CE – No município de Cascavel, gestão insustentável de viveiros de camarão é mais um retrato das ações danosas da carcinicultura

UF: CE

Município Atingido: Itapipoca (CE)

Outros Municípios: Acaraú (CE), Aracati (CE), Cascavel (CE), Icapuí (CE), Itapipoca (CE)

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida

Síntese

No município de Cascavel, moradores da comunidade de Barra Velha estão sendo atingidos pelos danos da carcinicultura. Existem relatos de que o proprietário do empreendimento estaria, com esta atividade, inviabilizando o transporte público que atende à comunidade e, especialmente, bloqueando o acesso indispensável dela aos recursos do mar, para sustento e reprodução das suas atividades tradicionais de sobrevivência.

Contexto Ampliado

Estes problemas são comuns a diversas populações dependentes da biodiversidade associada ao ecossistema Manguezal. No município de Cascavel, as populações visitadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), receosas pelo problema que enfrentam outras comunidades em conflito com os produtores de camarão, levantaram os seguintes danos: contaminação da água durante as etapas de repesca, proibição de acesso às áreas de pesca e de coleta de caranguejos e mariscos, e desmatamentos da mata ciliar e do manguezal. É importante destacar que as áreas atingidas são historicamente utilizadas para o desenvolvimento das atividades tradicionais de sobrevivência das referidas comunidades.

Como a atividade da carcinicultura vem se difundindo em larga escala e atingindo as populações das regiões litorâneas do Nordeste, técnicos do Ibama e pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) fizeram, em julho de 2003, a primeira atividade de campo do GT-Carcinicultura Câmara dos Deputados. Em janeiro e junho de 2004 visitaram empreendimentos de carcinicultura no Estado do Ceará. Foram verificadas irregularidades em várias fazendas de camarão distribuídas ao longo das bacias hidrográficas dos rios Acaraú, Aracatimirim, Coreaú e Jaguaribe.

Em 2005, foi elaborado um relatório pelo Grupo de Trabalho sobre Carcinicultura, instituído no âmbito da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados. Foram realizadas um total de 11 vistorias técnicas a empreendimentos de carcinicultura e nove audiências públicas em comunidades litorâneas afetadas pela atividade nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia.

As visitas foram acompanhadas por técnicos do Ibama, das secretarias estaduais de Meio Ambiente, por pesquisadores das universidades, representantes de ONGs e da sociedade civil. Os técnicos do Ibama realizaram ainda reuniões com as comunidades de Volta, no município de Aracatí, e Barra Velha, no município de Cascavel. Nestas, foram relatados conflitos com as atividades de implantação e produção de camarão em áreas historicamente utilizadas para o desenvolvimento das atividades tradicionais de sobrevivência.

No Ceará, foram vistoriadas mais de 240 fazendas, que exploravam uma área total de mais de seis mil hectares. Segundo Jeovah Meirelles (2005):

Verificou-se que, do total das fazendas licenciadas pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (SEMACE), 84,1% causaram impactos diretamente ao ecossistema manguezal (fauna e flora do mangue, apicum e salgado); 25,3% promoveram o desmatamento do carnaubal e 13,9% ocuparam áreas antes destinadas a outros cultivos agrícolas de subsistência. No rio Jaguaribe, 44,2% das piscinas de camarão foram construídas interferindo diretamente no ecossistema manguezal e 63,6% promoveram danos de elevada magnitude a um dos mais importantes carnaubais de nossas bacias hidrográficas.

De acordo com os resultados, os seguintes impactos ambientais foram relacionados com as fases de instalação e operação das fazendas de camarão do estado:

i) Desmatamento da vegetação de mangue e supressão de extensas áreas de apicuns,

ii) Fragmentação, perda e mudanças de habitat e de diversidade genética pela artificialização e extinção de setores de domínio das marés,

iii) Impermeabilização, compactação e transformações estruturais (em relação à porosidade e permeabilidade) e qualitativas do solo,

iv) Perda de nutrientes para a base de uma complexa cadeia alimentar, a partir da supressão de áreas de manguezal e apicum do ecossistema manguezal,

v) Alterações no regime hídrico, fluxo e disponibilidade da água, com a construção de diques, canais e vias de acesso em área de domínio das marés e exutórios do aquífero,

vi) Suprimento e demanda de água doce pela impermeabilização do solo,

vii) Bloqueio da entrada das marés em locais antes destinados a essa dinâmica, com a extinção de canais sobre o apicum e responsáveis pela distribuição e drenagem dos fluxos diários de maré,

viii) Perda da biodiversidade através da ação conjunta dos impactos ambientais,

ix) Foram identificados empreendimentos que suprimiram o manguezal e provocaram interferência direta em gamboas (braços do rio inundado durante as marés cheias),

x) Descarte direto de efluentes em gamboas,

xi) A construção de taludes muito próximos à vegetação de preservação permanente, ou mesmo sobre o manguezal, foram constatadas de forma inequívoca, em total desrespeito à Lei de Crimes Ambientais e ao Código Florestal,

xii) Artificialização de gamboas para a implantação de canais de abastecimento,

xiii) Prejuízo às atividades tradicionais de sobrevivência das comunidades locais,

xiv) Desmatamento do carnaubal e mata ciliar na localidade de Comondongo (município de Itarema) para a construção dos viveiros de camarão. Atividade amplamente denunciada pela comunidade indígena, principalmente pelo fato de afetar os que dependem do extrativismo da palha,

xv) Remoção da camada fértil do solo de várzea, após o desmatamento do carnaubal, para a implantação dos viveiros de camarão. Canais de maré e afluentes do rio Aracatimirim foram completamente extintos,

xvi) Assoreamento e soterramento dos canais de maré e setores de apicum com a deposição do rejeito do material originado pelas atividades de terraplenagem,

xvii) Subordinação de pequenos produtores aos grandes empresários do setor,

xviii) Conflitos ambientais e sociais pela utilização de terrenos de Marinha para a construção dos empreendimentos,

xix) Nas localidades de Passagem Rasa, Comondongo e Tijuca (áreas de influência direta da Terra Indígena Tremembé de Almofala), foram identificados três empreendimentos clandestinos.

No ano de 2007, este conflito evidenciou que tais empreendimentos impedem o direito de locomoção dos moradores pelo espaço de usufruto tradicional deles.

A empresa de ônibus São Luís, a única que faz o trajeto Cascavel-Barra Velha, informou aos moradores que a água proveniente da fazenda de camarão instalada próxima ao rio Alagamar estaria “aumentando consideravelmente o desgaste dos veículos”. Segundo Vicente José, presidente da Associação de Moradores de Barra Velha, a água de alta de salinidade proveniente do viveiro estaria alagando a estrada e corroendo as peças dos veículos. Tal problema já havia sido alertado pela empresa de ônibus em 2006, tendo a mesma informado que caso nenhuma providência fosse tomada, ela teria que suspender o trajeto. Na ocasião, Vicente afirmou que a mesma empresa o havia informado de que comunicara o problema ao prefeito e que este prometeu tomar providências logo após o período eleitoral. Nenhuma providência foi tomada até o momento da denúncia, em 2007.

Dada a permanência dos problemas socioambientais associados à atividade, em 11 de dezembro de 2012, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), com o apoio de cerca de 60 pessoas, ocupou a Prefeitura Municipal de Cascavel para denunciar os efeitos do avanço das fazendas carcinicultoras sobre os manguezais e para as comunidades de pescadores, principalmente devido à degradação da bacia do rio Malcozinhado. O MPP saiu de Barra Velha na manhã daquele dia em manifestação que terminou na sede da Prefeitura.

De acordo com Ormezita Barbosa, a manifestação serviu para mostrar que a comunidade está mobilizada e organizada diante dos projetos de carcinicultura que pretendem se instalar no local. “Nós queremos que nossos direitos sejam garantidos. Queremos ser ouvidos, disse.

Segundo nota do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), no local já havia uma fazenda em funcionamento e outra cuja instalação já estava em andamento. Como resultado desse processo, os pescadores denunciavam a redução do pescado e o cercamento de áreas tradicionais de coleta de mariscos e passagens para as praias, o que aumentava a distância entre suas casas e os principais pesqueiros da região.

Como resultado, ficou acordado que representantes da prefeitura receberiam um grupo formado pela comunidade para discutir e encaminhar o assunto.

Cronologia:

2003: Técnicos do Ibama e pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) fazem a primeira atividade de campo do GT-Carcinicultura Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da Câmara dos Deputados na comunidade de Barra Velha.

2005: GT Carcinicultura divulga relatório sobre irregularidades encontradas durante vistoria nas fazendas de carcinicultura e audiências públicas realizadas nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Bahia nos dois anos anteriores.

2007: Empresa de transporte coletivo ameaça suspender linha de ônibus que circula por Barra Velha devido à corrosão dos veículos associada aos alagamentos de rodovias e ruas por água salobra despejadas pelas fazendas carcinicultoras.

11 de dezembro de 2012: MPP e pescadores realizam manifestações em Cascavel contra os impactos da carcinicultura sobre o rio Malcozinhado e a comunidade de Barra Velha.

Última atualização em: 28 mar. 2015.

Fontes

ARAÚJO, Rogéria. Após manifestação, prefeitura de Cascavel, no Ceará, ouvirá denúncias de pescadores/as afetados por carcinicultura. Adital, 11 dez. 2012. Disponível em: <http://goo.gl/lOUJHY>. Acesso em: 27 mar. 2015.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Relatório do GT Carcinicultura da comissão de defesa do consumidor, meio ambiente e minorias. Viva Manguezal. Disponível em: <http://goo.gl/fGI1ZU>. Acesso em: 11 nov. 2009.

______. Ministério do Meio Ambiente. IBAMA. Diagnóstico da Carcinicultura no Estado do Ceará- relatório final da Diretoria de Proteção Ambiental (Dipro), Diretoria de Licenciamento e Qualidade Ambiental (Diliq) e Gerência Executiva do Ceará (Gerex-CE). Vol. I (textos), 2005, 177p.

CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES. Nossa água, nossa terra não se vende, se defende! Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará, 11 dez. 2012. Disponível em: <http://goo.gl/211xBC>. Acesso em: 27 mar. 2015.

INSTITUTO TERRAMAR. Fórum Elos e Ecos continua processo de denúncias sobre danos ambientais no Ceará. Disponível em: http://goo.gl/aXrqnM. Acesso em: 11 nov. 2009.

MEIRELLES, Jeovah. Carcinicultura: desastre socioambiental no ecossistema manguezal do nordeste brasileiro. Terrazul, 11 jul. 2005. Disponível em: http://goo.gl/xXTTp8. Acesso em: 11 nov. 2009.

PORTAL DO MAR. Viveiro de camarão prejudica transporte da comunidade de Barra Velha. Disponível em: <http://goo.gl/7idmV1>. Acesso em: 11 nov. 2009.

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