio.
Em março de 2001, o juiz federal Abel Cardoso de Morais cassou liminar e manteve a posse das terras dos índios em detrimento das alegações de posse de José Novais. Para o juiz Abel Cardoso não existia qualquer prova digna de credibilidade de que a situação anterior pudesse comprometer a vida ou a saúde das pessoas residentes na fazenda Sono Dourado.
Em 2004, foi denunciada pela administração regional de Goiás a exploração ilegal madeireira e de minerais, além da pesca predatória em suas terras. Investigações da Polícia Federal, da Funai e do Ibama levaram ao envolvimento de madeireiros, pescadores e garimpeiros nos crimes ambientais.
No caso da UHE Cana Brava, o Ministério Público Federal acatou as denúncias de que a construção da barragem não cumpriu com a legislação ao deixar na área inundada a mata original. Isso causou, entre outros problemas, o apodrecimento da água, comprometendo a reprodução da fauna aquática represada no lago artificial e a utilização do pescado como fonte de alimentos para a comunidade indígena, assim como para as demais comunidades que vivem da pesca na região do entorno da represa.
Em 2007, o MPF moveu uma Ação Civil Pública contra as empresas do consórcio da UHE, solicitando a reparação da vegetação que não foi retirada onde hoje se encontra o reservatório.
Em setembro de 2012, uma reportagem assinada por Wilson Isaías, publicada no Jornal Diário do Norte, denunciava que, apesar dos esforços empreendidos ao longo das décadas anteriores e de serem legalmente beneficiários de grandes recursos financeiros (somente das indenizações oriundas dos impactos da UHE Serra da Mesa foram recebidos mais de US$ 2 milhões), os Avá-Canoeiro ainda permaneciam em uma situação de miséria e pressionados pela continuidade dos impactos da ação de invasores em suas terras.
Sem uma população numerosa o suficiente para garantir a sustentabilidade de seu extenso território e a defesa suas terras, os Avá-Canoeiro continuavam a aguardar a titulação da TI ao mesmo tempo em que estavam sujeitos à insuficiência na alimentação, dificuldades para obtenção de água potável e a condições precárias de habitação, enquanto fazendeiros, madeireiros, caçadores, pescadores e garimpeiros continuavam a enriquecer e a destruir o seu legado sob a complacência das autoridades federais. Incêndios provocados pelos pecuaristas seguiam constantes na área.
Apesar de terem direito a R$ 18 mil mensais oriundos das indenizações, a reportagem do jornal Diário do Norte esteve na reserva e encontrou os índios se alimentando com arroz e feijão. O chefe Iawi, 51 anos e sua esposa, Tuia, 41 anos, contam que a Funai fornece, arroz, sal, farinha, açúcar, café, fubá, feijão e carne temperada. Porém, a carne acaba logo ou estraga. Muitos alimentos também perdem a qualidade devido à falta de acondicionamento ideal. É muito triste, diz Tuia, de cabeça baixa e visivelmente deprimida.
A reportagem cita ainda que a filha mais nova do casal, Niwatima, 23 anos, e seu irmão Trumak, 24 anos, revelam preocupação com as condições das casas onde moram. Falam que precisam de moradias novas antes que chegue a chuva. Têm medo de que tudo desabe quando as águas vierem. As moradias são parcialmente cobertas com palha e restos de telhas de amianto. As vigas de sustentação estão apodrecidas, assim como também as paredes de palha. Querem que a Funai construa três casas em lugar escolhido pela tribo. Em uma das morarias, o casal Kaptomayi, 32 anos, sua esposa Niwatima, o filho Paxeo de sete meses e o cunhado Trumak. A outra seria para o chefe Iawi e Tuia e sua mãe Matxa, 71 anos, e sua tia Nakuatxa, 66 anos. Na terceira casa residiria com a família, Sebastião Pereira dos Santos, um homem branco que os auxilia na roça. Eles querem também energia elétrica. Atualmente iluminam a escuridão com lanternas ou velas de parafina.
Eles também denunciaram grilagem em suas terras. Segundo a fala dos índios publicadas no jornal: Há cerca de quatro anos um homem conhecido por Adão – mas cujo nome verdadeiro seria João – ocupou parte da gleba já desocupada pela União e teria vendido parcelas a um empresário do ramo de gelos de Goiânia; a um certo Capitão, do qual não se sabe a corporação; e a um empresário do ramo de turismo com escritório em Goiânia, Uberlândia-MG e Porto Seguro-BA. O grileiro também continua na gleba. O dono da fábrica de gelo construiu no alto da serra e no meio da reserva uma casa de alvenaria de 160 metros e nela tem gerador de energia com potência para iluminar uma pequena cidade, móveis, churrasqueira, antena para TV paga e até um veículo adaptado para trafegar por terrenos acidentados. Os ricos invasores garantem que estão providenciando escrituras.
O histórico de violência, abandono, massacres e descaso sofridos pela etnia e a fragilidade do acesso a políticas públicas de moradia, alimentação, eletrificação rural, segurança territorial e de saúde se refletem na vulnerabilidade de seus membros.
Segundo matéria de Danielo Fariello, publicada no jornal O Globo em março de 2013, a matriarca do grupo Matxa, aos 73 anos, já não enxerga devido a um quadro de glaucoma. Enquanto isso, seus filhos e netos encontram dificuldades no tocante a manutenção do núcleo familiar, já que – após décadas de precárias condições de vida, lento extermínio e, paralelamente, fornecimento periódicos de cestas básicas aliados a um terreno irregular e pouco produtivo onde a Funai os reassentou – o grupo já não cultiva as mesmas habilidades de caça, pesca e produção agrícola de seus antepassados, paulatinamente abandonando sua dieta tradicional em prol de uma dieta mais pobre fornecida pelo órgão indigenista.
Em junho de 2013, foi também divulgado que Iawi, cacique da aldeia, havia sido diagnosticado com câncer no baço e anemia, mas não estava recebendo o devido tratamento, motivo pelo qual a então presidente interina da Funai, Maria Augusta Assirati, em ofício à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), havia pressionado o Ministério da Saúde a providenciar seu tratamento, disponibilizando inclusive os recursos financeiros da etnia geridos pela Fundação, haja visto o tratamento necessário (com o uso do quimioterápico rituximabe) não estar disponível no Sistema Único de Saúde (SUS). O custo do tratamento era estimado entre 40-50 mil reais.
Segundo Fariello, um dos impedimentos para o acesso ao tratamento, mesmo se financiado com recursos da Funai, seria a resistência dos médicos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), onde ele foi atendido, em realizar o procedimento, entendido como um privilégio individual do cacique, na medida em que o tratamento não estará disponível para os demais usuários do SUS com as mesmas necessidades de saúde.
Por esse motivo, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) havia representado junto ao Ministério Público Federal (MPF) para assegurar judicialmente que o HC-UFG fosse obrigado a realizar o tratamento. Uma alternativa estudada na época seria sua transferência para um hospital em Brasília.
Cronologia:
1724-1726 – Grupos Carijó, originalmente de São Paulo, são levados para Goiás pelo bandeirante Bartolomeu Bueno.
1820 – Grupos Avá-Canoeiro se dispersam por áreas de montanha, saindo de seu território original às margens do rio Tocantins e afluentes. Novas frentes de contato com a sociedade nacional são estabelecidas.
1844-1865 – Etnia se dispersa após conflitos com fazendeiros garimpeiros e outros grupos que chegam à Ilha do Bananal.
1946 – SPI estabelece primeiro posto de atração na Serra das Trombas.
1950 – Primeira frente de atração é desmobilizada.
1966 – Aldeia Avá-Canoeiro da Mata do Café é atacada e dizimada por fazendeiros. Cerca de 15 pessoas são mortas e seus corpos são incendiados junto com suas malocas.
1969 – Nova frente de atração é estabelecida pela FUNAI.
1980 – Funai realiza os primeiros estudos visando a demarcação da TI Avá-Canoeiro.
1983 – Primeiro contato oficial entre um grupo Avá-Canoeiro e a frente de atração da Funai.
1985 – Funai interdita área de ocorrência dos Avá-Canoeiro.
Agosto de 1988: Garimpeiros são expulsos das terras Avá-Canoeiro pela PF.
Fevereiro de 1989: A possibilidade de o povo Avá-Canoeiro ser atingido com a construção da hidrelétrica de Serra da Mesa é discutida em Altamira, no Pará.
Abril de 1989: UNI impetra mandado de segurança para garantir integridade do território Avá-Canoeiro.
Maio de 1989: Funai move ação de reintegração de posse para garantir integridade do território Avá-Canoeiro invadido por garimpeiros.
09 de maio de 1989: PF expulsa 40 garimpeiros a região do rio Maranhão.
Junho de 1989: Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente realiza reunião para discutir demarcação da TI Avá-Canoeiro.
1990 – Novos estudos realizam identificação de área a ser demarcada.
Abril de 1990: Comitê Pró-Avá-Canoeiro encaminha um documento ao Governador do Estado de Goiás pressionando-o a garantir a demarcação da reserva.
1991: Decreto presidencial estabelece novos procedimentos para demarcação de terras indígenas no Brasil.
Julho de 1993: Funai inicia buscas de indígena isolado que habitaria área a ser inundada pela UHE Serra da Mesa.
Abril de 1996: Índios são transferidos de sua aldeia para uma nova em decorrência da abertura das comportas da UHE Serra da Mesa.
Outubro de 1996 – MJ declara área da TI Avá-Canoeiro, reconhecendo cerca de 38 mil hectares como território tradicional da etnia.
MPF exige suspensão do fechamento das comportas devido à ausência de estudos de impactos ambientais.
Congresso Nacional autoriza Furnas Centrais Hidrelétricas S. A. a proceder ao aproveitamento hidrelétrico da Serra da Mesa; cerca de 10% do território dos Avá-Canoeiro são expropriados no processo.
27 de outubro de 1996: Comportas da UHE Serra da Mesa são fechadas. Início da formação do lago.
1997 – É criado o Posto Indígena Avá-Canoeiro, dentro da TI, como compensação pela área inundada das nascentes do Rio Tocantins.
Fevereiro de 1997: Possível atuação de famílias de posseiros no garimpo ilegal dentro da TI Avá-Canoeiro é objeto de debates na Comissão de Consumidor, Meio Ambiente e Minorias do Congresso Nacional.
Abril de 1997: Furnas anuncia proposta de compra de terras para compensação de áreas inundadas na TI.
Fevereiro de 1998: Onze balsas de garimpo são apreendidas na TI.
Julho de 1999: Funai e IGPA iniciam tentativas de aproximação dos grupos Avá-Canoeiro da Ilha do Bananal (TO) e de Minaçu (GO).
Novembro de 2000: Advogado entra com ação possessória contra a Funai para impedir continuidade de atos de desintrusão da TI Avá-Canoeiro onde supostamente teria terras. Funai contesta judicialmente legitimidade da ação e das alegações do advogado.
Março de 2001: Juiz Federal considera improcedentes as alegações de José Novais.
2004 – Administração Regional da Funai em Goiás denuncia ação de madeireiros na TI Avá-Canoeiro.
2007 – MPF move ação civil pública solicitando reparação dos impactos socioambientais da construção da hidrelétrica sobre a etnia.
2012: Índios Avá-Canoeiro denunciam precariedade de vida e invasões em suas terras. Funai não estaria fornecendo alimentos, água ou moradia compatíveis com seu sustento, além de não estar providenciando a adequada fiscalização da TI.
Junho de 2013: Funai pressiona MS para que cacique Iawi receba tratamento necessário para a cura do seu câncer de baço. Quimioterápico necessário não está disponível no SUS.
Última atualização em: 01 de junho de 2014
Fontes
ALVES, Josias Manoel. Processo de eletrificação em Goiás e no Distrito Federal: retrospectiva e análise dos problemas políticos e sociais na era da privatização / Josias Manoel Alves – Campinas, SP: [s.n.], 2005.
ANTROPÓLOGOS tentam evitar fim dos índios avá. O Popular, 13 jul. 1999. Disponível em: <http://goo.gl/ZpQUUr>. Acesso em: 18 jul. 2014.
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BRAGA, Maria José. Fracassa tentativa de aproximar avás. O Popular, 25 jul. 1999. Disponível em: http://goo.gl/P4AfjZ. Acesso em: 18 jul. 2014.
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