BA – Comunidades lutam para reivindicar seus direitos e acelerar os processos de certificação e de titulação de terras, contra especulação e energia eólica

UF: BA

Município Atingido: Caetité (BA)

Outros Municípios: Caetité (BA), Guanambi (BA), Igaporã (BA), Licínio de Almeida (BA), Pindaí (BA), Tanque Novo (BA)

População: Agricultores familiares, Geraizeiros, Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Energia eólica, Especulação imobiliária, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição de recurso hídrico, Poluição sonora

Danos à Saúde: Acidentes, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

A cidade de Caetité, no Sudoeste Baiano, foi identificada pelo Atlas do Potencial Eólico do Estado da Bahia como o município com maior potencial de geração de energia eólica do estado. Empresas deste ramo passaram a receber incentivos do Governo do Estado da Bahia e também do governo federal através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Desde o ano de 2010 cresceram os investimentos de empresas geradoras de eólicas em Caetité e nos municípios da região. Ao todo, já foram erguidas mais de 240 torres de aerogeradores pela Renova Energia e pelo grupo Iberdrola, com a participação da Neoenergia, no município. Estas torres possuem cerca de 80 metros de altura, o que equivale a um prédio de 18 andares.

O Governo do Estado tem atraído a implantação desses empreendimentos e facilitando os processos de licenciamentos e de regularização fundiária em nome de empresas ou de terceiros.

Caetité, município predominantemente agrícola e de pequenos proprietários rurais, concentra 24 comunidades quilombolas. A chegada das empresas alterou drasticamente o ritmo de vida das populações, a paisagem, o uso da água e, principalmente, o uso tradicional da terra. Comunidades quilombolas e agricultores familiares (em grade parte quilombolas) tiveram suas terras ameaçadas por grilagem e foram pressionados a assinar contratos de arrendamento de suas propriedades para as empresas que colocam em dúvida princípios de lisura e transparência.

Algumas torres já foram instaladas, e outras ainda serão, em áreas de uso comum, ocupadas por comunidades de agricultores familiares e quilombolas há mais de 200 anos. Estes, agora, têm sua autonomia e suas terras ameaçadas, uma vez que estão impedidos de transitar, ou colocar o gado para pastar, nas terras onde existem torres.

As comunidades estão se organizando para reivindicar seus direitos e acelerar os processos de certificação de Comunidades Remanescentes de Quilombo junto à Fundação Cultural Palmares (FCP), e de titulação de terras junto ao Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Fora isso, há ainda a questão dos efeitos negativos dos parques de energia eólica, como veremos ao longo do texto.

Contexto Ampliado

O município de Caetité está localizado na região da Serra Geral da Bahia, sudoeste do estado da Bahia, a 757 quilômetros da capital Salvador. Seu nome é derivado da língua Tupi e quer dizer Caa (mata), Ita (pedra) e eté (grande), mata da pedra grande, referência a uma formação rochosa localizada a leste da cidade, conhecida por “Pedra Redonda”. De acordo com o censo demográfico de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possui uma população de 52.166 habitantes.

Caetité possui um total de 24 comunidades negras, segundo dados da própria prefeitura. Destas, dez (Contendas, Lagoa do Meio, Malhada, Mercês, Olho D’Água, Pau Ferro, Sambaíba, Sapé, Vargem do Sal e Vereda do Cais) já receberam a certificação de comunidades remanescentes de quilombo pela Fundação Cultural Palmares (FCP) entre os anos de 2010 e 2012; outras três tiveram processo aberto no ano de 2013 (Cangalha, Lagoa do Mato e Passagem de Areia), e uma (Lagedo de Ororca) está com processo desde 2007 junto à FCP, sem ter recebido ainda a certificação.

No entanto, apenas a Comunidade do Sapé possui processo aberto para titulação de terras junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), iniciado em 2011, sob o número 54160.001801/2011-40.

O município, segundo o IBGE, possui pecuária bastante expressiva, com rebanho bovino de mais de 32 mil cabeças; agricultura com produção de feijão, milho, baba, café, coco, laranja, algodão, alho, cana-de-açúcar, mandioca e mamona para biocombustível, dentre outros. Tem destaque, ainda, na economia do município a exploração mineral, pois o solo de Caetité conta com ricas jazidas de urânio, ametista, manganês e ferro, exploradas por empresas multinacionais. No municípío se localiza a única mina de urânio em produção no Brasil, uma unidade de mineração e beneficiamento de urânio que é explorada pela estatal Indústrias Nucleares do Brasil S.A (INB), cujos conflitos envolvendo impactos ambientais e à saúde da população já foi relatado neste Mapa. A mineração de ferro, pela Bamin, é causadora de outro conflito, também relatado no Mapa.

No entanto, outro setor tem movimentado a economia do município e recebido muita atenção por parte do poder público nacional e estadual: a geração de energia eólica. A Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA), juntamente com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), realizou um estudo, entre 1994 e 2001, para avaliar o potencial do estado da Bahia de geração de energia eólica. Como resultado deste estudo foi publicado o Atlas do Potencial Eólico do Estado da Bahia, cuja atualização de novembro de 2013 demonstrou que o Nordeste apresenta 52% da capacidade nacional de geração de energia por esta tecnologia, sendo que a Bahia tem potencial estimado em 14,5GW, o que representa 10,1% do potencial nacional e 19,3% do potencial da região Nordeste.

O estado da Bahia tem uma característica diferencial com relação aos demais estados nordestinos: seu potencial eólico está concentrado no interior, ao longo da margem direita do Rio São Francisco, e não no litoral. Dentre os municípios baianos, o estudo demonstrou que Caetité é aquele com maior potencial eólico, em intensidade e frequência dos ventos; aumentando, assim, a viabilidade de projetos deste setor para a cidade.

A partir de então, o município passou a ser assediado por empresas de geração de energia para a implantação de parques eólicos, além de agentes de especulação imobiliária, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), que pressionam as comunidades e lhes tiram a autonomia sobre o território.

Segundo o site do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), com dados de agosto de 2013, o estado da Bahia possui 52 empreendimentos de geração de energia eólica em implantação. Destes, 14 parques estão localizados no município de Caetité, em diferentes estágios de implantação e sob responsabilidade de diferentes empresas.

Da empresa Renova Energia S. A., são oito parques: Ametista, Caetité, Borga, Serra do Espinhaço e Maron em licitação de obras e Caetité 2 e 3 e Pilões já em obras. A empresa Salvador Eólicas Participações S. A possui três parques: Alvorada, Pajeú do Vento e Planaltina, todos em obras. Há ainda a Brazil Energy – cujo parque de Inhambu está em licitação – e a Centrais Elétricas Seraima Ltda., cujo parque Seraíma já está em obras.

No ano de 2002, o Brasil enfrentou uma crise energética que atraiu o interesse do grupo espanhol Iberdrola, que apresentou projeto para instalação de um complexo gerador de energia eólica no município, composto por 130 geradores. À época, o governo federal, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), não aprovou o financiamento do projeto, avaliado em R$550 milhões.

O projeto não avançou, até que em 2008 o assunto voltou à ordem do dia, quando, em 28 de abril de 2008, o Governo do Estado da Bahia anunciou que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já havia outorgado a implantação de quatro parques eólicos nos municípios de Caetité, Conde, Mucuri, e Jandaíra, mas que ainda não são aproveitados devido à falta de leilões específicos da Aneel para o aproveitamento desta energia.

Em 10 de março de 2009, o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cepram) aprovou a Licença de Localização (LL) do projeto da empresa Renova Energia para a instalação de um parque eólico na região sudoeste do estado, entre Caetité, Igaporã e Guanabi – o Parque Alto Sertão I. São quase R$ 800 milhões de investimento, com financiamento do BNDES, para o parque que ocuparia uma área de 20 quilômetros com sete usinas dotadas de aerogeradores.

Desde este momento, o governo do estado se mostrou inclinado a favorecer este tipo de investimento. Segundo reportagem da assessoria de imprensa do órgão, o Instituto do Meio Ambiente (antigo IMA, atual INEMA) iria preparar uma norma específica para agilizar futuros pedidos de licenciamento ambiental de empreendimentos que produzam energia alternativa, como as usinas eólicas.

Desde 2010, muitas outras empresas estão investindo em Caetité e nos municípios da região, como Guanambi, Pindaí, Licínio de Almeida, Igaporã e Tanque Novo, buscando se inserir neste mercado, que recebe amplo incentivo do governo federal através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Tal fato gerou uma mudança radical com alterações bruscas nas paisagens e modo de vida das populações do campo e da cidade.

Somam-se às consequências socioambientais dos parques eólicos os impactos no município causados pela mineração de urânio já mencionada e pela implantação de uma nova unidade de mineração, o Projeto Pedra de Ferro da empresa Bahia Mineração (Bamin), já mencionado. Esse novo ciclo econômico trouxe ameaças, segundo a CPT, de perda de território tradicional, migração forçada, grilagem de terras, aumento da urbanização, aumento da população, falta dágua, violência, dentre outras.

A grilagem de terra gera conflitos e insegurança, com casos de cercas derrubadas, casas demolidas, expulsão de famílias de suas terras. Foi o caso da Comunidade Quilombola Malhada de Maniaçu, cujas terras têm fortes indícios de terem sido griladas por um suposto proprietário que as vendeu à Renova Energia. As cerca de 40 famílias da comunidade ocupam a área há mais de 200 anos; o suposto dono, Elder Guimarães, até então inexistia.

Depois de quase dois anos de iniciado o processo, o IMA liberou a Licença de Instalação de oito parques eólicos da Renova Energia (Complexo Alto Sertão I), em 31 de janeiro de 2011, o que permitiu o início da construção dos mesmos. Juntos, os parques formarão o maior complexo eólico do país.

Os primeiros parques seriam implantados no município de Caetité, sendo eles: o da Alvorada, com 7,5 MW; o de Pajeú do Vento, com 24 MW; o de Planaltina, com 25,5 MW; e o do Rio Verde, com 30 MW. As obras tiveram início, segundo o Governo do Estado, no dia 24 de fevereiro de 2011. O consórcio Queiroz Galvão e Mercúrios executou a obr de engenharia dos parques eólicos de Alto Sertão I.

Durante o mês de abril de 2011, o governo do estado divulgou que o IMA vinha realizando oficinas, junto às comunidades, preparatórias para as audiências públicas. No entanto, não foram divulgados publicamente registros oficiais, ou notícias, sobre a realização das audiências em Caetité, indicando falta de transparência na forma como foi desenvolvido o processo de implementação do empreendimento.

Sobre as audiências e a forma de relacionamento da empresa com a população, D. Santina Fernandes Matos, agricultora e moradora da comunidade de Aguani, afirmou em depoimento para o Documentário Energia Eólica: a caçada pelos ventos!, de Thomas Bauer: A chegada da empresa, chegaram já mandando o pessoal assinar o contrato, o pessoal assinaram [sic]. Quando foi reler o contrato ai já não tinha mais jeito. […] Barulho das bombas, poeira, a água suja e, quando teve a primeira audiência em Caetité, eles não explicaram nada pra gente, agora o gado não pode ir lá e nem o gado pode passar.

Segundo afirmou João Portela, Secretário de Meio Ambiente de Caetité, no mesmo documentário, o acordo firmado com a Renova Energia era de que as pessoas poderiam utilizar tanto a estrada antiga, quanto a nova construída pela empresa, o que não aconteceu.

João Portela afirmou ainda que o empreendimento traz também impactos, não tem dúvidas! Quem disser o contrário está redondamente enganado. […] Para instalar a torre tem [que] tirar a mata que está ali, de que porte for; […] tem também a rota de migração dos pássaros que será prejudicada; […] sem falar nos impactos sociais, que esses são complicados, inclusive. […] Você aglomera mais pessoas numa região onde não existia [muita] gente, isso traz um certo impacto pra população que já viva ali. Há um aumento da criminalidade, não tenho dúvida; aumento do custo de vida.

No leilão realizado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em 18 de agosto de 2011, 18 novos projetos foram adquiridos para a Bahia, sendo nove deles pela Renova Energia.

O caso da comunidade Malhada de Maniaçu foi discutido em reunião entre o suposto proprietário, moradores, a Renova Energia e a Comissão de Meio Ambiente de Caetité, realizada em 07 de março de 2012. Na ocasião, segundo a CPT, Elder Guimarães afirmou ter comprado as terras do senhor Benvindo cerca de dez anos antes. No entanto, foi contestado pelos moradores: Minha criação, o poço pra meus animais beber água, está tudo dentro onde hoje esse senhor que está aqui diz que é dono, afirmou D. Onetinha; e o senhor Silvano declarou: Nasci e me criei aqui, meu pai morreu com 85 anos, eu trouxe de dentro desta área muitas bruacas de mandioca.

Em junho de 2012, segundo o EcoDebate, a diretoria do BNDES aprovou financiamento de R$ 378 milhões para a construção de cinco parques eólicos na Bahia e no Rio Grande do Norte. Dentre eles, mais um parque em Caetité, da Força Eólica do Brasil, controlada pelas empresas Neoenergia e Iberdrola.

Com as obras concluídas, o Parque Alto Sertão I foi inaugurado no dia 09 de julho de 2012, conforme previsto. Esse complexo, composto por 14 parques eólicos e 184 aerogeradores, com capacidade instalada de 293,6 MW, é considerado o maior da América Latina, com capacidade para abastecer uma cidade com aproximadamente dois milhões de habitantes. O investimento foi de R$ 1,2 bilhão, maior do que o estimando inicialmente.

Em 09 de setembro de 2012, cerca de 100 representantes de diferentes comunidades quilombolas receberam a visita de enviados da FCP, do Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (INEMA) e da Secretaria de Promoção da Igualdade do Estado da Bahia (SEPROMI), para uma reunião na comunidade de Malhada, distrito de Maniaçu. A reunião teve como objetivo discutir o processo de autorreconhecimento quilombola desta comunidade que transitava no órgão, mas a pauta acabou se estendendo para a discussão sobre a instalação das empresas de energia eólica na região, como a EPP energia, Polimix e Atlantic.

A Comissão Pastoral da Terra da Bahia (CPT/BA), que participou da reunião, informou que as empresas desrespeitam o modo de vida tradicional das comunidades, pois estão adquirindo terras de uso coletivo, realizando contratos de arrendamento que não resguardam os direitos fundamentais dos trabalhadores, pressionando para que os quilombolas assinassem como confrontantes da empresa, assediando moradores e lideranças com protocolo de intenção, dividindo assim as comunidades.

Os moradores não ficaram satisfeitos com o desfecho da reunião, pois – apesar de o representante da FCP, Alexandre Reis, ter relatado os direitos quilombolas baseados em normativas como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e afirmado que a ausência ou deficiência em processos de licenciamento ambiental que envolvam áreas quilombolas devem ser denunciados ao órgão -, ao final, segundo a CPT, se colocou favorável a esse tipo de desenvolvimento que vem atropelando o modo de vida destas comunidades.

Em resposta, as comunidades reafirmaram sua identidade negra e a liberdade com relação ao uso da terra; responsabilizando as empresas e o Estado pelas dificuldades em garantir o direito à terra de seus filhos.

Em 30 de setembro deste ano, de acordo com nota do Combate Racismo Ambiental, o empreendimento do Consórcio da Iberdrola e da Neoenergia já estava em construção. Este parque terá 100 torres aerogeradoras. Segundo Thomas Bauer, que visitou o canteiro de obras, a região, os gerais, é o berço da água que abastece a cidade de Caetité e historicamente foi utilizada como área de solta para criar o gado na época da estiagem. Resta saber se com a instalação deste e outros Parques na região o povo ainda vai ter acesso.

De acordo com Gilmar Santos, também da CPT, o processo de construção das usinas eólicas é baseado no discurso do ambientalmente correto; no entanto, esconde práticas socialmente injustas, como invasão de propriedades, apropriação de territórios tradicionais, desmatamentos desenfreados, perfuração de poços (estagnação do lençol freático), comprometimento de corpos hídricos, contratos duvidosos, entre outros.

Os contratos celebrados entre as empresas e os proprietários de terra ou posseiros eram bastante duvidosos, segundo a análise da CPT e da Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais (AATR), pois colocavam em dúvida os princípios da lisura e da transparência. Segundo matéria da CPT, os trabalhadores rurais se sentiram pressionados a assinar os contratos, sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário da empresa proponente.

Tal afirmação era expressa na Cláusula Oitava do contrato da Renova Energia: Este contrato tem caráter de confidencialidade e deverá ser mantido em sigilo entre as partes, não devendo ser divulgado a terceiros fora do âmbito estabelecido nesse contrato. A advogada da AATR, Tatiana Emilia Dias Gomes, afirmou no documentário já mencionado que os contratos, em geral, eram abusivos e continham várias cláusulas que traziam mais vantagens para a empresa do que para os trabalhadores rurais que o assinavam, como esta cláusula de sigilo. A advogada afirmou que:

Alguns contratos têm uma clausula bastante problemática sobre a não publicização do conteúdo destes contratos, cláusula de sigilo, só que isso não corresponde a um princípio do contrato, que é o princípio da publicidade, e também à função social que esses contratos devem ter perante a sociedade; não tem como haver monitoramento ou avaliação por parte de outras pessoas que também vão ser impactadas pelo que está sendo contratado.

Além deste, Tatiana acrescentou ainda outros problemas dos contratos: estabelecimento de multas altíssimas no caso de descumprimento de qualquer cláusula pelos agricultores, com casos de valores estabelecidos em até 20 milhões de reais, o que está muito acima da renda mensal de qualquer trabalhador rural.

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Soma-se a estes valores o prazo de duração dos contratos de arrendamento de terra, que pode chegar a 50 anos, com renovação automática. Ou seja, findo o prazo ele se renova automaticamente, independente da vontade do proprietário. Para a advogada, se a relação for conflituosa durante o prazo de duração, essa situação de conflito pode perdurar para as gerações futuras, visto o prazo longo e a renovação automática.

Gilmar analisou que a maioria dos trabalhadores desconhecia o conteúdo do contrato, com cláusulas (da Renova Energia) que colocavam em risco a autonomia dos moradores em suas terras. Além das mencionadas acima, ainda existe outra que afirma: (iii) o imóvel não estará localizado em áreas onde existam quaisquer comunidades indígenas, comunidades constituídas por remanescentes de quilombos ou outras comunidades tradicionais com direitos de reivindicação de propriedades.

No entanto, é exatamente em áreas de uso comum de comunidades tradicionais, com fortes características de terras devolutas, que os aerogeradores foram instalados. Os moradores, que há muitos anos utilizavam estas áreas e que por direito deveriam deter a posse destas terras, segundo a CPT, perderam o acesso a áreas de solta do gado, tendo prejuízos de ordem social e econômica, como vimos anteriormente no depoimento de D. Firmina.

Essas áreas, os gerais, apesar da importância ecológica dada a grande quantidade de mananciais de água existentes, sofrem com intensos desmatamentos para construção das torres e estradas de acesso aos parques, diminuindo drasticamente a reserva de água do município de Caetité.

A cada proprietário que arrendasse suas terras, seria pago o valor anual de R$ 5.000 por cada torre instalada. A CPT analisou que:

Considerando o potencial de cada torre (1,6 MW/HORA), em um único dia de funcionamento, uma torre gera R$ 4.070,40 (valor bruto). Em resumo, num único dia de funcionamento, uma torre praticamente pagaria o valor de um ano de contrato do proprietário da terra. Isso prova que o lucro e a riqueza propagandeada são apenas exclusividade da empresa, que acumula toda a riqueza e gera, com sua presença, o aumento das desigualdades econômicas e sociais.

Dados da CPT de agosto de 2013 indicam que eram cinco as empresas em atuação no município de Caetité à época: Renova Energia, Iberdrola/Neoenergia, Polimix, Atlantic e EPP. Estas empresas integram grandes grupos transnacionais e econômicos que atuam no setor de energia eólica. Como visto nos dados do Ministério do Planejamento, através do PAC, os grupos Iberdrola/Neoenergia e Renova Energia já iniciaram a implantação das torres e, segundo a CPT, correm para o licenciamento dos próximos parques, enquanto as demais [estavam] na fase de estudos e na corrida pela celebração dos contratos junto aos proprietários de terra.

Os parques que já foram implantados ainda não entraram em operação, pois a infraestrutura necessária à transmissão da energia produzida ao sistema nacional de distribuição não está concluída. Esta parte do circuito não é de responsabilidade das empresas e sim do governo federal, através da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF). Segundo a CPT, o atraso da operação pela ausência de 100 quilômetros de linhas de transmissão, que trouxe prejuízos às empresas, vem sendo mitigado mediante pagamento de multa por não cumprimento dos prazos no valor mensal de R$ 33,6 milhões desde julho de 2012.

De acordo com o site Bahia Negócios, quando questionado sobre o fato, o diretor da Aneel, Romeu Rufino, confirmou que houve um descasamento entre a entrega das usinas e do sistema de transmissão e que, por isso, alguns cronogramas de empreendimentos marcados para setembro de 2013 foram estendidos para janeiro de 2015. Mas não há maiores informações sobre o prazo de conclusão das obras das linhas de transmissão.

Além dos impactos da fase de implantação aqui mencionados, outros podem ocorrem quando os parques entrarem em operação. O principal é o impacto sonoro devido ao ruído dos motores. Outro impacto negativo é a possibilidade de interferências eletromagnéticas, que podem causar perturbações nos sistemas de comunicação e transmissão de dados, segundo o Atlas do Potencial Eólico. O efeito deste campo eletromagnético sobre a saúde humana, no entanto, ainda não possui conclusões científicas.

Cronologia

2002 – Grupo espanhol Iberdrola apresenta projeto para instalação de complexo gerador de energia eólica em Caetité, mas o BNDES não aprova o financiamento.

2008 – Governo do Estado da Bahia anuncia que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) outorgou a implantação de quatro parques no Estado.

10 de março de 2009 – Conselho Estadual de Meio Ambiente (Cepram) aprova a Licença de Localização do projeto da empresa Renova Energia para a instalação do Complexo Alto Sertão I.

2010 – Cresce o assédio de empresas aos municípios da região.

2011 – Comunidade Remanescente Quilombola do Sapé abre processo para titulação de terras junto ao INCRA.

31 de janeiro de 2011 – Liberada a Licença de Instalação do Complexo Alto Sertão I da Renova Energia.

24 de fevereiro de 2011 – Iniciadas as obras Complexo Alto Sertão I.

07 de março de 2012 – Reunião com a comunidade Malhada de Maniaçu sobre o conflito de grilagem de terras.

09 de julho de 2012- Complexo Alto Sertão I é inaugurado.

09 de setembro de 2012 – Representantes de comunidades quilombolas recebem a Fundação Cultural Palmares para tratar de reconhecimento e titulação de terras.

30 de setembro de 2012 – Empreendimento do Consórcio da Iberdrola e da Neoenergia em construção.

Fontes

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COMBATE RACISMO AMBIENTAL. BA Ao urânio se soma agora a limpa energia eólica no ataque a Caetité. Viva o progresso! 01/10/2012. Disponível em: http://goo.gl/8ePZdm. Acessado em: 03 jan. 2014.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. O avanço do capital e sua influência nos modos de vida das populações tradicionais no município de Caetité (BA). 13/08/2013. Disponível em: http://goo.gl/r7zd7o. Acessado em: 03 jan. 2014.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – BAHIA. Quilombolas de Caetité na luta contra a instalação de parques eólicos. 13/09/2012. Disponível em: http://goo.gl/mLGq88. Acessado em: 03 jan. 2014.

COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA. Atlas do Potencial Eólico do Estado da Bahia. Disponível em: http://goo.gl/pQgB3b. Acessado em: 03 jan. 2014.

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______. IMA libera Licença de Implantação para oito parques eólicos no interior baiano. 03/02/2011. Disponível em: http://goo.gl/9RHuC0. Acessado em: 03 jan. 2014.

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______. Região Sudoeste da Bahia vai ganhar parque eólico. 10/03/2009. Disponível em: http://goo.gl/9Pdbhf. Acessado em: 03 jan. 2014.

______. Sudoeste Baiano terá um dos maiores complexos eólicos do Brasil. 25/04/2011. Disponível em: http://goo.gl/OVtLoy. Acessado em: 04 jan. 2014.

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Filmes:

Energia Eólica: a caçada dos Ventos. De Thomas Bauer, Maio de 2013. Disponível em: http://goo.gl/ID1Qow. Acessado em: 05 jan. 2014.

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