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Centenas de famílias ribeirinhas e camponesas lutam por medidas de compensação e reassentamento devido a conflito com a UHE São Roque
UF: SC
Município Atingido: São José do Cerrito (SC)
Outros Municípios: Brunópolis (SC), Curitibanos (SC), Frei Rogério (SC), Vargem (SC)
População: Agricultores familiares, Atingidos por barragens, Ribeirinhos
Atividades Geradoras do Conflito: Barragens e hidrelétricas
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Inundações e enchentes, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças mentais ou sofrimento psíquico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
O conflito socioambiental em torno da Usina Hidrelétrica (UHE) São Roque, no rio Canoas (SC), evidencia um processo marcado por violações de direitos e impactos ambientais significativos. A obra, conduzida pela empresa Engevix, afetou aproximadamente 700 famílias ribeirinhas e camponesas, cuja subsistência estava baseada na pesca e na agricultura familiar.
Apesar da obrigatoriedade legal de realizar cadastro socioeconômico e adotar medidas de compensação e reassentamento, os relatos dos atingidos apontam para práticas de desinformação, indenizações insuficientes, exclusão de famílias do processo e descumprimento de obrigações previstas em contrato.
Desde o início da construção, em 2012, surgiram denúncias de exploração das comunidades, desvalorização de propriedades, despejos forçados e resistências organizadas. A atuação da Engevix foi questionada por seu histórico de irregularidades, como no caso da UHE Barra Grande, e por denúncias que resultaram na paralisação das obras em 2016. Nesse período, a mobilização dos atingidos, articulados sobretudo pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), foi central para conquistar reassentamentos coletivos, embora em número insuficiente diante da dimensão do problema.
As mobilizações intensificaram-se ao longo dos anos, com ocupações de canteiros de obras, protestos e negociações com o Ministério Público Federal e outras entidades. Mesmo após a retomada das obras em 2021, novos episódios de violações ocorreram, como enchimentos do reservatório sem aviso prévio, destruição de casas e plantações, além da eutrofização do lago. Apesar dessas adversidades, as famílias obtiveram vitórias pontuais, como o reassentamento coletivo Nossa Senhora das Graças, em 2022, fruto de persistente luta social e solidariedade entre movimentos populares, igrejas e sindicatos.
Um marco importante na luta foi a aprovação, em 2023, da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB), fruto de décadas de reivindicações lideradas pelo MAB. A lei estabeleceu um instrumento jurídico essencial para garantir reparações, definir responsabilidades empresariais e assegurar direitos básicos das populações deslocadas.
No entanto, a aprovação da PNAB não encerrou os conflitos. Reuniões em 2024 revelaram que famílias continuam sem acesso adequado a serviços básicos, enfrentam dificuldades de mobilidade e ainda aguardam indenizações justas e a recuperação ambiental da área afetada.
O caso da UHE São Roque, portanto, expõe a contradição entre o discurso desenvolvimentista associado a grandes obras de infraestrutura e a realidade de comunidades tradicionais submetidas a perdas materiais, culturais e ambientais. Também demonstra a relevância da mobilização coletiva na defesa de direitos frente ao poder econômico e político das empresas do setor energético.
A luta das famílias atingidas permanece como exemplo de resistência popular em busca de justiça social e reparação integral, agora fortalecida por um marco legal que reconhece formalmente seus direitos.
Contexto Ampliado
O presente conflito socioambiental é decorrente da construção da Usina Hidrelétrica (UHE) São Roque, localizada no rio Canoas, entre os municípios de São José do Cerrito e Vargem (SC). A empresa responsável pela construção e administração da UHE é a holding Nova Engevix Participações S.A. (Engevix), por intermédio da São Roque Energética.
A construção da usina e a posterior inundação de seu reservatório atingiram cerca de 700 famílias que viviam e vivem às margens do rio Canoas nos municípios de Brunópolis, Curitibanos, Frei Rogério, São José do Cerrito e Vargem (SC). Essas famílias viviam nas comunidades apresentadas no quadro abaixo:

Essa região se localiza a cerca de 300 quilômetros da capital do estado de Santa Catarina, Florianópolis. Abaixo podemos observar uma imagem dos municípios que compõem a bacia hidrográfica do rio Canoas, onde foi instalada a UHE:

Os habitantes da região atingida pela construção da UHE São Roque são caracterizados como ribeirinhos (Campos et al., 2017) e “camponeses com características culturais de caboclos e italianos” (Melchiors, 2019). A maior parte das famílias retira seu sustento da pesca e da agricultura familiar, com plantações de culturas anuais como o milho e o feijão, além da pecuária de corte e de leite (Melchiors, 2019).
Os estudos presentes no Relatório de Impactos Ambientais (Rima) realizado para a construção da UHE São Roque indicam que, no cadastro socioeconômico realizado pela Engevix, foram “entrevistadas 677 (seiscentas e setenta e sete) famílias das 422 (quatrocentas e vinte e duas) propriedades cadastradas, nas quais foram identificadas 345 (trezentas e quarenta e cinco) casas e 1.227 (um mil, duzentos e vinte e sete) moradores.” (Desenvix S/A 2009: 248)
O projeto da UHE São Roque tem seu início de fato com a assinatura do contrato entre o Ministério de Minas e Energia (MMA) e a empresa Engevix, conforme a concessão Nº 01/2012-MME-UHE São Roque, publicada em agosto de 2012 (Brasil, 2012). O contrato determina que essa concessão tem validade de 35 anos a partir da sua assinatura. Em sua cláusula sétima, subcláusula primeira, constam obrigações da empresa para com a população que seria afetada pela UHE:
“XVII – Apresentar o Cadastro Socioeconômico da População Atingida pela UHE observando o disposto no Decreto nº 7.342, de 26 de outubro de 2010, e sua regulamentação a ser estabelecida em conjunto dos Ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Desenvolvimento Agrário e da Pesca e Aquicultura.” (Brasil, 2012)
O decreto federal referido no trecho acima retirado do contrato de concessão da área para a construção da UHE sinaliza o que a empresa responsável deveria realizar em relação ao cadastro socioeconômico da população atingida:
“Art. 2o O cadastro socioeconômico previsto no art. 1º deverá contemplar os integrantes de populações sujeitos aos seguintes impactos: I – perda de propriedade ou da posse de imóvel localizado no polígono do empreendimento; II – perda da capacidade produtiva das terras de parcela remanescente de imóvel que faça limite com o polígono do empreendimento e por ele tenha sido parcialmente atingido; III – perda de áreas de exercício da atividade pesqueira e dos recursos pesqueiros, inviabilizando a atividade extrativa ou produtiva; IV – perda de fontes de renda e trabalho das quais os atingidos dependam economicamente, em virtude da ruptura de vínculo com áreas do polígono do empreendimento; V – prejuízos comprovados às atividades produtivas locais, com inviabilização de estabelecimento; VI – inviabilização do acesso ou de atividade de manejo dos recursos naturais e pesqueiros localizados nas áreas do polígono do empreendimento, incluindo as terras de domínio público e uso coletivo, afetando a renda, a subsistência e o modo de vida de populações; e VII – prejuízos comprovados às atividades produtivas locais a jusante e a montante do reservatório, afetando a renda, a subsistência e o modo de vida de populações.” (Brasil, 2010b).
Portanto, como podemos conferir no trecho acima, a empresa construtora da UHE São Roque (Engevix/São Roque Energética S.A.) teria responsabilidade quanto aos impactos socioambientais causados na área afetada pela construção e atividade da usina. Porém, o que os moradores das comunidades rurais afetadas pela UHE relatam é uma frequente ausência de projetos e ações da Engevix e da São Roque Energética S.A. para mitigar os impactos ou mesmo indenizar as famílias por conta da atuação da empresa no local.
Segundo artigo de Campos et al. (2017), ainda na fase de construção da UHE, diversas situações de não cumprimento dessas responsabilidades e outras violações de direitos foram denunciadas pelos atingidos contra a empresa responsável:
“Pelas análises preliminares, percebe-se que a empresa está se aproveitando da desinformação das pessoas atingidas para ludibriá-los. Como os ribeirinhos atingidos são pessoas de bem, de boa-fé, acabam sendo submetidos à exploração em diversas ordens. Por exemplo, há relatos de pagamentos feitos em atraso, de pessoas desalojadas judicialmente sem a efetiva necessidade, além do descumprimento de prazos e requisitos legalmente estabelecidos no contrato de concessão.” (Campos et al., 2017:6)
Ainda segundo o artigo citado acima, a partir do momento em que a obra de construção da UHE São Roque começou, ainda em 2012, as propriedades rurais dos ribeirinhos se desvalorizaram. Os proprietários foram impedidos de realizar melhorias de infraestruturas em suas terras e muitos foram forçados a deixar seus imóveis rurais com indenizações muito baixas, cujos valores não cobriam a aquisição de outras terras agricultáveis nas áreas próximas.
Além disso, houve casos em que famílias de ribeirinhos que viviam nas áreas afetadas pela construção não “atenderam aos critérios” de indenização estabelecidos pela Engevix/São Roque Energética S.A., que se recusou a se responsabilizar pelos impactos socioambientais causados a essas pessoas, em claro desrespeito ao que o próprio contrato da concessão determina.
Vale destacar ainda o histórico da empresa Engevix. A empresa atua nos setores energético e de infraestruturas públicas, como transportes e saneamento básico. Segundo Melchiors, essa empresa tem sido alvo de denúncias de corrupção e fraude no licenciamento ambiental no caso da barragem de Barra Grande no Rio Pelotas, na qual foi omitida do relatório de impactos ambientais realizado pela Engevix a existência de área de mata de araucárias no espaço destinado ao reservatório da barragem em questão (Melchiors, 2019). Confira a ficha deste Mapa de Conflitos sobre o caso da UHE Barra Grande no link: https://shre.ink/SCom.
A população atingida pela construção da UHE São Roque busca se organizar e se articular com parceiros para fortalecer a luta por seus direitos. O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB) tem sido um grande aliado nesta disputa com a Engevix, além de representantes da Igreja Católica, como o bispo da diocese de Lages, o Ministério Público Federal (MPF), a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), entre outras entidades parceiras (Campos et al., 2017).
Em 20 de março de 2015, houve um encontro em Vargem (SC) com mais de 200 atingidos pela construção da UHE São Roque, lideranças comunitárias, políticas e religiosas, incluindo o bispo de Lajes (SC), dom Irineu Andreassa. Houve uma ampla discussão acerca do acelerado ritmo das obras em contraste com o não cumprimento das obrigações de mitigação dos impactos socioambientais por parte da Engevix.
Ainda de acordo com Campos et al. (2017), figuras como o procurador Mário Roberto dos Santos, do Ministério Público Federal (MPF), que buscava atuar na defesa dos atingidos pela barragem em questão, esbarravam na falta de uma política nacional constituída especificamente para tratar das populações atingidas por barragens.
Mobilizados e organizados junto ao MAB, grupos de moradores das famílias atingidas pela UHE São Roque fizeram diversas ações e protestos ao longo dos anos para reivindicar seus direitos a indenizações justas e a organização de reassentamentos rurais por parte da Engevix, além de denunciar irregularidades no decorrer do processo de construção da UHE.
Conforme nota publicada no site oficial do MAB, em 1° de outubro de 2015, atingidos se manifestaram ocupando e paralisando as obras da UHE São Roque, denunciando a exclusão de cerca de 300 famílias do cadastro socioeconômico realizado pela Engevix no âmbito da concessão pública. Já nessa época a empresa responsável pela obra se via envolvida em acusações de corrupção que tramitavam no escopo da Operação Lava Jato.
A manifestação teve como principais pautas a inclusão das famílias cerceadas do cadastro socioeconômico, a reivindicação de valores justos pelas indenizações aos proprietários das terras desapropriadas para a construção, e a denúncia de judicialização de casos. Segundo o atingido Carmosino Alves Ferreira, morador do município de Brunópolis, a situação era a seguinte: “Com o valor baixo que a empresa está me pagando, tenho que entregar dois hectares para a barragem e consigo comprar apenas um hectare com o valor proposto na indenização”.
Não obstante, a empresa se negava a arrendar terrenos para organizar reassentamentos para as famílias atingidas. A ocupação das obras durou pelo menos dois dias, não havendo, porém, espaço de negociação aberto pela Engevix (MAB, 2015).

Em maio de 2016, quando as obras já estavam cerca de 80% concluídas, a construção da UHE foi interrompida por conta de problemas legais e financeiros dos proprietários da Engevix, envolvidos em investigações da Operação Lava Jato. Isto fez com que os processos de reparação e indenização às famílias também fossem paralisados (Melchiors, 2019).
Mas, isto não impediu que a mobilização dos atingidos seguisse. Ainda em 2016, os atingidos conseguiram conquistar um reassentamento para 15 famílias, estabelecido no município de Brunópolis (SC) (MAB, 2018). Em outubro de 2016, outra ocupação do canteiro de obras foi realizada pelos atingidos organizados junto ao MAB, seguindo em suas reivindicações por indenizações justas, pela inclusão das famílias alijadas do cadastro socioeconômico e cobrando que os reassentamentos rurais coletivos fossem pagos pela Engevix (MAB, 2016).
As mobilizações dos atingidos pela UHE São Roque não cessaram. Em 12 de junho de 2018, mesmo com a paralisação de mais de dois anos das obras da UHE, um grupo de atingidos ocupou mais uma vez o canteiro de obras em protesto por suas reivindicações. Após três dias a ocupação foi desmobilizada, mediante o comprometimento da Engevix em realizar uma audiência judicial junto a representantes das famílias atingidas, que tinham como pauta as seguintes questões:
- O cumprimento dos acordos realizados em reuniões anteriores;
- A compra de terras para reassentamento;
- O pagamento das indenizações;
- O reconhecimento das famílias que hoje têm seus direitos negados pela Empresa Engevix. (MAB, 2018)
Conforme consta em publicação de 12 de fevereiro de 2020 do portal Canal Energia , a empresa Engevix conseguiu firmar um acordo de leniência com a Controladoria Geral da União (CGU), em fevereiro de 2020, em relação a bloqueios de suas contas devido a investigações a membros de suas antigas gestões no escopo da Operação Lava Jato.
Esse acordo (Processo nº 00190.114137/2018-98) permitiu que a empresa retomasse a possibilidade de pegar empréstimos com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, consequentemente, retomasse as obras da UHE São Roque. As obras foram reiniciadas em 2021, segundo reportagem do portal Brasil de Fato publicada em 18 de maio de 2023.
A organização e a luta das famílias atingidas pela UHE São Roque foram fundamentais para a conquista do segundo reassentamento rural coletivo, em Curitibanos (SC), em outubro de 2021. No dia 20 desse mês, as 12 famílias que conquistaram esse reassentamento iniciaram o planejamento e o loteamento da área, definindo os locais para plantações e construções de casas e galpões.
Todo esse trabalho foi realizado por meio de mutirões de trabalho coletivo dos reassentados e outros militantes do MAB. Marisa Prado, natural do município de São José do Cerrito, e uma das atingidas que conquistou seu direito ao reassentamento, relatou sua satisfação à reportagem publicada pelo site do MAB:
“Todas as famílias estavam felizes porque conseguimos realizar nosso sonho, nossa conquista tão batalhada, tão sofrida de oito anos em barraco, no acampamento, para conquistar os nossos direitos. E agora conseguimos o reassentamento rural coletivo. Ainda não está pronto, conseguimos só a terra, mas vamos conquistar as casas e galpões. Então para nós foi uma conquista muito grande, com muita luta, união entre as famílias, muitas reuniões com a empresa, muitos nãos, que a gente ouvia, mas, até que enfim, conseguimos.” (MAB, 2021)
Ainda segundo a reportagem publicada no site do MAB em 22 de outubro de 2021, Pedro Melchiors, da Coordenação Nacional do MAB, declarou sobre a importância dos reassentamentos rurais coletivos:
“É direito das famílias atingidas participarem e serem indenizadas por tudo que perderam ao ter que sair de suas casas para dar lugar a uma barragem. Os reassentamentos coletivos, conquistados em diversas regiões há mais de 30 anos pelo MAB, como por exemplo na barragem de Itá, são o modelo mais justo de reconstrução da vida das famílias e comunidades atingidas. Eles consideram integralmente as propriedades que serão alagadas, contemplando as casas, áreas de plantio, galpões e estradas, além de manter o vínculo comunitário entre os atingidos.” (MAB, 2021)
Esse reassentamento foi inaugurado em 7 de maio de 2022, com o nome de Reassentamento Rural Coletivo Nossa Senhora das Graças. Segundo nota publicada no site do MAB, as 12 famílias reassentadas enfim puderam se instalar em um novo local, adequado, após anos de luta por seus direitos.

A inauguração do reassentamento rural coletivo contou com a presença de outros atingidos organizados junto ao MAB, e apoiadores como: Dom Guilherme Antônio Werlang, bispo de Lages (SC); trabalhadores eletricitários da Plataforma Operária e Camponesa da Água e da Energia (Pocae); representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST); representantes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA); representantes do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), além do deputado estadual padre Pedro Baldisserra (PT – SC) e outros movimentos sociais locais.
Entre abril e maio de 2022, após um período de cheia no rio Canoas por conta de dias de chuva intensa, a empresa Engevix ordenou o enchimento do reservatório da UHE São Roque, sem aviso prévio para as famílias residentes na área atingida (MAB, 2022a). O resultado foi a destruição de casas, plantações e estradas, além da inundação de áreas de mata de araucárias e outras onde deveria ser feita supressão (retirada) de vegetação para evitar mais impactos ambientais, como a eutrofização (sobrecarga de oxigênio na água, o que leva à morte da maior parte da vida aquática) do lago formado pela barragem.
O alagamento de estradas sem a construção de novas vias ou a inauguração de uma linha de balsa, promessas da empresa Engevix, fez com que muitas famílias ficassem ilhadas em meio à inundação (MAB, 2022a). Além disso, na mesma publicação em seu site, o MAB denuncia que muitas araucárias retiradas previamente sem o manejo devido foram arrastadas pela água e depositadas próximas à barragem, onde “o rio Canoas se tornou um depósito de entulhos”. Ademais, o nível atingido pela água superou o previsto nas demarcações feitas pela Engevix, submergindo áreas que não estavam previstas de serem afetadas, segundo os relatórios de impactos ambientais.


Os atingidos pela UHE São Roque não cessaram sua luta e, no dia 30 de junho de 2022 conseguiram, em uma reunião com representantes da Nova Participações S.A. (Engevix), que a empresa se comprometesse com as seguintes reivindicações, segundo o integrante da coordenação nacional do MAB, Pedro Melchiors:
“reestabelecimento do acesso à energia, com ligação das redes onde for necessário; reestabelecimento do acesso à água, com perfuração de poço artesiano e encanamento até as casas e terrenos; indenização referente à perda de alimentos pela falta de eletricidade; melhoria nas estruturas da balsa que liga Brunópolis e São José do Cerrito e construção de estruturas comunitárias. Ainda ficou pendente um acordo sobre a documentação das terras remanescentes que ficaram para as famílias na beira do lago.” (MAB, 2022b)
Lideranças dos atingidos pela UHE São Roque foram recebidos em 27 de outubro de 2022 pelo procurador da República Marcelo da Mota, na sede do MPF/SC, em Florianópolis. O procurador se comprometeu a atuar no auxílio às famílias em sua luta pela garantia de seus direitos. Segundo nota publicada no site do MPF, ele afirmou que “a empresa será chamada ao MPF para reunião sobre a questão. Vamos buscar uma solução conciliatória e que efetivamente atenda a comunidade atingida”.
Segundo reportagem do portal de notícias Brasil de Fato publicada em 23 de agosto de 2023, houve uma audiência pública no fim de junho do mesmo ano na Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), proposta pelo deputado estadual Marquito (Psol-SC). Participaram representantes dos atingidos pela UHE São Roque, da Engevix e da referida comissão. O deputado Marquito afirmou à reportagem:
“A gente pretende enquanto Poder Legislativo e com a tarefa de fiscalização se não for cumprido, se não for acatado aqueles pontos levantados conforme foi abordado na audiência pública, a gente vai até a Justiça catarinense inicialmente, bem como também o Ministério Público Estadual, para que esses impactos sejam minimamente recuperados por essas famílias.” (Brasil de Fato, 2023)
Em 14 de novembro de 2023, o Senado Federal aprovou Lei nº 14.755, sancionada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 15 de dezembro de 2023, que:
“Institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB); discrimina os direitos das Populações Atingidas por Barragens (PAB); prevê o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB); estabelece regras de responsabilidade social do empreendedor; e revoga dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n º 5.452, de 1º de maio de 1943.” (Brasil, 2023)
Em cartilha publicada acerca da instituição da PNAB em 2024, o MAB deixa claro que essa sempre foi uma de suas principais pautas, por estabelecer um marco legal específico para as populações de atingidos por barragens. Isto significa um instrumento legal potente para que as famílias consigam se defender de violações de direitos nos processos de implementação de UHEs no Brasil, tão marcados pelo poder de barganha do grande capital, e que muitas vezes se sobrepõem às reivindicações legítimas das famílias atingidas. Um trecho da cartilha diz:
“As datas de 14 de novembro e 15 de dezembro de 2023 ficarão na história da luta dos atingidos e atingidas por barragens. Todos e todas que contribuíram estão registrados na história da luta por justiça social neste país. O grande esforço nacional e internacional pela aprovação da PNAB indica que é tempo de avançar para a construção de uma sociedade moderna e um país justo, democrático e feliz. Seguimos em luta pela sua efetiva implementação.” (Coordenação Nacional do MAB, 2024)
A aprovação da lei não significou que a luta dos atingidos pela UHE São Roque tenha cessado. Pelo contrário, entre 2 e 3 de março de 2024 o MAB promoveu reuniões em três comunidades atingidas com o objetivo de manter a mobilização e levantar as principais reivindicações das 150 famílias que participaram dos encontros.

Segundo nota publicada no site oficial do MAB em 5 de março, as principais pautas levantadas nas reuniões foram:
“a necessidade de regularização das novas propriedades, onde parte das famílias foi reassentada, e o acesso a serviços básicos, como iluminação pública, água e energia elétrica nessas comunidades. Os moradores também destacaram a necessidade de estruturas públicas, como estradas e balsa para deslocamento a partir das novas moradias. Também discutiram questão dos lucros cessantes das famílias e agricultores impactados, que ainda não foram reconhecidos como atingidos. Além disso, exigem a recuperação do lago e do entorno.” (MAB, 2024).
Pelo exposto no relato acima, fica evidente a prática sistemática de violação de direitos das famílias atingidas pela UHE São Roque por parte da empresa Nova Engevix Participações S.A, que, além de ter causado diversos impactos socioambientais, ainda se omite diante das ações de reparações devidas aos atingidos por seu projeto.
Também fica demonstrado o quanto a luta organizada das famílias junto ao MAB e seus outros apoiadores foi fundamental para suas conquistas e para que todas as famílias atingidas tenham seus direitos respeitados e os danos sofridos reparados, agora com o amparo da PNAB, importante instrumento de luta no Brasil.
Atualizada em agosto de 2025.
Cronologia
Agosto de 2012 – É assinada a concessão pública Nº 01/2012-MME-UHE São Roque, entre o Ministério de Minas e Energia (MME) e a empresa Engevix. Esse documento permite à empresa Engevix iniciar o processo de construção da UHE São Roque.
20 de março de 2015 – Encontro em Vargem (SC) reúne mais de 200 atingidos pela construção da UHE São Roque. Comparecem lideranças comunitárias, políticas e religiosas, incluindo: lideranças do MAB; o procurador da República Mário Roberto dos Santos, do Ministério Público Federal; o bispo de Lajes (SC), Dom Irineu Andreassa, e representantes da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS).
1° de outubro de 2015 – Atingidos pela UHE São Roque ocupam e paralisam as obras da usina, denunciando a exclusão de cerca de 300 famílias do cadastro socioeconômico realizado pela Engevix no âmbito da concessão pública, além do pagamento de indenizações irrisórias e crimes ambientais cometidos pela empresa.
Maio de 2016 – Construção da UHE São Roque é interrompida por problemas legais e financeiros dos proprietários da Engevix, envolvidos em investigações da Operação Lava Jato.
Outubro de 2016 – Ocupação do canteiro de obras da UHE São Roque por parte de atingidos pela construção da usina, reivindicando indenizações justas, a inclusão das famílias alijadas do cadastro socioeconômico e cobrando os reassentamentos rurais coletivos a serem pagos pela empresa Engevix.
2016 – Os atingidos pela UHE São Roque conquistam o primeiro reassentamento rural coletivo, alocado em Brunópolis (SC), contemplando 15 famílias.
12 de junho de 2018 – Grupo de atingidos pela UHE São Roque ocupa mais uma vez o canteiro de obras para fazer suas reivindicações serem ouvidas. Três dias depois, a ocupação é desmobilizada, mediante o comprometimento da Engevix em realizar uma audiência judicial junto a representantes das famílias atingidas.
Fevereiro de 2021 – A empresa Nova Engevix Participações S.A. firma acordo de leniência (Processo 00190.114137/2018-98) com a Controladoria Geral da União (CGU) referente a denúncias de corrupção e processos que bloqueiam seus bens da empresa.
20 de outubro de2021 – 12 famílias atingidas pela UHE São Roque iniciam o planejamento e loteamento de um reassentamento rural coletivo em Curitibanos (SC).
Emtre abril e maio de 2022 – Após um período de cheia no rio Canoas por conta de dias de chuva intensa, a empresa Engevix ordena o enchimento do reservatório da UHE São Roque sem aviso prévio às famílias residentes na área atingida.
7 de maio de 2022 – Inauguração do Reassentamento Rural Coletivo Nossa Senhora das Graças, que contempla 12 famílias atingidas pela UHE São Roque, em Curitibanos (SC).
30 de junho de 2022 – Representantes das famílias atingidas pela UHE São Roque realizam reunião com representantes da empresa Engevix, que se comprometem a atender as pautas reivindicadas.
27 de outubro de 2022 – Lideranças dos atingidos pela UHE São Roque são recebidos pelo procurador da República Marcelo da Mota, na sede do MPF/SC, em Florianópolis. Os atingidos levam suas reivindicações ao procurador, que se compromete a apoiar a luta pela garantia dos direitos da famílias atingidas.
Junho de 2023 – Realização de audiência pública na Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), proposta pelo deputado estadual Marquito (Psol-SC).
14 de novembro de 2023 – Senado Federal aprova a Lei nº 14.755, que institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Pnab).
15 de dezembro de 2023 – O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sanciona a lei que institui a Pnab no Brasil.
2 mar 2024 – MAB promove reuniões em três comunidades atingidas (comunidades de Glória, distrito de São José do Cerrito; Ramo Verde, distrito de Brunópolis; e Nossa Senhora das Graças, distrito de Curitibanos) com o objetivo de manter a mobilização e levantar as principais reivindicações das 150 famílias presentes nos encontros.
Fontes
BRASIL. Controladoria-Geral da União – CGU; Advocacia-Geral da União – AGU. Acordo de Leniência – Processo nº 00190.114137/2018-98, firmado entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e as empresas Nova Engevix Engenharia e Projetos S.A., Nova Engevix Construções e Montagens S.A., Ecovix Construções Oceânicas, Infravix Participações S.A. e Nova Participações S.A. [S. l.]: [s. n.], 2020. Disponível em: https://shre.ink/tC9F. Acesso em: 08 ago. 2025.
BRASIL. Ministério da Saúde – MS. Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz. Usina Hidrelétrica de Barra Grande inunda área coberta de Mata Atlântica e Araucárias, e expulsa pequenos/as agricultores/as de suas terras. Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro, maio 2024. Disponível em: https://shre.ink/SCom. Acesso em: 15 ago. 2025.
BRASIL. Ministério de Minas e Energia – MME. Contrato de Concessão nº 01/2012-MME-UHE São Roque de uso de bem público para geração de energia elétrica, celebrado entre a União e a empresa São Roque Energética S.A. Processo nº 48500.006740/2011-14. Protocolo nº 48360.004298/2012-00. Brasília: MME, 2012. Disponível em: https://shre.ink/tC9z. Acesso em: 8 ago. 2025.
BRASIL. Ministério Público Federal – MPF. MPF atua para garantir direitos dos atingidos pela barragem São Roque em Lages (SC). MPF/SC, Lages, 27 jul. 2023. Disponível em: https://shre.ink/tC96. Acesso em: 08 ago. 2025.
BRASIL. Presidência da República – PR. Casa Civil. Secretaria Especial para Assuntos Jurídicos. Lei nº 14.755, de 15 de dezembro de 2023. Institui a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB); discrimina os direitos das Populações Atingidas por Barragens (PAB); prevê o Programa de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PDPAB); estabelece regras de responsabilidade social do empreendedor; e revoga dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 18 dez. 2023. Disponível em: https://shre.ink/tC9X. Acesso: 08 ago. 2025.
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