AL – Usineiros e políticos promovem trabalho em condições análogas à escravidão, na indústria da cana de açúcar
UF: AL
Município Atingido: União dos Palmares (AL)
Outros Municípios: Arapiraca (AL), Cajueiro (AL), Flexeiras (AL), Joaquim Gomes (AL), Marechal Deodoro (AL), Matriz de Camaragibe (AL), Messias (AL), Murici (AL), Novo Lino (AL), Paripueira (AL), Rio Largo (AL), Teotônio Vilela (AL), União dos Palmares (AL)
População: Trabalhadores rurais assalariados
Atividades Geradoras do Conflito: Monoculturas
Impactos Socioambientais: Desmatamento e/ou queimada, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Acidentes, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida
Síntese
Todos os anos cerca de 2.500 trabalhadores são resgatados do trabalho escravo ou em condições degradantes no setor sucroalcooleiro. É o setor que concentra o maior número de trabalhadores encontrados nessas condições, sendo responsável por cerca de 49% de todos os resgates efetuados pelo Grupo Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e por ações do Ministério Público do Trabalho (MPT). Segundo levantamento realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Estado de Alagoas é o terceiro no ranking anual dos estados com maior número de trabalhadores resgatados. Dados divulgados pela CPT, em 4 de fevereiro de 2009, apresentam o número de 656 trabalhadores encontrados em Alagoas, em 2008, em condições análogas à de escravidão. As plantações de cana-de-açúcar e as usinas de produção de açúcar e álcool concentram a maior parte dos casos no Estado, especialmente nos municípios do leste alagoano (Cajueiro, Flexeiras, Joaquim Gomes, Marechal Deodoro, Messias, Murici, Teotônio Vilela, Rio Largo, União dos Palmares, entre outros).
Essas condições permanecem, sobretudo, devido às ações dos grandes grupos econômicos e políticos do Estado, que, ao mesmo tempo em que exercem grande influência política local e nacionalmente, impedem que as ações dos órgãos fiscalizadores impactem diretamente sobre seus negócios. Não são incomuns anistias ou liminares que favoreçam esses grupos. O setor sucro-alcooleiro ainda é uma das atividades econômicas mais importantes de Alagoas e, não raro, seus proprietários e parentes se alternam nos poderes municipais, estadual e federal. Até mesmo a fazenda Seresta, da família do atual governador do Estado Teotônio Vilela Filho, segundo informação da agência Repórter Brasil, já foram alvo de ações e autuações do Ministério Público do Trabalho.
As atividades desses grupos não se restringem a Alagoas. A família Lyra, por exemplo, possui usinas de açúcar em Alagoas e em Minas Gerais, e é acusada de reproduzir, em ambos os estados, as mesmas práticas de injustiça e exploração de trabalhadores. A fazenda Laginha, em União dos Palmares, por exemplo, foi alvo de ações do MTE e de protesto dos trabalhadores rurais.
Os trabalhadores rurais têm recebido apoio de ongs, sindicatos, associações, entidades ligadas à igreja católica, da OAB e entidades governamentais diversas. Isso, contudo, não encerrou as práticas exercidas há séculos na região, como a escravidão por dívida, falta de equipamentos de proteção individual, inexistência de contratos de trabalho, jornadas de trabalho excessivas e pagamento valorado a baixo preço por tonelada de produção, forçando à prática de jornadas extenuantes de trabalho. As jornadas desumanas e as péssimas condições ambientais, instrumentais e sanitárias de trabalho sujeitam, desta forma, o trabalhador a diversas doenças e até mesmo ao óbito.
Contexto Ampliado
Apesar do poder político e econômico dos grandes usineiros alagoanos, que permanecem impunes e trabalham constantemente para manter a atual situação, várias entidades governamentais (especialmente aquelas ligadas à justiça do trabalho) e representantes da sociedade civil organizada alagoana e nacional têm se organizado para combater o trabalho escravo no Estado e para modificar as condições degradantes a que os trabalhadores rurais estão sujeitos.
A análise se restringe ao período posterior a 2006. Entretanto, a luta contra o trabalho escravo no Estado já se estende por várias décadas. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma das entidades que está lutando pelo fim das condições degradantes de trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar. A CPT tem atuado principalmente no apoio aos trabalhadores e na denúncia das condições de vida e dos impactos da exploração da mão-de-obra rural por grandes fazendeiros alagoanos. Ao denunciar a situação, a CPT tenta chamar a atenção da opinião pública nacional e internacional para o problema e as consequências sociais e trabalhistas que decorrem de uma situação insustentável.
Para tanto, a CPT realiza campanhas, produz relatórios anuais sobre o trabalho escravo no Brasil e lançou, recentemente, o documentário “Tabuleiro de cana, xadrez de cativeiro”, que foca na cadeia de eventos e situações que levam os trabalhadores rurais de Joaquim Gomes aos canaviais da região e de outros estados. A obra foi lançada no dia 16 de agosto em Maceió. Neste filme foram capturadas 25 horas de depoimentos dos trabalhadores do município enfatizando sua vulnerabilidade ao trabalho escravo, por estarem longe de suas famílias e, na maioria dos casos, sem condições de retorno aos seus locais de origem por conta própria.
Segundo a CPT, em Alagoas,
?o trabalho clandestino é uma prática ilegal ainda muito utilizada nos canaviais. Na tentativa de burlar as leis trabalhistas, as usinas que usufruem dessa mão-de-obra atribuem as responsabilidades ao empreiteiro, o que dificulta a aplicação das penalidades e desvia o foco dos verdadeiros responsáveis por essas violações. No acompanhamento feito pela CPT é numerosa a quantidade de trabalhadores rurais que nunca tiveram suas carteiras de trabalho assinadas. Nesses casos, um trabalhador que corta cana desde a adolescência é levado a esperar os 65 anos de idade para conseguir o benefício da aposentadoria?.
A sonegação dos direitos trabalhistas desses trabalhadores é apenas um dos aspectos da exploração de que são vítimas. A insalubridade dos alojamentos (e até mesmo o cerceamento de seu direito de ir e vir, justificados pela dívida que contraem antes e durante o período de permanência nos canaviais) são outros aspectos destacados pelo documentário.
Baixa escolaridade, falta de organização sindical, falta de informação, a violência dos patrões e seus prepostos, e até mesmo a miséria a que estão sujeitos nos municípios de origem faz com que esses trabalhadores raramente se rebelem contra os patrões ? apenas ocasionalmente isto ocorre. Os esporádicos episódios de protesto têm recebido o apoio de entidades governamentais encarregadas da fiscalização das relações de trabalho no Brasil, especialmente o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT).
Em novembro de 2007 um protesto (fechamento da BR 104 por mais de dez horas) realizado pelos trabalhadores da fazenda Laginha, do grupo João Lyra, em União dos Palmares, chamou atenção do MPT para as condições degradantes de trabalho do local. Na ocasião, o grupo João Lyra assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) comprometendo-se a fornecer novos equipamentos de proteção individual (EPIs) e proporcionar condições dignas de trabalho. Contudo, nada foi feito. Assim, quando fiscais do grupo móvel do MTE estiveram no local, em fevereiro de 2008, afirmaram ter encontrado um ?alojamento de alvenaria (…) muito sujo e fedido. Os trabalhadores não recebem colchões, mas espumas velhas, rasgadas, que quando se aperta com a mão, dá pra encostar um dedo no outro?. Além disso, permanecia o problema dos EPIs, que ?estavam muito danificados. Eram botas furadas, luvas, toucas e magotes rasgados. Encontramos trabalhadores que não tinham um equipamento sequer?. Cerca de 53 pessoas foram libertadas nesta operação.
Aparentemente, o grupo João Lyra não teme a Justiça do Trabalho. Afinal, não levou em conta TAC assinado junto ao MPT cerca de três meses antes da autuação do MTE. O conglomerado reúne dez empresas. Além da cana, atua nos setores automobilístico, de transportes aéreos e hospitalares, e é liderado pelo ex-deputado João Lyra, um dos políticos mais influentes de Alagoas. Em 2006, quando concorreu ao governo do Estado, ficou atrás apenas do atual governador Teotônio Vilela Filho.
Segundo o Repórter Brasil, ?a família Lyra é centenária e uma das mais ricas de Alagoas. O irmão do empresário, Carlos Lyra, é dono de outro grupo empresarial, que se declara o segundo maior produtor de açúcar do país. João Lyra também é pai de Thereza Collor, viúva de Pedro Collor, irmão do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello, e pai de Lurdinha Lyra, vice-prefeita de Maceió?.
Em fevereiro de 2008, auditores fiscais do trabalho (MPT) e agentes das polícias Federal e Federal Rodoviária desencadearam uma série de ações de fiscalização ? Operação Zumbi dos Palmares ? em um total de 15 usinas alagoanas, que levaram à elaboração de 12 ações civis públicas, por procuradores do Trabalho, em abril do mesmo ano. Algumas das fazendas foram interditadas e o caso foi apresentado por representante do Ministério Público na Conferência da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, na Suíça, de 25 de maio a 14 de junho. A denúncia-dossiê trataria da situação dos trabalhadores rurais nos canaviais alagoanos, com fotos, depoimentos e documentos sobre a exploração da mão-de-obra nas usinas e lavouras. O documento seria entregue por um à OIT, na conferência realizada em Genebra.
Esta operação também pôs em xeque a imparcialidade e independência da justiça federal em Alagoas, com relação aos grandes fazendeiros do Estado. Na mesma ocasião cerca de 400 trabalhadores foram libertados de condições semelhantes na fazenda Santa Clotilde, em Rio Largo. Entretanto, liminares concedidas pelas justiças federal e do trabalho impediram a paralisação do corte da cana, conforme solicitado pelos fiscais do MTE. Estas liminares foram contestadas pelo MPT, que considerou o caso da fazenda Laginha (a Usina Laginha é também ligada ao grupo João Lyra) o mais grave. A contestação baseou-se na defesa da inconstitucionalidade da decisão da justiça federal, que em princípio não deveria julgar questões trabalhistas.
As 12 ações civis públicas contra usinas e fazendas canavieiras, teve pedido de indenização pela lesão aos direitos difusos e coletivos dos cortadores de cana, fixado em R$ 20 milhões para cada empresa. A possibilidade de sofrer tamanha punição teria propiciado uma mudança de posição por parte das empresas. Segundo divulgado pelo MPT no mês seguinte as empresas já estariam se propondo a cumprir voluntariamente as normas dispostas na Norma Regulamentadora (NR 31) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O aceno de ?boa vontade? não significou entretanto o fim das injustiças. É pequena a possibilidade de uma mudança radical e repentina em práticas de muitas décadas por parte de grupos que atuam na certeza da impunidade.
A situação se repetiu em outras operações. Na operação realizada por força tarefa do MPT e fiscais do MTE nas usinas Capricho e Sumaúma, os fiscais encontraram trabalhadores dormindo no chão, ?grudados um no outro, igual a uma cela superlotada?. Nessa ocasião, cerca de 200 trabalhadores foram libertados.
Nos dias 22 e 25 de abril, a CPT, em parceria com o Sindicato dos Servidores da Justiça de Alagoas (Sindjus/AL) e Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), organizou, em Messias, a Jornada em Defesa de Terra e dos Direitos dos Canavieiros, com o objetivo de ?esclarecer aos canavieiros os seus direitos trabalhistas e combater a exploração do trabalho nas usinas?. No dia 28 de abril, em Maceió, o Fórum Regional do Meio Ambiente do Trabalho (Fromt), em parceria com a Procuradoria Regional do Trabalho de Alagoas (PRT), organizou o Seminário Alagoano sobre Saúde e Segurança no Trabalho, em comemoração ao Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho. O tema central do seminário foi o Trabalho Escravo nos Canaviais Alagoanos. O evento contou com o apoio da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), da Comissão Intersetorial de Saúde do Trabalhador e Conselho Nacional de Saúde (Cist/CNS), do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest)/Secretaria de Estado da Saúde, do Tribunal Regional do Trabalho, da Associação dos Magistrados Trabalhistas de Alagoas, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego e do Fundacentro de São Paulo.
A gravidade da situação em Alagoas levou a Associação dos Magistrados Trabalhistas de Alagoas (Amatra-AL), o Ministério Público do Trabalho e outras entidades da sociedade civil organizada a promoverem, no dia 17 de outubro de 2008, em Maceió, o Ato Nacional pela Aprovação da PEC do Trabalho Escravo. O objetivo da mobilização era coletar assinaturas para aprovação da Proposta de Emenda à Constituição 438/2001, que prevê o confisco de terras para fins de reforma agrária nos locais onde forem encontrados trabalhadores em condições análogas às de escravo. A aprovação desta emenda constitucional é considerada por estas entidades como um avanço necessário para aumentar a efetividade das ações de combate a este tipo de exploração.
Apesar da baixa efetividade dessas ações, e da permanência das condições de violação dos direitos trabalhistas e humanos dos chamados ?boias-frias? alagoanos, os trabalhos do MPT do Estado e das demais entidades locais têm recebido reconhecimento internacional. Em dezembro de 2008, a Anistia internacional anunciou que esse trabalho seria destaque no seu relatório anual sobre os direitos humanos no Brasil.
Assim, é possível afirmar que a luta contra o trabalho escravo nos canaviais alagoanos ainda não encontrou seu fim. Depende da permanente atuação dos órgãos fiscalizadores e da sociedade civil organizada para que num futuro próximo isto venha a ocorrer. Enquanto o privilégio político e poder econômico de determinados grupos se sobrepuserem à saúde do trabalhador e a legalidade esta situação pode permanecer.
Última atualização em: 14 de janeiro de 2010
Fontes
AÇÚCAR ÉTICO. O documentário Tabuleiro de cana, xadrez de cativeiro denuncia o aliciamento, as condições degradantes de trabalho em usinas regressistas de açúcar e álcool no Brasil. Disponível em: http://www.sucre-ethique.org/Documentario-denuncia-exploracao,284/. Acesso em 20 fev. 2009.
ALAGOAS 24 HORAS. Seminário discutirá trabalho em canaviais. Disponível em: http://www.alagoas24horas.com.br/conteudo/?vEditoria=Direitos+Humanos&vCod=44952/ . Acesso em 20 fev. 2009.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Alagoas é 3° lugar no ranking de trabalho escravo com 656 libertados. Disponível em: http://cptalagoas.blogspot.com/2009/02/alagoas-e-terceiro-lugar-no-ranking-de.html/ . Acesso em 20 fev. 2009.
____________. Município alagoano sedia evento em defesa da terra e dos direitos dos canavieiro. Disponível em: http://www.cptpe.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=1218 . Acesso em 20 fev. 2009.
GAZETA WEB. Trabalho escravo em Alagoas será denunciado na OIT. Disponível em: http://brasilcontraapedofilia.0freehosting.com/2008/03/15/trabalho-escravo-em-alagoas-sera-denunciado-na-oit/ . Acesso em 20 fev. 2009.
PORTAL ECODEBATE. Trabalho degradante: Mais de 450 pessoas são resgatadas de fazendas em Alagoas. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2008/02/28/trabalho-degradante-mais-de-450-pessoas-sao-resgatadas-de-fazendas-em-alagoas/ . Acesso em 20 fev. 2009.
PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO EM ALAGOAS. Entidades promovem ato nacional pela aprovação da PEC do Trabalho Escravo. Disponível em: http://www.prt19.mpt.gov.br/informativo/2008/out/16pec_trab_escravo.htm . Acesso em 20 fev. 2009.
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REPÓRTER BRASIL. Trabalho em usinas de Alagoas gera ações na Justiça e dossiê. Disponível em: http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1344 . Acesso em 20 fev. 2009.