Comunidades quilombolas, indígenas e tradicionais lutam contra construção de Sistema de Transmissão Gralha Azul

UF: PR

Município Atingido: Ponta Grossa (PR)

Outros Municípios: Arapoti (PR), Bituruna (PR), Castro (PR), Imbituva (PR), Irati (PR), Jaguariaíva (PR), Palmeira (PR), Pitanga (PR), Prudentópolis (PR), Rio Azul (PR), São Mateus do Sul (PR), Telêmaco Borba (PR), União da Vitória (PR)

População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas, Extrativistas, Faxinalenses, Povos indígenas, Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Energia e radiações nucleares, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida

Síntese

As obras do empreendimento denominado Sistema de Transmissão Gralha Azul, da empresa francesa Engie Transmissão de Energia Ltda, têm cerca de 1.000 km de Linhas de Transmissão (LT), além de subestações de energia, abrangendo diversos municípios do Estado do Paraná.

A obra do Sistema de Transmissão Gralha Azul prevê a supressão de mais de 200.000 (duzentas mil) árvores nativas, incluindo aproximadamente 14.000 (quatorze mil) araucárias, em uma área total de desmatamento equivalente a 218 hectares (o que corresponde a mais de 312 campos de futebol oficiais), em pleno bioma da Mata Atlântica.

A sociedade civil organizada denuncia que o empreendimento causará impactos em diversas comunidades rurais e tradicionais, tais como quilombolas, indígenas e faxinalenses. No entanto, de acordo com grupos organizados (acadêmicos e representantes de organizações sociais) que se debruçaram sobre o caso, houve negligência nos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) acerca dos impactos sobre as comunidades tradicionais, o que dificulta mensurar os reais danos sobre estes grupos.

Por exemplo, representantes da Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná (Fecoqui) dizem que os quilombolas não foram consultados pela empresa para discutir os impactos do empreendimento.

Apesar da extensão do Sistema de Transmissão Gralha Azul, o processo do licenciamento ambiental ficou sob responsabilidade do órgão estadual, o Instituto Água e Terra (IAT/PR), ao invés de ser analisado na esfera federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Mesmo se tratando de um empreendimento que abrange apenas o estado do PR, a comunidade científica e representantes de instituições civis reivindicam que o licenciamento seja de responsabilidade do Ibama devido a suspeitas de omissão e negligência por parte do órgão estadual, o IAT/PR.

Seguindo uma prática comum das organizações de encontrar “brechas” no licenciamento ambiental para facilitar a emissão das licenças e autorização de suas atividades, o empreendimento foi fracionado e submetido ao licenciamento ambiental de forma separada, ignorando os impactos cumulativos e sinérgicos das obras. Em termos gerais, essa prática agiliza sua autorização e dificulta a compreensão dos impactos na sua totalidade.

Ambientalistas e representantes de organizações sociais denunciam irregularidades no processo do licenciamento ambiental e falta de transparência. A partir desta constatação e da repercussão negativa das atividades do empreendedor, diversos grupos organizados iniciaram um processo de enfrentamento ao projeto.

A partir da formação de um grupo de trabalho formado por membros de Universidades Públicas e Organizações Não-Governamentais, foi recomendado que a empresa refizesse seus estudos de impacto ambiental e que o Ibama fosse o órgão licenciador e fiscalizador, buscando maior rigor no cumprimento da legislação ambiental vigente.

O Ministério Público Estadual do Paraná (MP-PR) juntamente com o Ministério Público Federal (MPF), atuou em duas frentes de trabalho para que o empreendimento do Sistema Gralha Azul fosse reavaliado: recomendação para que o Ibama embargasse as atividades de supressão de vegetação provocada pela Engie e uma Ação Civil Pública denunciando indícios de fraude por parte da empresa. Como determinação judicial, ficou fixado, em caso de desrespeito à ordem judicial, o pagamento de multa diária no valor de R$ 20 milhões.

Apesar do judiciário ter determinado a suspensão das obras e das licenças de instalação, a empresa Engie tem alegado publicamente que segue confiante em seu projeto, e que irá recorrer da decisão para suspender a liminar a fim de continuar as obras do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Contexto Ampliado

As obras do empreendimento denominado Sistema de Transmissão Gralha Azul, sob responsabilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cuja execução está sob a responsabilidade da empresa Engie Transmissão de Energia Ltda, uma subsidiária do grupo franco-belga Engie, têm cerca de 1.000 km de Linhas de Transmissão (LT), e prevê a instalação de cinco novas Subestações (SEs) e ampliação de outras cinco existentes.

O empreendimento abrange diversos municípios do Estado do Paraná, sendo especificamente as seguintes cidades: Arapoti, Bituruna, Castro, Guarapuava, Imbituva, Irati, Jaguariaíva, Palmeira, Pitanga, Ponta Grossa, Prudentópolis, Rio Azul, São Mateus do Sul, Telêmaco Borba e União da Vitória.

A obra do Sistema de Transmissão Gralha Azul prevê a supressão de mais de 200.000 (duzentas mil) árvores nativas, incluindo aproximadamente 14.000 (quatorze mil) araucárias, em uma área total de desmatamento equivalente a 218 hectares (o que corresponde a mais de 312 campos de futebol oficiais), em pleno bioma da Mata Atlântica.

A Engie é uma multinacional belgo-francesa presente no Brasil há mais de 20 anos e as LTs receberam o nome de “Gralha Azul”. Ironicamente, a gralha azul é a espécie dispersora do pinhão, a semente da árvore araucária.

Segundo o Relatório de Impacto Ambiental (Rima), em dezembro de 2017, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) realizou o Leilão de Transmissão de Energia Elétrica nº 002/2017 visando a expansão e modernização da infraestrutura de transmissão de energia elétrica do País. Entre os empreendimentos leiloados estava o Lote 01, idealizado para atender às demandas da região centro-sul do Estado do Paraná.

Após vencer o Lote 01 deste Leilão, a empresa Engie Transmissão de Energia Ltda. iniciou estudos em campo, que culminaram na definição do projeto Sistema de Transmissão Gralha Azul. O referido projeto está orçado em R$ 2 bilhões, com financiamento de R$ 1,4 bilhão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Apesar das dimensões do Sistema de Transmissão Gralha Azul, o processo do licenciamento ambiental ficou sob responsabilidade do órgão estadual do Paraná, o Instituto Água e Terra (IAT/PR, antigo Instituto Ambiental do Paraná – IAP) ao invés de ser analisado na esfera federal, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Não apenas em função de sua dimensão territorial, mas seguindo uma prática comum das organizações de encontrar “brechas” no licenciamento ambiental para facilitar a emissão das licenças e autorização de suas atividades, o Sistema Gralha Azul foi fracionado em sete arranjos diferentes de estruturas (chamados de “grupos”).

Conforme previamente ajustado com o IAT/PR, foram então submetidos a sete processos de licenciamento ambiental separados e absolutamente independentes, como se cada “grupo” de instalações constituísse um empreendimento autônomo e nenhuma relação tivesse com as demais partes.

Ao seguir este modelo, os estudos e relatórios ambientais apresentados pela empresa Engie foram elaborados de forma segmentada e compartimentada, todos eles ignorando as interferências cumulativas e sinérgicas entres as instalações dos diferentes “grupos” do empreendimento.

A denominação “grupos” foi utilizada pelo empreendedor em seus estudos técnicos para especificar os diferentes trechos do Sistema de Transmissão Gralha Azul.  Em termos gerais, essa prática agiliza a obtenção das licenças ambientais e dificulta o acesso e compreensão dos impactos associados ao empreendimento na sua totalidade.

Com base em informações do Relatório de Impacto Ambiental da LT 525 kV Ponta Grossa – Bateias e Ampliação da Subestação (SE) 525/230 kV Bateias (RIMA, 2018), um dos trechos (ou grupos) que faz parte do Sistema de Transmissão Gralha Azul, foram realizadas coletas de campo por meio de entrevistas e aplicação de questionários nas localidades situadas próximas ao traçado previsto da LT, que aconteceram entre os meses de abril, maio e junho de 2018.

Ademais, visando caracterizar o conjunto de variáveis antrópicas das áreas de influência do empreendimento para compor os Estudos de Impacto Ambiental (EIA), o diagnóstico do meio socioeconômico contemplou a coleta de dados secundários em sites oficiais, tais como a Fundação Nacional do Índio (Funai), Fundação Cultural Palmares (FCP), Instituto do Patrimônio Histórico e Arqueológico Nacional (Iphan), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros.

Conforme previsto na legislação ambiental vigente que trata do processo de licenciamento ambiental de empreendimentos que causam impactos socioambientais, nos meses de junho e julho de 2019 foram realizadas Audiências Públicas com o objetivo de apresentar à população e demais interessados os estudos do empreendimento, visando subsidiar a emissão das licenças ambientais do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Cabe ressaltar que as Atas destas Audiências, apesar de serem documentos públicos, não estão facilmente disponíveis para consulta. A partir dos estudos e audiências realizadas, as licenças ambientais de vários dos trechos do empreendimento foram emitidas pelo Instituto Água e Terra (IAT/PR) em outubro de 2019 e fevereiro de 2020.

Em resumo, a empresa responsável pelo empreendimento diz que os Estudos de Impacto Ambiental apresentados na fase do requerimento das Licenças Prévias (processo previsto no Licenciamento Ambiental) apresentam todos os possíveis aspectos ambientais que poderiam ser afetados pelo empreendimento, desde a fauna, flora, cursos hídricos, patrimônio arqueológico, comunidades tradicionais, entre outros, e trazem o detalhamento de todos os impactos ambientais identificados, bem como das medidas de controle, mitigadoras e compensatórias.

Já sob o ponto de vista de ambientalistas, acadêmicos e representantes de organizações sociais, os estudos da empresa Engie não apresentam os reais impactos previstos do referido empreendimento, contendo, inclusive, inconsistências técnicas, problemas em relação ao cumprimento da legislação vigente e falta de transparência.

A partir desta constatação e da repercussão negativa das atividades que compõem a instalação das LTs e SEs associadas, uma parcela maior da população potencialmente impactada inicia um processo de enfrentamento ao projeto de ampliação das redes de transmissão de energia no Estado do Paraná sem o devido equilíbrio socioambiental.

Segundo Menegassi (2020), o diretor-executivo do Observatório da Justiça e Conservação (OJC), Giem Guimarães, defendia que a forma como o processo de licenciamento foi conduzido mostra que não houve nenhuma preocupação concreta em entender e minimizar os impactos ambientais do empreendimento:

“O que eles priorizaram o tempo todo foi a maximização dos ganhos e a redução dos custos, foi escolhido o trecho mais curto entre os pontos para linha e até o licenciamento foi feito com o mínimo de pessoas”, ressaltou Guimarães

Já o professor de Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Eduardo Vedor, pontuou que, mesmo com anos de experiência em licenciamento ambiental, ainda não havia se deparado “com uma quantidade tão grande de irregularidades e problemas técnicos”. Em nota publicada no site O Eco (02/07/2020), ele explicou que os estudos e relatórios de impacto ambiental de empreendimentos desta natureza levam, normalmente, de 12 a 18 meses.

Já os estudos de impacto ambiental da Engie, realizado pela empresa Geo Consultores Engenharia e Meio Ambiente Ltda., foi realizado em somente seis meses.

Diz a nota que a análise feita pelo representante da UFPR foi baseada na legislação vigente que rege o licenciamento ambiental, no qual ele constatou que os estudos ambientais estão incompletos, havendo ausência de documentos, além da falta de transparência.

Um dos principais problemas apontados é que os estudos da Geo/Engie não fazem o levantamento real da área de vegetação nativa que será suprimida para a instalação das torres de transmissão de energia. Ademais, os estudos só consideram os impactos no traçado das linhas de transmissão, ignorando que, para operarem, cada uma das torres precisa ter um acesso aberto, o que provoca impactos mais extensos do que o previsto nos EIAs.

Tal como Guimarães e Vedor, denúncias tanto do Observatório da Justiça e Conservação (OJC) quanto da Associação O Eco, organização não governamental (ONG) que trabalha com jornalismo ambiental, apontam para um conjunto de irregularidades nos processos de licenciamento ambiental do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Segundo publicação no site O Eco (02/07/2020), entre as denúncias está a falta de documentos básicos do processo de licenciamento ambiental, ausência de transparência do órgão ambiental estadual licenciador e estudos incompletos que não esclarecem os verdadeiros impactos ambientais e sociais do empreendimento que afetará remanescentes de populações tradicionais, matas de araucária e campos naturais.

Conforme previsto no projeto original do empreendimento, o traçado das LTs passa por áreas importantes de conservação ambiental, como a Área de Preservação Ambiental (APA) da Escarpa Devoniana, a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Alegrete, a área do Refúgio de Vida Silvestre Rio Tibagi e uma região de conservação de Várzea do Tibagi, ambas consideradas de extrema relevância ambiental no Estado do Paraná.

No que diz respeito aos impactos sociais possíveis do empreendimento, Menegassi (2020) denuncia que as LTs passam por 845 propriedades rurais (de acordo com os dados do Cadastro Ambiental Rural – CAR), por 16 comunidades rurais reassentadas e 12 comunidades tradicionais, sendo seis comunidades quilombolas reconhecidas e outras três ainda não certificadas, além de três terras indígenas.

As especificações detalhadas destas comunidades não foram encontradas, indicando a ausência de informações públicas sobre os impactos do empreendimento.

Em termos de evidências, no Relatório Ambiental Simplificado (RAS, 2018) dos empreendimentos da LT 230 kV Areia – União da Vitória Norte, LT 230 kV União da Vitória Norte – São Mateus do Sul, Subestação (SE) 230/138 kV União da Vitória Norte e ampliação da SE 230/138 kV São Mateus do Sul, todos componentes do denominado Grupo V do Sistema de Transmissão Gralha Azul, os impactos sobre as populações tradicionais não foram considerados.

Em resumo, no item “Comunidades tradicionais e assentamentos rurais” do referido estudo é reconhecida a presença de grupos que se caracterizam culturalmente e em termos de identidade, como faxinalenses. No entanto, o RAS retrata que não foram identificadas comunidades faxinalenses na Área de Influência Direta (AID) do empreendimento. Comunidades quilombolas e indígenas, conforme destaca Menegassi (2020), não foram citadas no Relatório Ambiental.

Em junho de 2020, imagens começaram a circular pelas redes sociais mostrando a derrubada de várias araucárias (algumas delas centenárias) pelas equipes responsáveis por abrir caminho para a instalação das torres de energia do Sistema de Transmissão Gralha Azul. Segundo o site Dom Total (19/06/2020), cerca de 100 araucárias (Araucaria angustifolia) foram derrubadas ainda no início das obras de instalação do empreendimento.

Cabe ressaltar que a araucária, também conhecida como pinheiro-brasileiro, é uma árvore protegida por lei devido ao seu status de ameaçada de extinção.

Com a repercussão das denúncias e o aumento da preocupação da população, a Associação O Eco entrou em contato com a assessoria de imprensa da Engie buscando esclarecimentos sobre o empreendimento e seus impactos socioambientais. Em nota oficial denominada “Nota de esclarecimento O Eco”, no dia 12 de junho de 2020, a empresa Engie respondeu a alguns dos questionamentos da associação. A referida Nota está disponível para consulta no Anexo 01 – Nota-Gralha-Azul_OECO_12062020.

Em síntese, foi questionado o processo de definição do traçado das torres de transmissão e, como resposta, a empresa responsável pelo empreendimento disse que, do ponto de vista ambiental, foram identificadas todas as restrições existentes tais como áreas de preservação e proteção ambiental, patrimônios arqueológicos, terras indígenas e quilombolas, cidades e comunidades.

Já sobre os aspectos técnicos, a empresa argumentou que o traçado do empreendimento atendeu aos critérios estabelecidos pela Aneel, contemplando aspectos de confiabilidade e qualidade da energia transmitida, além dos critérios de engenharia.

Ainda no que diz respeito ao traçado definido para a instalação do empreendimento, houve alegação de que o projeto tomou o cuidado de desviar as LTs de Unidades de Conservação (UCs) de Proteção Integral, Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), núcleos comunitários e turísticos consolidados, territórios indígenas e comunidades tradicionais, zonas de proteção de aeródromos, áreas de lavra minerária, dentre outras áreas sensíveis e de importância socioambiental e econômica.

A Associação O Eco também questionou o processo do licenciamento ambiental e a dificuldade de acesso aos documentos que se referem aos estudos ambientais, alegando falta de transparência da Engie. Em resposta, a empresa argumentou que existe “total transparência” e que os documentos e estudos que integram o licenciamento ambiental poderiam ser obtidos pelo público junto ao IAT/PR.

Visando identificar a veracidade desta informação, assim como obter maiores informações sobre o caso em questão, a equipe do Mapa de Conflitos pesquisou de forma minuciosa o site oficial do órgão ambiental do Estado do Paraná, o IAT/PR.

Na referida pesquisa, constatou-se que parte dos estudos ambientais está disponível, no entanto, como se trata de um processo de licenciamento ambiental compartimentado, os estudos do Sistema de Transmissão Gralha Azul não estão disponíveis em sua totalidade, confrontando a nota de esclarecimento da empresa Engie.

Dentre os estudos publicizados no site do IAT/PR, constatou-se a existência do EIA (para obtenção da Licença Prévia) da LT 525 Kv Ponta Grossa – Bateias e da Subestação (SE) Bateias, de outubro de 2018.

No que diz respeito à caracterização das comunidades tradicionais, quilombolas, indígenas e assentamentos, verificou-se no EIA (2018, p. 138-140) que os estudos identificaram três Comunidades Remanescentes de Quilombos existentes nos municípios da Área de Influência Indireta (AII), sendo especificamente: Palmital dos Pretos, no município de Campo Largo, e as comunidades Colônia Sútil e Santa Cruz, ambas em Ponta Grossa.

Segundo fontes do referido estudo de impacto ambiental, as duas comunidades em Ponta Grossa possuem certificação junto à Fundação Cultural Palmares (FCP), totalizando cerca de 10 famílias. O mesmo estudo indica que o Licenciamento Quilombola do Empreendimento está sendo conduzido pela FCP, sob o número de processo 01420.100752/2018-29. Informações sobre esta etapa do licenciamento quilombola não estão disponíveis para o público.

De acordo com o site Dom Total (19/06/2020), no projeto apresentado pela Engie, as LTs passarão exatamente por cima da APA da Escarpa Devoniana, uma região que ainda preserva não apenas remanescentes de florestas de araucária, mas também dos campos naturais (também conhecidos como campos gerais), ambos ecossistemas ameaçados da Mata Atlântica.

Cabe ressaltar que esta área de proteção da escarpa está em processo de tombamento como patrimônio cultural do Paraná e por isso é protegida também pela Lei Estadual 1211/53, que dispõe sobre a preservação do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Paraná.

O espeleólogo Henrique Pontes, do Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), contou na referida reportagem que o empreendimento foi pauta de uma reunião do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (CEPHA/PR), mas que “o tema foi atropelado dentro da reunião”.

Segundo ele, houve uma alteração na composição do conselho pouco antes da reunião para que o empreendimento fosse aprovado. E, por se tratar de uma obra que envolve vários setores da indústria e do agronegócio, o governo do Estado criou estratégias para pressionar a aceleração de todo processo que envolvia a aprovação do projeto.

Outro fator destacado por Pontes diz respeito aos estudos espeleológicos realizados pela Engie na Escarpa Devoniana que, segundo o especialista, foram extremamente restritos, comprometendo a conservação das áreas de cavernas da região.

A mesma reportagem destaca o ponto de vista da advogada Camila Maia, do Observatório da Justiça e Conservação (OJC), que se debruçou nos estudos deste caso. Em suas palavras:

“Todo empreendimento tem que ter um detalhamento de alternativas locacionais, por que que o empreendedor escolheu determinado traçado? A Aneel sugere um traçado, mas ela atribui a responsabilidade de alternativas locacionais e do traçado final para a empresa concessionária. No estudo da Engie eles colocam três opções de traçados, mas são traçados bem parecidos e próximos um do outro. O traçado que a Aneel sugere não é o mesmo adotado pela Engie, que fez o estudo dela, mas não explica com detalhes o porquê de o traçado escolhido passar no meio dos Campos Gerais e por cima da Escarpa Devoniana.” (MAIA, 2020)

Além dos questionamentos sobre o traçado escolhido pela empresa responsável, a advogada Camila Maia ressaltou os impactos do empreendimento sobre pequenas propriedades que cultivam alimentos para subsistência, possuem árvores centenárias de araucárias e que tiveram suas atividades comprometidas devido ao empreendimento.

Segundo a representante do OJC, durante as audiências públicas em cada um dos municípios por onde serão instaladas as torres, a maioria dos proprietários não concordou com o projeto do traçado escolhido pela Engie; no entanto, por se tratar de um empreendimento considerado de utilidade pública, os proprietários acabaram por ceder parte de suas terras para a instalação das torres de transmissão de energia.

No dia 30 de junho de 2020, num painel organizado pelo OJC, um grupo de especialistas formado por membros do Observatório, da UFPR, e outros, denunciou as irregularidades nos processos de licenciamento do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Segundo nota publicada no site O Eco (02/07/2020), Eduardo Vedor, da UFPR, coordenou a equipe técnica que analisou os estudos do empreendimento e denunciou fragilidades técnicas dos estudos ambientais da Geo Consultoria e da Engie, além da ausência de esclarecimentos por parte do IAT/PR.

Como encaminhamento, o grupo de trabalho recomendou que a empresa refaça seus estudos de impacto ambiental e que o Ibama atuasse como órgão licenciador e fiscalizador, considerando a falta de transparência em âmbito estadual.

Outro problema apontado por eles é que os EIAs não informam a localização das torres, o que inviabilizaria avaliar adequadamente o verdadeiro impacto da instalação das LTs. Além disso, os próprios documentos elaborados pela empresa discordam entre si.

Enquanto nos EIAs o número de torres em cada linha é de 671 entre Ivaiporã e Ponta Grossa, e de 398 até o município de Bateias, nos Relatórios de Avaliação de Impacto ao Patrimônio Arqueológico (RAIPA), os números informados são 728 e 418, respectivamente.

As organizações que participaram da coletiva se prontificaram a levar o tema para os tribunais e, segundo a nota, o processo será investigado pelo Ministério Público Estadual de Ponta Grossa (MP-PR). O diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, se posicionou durante a coletiva e disse que poderiam contar com a fundação para judicializar o caso.

O OJC publicou, em 21 de julho de 2020, uma nota específica sobre a investigação que está desenvolvendo sobre o empreendimento da Engie no Paraná. A notícia, além de reforçar as denúncias sobre irregularidades no licenciamento ambiental, ressaltou os riscos que a implantação das torres simbolizava para os pequenos produtores rurais e comunidades tradicionais dos municípios que receberiam as linhas de transmissão.

Os pesquisadores que analisaram o processo de licenciamento da Engie apontam que as linhas de transmissão afetariam mais de 30 comunidades tradicionais da região, como quilombolas, indígenas, rurais reassentadas e faxinais. No entanto, os documentos apresentados pela Engie, e divulgados pelo IAT/PR, apresentam dados contraditórios em relação aos povos e comunidades tradicionais.

Afirma-se, por exemplo, que o Licenciamento Quilombola do Empreendimento está sendo conduzido pela FCP, porém, o EIA não apresenta a anuência da Fundação, nem o material produzido para a emissão do licenciamento.

Os pesquisadores que analisaram o EIA apontam também que não existe anuência da Funai, pois, mesmo que o estudo tenha identificado terras indígenas distantes do traçado das LTs (pouco mais de cinco quilômetros do empreendimento), necessitaria da aprovação desse órgão federal.

Outro ponto de controvérsia diz respeito aos assentamentos rurais, pois, segundo nota da OJC, a Engie afirma que “nenhum assentamento é interceptado pelas LTs”. No entanto, os pesquisadores ressaltaram que, no mapa apresentado em um dos EIAs, havia um trecho entre Ivaiporã e Ponta Grossa, portanto, dentro da área de alguns assentamentos rurais.

Destacamos aqui um trecho da publicação do OJC com algumas conclusões dos pesquisadores:

“Embora haja referência às comunidades tradicionais quilombolas e faxinalenses, suas caracterizações são insuficientes, pois não permitem identificar nem mesmo seus aspectos mais gerais, tais como os meios de acesso, número de famílias, situação socioeconômica etc.”.

Em 21 de julho de 2020, Manoel Ramires publicou, em um site de notícias do Estado do Paraná (Porém.Net), mais uma grave denúncia contra a empresa Engie. Segundo a reportagem, o governo estadual estaria “manipulando” decisões do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (CEPHA) para aprovar o projeto que beneficia a empresa, tendo como base uma denúncia feita por Aristides Athayde, advogado, especialista em direito da conservação, que foi destituído do cargo de conselheiro após questionar o projeto Sistema Gralha Azul.

Athayde ressaltou que a sociedade não é chamada para participar das decisões que envolvem o referido projeto da Engie e que, quando existem estes espaços, tal como no CEPHA, “truques” afastavam a sociedade. Sobre os “truques”, ele exemplifica a convocação de uma importante reunião de apresentação do projeto, no qual as convocatórias dirigidas aos conselheiros não traziam o assunto a ser debatido.

Segundo ele, o governo estadual disse que o traçado das LTs da Engie foi aprovado pelo Conselho, sendo, portanto, lícito. No entanto, em determinada reunião, os Conselheiros não foram informados da votação do projeto e, por fim, ele foi aprovado, o que – segundo Athayde – demonstra a maneira ilegítima de como foi conduzido tal processo.

Ainda no seu relato, a imprensa foi afastada da reunião e conselheiros recém-empossados, como era o seu caso, não tiveram direito de pronunciamento. Além disso, a sociedade civil organizada e membros da academia não foram convidados para este momento de votação do conselho sobre o projeto do Sistema Gralha Azul.

Tendo “aprovação” de um importante conselho estadual, em 24 de julho de 2020, a empresa Engie concluiu a instalação de uma das torres do Sistema Gralha Azul.

No entanto, conforme notícia publicada no site Gazeta do Povo (03/08/2020), o Ministério Público do Paraná (MP-PR) acionou o órgão ambiental federal, uma vez que a legislação nacional determina que empreendimentos que compreendem a supressão de vegetação em áreas superiores a 50 hectares necessitam, obrigatoriamente, da anuência do Ibama. Provocado pelo MP-PR, o Ibama notificou o IAT/PR e a própria Engie, exigindo esclarecimentos e determinando a suspensão da supressão de vegetação.

Diante do ocorrido, a Engie informou publicamente que as obras relativas ao projeto Gralha Azul não seriam suspensas, havendo apenas uma paralisação. Segundo a mesma notícia da Gazeta do Povo, a resposta da empresa foi:

“Houve uma solicitação de esclarecimento por parte do Ibama, e a Companhia decidiu suspender a supressão de vegetação nas Linhas de Transmissão de 525KV até prestar o devido esclarecimento ao órgão”.

Apesar do posicionamento do Ibama que determinou a interrupção da supressão da vegetação do empreendimento, o Observatório OJC publicou no dia 31 de julho de 2020, em sua página na rede social Facebook, um vídeo alarmante denunciando que continuavam os cortes de árvores centenárias de araucárias por equipes de trabalhadores da Engie no município de Pinhão.

“Foram derrubadas araucárias centenárias, em pleno período de produção de pinhão, para a construção de uma torre para passar energia de alta-tensão. Independentemente de liberação e de indenização, quem paga a verdadeira conta sempre é a natureza”, lamentou Leandro Schepiura, produtor local com certificação orgânica, que teve diversas árvores frutíferas derrubadas em sua plantação devido às obras da Engie.

O OJC realizou uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) apontando a derrubada das araucárias pela equipe da Engie.

Após a circulação do vídeo, a mesma organização lançou nota em seu site, em 14 de agosto de 2020, denunciando que todas as fases do licenciamento ambiental do Sistema Gralha Azul aconteceram sem que a sociedade civil tivesse acesso ao licenciamento completo.
Sem acesso ao documento na íntegra, entidades e organizações ambientais não conseguem ter a dimensão real do projeto e de seus impactos, e essa condição impossibilita qualquer estudo e análise mais completa sobre ele.

Para reverter tal situação, entidades e agentes públicos, tal como o próprio OJC, o Instituto Purunã e o deputado estadual Jorge Brand, o Goura (PDT/PR), protocolaram ofícios ao IAT/PR para ter acesso ao licenciamento completo.

Segundo o diretor-executivo do Observatório, Giem Guimarães, trata-se de uma situação absurda e de desrespeito à sociedade, lembrando que o acesso aos documentos que envolvem o licenciamento ambiental é um direito do cidadão, ou seja, um princípio da democracia.

Nos ofícios endereçados ao órgão ambiental estadual, foi solicitada cópia integral dos EIAs, além da cópia na íntegra do processo de licenciamento ambiental referente ao empreendimento. O jurídico do Observatório solicitou, ainda, cópia integral das atas das audiências públicas realizadas e do plano ambiental da empresa. Contudo, segundo a nota, o pedido realizado pelo OJC foi arquivado pelo órgão estadual.

Visando dar maior repercussão, o OJC encaminhou os mesmos ofícios ao Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente do Ministério Público do Paraná em Ponta Grossa (Gaema/MP-PR) e ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça do Estado do Paraná (Caops/MP-PR).

Após o ocorrido, o site Gazeta do Povo (30/08/2020) lançou nota dizendo que o Ibama concluiu não ser necessária sua anuência para o licenciamento ambiental do Sistema Gralha Azul, cuja responsabilidade seria exclusiva do órgão estadual, o IAT/PR. A partir deste parecer do Ibama, o empreendimento retornou suas atividades de implantação das LTs e SEs associadas, com todas as ações previstas para a etapa de instalação do empreendimento.

No entanto, o Gaema/MP-PR contestou o posicionamento do Ibama, apontando que houve um fracionamento irregular sobre as áreas desmatadas no estudo de impacto ambiental do projeto.

A nota divulgou o ponto de vista de um representante do MP-PR:

“Nós entendemos que há um fracionamento indevido do cálculo. Apesar de dois trechos, é um projeto só. E eles estão querendo calcular separadamente, como se fossem projetos distintos, para não se submeter à anuência do Ibama. (…) E, para nós, essa é uma questão muito cara. Se não houver entendimento, acabaremos tendo que judicializar o caso”, apontou o promotor de Justiça, Alexandre Gaio.

O site Povos Indígenas do Brasil do Instituto Socioambiental (Pib/Isa) também lançou uma nota tratando deste caso. Em 10 de setembro de 2020, a publicação trouxe informações sobre o processo que envolve comunidades tradicionais, especificamente, os povos quilombolas, considerando que ambientalistas da região denunciavam negligência na análise de impactos sobre o patrimônio arqueológico e as comunidades tradicionais.

A notícia informou que o IPHAN foi procurado para maiores esclarecimentos; no entanto, o Instituto não deu detalhes sobre os planos de preservação do empreendimento, limitando-se a afirmar que os sítios arqueológicos sob impacto direto estariam sendo resgatados e protegidos.

No que tange ao posicionamento da Fundação Palmares acerca dos impactos nas comunidades quilombolas do Estado do Paraná, a Fundação respondeu que o processo de licenciamento das LTs e SEs associadas atendeu aos trâmites legais e critérios do órgão, e que os planos de mitigação foram elaborados de forma colaborativa pelas comunidades quilombolas.

Com a repercussão do conflito, em setembro de 2020, o programa Fantástico da Rede Globo fez uma matéria jornalística sobre a atuação da empresa Engie e seu projeto de transmissão de energia no Estado do Paraná.

Publicada no site G1 (20/09/2020), a reportagem reafirma as controvérsias do empreendimento: por um lado, especialistas questionam o licenciamento da obra e, por outro, a empresa responsável promete estabilizar o fornecimento de energia na região e gerar empregos. O vídeo da reportagem na íntegra está disponível AQUI.

Considerando todas essas denúncias, o MP-PR e o MPF atuaram em duas frentes de trabalho para que o empreendimento do Sistema Gralha Azul fosse reavaliado pelos órgãos ambientais. Uma nota publicada no site do OJC em 02 de outubro de 2020 informava que os promotores enviaram ofício para a Superintendência Estadual do Ibama no Paraná (Supes-PR/Ibama) exigindo medidas urgentes para interromper qualquer supressão de vegetação provocada pela Engie.

Outra frente de atuação foi o pedido para uma Ação Civil Pública a ser movida pelos MPs, interposto pelo OJC, pelo Instituto de Pesquisa em Vida Selvagem (SPVS) e pela Rede de Organizações Não-governamentais da Mata Atlântica (RMA). Neste pedido, foi solicitado que a promotoria estadual e o MPF exigissem a suspensão das obras e das licenças de instalação concedidas para a Engie.

Foi indicado que na Ação Civil Pública deveria constar indício de fraude por parte da Engie, pois a multinacional fracionou o empreendimento em sete trechos, enquanto o empreendimento foi leiloado pela Aneel como lote único, ou seja, objeto de contrato de um único empreendimento.

As frentes de atuação supracitadas tiveram resultados no referido conflito. No dia 16 de outubro de 2020, o MP-PR e o MPF apresentaram uma Ação Civil Pública contra a Engie, o IAT/PR e o Ibama à 11ª Vara Federal de Curitiba, por meio da qual denunciavam que os estudos de impacto ambiental do Sistema de Transmissão Gralha Azul foram “marcados por inúmeras inconsistências, impropriedades e problemas técnicos, (…) tornando-os imprestáveis para um diagnóstico ambiental cientificamente válido e verdadeiro e, pois, nulos de pleno direito para fins de licenciamento” (MP-PR e MPF, 2020: 120).

Em resumo, concluiu-se que a Engie, o IAT/PR e o Ibama deveriam apresentar os estudos que comprovassem a não ocorrência dos danos e ilícitos apontados na Ação Civil Pública, na qual solicitou-se que:

“a) seja cautelarmente suspensa a eficácia de todas as licenças (prévias, de instalação e, se houver, de operação) e todas as autorizações ambientais (de supressão vegetal, de uso alternativo do solo, e quaisquer outras) expedidas pelo Instituto Água e Terra em favor das obras objeto do Contrato de Concessão nº 01/2018-Aneel – inclusive e outras porventura existentes, relacionadas a quaisquer instalações desse mesmo empreendimento (‘Sistema de Transmissão Gralha Azul’);

b) seja ordenado ao requerido Instituto Água e Terra que se abstenha de expedir novas autorizações ou licenças ambientais de qualquer gênero relacionadas ao Sistema de Transmissão Gralha Azul, até determinação em contrário;

c) seja ordenado à requerida GRALHA AZUL TRANSMISSÃO DE ENERGIA S.A. que suspenda imediatamente todas as obras objeto do Contrato de Concessão nº 01/2018-Aneel, devendo abster-se de praticar quaisquer atos voltados à implantação/construção das instalações integrantes do empreendimento chamado ‘Sistema de Transmissão Gralha Azul’ (incluindo qualquer forma de supressão de vegetação), até determinação em contrário.”

Ainda como determinação judicial, considerando que o orçamento do empreendimento é superior a 2 bilhões de reais e a receita a ser recebida pela concessionária/transmissora parte de mais de R$ 230 milhões anuais, foi solicitado que fosse fixada, para a requerida empresa Engie, em caso de desrespeito à ordem judicial, multa diária no valor de R$ 20 milhões.

O documento da Ação Civil Pública está disponível para consulta AQUI.

Na mesma data em que a Ação Civil foi oficialmente publicada, o blog Combate Racismo Ambiental (16/10/2020) divulgou nota sobre o caso com depoimentos de representantes quilombolas sobre o empreendimento em questão.

Como já salientado, existem denúncias de que as LTs trarão impactos significativos em diversos territórios quilombolas do Estado do Paraná, apesar destes impactos e as especificações das comunidades quilombolas não estarem devidamente explicitadas nos estudos de impacto ambiental da Engie.

No entanto, estudos realizados pelo grupo de pesquisadores que estava acompanhando o caso em questão identificaram que entre os quilombos diretamente afetados pelo empreendimento estão as comunidades de São Roque e Rio do Meio, no município de Ivaí, Paiol de Telha, em Guarapuava, Sutil e Santa Cruz, em Ponta Grossa, Sete Saltos e Palmital dos Pretos, no município de Campo Largo, Preto de Cercado e Rio das Pedras, em Palmeira, e Manoel Ciríaco dos Santos, na cidade de Guaíra.

Informações mais precisas sobre o posicionamento das comunidades quilombolas no conflito com a empresa Engie não foram divulgadas. No entanto, uma notícia publicada no blog Combate Racismo Ambiental trouxe o depoimento do líder comunitário Adir Rodrigues dos Santos, vice-presidente da Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná (Fecoqui), segundo o qual, os quilombolas não foram consultados pela empresa:

“Não achamos legal. Até agora não temos notícia nenhuma. Estamos aguardando para ver se a empresa vai conversar e se vai nos indenizar ou não. Fomos procurados quando falaram que ia passar por aqui, conversaram com a gente e não voltaram nunca mais. Para nós, a linha de transmissão não traz lucro nenhum.”

Para o sociólogo e consultor ambiental Rafael Brito, nem a FCP nem o IAT/PR conduziram adequadamente a situação relativa ao componente quilombola no empreendimento do Sistema de Transmissão Gralha Azul. Segundo Brito, embora o documento do EIA faça alguma referência às comunidades tradicionais quilombolas, as caracterizações são precárias, sendo insuficientes para avaliar os efeitos e impactos que as LTs terão sobre essas comunidades tradicionais.

Em nota oficial publicada no site De Olho nos Ruralistas (23/10/2020), a Engie questionou o posicionamento da Fecoqui, argumentando que os quilombolas foram ouvidos em todas as fases do licenciamento e que a área de abrangência do empreendimento incluiria apenas cinco comunidades, número inferior ao divulgado pelo OJC, com base em estudos de pesquisadores envolvidos no caso.

Nas palavras da Engie: “Todo o processo de licenciamento vem sendo conduzido com total abertura, transparência e diálogo com as comunidades”, afirmou a assessoria de imprensa na nota publicada, contestando o posicionamento de líderes quilombolas.

Apesar de eventualmente decisões judiciais terem determinado a suspensão das obras e das licenças de instalação concedidas para a Engie, a empresa segue confiante em seu projeto, conforme noticiou reportagem do site Money Times em 22 de outubro de 2020.

Segundo a notícia, a empresa teria a seu favor “o histórico de boa qualidade nas entregas dos projetos”, sendo muitos deles voltados para o segmento de energias renováveis. “Na nossa visão, a Engie seria capaz de construir uma forte defesa legal e retomar à construção do Gralha Azul”, afirmou Daniel Travitzky, do banco Safra.

A notícia ainda informava que, tendo em vista que suas licenças foram aprovadas por diversos órgãos governamentais, a empresa recorreria judicialmente para suspender a liminar e dar continuidade às obras.

Contrapondo a boa imagem da empresa conforme avaliado pelo representante do Banco Safra, cabe destacar que a Engie foi responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, e por isso indicada em 2010 para o ‘Public Eye Award’, um “antiprêmio” atribuído todos os anos no Fórum de Davos, na Suíça, à empresa ou organização mais irresponsável social e ambientalmente em todo o mundo.

A empresa não “venceu” a premiação (os organizadores consideraram que os crimes da Roche e do Royal Bank Canadá deveriam ter maior destaque), mas a indicação em si já é considerada um demérito e uma mancha na imagem pública de qualquer organização. A empresa foi acusada por organizações ambientais de violar as normas de proteção ambiental e ignorar os direitos humanos das populações indígenas, ameaçadas pela construção da usina hidrelétrica.

Criação: 20/11/2020

 

 

Cronologia

Dezembro de 2017 – A Aneel realiza o Leilão de Transmissão de Energia Elétrica para atender às demandas da região centro-sul do Estado do Paraná e a empresa Engie vence o leilão de um lote.

Abril, maio e junho de 2018 – Início dos estudos de impacto ambiental do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Junho e julho de 2019 – IAT/PR realiza audiências públicas visando subsidiar o processo de emissão das licenças ambientais do empreendimento.

Outubro de 2019 e fevereiro de 2020 – O IAT/PR emite as licenças ambientais para a Engie.

Junho de 2020 – Acadêmicos, representantes de organizações não governamentais e de comunidades tradicionais denunciam irregularidades no licenciamento ambiental do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Junho de 2020 – Imagens circulam pelas redes sociais e mostram a derrubada de várias araucárias pelas equipes responsáveis pelo Sistema de Transmissão Gralha Azul.

12 de junho de 2020 – Após denúncias, a empresa Engie lança Nota de Esclarecimento para a sociedade alegando ter atendido aos critérios socioambientais e econômicos para gerar menor impacto na região desmatada.

30 de junho de 2020 – O Observatório da Justiça e Conservação (OJC) e um grupo de especialistas denunciam irregularidades nos processos de licenciamento do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Julho de 2020 – O OJC denuncia impactos sobre as comunidades tradicionais em diversas cidades do Paraná.

Julho de 2020 – Membro do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (CEPHA) denuncia manipulações e fraudes para aprovação do empreendimento no referido Conselho.

24 de julho de 2020 – A empresa Engie conclui a instalação de uma das torres das LTs do Sistema Gralha Azul.

Agosto de 2020 – O Ibama notifica a empresa Engie e IAT/PR e determina a interrupção da supressão de vegetação nativa.

Agosto de 2020 – Instituições civis e representantes do poder público protocolam ofício ao IAT/PR e Engie exigindo acesso aos estudos de impacto ambiental na íntegra.

Agosto de 2020 – O Ibama conclui não ser necessária sua anuência para o licenciamento ambiental do Sistema de Transmissão Gralha Azul.

Setembro de 2020 – A Rede Globo divulga notícia, no programa Fantástico, denunciando irregularidades no empreendimento da Engie.

Outubro de 2020 – O MP-PR e o MPF enviam ofício para a Superintendência Estadual do Ibama exigindo medidas urgentes para embargar atividades da Engie.

16 de outubro de 2020 – O MP-PR e o MPF entram com uma Ação Civil Pública exigindo a paralisação das obras e novos estudos de impacto ambiental.

Outubro de 2020 – Representantes da Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná (Fecoqui) denunciam que não foram consultados pela empresa Engie.

Outubro de 2020 – Em nota oficial, a Engie argumenta que os quilombolas foram ouvidos em todas as fases do licenciamento ambiental.

Fontes

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BARAN, Katna. Ameaçadas de extinção, 4.000 araucárias estão sendo derrubadas por obra no PR. Povos Indígenas no Brasil. S/I. 10 set. 2020. Disponível em: https://bit.ly/35LpWZc. Acesso em: 04 nov. 2020

BRASIL. Ministério Público Federal e PARANÁ. Ministério Público do Paraná. Ação civil pública. Paraná, PR. 16 out. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3lOyGU2. Acesso em: 04 nov. 2020.

CHENG, Diana. Safra confia que Engie retomará projeto suspenso pela Justiça no Paraná e mantém recomendação. Money Times, S/I., 22 out. 2020. Disponível em: https://bit.ly/36Pqmx3. Acesso em: 06 nov. 2020.

CRUZ, Márcia Maria. Empreendimento de multinacional francesa ameaça dez quilombos no Paraná. De Olho nos Ruralistas, republicado por Combate Racismo Ambiental, Rio de Janeiro, 16 out. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3pGOTNw. Acesso em: 30 out. 2020.

ENGIE. Nota de Esclarecimento. O Eco. S/I. 12 jun. 2020. Disponível em: https://bit.ly/32ZRCrK. Acesso em: 30 out. 2020.

ENGIE questiona relatório que apontou impacto de linhas de transmissão em quilombos. De Olho nos Ruralistas. S/I. 23 out. 2020. Disponível: https://bit.ly/3pN808u. Acesso em: 04 nov. 2020.

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OBSERVATÓRIO JUSTIÇA E CONSERVAÇÃO. Novas torres de energia no Paraná podem gerar danos sociais e naturais irreversíveis. S/I., 21 jul. 2020. Disponível em: https://bit.ly/38UYeeJ. Acesso em: 04 nov. 2020.

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