AP – Solução da Comunidade Quilombola do Ambé caminha a passos lentos

UF: AP

Município Atingido: Macapá (AP)

Outros Municípios: Macapá (AP)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

Tradicionais moradores do Lago Ambé, os quilombolas do Quilombo do Ambé, em Macapá, se veem pressionados por posseiros que atualmente ocupam suas terras e impõem restrições à exploração tradicional de seu próprio território, limitando seu acesso aos recursos naturais através da construção de cercas e até de ações violentas. Estes pretensos proprietários privadas do tradicional território do Quilombo do Ambé são favorecidos pela morosidade com que a questão tem sido tratada pelos órgãos federais responsáveis pelo reconhecimento e titulação dos territórios quilombolas no Brasil.


A atuação da Fundação Cultural Palmares (FCP) tem pecado pela mesma morosidade com que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) tem conduzido a questão. Enquanto o processo de regularização fundiária está parado no Incra, devido à falta de antropólogos para realizar o estudo de identificação e delimitação da área a ser titulada (até hoje não se sabe a real extensão do território quilombola do Ambé), o processo de reconhecimento da comunidade segue ritmo lento na FCP, desde novembro de 2007.


Isso significa que a comunidade do Ambé não tem seu território tradicional assegurado e que fica impedida de pleitear junto às instituições públicas e programas federais acesso a recursos destinados às comunidades quilombolas, que dependam da comprovação da titularidade da terra para serem viabilizados. Essa comunidade tem encontrado no Ministério Público (tanto Estadual, quanto Federal) o principal aliado na luta pela garantia de seus direitos territoriais. Seja através de reuniões ou ações judiciais, o MP tem atuado no sentido de pressionar as instituições responsáveis a agilizar o processo de titulação e reconhecimento e propiciar a essa comunidade uma segurança jurídica de que não dispõe nesse momento. A ameaça à sua integridade física e territorial é o principal fator de insegurança para os quilombolas do Ambé. A tensão a que estão sujeitos os vulnerabiliza diante da opressão de grupos de interesse, e a indefinição territorial é fator de insegurança alimentar, social e cultural. Seu modo de vida tradicional está ameaçado e com isso a sua própria reprodução física.

Contexto Ampliado

A situação dos quilombolas do Ambé não é exclusividade dessa comunidade. Por todo o Amapá, dezenas de comunidades remanescentes de quilombos veem seus territórios tradicionais serem diariamente ameaçados por grupos particulares (ou públicos) inescrupulosos e interessados em obter lucro com empreendimentos que desorganizam a estrutura social desses grupos e restringem o acesso aos recursos naturais que constituem a base de sua reprodução física e da sua relação cultural e espiritual com a natureza.


Apesar de haver uma dezena de comunidades quilombolas oficialmente reconhecidas no Amapá (sem contar aquelas que ainda lutam por esse reconhecimento), há apenas três comunidades tituladas no Estado. Essas três comunidades conseguiram sua titulação após um longo e conflituoso processo junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e sem maior apoio do poder público local ou federal. Se hoje algumas associações quilombolas podem contar com o título de propriedade dos territórios que tradicionalmente exploram, isso ocorreu apesar do papel do Estado nesse processo. A ineficiência e morosidade das instituições designadas para conduzir a regularização fundiária dessas comunidades tem se constituído mais como um fator de ampliação das injustiças sociais e ambientais já existentes, do que como forma de mitigá-las e garantir o acesso dessas comunidades aos recursos naturais e ao meio ambiente sadio de que necessitam para a manutenção de suas condições de vida e, consequentemente, de sua saúde coletiva.


No caso da comunidade do Ambé, os quilombolas da comunidade esperam desde 2007 pela oficialização do seu reconhecimento e pela titulação de suas terras. Nesse período, eles viram suas terras serem reduzidas paulatinamente pela ação de particulares. O Ministério Público Federal (MPF) aponta João Melo Picanço como o principal agente dessa expropriação. Segundo relatos da coordenadora nacional de quilombos no Amapá, Núbia de Souza, feito durante recente reunião no auditório do Ministério Público Estadual do Amapá (MPE/AP), uma cerca elétrica foi construída em um trecho do rio localizado no Ambé, vindo a impedir os moradores de pescarem e colocarem o gado para pastar próximo ao local. Em 2008, essa cerca foi objeto de ação judicial movida pelo MPF.


Desde abril de 2008, o MPF vem atuando no caso; em duas ocasiões, encaminhou recomendações ao INCRA para que acelerasse o processo de titulação das terras e para que a instituição celebrasse convênio com a Universidade Federal do Amapá (Unifap) para garantir profissional com especialização em antropologia, tendo como objetivo principal a elaboração dos relatórios necessários aos procedimentos técnicos de titulação da área. A recomendação do MPF condiciona a regularização da posse de terras na região à finalização do processo da comunidade. Isso visava evitar que a emissão de novas titulações pudesse servir de entrave à garantia dos direitos quilombolas. A recomendação de abril de 2008 dava prazo de 15 dias para que o INCRA a cumprisse. Este prazo não foi, entretanto respeitado.


A já citada reunião entre os quilombolas do Ambé e do Igarapé do Lago [município de Santana], no auditório do MPE em Macapá, aconteceu em julho de 2008, contando com a presença de representantes do INCRA, do Instituto de Meio Ambiente e Ordenamento Territorial (Imap), da Secretaria do Afrodescendente (Seafro) e do próprio MPE. Na ocasião foram feitas denúncias da atual situação da região e também de crimes ambientais cometidos na área, como queimadas e derrubadas de árvores. O evento se propunha a discutir um plano de ação que vise amenizar os conflitos nessas áreas. Na ocasião, ficou acertado que o INCRA/AP e o Imap ficariam encarregados em coibir essas ações nas áreas quilombolas. Ao Incra/AP também cabe a missão de realizar um cadastramento das pessoas que habitam nas localidades do Ambé e de Igarapé Mirim, possibilitando um levantamento das pessoas que de fato têm direito à propriedade nesses locais.


É necessário dizer que essas medidas nunca foram plenamente implementadas.


Sem uma resposta consistente do INCRA, o MPF ajuizou, em novembro de 2008, uma ação civil pública contra a instituição. Na ocasião o MPF justificou a proposição dessa ação da seguinte forma:


A ação do MPF no Amapá tem o objetivo de garantir os direitos da comunidade do Ambé, que tem sua posse assegurada pelo artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988. Porém, atualmente, os remanescentes de quilombo sofrem sérias ameaças de verem a extinção do seu legado étnico e cultural, motivada pelas demarcações ilegais na região.


Isso quer dizer que, cerca de cinco meses depois de se comprometer a fiscalizar e regularizar a situação dos territórios quilombolas, o INCRA sequer tinha um plano de ação para a demanda e estava sendo processado por não cumprir com suas responsabilidades institucionais. Na mesma ocasião o MPF também exigiu a retirada das cercas que impediam o acesso dos quilombolas a áreas essenciais de seu território, pedindo que a Justiça Federal definisse multas diárias para o descumprimento da determinação.


Esses fatos são apenas alguns exemplos da árdua luta que se tornou a garantia dos direitos territoriais das comunidades quilombolas e de como a execução das determinações constitucionais esbarra na inércia e na ineficácia de um aparato burocrático que somente amplifica toda a injustiça a que essas comunidades estão sujeitas.


A partir de 2010, as comunidades quilombolas de Macapá também passaram a ser ameaçadas pela instalação de linhas de transmissão de energia em seus territórios. Além da comunidade do Ambé, as intervenções do setor de energia também envolviam as comunidades de Torrão do Matapi, Campina Grande, Ilha Redonda, Curralinho, Rosa, Curiaú, Conceição do Macacoari, Lagoa dos Índios, Coração e Kulumbú do Patuazinho.


Por esse motivo, em 11 de janeiro, a Fundação Cultural Palmares (FCP) iniciou uma rodada de reuniões com essas comunidades que durou quatro dias. O encontro tratou do processo de licenciamento ambiental e dos impactos da implantação das linhas de transmissão.


De acordo com nota da FCP: A partir das discussões foi formada a comissão Frente dos Atingidos do Linhão do Tucuruí, uma das instâncias de interlocução das cinco comunidades quilombolas – Torrão do Matapi, Campina Grande, Ilha Redonda, Curralinho e Rosa – identificadas pelo estudo e relatório de impacto ambiental – EIA/Rima – como localizadas na área de influência direta das linhas de transmissão 500 kv Jurupari/PA-Oriximiná/PA e 230 kv Jurupari/PA-Laranjal/AP-Macapá/AP.


Ao longo daquela semana, a comissão participou de vistoria in loco nas comunidades quilombolas diretamente atingidas pela construção das linhas de transmissão. A vistoria foi organizada pela empresa Isolux-Linhas de Macapá em parceria com a FCP e a participação da comissão Frente dos Atingidos do Linhão do Tucuruí. O principal objetivo da vistoria foi identificar a localização do projeto de implantação das linhas de transmissão, suas áreas de influência, faixa de servidão e os locais previstos para a implantação das torres. O trabalho foi realizado por meio da análise de mapas e visitas aos trechos mais próximos das comunidades quilombolas potencialmente afetadas.


Em agosto de 2012, uma nova vistoria foi realizada em algumas comunidades quilombolas da região, como Conceição de Macacoari, Ambé e São Pedro dos Bois; dessa vez, realizada pela Superintendência Estadual da Funasa do Amapá (Suest/AP) com um objetivo mais nobre: acompanhar o andamento das obras de construção de Módulos Sanitários Domiciliares (MSD) e de um Sistema Alternativo de Abastecimento de Água.


Apesar das ações pontuais do Governo Federal, foi somente em fevereiro de 2014 que a comunidade obteve sua primeira conquista no âmbito judicial em relação a seus direitos territoriais. Uma decisão da Justiça Federal estabeleceu a obrigação do INCRA em concluir o processo de regularizção da comunidade num prazo de três anos, sob pena de multa mensal de R$ 100 mil.


Além disso, a decisão determinou que João Melo Picanço, que se intitula proprietário da área, se abstivesse de promover qualquer trabalho ou benfeitoria até a regularização fundiária, reconhecendo que as terras pertencem à União. Durante o processo, foi comprovado que a licença de ocupação que ele possui lhe confere apenas preferência pela aquisição do lote, podendo o título ser cancelado, dentre outros motivos, quando houver necessidade ou utilidade pública.

Cronologia:


Abril de 2008: MPF encaminha recomendação a INCRA para que proceda a titulação do território quilombola do Ambé. Estabelece restrições à titulação privada de terras antes da conclusão do processo administrativo da comunidade.


Julho de 2008: Em reunião realizada no auditório do MPE/AP em Macapá, o MPF denuncia João Melo Picanço como o principal interessado na expropriação do território quilombola. INCRA e Imap são instados à atuação na fiscalização dos crimes ambientais cometidos por particulares nas terras quilombolas.


Novembro de 2008: MPF move ação civil pública para pressionar INCRA e outras instituições a agir em defesa da garantia dos direitos territoriais e ambientais da comunidade quilombola.


2010: Comunidades quilombolas do Amapá participam de discussões e vistoria na área de influência do Linhão de Tucuruí.


Agosto de 2012: FUNASA instala sistema de abastecimento de água – módulos sanitários – nas comunidades quilombolas do Ambé, Conceição de Macacoari e São Pedro dos Bois.


Fevereiro de 2014: Justiça Federal estabelece prazo para que INCRA conclua processo administrativo de titulação do território tradicional da comunidade do Ambé. Multa mensal de R$ 100 mil é definida para caso de não cumprimento do prazo.

Última atualização em: 09 jul. 2014.

Fontes

COMISSÃO PRÓ-ÍNDIO DE SÃO PAULO. Ficha Resumo do Território: Ambé. Disponível em: http://goo.gl/SHV4Wc. Acesso em: 16 abr. 2009.


FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Comunidades quilombolas do Amapá debatem licenciamento ambiental. 05 fev. 2010. Disponível em: <http://goo.gl/kvTA7E>. Acesso em: 07 jul. 2014.


FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. Funasa realiza visita técnica em áreas quilombolas no Amapá. 13 ago. 2012. Disponível em: <http://goo.gl/kvTA7E>. Acesso em: 07 jul. 2014.


MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Ação do MPF/AP pede celeridade na demarcação de terras remanescentes de quilombo. Disponível em: http://goo.gl/Rcpgrt. Acesso em: 16 abr. 2009.


______. Atuação do MPF/AP assegura regularização de terras da Comunidade Quilombola do Ambé. MPF, 05 fev. 2014. Disponível em: http://goo.gl/GrC4fL. Acesso em: 07 jul. 2014.


OBSERVATÓRIO QUILOMBOLA. Comunidades quilombolas são vítimas de conflitos agrários. Disponível em: http://goo.gl/7ObPSP. Acesso em: 16 abr. 2009.


______. MPF recomenda que Incra regularize terra ocupada pelo quilombo do Ambé. Disponível em: http://goo.gl/TXr9KN. Acesso em: 16 abr. 2009.

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