BA – Movimentos ambientalista, indígena e de pequenos produtores rurais, com apoio do Ministério Público Federal, lutam contra impactos de indústria da Celulose em Eunápolis
UF: BA
Município Atingido: Santa Cruz Cabrália (BA)
Outros Municípios: Belmonte (BA), Eunápolis (BA), Porto Seguro (BA), Santa Cruz Cabrália (BA)
População: Agricultores familiares, Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição do solo
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida
Síntese
A Veracel Celulose é uma joint-venture, fruto da parceria entre as empresas Aracruz Celulose S.A (brasileira) e Stora Enso (sueco-finlandesa). Em 2009, a Votorantim Celulose e Papel S/A (subsidiária da Votorantim Industrial S/A), sendo já detentora de 56% das ações da Aracruz, acabou de incorporar a empresa ao seu grupo. Em uma ação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o mercado de capitais, foi criada a empresa Fibria, que passa a substituir a Aracruz na associação com a Stora Enso, na gestão da Veracel Celulose. A Veracel está instalada no município de Eunápolis, no sul da Bahia, e sua atuação tem sido alvo de contestações por parte de entidades ligadas aos movimentos ambientalista, indígena e de pequenos produtores rurais. Apesar da localização da fábrica em Eunápolis, as consequências ambientais e sociais da monocultura de eucalipto (para produção de celulose branqueada) estende-se por outros municípios vizinhos, principalmente Santa Cruz Cabrália, Belmonte e Porto Seguro.
A ação da empresa na região também tem sido alvo de ações judiciais promovidas pelo Ministério Público Federal (MPF), especialmente no que diz respeito a irregularidades encontradas em seu processo de licenciamento ambiental e no desrespeito às leis e normas ambientais. As acusações contra a empresa vão desde o desmatamento de áreas de Mata Atlântica, para a plantação do eucalipto, ao desrespeito às leis trabalhistas, passando por irregularidades na aquisição de terras, invasão de terras indígenas e influência no aumento do êxodo rural. Os principais atingidos são pequenos produtores rurais, trabalhadores rurais e comunidades indígenas Pataxó da chamada Costa do Descobrimento.
A tramitação de processo judicial contestando procedimentos de autorização ambiental, e destruição de grandes áreas de Mata Atlântica, quando a empresa ainda respondia pelo nome de Veracruz Florestal, obteve, após 15 anos, uma decisão favorável ao meio ambiente natural e às comunidades atingidas, sobretudo indígenas, pelos processos de degradação.
Contexto Ampliado
O capital social da Veracel Celulose é atualmente formado por 50% da brasileira Fibria e 50% da sueco-finlandesa StoraEnso. A empresa produz, desde 2005, cerca de um milhão de toneladas/ano de celulose branqueada, na fábrica no município baiano de Eunápolis. A produção é destinada majoritariamente ao mercado externo. O volume exportado é de cerca de 500 milhões de dólares anuais. Em 2007, a Veracel ocupava a sexta posição entre as maiores exportadoras instaladas na Bahia. Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV), entre 2003 e 2006, a empresa foi responsável por 60% de todo o crescimento econômico registrado nos municípios do extremo sul do estado. Tal peso não esconde os enormes impactos sociais e ambientais sobre a região onde está instalada – possivelmente a mais devastada do bioma Mata Atlântica nas décadas de 1990 e 2000 no Brasil. A Veracel tem sido alvo de diversas denúncias de irregularidades na produção, no licenciamento e manejo ambiental ou nas relações com seus trabalhadores e as comunidades das áreas onde atua.
No início dos anos 1990, o extremo sul da Bahia chegou a contar com 300 serrarias, boa parte delas pertencente aos empresários do Espírito Santo. A construção da BR 101, atravessando a região, nos anos 1970, criou as condições para uma exploração mais intensa e para o transporte da madeira na região. Após o declínio da atividade, o governo da Bahia começou a defender a vocação para o reflorestamento com eucaliptos da região, então destacada pelo forte potencial turístico. A nova vocação foi fomentada sem qualquer consulta à população local, que em pouco tempo seria pressionada pela empresa, apoiada por prefeitos e associações comerciais locais, em favor do empreendimento que geraria empregos e renda na região. Manifestações foram organizadas, com a decretação de feriado municipal, para a defesa dos interesses da Veracel.
Os movimentos sociais acusam a empresa de patrocinar campanhas eleitorais de políticos que apoiavam o ex-governador e senador Antônio Carlos Magalhães, já falecido, como também de seus opositores, como o atual governador Jacques Wagner (PT). Segundo o dossiê Violações socioambientais promovidas pela Veracel Celulose…, organizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Dossiê Cepedes), após financiar campanha do presidente Lula (PT), em 2002, o primeiro grande empréstimo concedido pelo Banco público BNDES a uma empresa privada foi para a Veracel, R$ 1,43 bilhão, aprovado em dezembro de 2003.
Pouco tempo depois de sua instalação em 2005, a Veracel Celulose foi acusada de estar promovendo êxodo rural, desemprego e inchaço dos municípios vizinhos. Em 31 de agosto de 2006, diversas entidades ligadas à Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) divulgaram nota na qual denunciavam a empresa por esses impactos e a acusaram de estar plantando eucaliptos nas terras dos índios Pataxó na região de Monte Pascoal.
Além disso, a Frente de Resistência e Luta Pataxó denunciou a empresa de estar realizando campanha de cooptação das lideranças indígenas com o objetivo de dividir a comunidade atingida por suas atividades: Essa empresa vem agredindo nosso meio ambiente, cooptando nossas lideranças com distribuição e promessas de benefícios com o objetivo claro de nos dividir e continuar invadindo nosso território.
A população Pataxó é estimada em oito mil pessoas no extremo sul da Bahia. Em 1982, eles tiveram a demarcação de 8.627 hectares em Barra Velha, no entorno do Parque Monte Pascoal. A área seria ampliada em cerca de 2.900 hectares até 1998. Em 2008, a Fundação Nacional do Índio (Funai) identificou uma área maior, de quase 53 mil hectares, nas proximidades também do Monte Pascoal, como terra tradicionalmente ocupada pelos Pataxó. A demarcação foi publicada no Diário Oficial da União em 29/02/2008. A etnia reivindica, entretanto, com base em levantamento da antropóloga Maria do Rosário, um território de 120 mil hectares. Na área defendida pela FUNAI já haveria cerca de 1.700 hectares de eucaliptos plantados pela Veracel, na área identificada por Maria do Rosário, seriam 30 mil hectares reflorestados. Os índios repudiam o eucalipto, o corte das matas nativas e a contaminação do solo e águas pelo uso de agrotóxicos.
A Veracel foi também acusada de fomentar a criação de ONGs e subsidiar o chamado Diálogo Florestal, que contaria com o apoio institucional do SOS Mata Atlântica. O diálogo foi repudiado por entidades como o Núcleo Amigos da Terra/Brasil, por contar com a atuação de empresas do setor florestal que:
Têm interferido no funcionamento do Estado como um todo, modificando parâmetros de atuação dos órgãos ambientais, destruindo instrumentos de gestão como a proposta de zoneamento ambiental para a atividade, e trazendo de forma acintosa e provavelmente ilegal, representantes do governo do Estado a serem substituídos (…) e, por fim, num desmonte das instâncias democráticas e paritárias que deveriam ser o espaço legítimo e equilibrado para a atuação das ONGs no debate e definição de critérios de implantação dos projetos.
Segundo nota do Fórum Socioambiental do Extremo Sul da Bahia, também citada pelo dossiê do Cepedes:,
As ONGs estão sendo cooptadas através dos financiamentos de projetos sem nenhuma rastreabilidade jurídica ou ecológica, doação de equipamentos (computadores, mobiliários, cursos de capacitação, contratação de articuladores nas ONGs, materiais diversos etc). Ao fazer isto com tanta eficácia, as empresas criam vínculos de dependência das entidades, que perdem suas referências históricas, seus compromissos estatutários e deixam de atuar como fiscalizadoras do bem público, da conservação e do desenvolvimento realmente sustentável.
Estas ONGs estariam assim assumindo uma função intermediadora, cumprindo fielmente os interesses das empresas, inserindo-se nos governos e criando processos de 'governança' local com o objetivo de estabelecer um processo de adequação das irregularidades ambientais, como se fossem uma agência facilitadora para a obtenção dos chamados 'selos verdes'.
Além da cooptação de lideranças indígenas e de ONGs, o Cepedes lembra da aproximação de empresas como a Veracel e a Votorantim de centros de pesquisa e cursos universitários, sobretudo de natureza pública, que estariam colocando sua estrutura e prestígio a serviço de legitimação científica sobre o uso do eucalipto. São citados casos de pesquisadores da Universidade Estadual de São Paulo (UNESP), federais de Viçosa/MG, Pelotas/RS e Católica de Pelotas.
Como afirmaria Zelito Pataxó, em entrevista publicada em outubro de 2007 (Dossiê Cepedes) sabemos que por trás da frase 'Eucalipto não se come' existe de fato muita coisa: existe a fome, existe a violência, existe o desrespeito, existe o descumprimento das leis, assim como por trás das verdades científicas apresentadas existe o financiamento das empresas do setor de papel e celulose!
Apesar de a posição das autoridades baianas, especialmente o governo estadual, ser em geral favorável à atuação da empresa, no município de Santa Cruz Cabrália, os impactos da produção de celulose não passaram impunes em 04 de janeiro de 2007. Nesta data, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Cabrália encaminhou às empresas controladoras da Veracel um ofício informando a proibição da continuidade do plantio de eucalipto no município, por ser esta uma prática contrária ao Plano Diretor da cidade, que passou a vigorar em novembro de 2006.
Neste município, a empresa também encontrou oposição na Câmara dos Vereadores, que a responsabilizou pelo que eles chamaram de caos social. Segundo nota divulgada por dois vereadores, a Veracel estaria provocando o caos social na região, devido ao desemprego dos trabalhadores rurais, que passam necessidades na periferia de cidades como Porto Seguro, Eunápolis e Cabrália, ocupando encostas com edificações irregulares, que poluem mananciais, sacrificam áreas verdes e não raramente desabam.
Além dos impactos sociais, a nota também responsabilizou a empresa pelo secamento de diversos córregos locais. A deterioração do clima político favorável à empresa passou a contribuir para o fortalecimento dos grupos contrários à permanência da Veracel na região.
O ano de 2007 foi marcado pela oposição de diversas entidades do sul baiano e outras de nível nacional à certificação da empresa com o selo verde do FSC [sigla para Forest Stewardship Council, ou Conselho de Manejo Florestal, organismo internacional que reconhece e prestigia o chamado bom manejo florestal]. O objetivo de tal certificação seria destacar aquelas empresas que promovem o manejo das florestas do mundo de acordo com três fundamentos de atuação: ser socialmente justa, ambientalmente adequada e economicamente viável.
Várias entidades brasileiras e internacionais tentaram interferir na decisão do FSC, contestando a possibilidade de certificação de uma grande monocultora de eucaliptos. Afirmou-se, então, ser esta monocultura em grande escala, ecologicamente um desastre, socialmente injusta e economicamente perversa para a região sul-baiana, considerando seus impactos ambientais, a supressão da mata nativa, o desrespeito à legislação ambiental, o desrespeito à legislação trabalhista, a concentração de terras e a desestruturação do acesso tradicional das comunidades indígenas e rurais a seus territórios e o número de processos que eram até então movidos contra a empresa.
Toda essa oposição não desestimulou, contudo, a empresa a permanecer na região. Em janeiro de 2008, a Aracruz Celulose anunciou que iria implantar com a sócia sueco-finlandesa StoraEnso, uma nova fábrica da Veracel na Bahia. A planta industrial, com investimento estimado da ordem de US$1 bilhão, deveria ser construída na mesma área da unidade de Eunapólis. De acordo com a empresa, ela teria capacidade para produzir 1,4 milhão de toneladas anuais de celulose e entraria em operação em 2012.
Entretanto, dois fatos colocaram em risco o sucesso do projeto. O primeiro deles foi a vitória do Ministério Público Federal (MPF) na justiça federal, que, após 15 anos de tramitação judicial, condenou, em julho de 2008, a Veracel Celulose a pagar 20 milhões de reais por danos ambientais causados pelo desmatamento da Mata Atlântica, com tratores e correntão, nos seus primeiros anos de funcionamento (1991-1993) (EcoDebate/Brasil De Fato). Neste período, a empresa era denominada Veracruz Florestal, uma subsidiária do grupo Odebrecht. O grupo StoraEnso compraria 50% do capital da Odebrecht em 1997, e a Aracruz adquiriu a outra metade em 2000. Àquela altura, a Aracruz era uma sociedade formada pelos grupos Votorantim, Lorenzen e Banco Safra, cada qual com 28% das ações. O BNDES detinha 12,5%.
A condenação da justiça federal alcançou também o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Centro de Recursos Ambientais (CRA) do Estado da Bahia – atual Instituto de Meio Ambiente (IMA) – por concederem, indevidamente, autorizações para a Veracruz implantar os plantios de eucalipto, dispensados os Estudos de Impacto Ambiental (EIA). A justiça também declarou nulas as resoluções do Conselho Estadual de Proteção Ambiental (Cepram) que autorizaram a monocultura, além de determinar que o Ibama passasse a conduzir o processo de licenciamento do empreendimento e exigisse da Veracel os respectivos Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). À época do licenciamento, técnicos do Ibama foram desmoralizados e demitidos por procedimentos e pareceres suspeitos em relação ao caso.
A decisão da justiça federal condenou a Veracel a cortar 96 mil hectares de florestas de eucalipto, nos municípios de Santa Cruz Cabrália, Belmonte, Eunápolis e Porto Seguro, e a recompor a vegetação com espécies nativas de Mata Atlântica, no prazo de três meses a um ano. A condenação atingiu a base econômica da empresa, especialmente, ao interferir na sua área plantada. Se a decisão for mantida, um grande impacto nos planos da empresa terá sido provocado. A Veracel dava como certa a liberação por parte do governo do Estado de novas áreas para plantio e a implantação da nova planta em Eunápolis.
O segundo fato seriam dificuldades econômicas por que teria passado a Aracruz Celulose no período mais conturbado da recente crise econômica. A crise econômica mundial e erros de estratégia econômica debilitaram suas reservas. No mercado chegou-se a cogitar da possibilidade da StoraEnso comprar a parte da Aracruz na Veracel, considerada estratégica para o grupo sueco-finlandês.
O grupo Votorantim Industrial, adquiriu em 2008 a parte do grupo Lorenzen, desta forma se tornando o principal sócio da Aracruz. No segundo semestre de 2009, o Votorantim acabou de adquirir a totalidade da Aracruz, a seguir incorporada à Fibria, atual sócia da StoraEnso. A estrutura societária da Fibria é formada pelo Votorantim, com 29,3% do capital, pelo BNDES, com 34,9%, e pelo mercado, com 35,8% das ações.
Essa nova configuração do capital da Fibria e Veracel foi avaliada por Carlos Tautz, jornalista ambiental e pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos (IHU). Segundo ele, a nova estrutura social estaria abrindo a possibilidade de aumento da área de plantio da monocultura em cerca de 600 mil hectares. Tautz explica que isto significaria a intensificação da extração de recursos naturais, sob a forma de nutrientes do solo e água, para atender exclusivamente ao mercado internacional. O jornalista também estranhou a participação do BNDES no negócio:
Não sei se foram somente esses interesses republicanos que levaram à injeção dessa montanha de recursos do BNDES na Votorantim para a compra da Aracruz Celulose. (…) Com a crise econômica, eles tiveram perdas enormes. Só isso já coloca um senão muito grande. Inclusive porque o BNDES já era acionista da Aracruz. Então, ele sabia rigorosamente qual era a situação da empresa. (…) para quê emprestar R$ 2,400 bilhões para uma empresa que se gaba de ter em caixa 8 bilhões de reais Isso há de ser questionado ao presidente do Banco, Luciano Coutinho, que, quando assumiu em 2007, disse publicamente que iria rever todo o tipo de relação que o BNDES tinha com as empresas de celulose, devido às denúncias de violação de direitos ambientais e sociais.
Mesmo que a empresa tenha sofrido alguns reveses, os danos causados por sua atuação sobre as comunidades tradicionais estão longe de ser mitigados e tanto o conflito, quanto suas consequências para a saúde e o modo de vida dessas populações pode ainda permanecer por longo tempo.
Em julho de 2011, Flavia Bernardes, do jornal Século Diário, publicou novas irregularidades contra a atuação da empresa na região, a partir de denúncias apresentadas pelo Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (Cepedes) em relação a um estudo de impacto ambiental elaborado pela empresa Cepemar para consubstanciar o licenciamento ambiental para ampliação das atividades da empresa na região. De acordo com o Cepedes, o EIA apresentado pela empresa estaria repleto de falhas, omissões e ilegalidades, mas ele não seria apreciado pelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Cepram) devido a uma mudança na legislação estadual que permitiu que toda decisão final sobre o processo de licenciamento ficasse concentrada no Secretário Estadual de Meio Ambiente.
Segundo Bernardes, o afastamento do CEPRAM do processo teria deixado os conselheiros descontentes, pois se viram alijados de suas prerrogativas. No mês seguinte foi realizada uma audiência pública para discutir o projeto com a população de Itapetinga (que, junto com os municípios de Encruzilhada, Itarantim, Macarani, Maiquinique, Potiraguá e Santa Luzia, estava nos planos da empresa para se projeto de xpansão das plantações em 107 mil hectares). De acordo com Diacisio Ribeiro Leite, agente da Comissão Pastoral da Terra, menos uma espaço de discussão sobre os possíveis impactos do empreendimento, a audiência se configurou com um espaço de convencimento da empresa em relação às comunidades, na análise da CPT, subvertendo seus objetivos.
Nas palavras de Leite: [A Veracel] utilizou quase a totalidade do tempo que dispunha para a exposição tentando vender a imagem de empresa ecológica e socialmente responsável, e do projeto como uma grande redenção para a região, por se tratar de um empreendimento altamente viável do ponto de vista econômico e ambiental.
Leite também destacou que, entre os representantes dos movimentos sociais ali presentes (MST, CETA, MPA) e entidades civis (CPT, CEAS), houve diversas intervenções contrárias à proposta de expansão da monocultura de eucalipto na região. Afirmou ele: Entre os argumentos para sustentar o posicionamento foram citadas as inúmeras falhas no relatório de Impacto ambiental, que omite e/ou subdimensiona os impactos sócio ambientais, como por exemplo: contaminação com resíduos de agrotóxicos (herbicidas e inseticidas) da Bacia do Rio Pardo e seus principais afluentes (Rios Verruga, Maiquinique, Manjerona, Catolé, Córrego do Nado e Água Preta); redução da produção de alimentos, sobretudo mandioca, carne e leite (52 % da produção pela Agricultura Familiar); e suas repercussões no aumento dos custos da cesta básica e na inflação, considerando a substituição das culturas tradicionais pela monocultura de eucalipto; desequilíbrio do balanço hídrico, contaminação do solo, dos lençóis dágua e dos trabalhadores por agrotóxicos utilizados pela empresa, a exemplo do glifosato e sulfuramida.
Não queremos eucalipto. Queremos terra para poder plantar alimentos e abastecer a mesa do povo da cidade, inclusive dos donos destas empresas. Não comemos madeira de eucalipto! Não somos cupins!, desabafou Sr. Domigos, trabalhador rural acampado no município de Macarani.
Cerca de um ano depois, denúncias dos pescadores do Extremo Sul da Bahia, organizados em torno do Movimento dos Pescadores e Pescadoras do Brasil (MPP), trouxeram a público os impactos das atividades da empresa sobre as comunidades costeiras. Dessa vez, o foco de críticas estava relacionado a mudanças no trajeto realizado pela barcaça, que naquela ocasião estava navegando a menos de 30 milhas da costa e trazendo impactos à atividade pesqueira da região.
Pescadores dos municípios de Belmonte, Santa Cruz Cabrália (Guaiú, Santo Antonio, Coroa Vermelha), Porto Seguro, Caravelas, Prado, Alcobaça, Caraiva, Corumbau e Cumuruxatiba reclamaram do trajeto escolhido pela empresa, na sua maior parte a 14 milhas da costa, entre o terminal marítimo de Belmonte, na Bahia, até o porto de Portocel, no Espírito Santo, o que provocaria danos às redes, espinheis e outros petrechos de pesca, além de impactos sobre formações de corais no litoral.
Na ocasião, o pescador Alexandro Marinho, da vila de Santo Antonio (Santa Cruz Cabrália) denunciou que as barcaças estavam passando a sete milhas da costa, próximo aos recifes de Araripe. Antes, havia quantidade e variedade de pescados; hoje, o pescado sumiu. Se continuar assim, vamos ter que deixar a profissão, declarou.
Os pescadores e pescadoras do Extremo Sul da Bahia também reclamavam a criação de uma Escola Técnica Profissionalizante, que permitisse a inclusão dessa comunidade, as marisqueiras e seus filhos nos projetos turísticos e industriais que se instalam na região, como forma de mitigação dos graves impactos sobre a atividade, e que permitisse às famílias possuírem alternativas de geração de renda, já que geralmente os empreendimentos ali instalados, apesar de os impactarem, não absorvem mão de obra local, exceto para as posições menos qualificadas, sob o argumento de falta de capacitação dos moradores e moradoras.
Em janeiro de 2013, a repórter Isabel Harari, da revista Caros Amigos, divulgou que trabalhadores rurais do Movimento Luta pela Terra (MLT) e do acampamento Baixa Verde, no sul da Bahia, estariam sendo ameaçados por homens armados associados a integrantes da Federação dos Trabalhadores na Agricultura da Bahia (FETAG-BA), que naquela região apoiavam a expansão da monocultura do eucalipto. Os acampados do MLT, cerca de 90 famílias, disputavam desde 2010 terras com a Veracel na região.
De acordo com Harari: Boletins de Ocorrência relatam ameaças verbais e físicas, roubo de animais e depredação de cercas, entre outros abusos. Em agosto de 2012, por exemplo, trabalhadores do acampamento foram impedidos de exercer seu serviço por um grupo de 12 pessoas portadoras de foices e facões, que ameaçavam atear fogo no trator se os moradores do acampamento Baixa Verde tentassem continuar seu trabalho. Na ocasião, o líder do grupo foi identificado como o diretor da Fetag, Ailton Queiroz Lisboa.
O coordenador do MLT, Juenildo Oliveira Farias, afirmou ter sofrido um atentado em outubro do ano anterior em consequência do conflito: Uma moto veio em direção ao veículo que dirigia, obrigando-o a desviar e, consequentemente, capotar o carro. Desde então, ele e sua família sofrem ameaças de morte. Todos os acontecimentos são notificados às autoridades. Cartas e cópias de ocorrências foram entregues às Polícias Civil e Militar da Bahia, Ministério Público Estadual, Secretaria de Segurança Pública, Ministério da Justiça, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Polícia Federal. Ainda assim, nenhuma providência foi tomada pelos órgãos oficiais.
O diretor da FETAG baiana negou as acusações do MLT: Segundo ele, a Fetag tem um histórico de luta pela terra e atualmente, por meio do governo do Estado, negocia a posse de novos lotes para as famílias cadastradas: O nosso diálogo é com o governo, não com a Veracel, disse. Se Veracel quiser doar terras, nós queremos, completou. Sobre as acusações acerca dos conflitos entre os participantes da Fetag e os moradores do Baixa Verde, declarou que Juenildo quer criar um fato para ficar com a área sozinho. Ailton disse que Juenildo possui um ponto de táxi em Anápolis, cujo alvará foi cedido em troca de um lote de terra, e que os donos – três fazendeiros -, além de pagarem aluguel sobre o pasto, são responsáveis pela quebra de cercas e a consequente perda de animais pertencentes às famílias da Fetag. Zuza quer colocar o pessoal da Fetag como bandidos. Ele é problemático, maluco e autoritário.
Última atualização em: 31 jan. 2014.
Fontes
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