Décadas após o assassinato de Chico Mendes, extrativistas continuam tendo que lutar por seus direitos em Xapuri

UF: AC

Município Atingido: Xapuri (AC)

Outros Municípios: Assis Brasil (AC), Brasiléia (AC), Capixaba (AC), Epitaciolândia (AC), Rio Branco (AC), Sena Madureira (AC)

População: Agricultores familiares, Extrativistas, Povos indígenas, Ribeirinhos, Seringueiros, Trabalhadores em atividades insalubres, Trabalhadores rurais assalariados, Trabalhadores rurais sem terra

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Especulação imobiliária, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Implantação de áreas protegidas, Indústria do turismo, Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas, Pecuária, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Poluição sonora, Precarização/riscos no ambiente de trabalho

Danos à Saúde: Acidentes, Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física, Violência – lesão corporal, Violência psicológica

Síntese

O início da década de 1980 no Acre foi particularmente importante para a visibilidade política dos povos e comunidades tradicionais da Floresta Amazônica, categoria que inclui seringueiros, camponeses, indígenas, dentre outros. Segundo o Decreto n° 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, estes são “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Inciso I, Art. 3º, Decreto 6.040/2007).

Essa visibilidade, que se deu por meio da organização política, favoreceu para que os seringueiros conquistassem alguns direitos. De acordo com Almeida (2004), assim como outros camponeses da floresta em uma série de lutas, eles alcançaram o direito de posse coletiva de florestas.

Esse direito se deu por meio da criação das Reservas Extrativistas (Resex), regulamentadas ainda na década de 1990, por meio do Decreto n° 98,897, de 30 de janeiro de 1990. No entanto, a proposta de criação das Resex foi formulada em 1985 pelo Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), entidade que o sindicalista Chico Mendes ajudou a fundar, mas precisou de cinco anos de lutas políticas para ser regulamentada pelo Estado brasileiro. Posteriormente, essa categoria de Unidade de Conservação (UC) foi incluída na Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc).

Atualmente, na Amazônia, existem 77 reservas extrativistas, segundo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (Cnuc) mantido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Essas UCs perfazem uma área de 15.877.776,15 hectares, distribuídas por nove estados, sendo eles: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

A Resex Chico Mendes compreende os municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia, Rio Branco, Sena Madureira e Xapuri. A coleta de castanha-do-brasil, a extração da borracha, a caça e a pesca não predatórias, bem como os roçados de arroz, feijão e mandioca para subsistência, fazem parte da rotina das populações extrativistas que vivem na Resex Chico Mendes. Conquistada a posse da terra, os extrativistas e trabalhadores rurais do Acre lutam por condições de vida dignas e sustentáveis.

Entretanto, toda a tentativa das comunidades tradicionais de se tornarem visíveis enquanto sujeitos de sua história, por meio de ações políticas com a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (atual Conselho Nacional das Populações Extrativistas), vem custando a vida de militantes, dente eles Chico Mendes (Francisco Alves Mendes Filho). O sindicalista morreu assassinado em dezembro de 1988 em razão de sua luta pelos direitos dos povos tradicionais.

Em 2008, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Xapuri, em carta denúncia, repudiou o caráter de perseguição e criminalização dos seringueiros e moradores da Resex Chico Mendes, efetuada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Por meio da operação denominada de “Reserva Legal”, moradores foram multados e outros ameaçados de serem retirados da Resex, acusados de estarem cometendo infrações ao meio ambiente, como queimadas e desmatamentos.

Apesar de ser contraditória ao projeto inicial de Resex, a pecuária vem se expandindo de forma avassaladora na Resex Chico Mendes – fenômeno chamado por Fittipaldy (2017)de “pecuarização da Resex”. Outra ameaça contra os extrativistas que fragiliza as lutas por seus direitos diz respeito aos projetos de incentivos aos serviços ambientais, que se inserem na lógica do mercado de carbono e da economia verde, tal como a Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+). Numa lógica inversa e perversa, criminaliza-se os extrativistas e pequenos agricultores, impondo-lhes restrições que justifiquem a venda do “direito de poluir” para grandes conglomerados corporativos multinacionais.

Esse cenário motivou a visita da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca) ao Acre entre novembro e dezembro de 2013, tendo Cristiane Faustino à frente da relatoria nessa época. Em setembro de 2015 foi lançado o Relatório “Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violação de direitos no Estado do Acre”, que apontou diversas violações de direitos humanos causadas pela economia verde no estado do Acre.

Outras polêmicas ganharam repercussão no Acre envolvendo diretamente a vida dos extrativistas em Xapuri. O Manejo Florestal Comunitário Madeireiro – projeto que se insere na política de desenvolvimento sustentável adotada pelo Governo do estado do Acre na década de 1990 – também é um tema que tem suscitado conflitos na região. Um velho ditado diz que “alguns veem a árvore, mas não veem a floresta”.

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), a Resex Chico Mendes foi a terceira área de proteção com maior desmatamento do Brasil entre 2019 e agosto de 2022. Diante de diversos fatos de agressão aos extrativistas e outros povos da floresta que vivem em Xapuri, em dezembro de 2022 o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) ingressou com uma Ação Civil Pública (ACP) contra o governo federal pelos danos causados à floresta e aos moradores da Resex Chico Mendes. O Ministério Público Federal no Acre (MPF/AC) se manifestou favorável e se comprometeu com a ação.

Em setembro de 2023, um grupo de jovens composto por extrativistas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, entre outros representantes dos povos tradicionais, escreveu a “Carta da Juventude das Florestas”, documento contendo reivindicações políticas. A carta foi encaminhada ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

 

Contexto Ampliado

Segundo a pesquisa de doutorado defendida em 2006 no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (UnB) por Ronaldo Joaquim da Silveira Lobão, e intitulada “Cosmologias Políticas do Neocolonialismo: como uma Política Pública pode se transformar em uma Política do Ressentimento”, na década de 1970 o sucessivo declínio do preço da borracha no mercado internacional levou os seringalistas do Acre a um estado falimentar. Suas dívidas com bancos oficiais eram pagas muitas vezes com terras que, por sua vez, careciam de uma titulação sólida (Lobão, 2006).

O Acre, ao longo do século XX, passou de Estado Independente (de 1898 a 1904) – após declarar unilateralmente sua independência da Bolívia a partir do movimento conhecido como “Revolução Acreana” – a Território Federal (em 1904, após a 1ª República do Brasil firmar o Tratado de Petrópolis com a Bolívia no ano anterior) e, finalmente, elevado a estado da Federação em 1962. A situação fundiária resultante desse processo foi tão caótica que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) sugeriu, na época, que fosse elaborada uma legislação específica para o Acre.

Entretanto, em algumas áreas do Acre a extração da borracha ainda era uma atividade lucrativa, em parte pelo sistema de proteção estatal. De acordo com Allegretti (2002, p. 09 – 11), a produção era obtida por seringueiros moradores de colocações, submetidos a relações rígidas de patrão e fregueses, dependentes dos barracões dos seringalistas, descendentes de imigrantes nordestinos que se instalaram na região no início do século XX ou durante o esforço da Segunda Guerra Mundial na década de 1940. Já no Vale do Acre, região onde se situam Brasiléia e Xapuri, havia seringueiros libertos, ou seja, que não estavam mais submetidos aos patrões, não mais sujeitos ao regime de servidão informal então persistentes nos seringais, apesar do regime de escravidão no país ter sido formalmente abolido desde o final do século XIX.

No Acre, o nascimento de um sindicalismo combativo e sua cumplicidade com os movimentos libertários da Igreja Católica fez com que a década de 1980 fosse um período de luta e organização do movimento dos seringueiros. A título de exemplo, que será detalhado posteriormente, em 1985, cerca de 130 seringueiros reuniram-se em Brasília, constituindo uma diretoria provisória para o que viria a ser o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Em 1986, segundo Pontes (2012), foi estabelecida a Aliança dos Povos da Floresta, marcada por uma comitiva de indígenas e seringueiros que se deslocaram até Brasília para reivindicar seus direitos.

Foi então que o movimento dos seringueiros do Acre buscou ampliar sua base de ação, inclusive pela via parlamentar. Ainda na década de 1980, Chico Mendes foi vereador em Xapuri, eleito pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e, posteriormente, se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT). O CNS foi, entretanto, o instrumento que os seringueiros usaram para articular sua visibilidade nacional. De acordo com Lobão (2006), Chico Mendes o via como um espaço suprapartidário, sem perder de vista o compromisso com a luta dos trabalhadores.

Segundo Almeida (2004), em Brasiléia e Xapuri (AC), o sindicato dos trabalhadores rurais impediu, por meio do movimento conhecido como “empate”, a derrubada de florestas habitadas por seringueiros, ameaçadas por peões armados de motosserras. Cabe ressaltar que, em Xapuri, o movimento sindical tinha apoio da Igreja Católica progressista, de partidos de esquerda, como o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), e de organizações não governamentais (ONGs), como o Centro de Trabalhadores da Amazônia (CTA).

Segundo o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves (s/d), o empate consistia na reunião de homens, mulheres e crianças, sob a liderança dos sindicatos, para impedir o desmatamento da floresta, prática que se tornaria emblemática da luta dos seringueiros. Em suas palavras:

“Nos empates, os seringueiros alertavam os ‘peões’ a serviço dos fazendeiros de gado – geralmente de fora do Acre – de que a derrubada da mata significava a expulsão de famílias de trabalhadores. Convidavam os peões a associar-se à sua luta, oferecendo-lhes ‘colocações’ e ‘estradas’ de seringa para trabalhar e, firmes, expulsavam-nos dos seus acampamentos de destruição, impedindo o trabalho. Os empates tiveram papel decisivo na consolidação da identidade dos seringueiros e essa forma de resistência acabou por chamar a atenção de todo o Brasil” (Porto-Gonçalves, s/d).

O problema era que os empates, por volta de 1985, tinham passado à defensiva, ou seja, não conseguiam responder à escalada das queimadas e da violência. Por essa razão, Chico Mendes começou a buscar apoio e aliados externos.

Em 1985, houve o I Encontro Nacional dos Seringueiros (ENS) em Brasília, articulação da antropóloga Mary Allegretti e do Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), que, com a participação do Instituto de Estudos Sócio Econômicos (Inesc), já havia organizado evento semelhante para o movimento indígena. De acordo com Lobão (2006, p. 34), foi nas reuniões preparatórias do encontro que nasceu o conceito de Reserva Extrativista (Resex).

O pesquisador também analisou que, ainda no ano de 1985, houve uma reunião de seringueiros em Ariquemes, no estado de Rondônia (RO), com seis temas principais: (a) conflitos com os indígenas, (b) propostas para os Soldados da Borracha, (c) a crise do extrativismo, (d) desmatamento e conflitos com fazendeiros e colonos, (e) áreas reservadas para indígenas e seringueiros, e (f) o papel do extrativismo na proteção da Amazônia.

Para Lobão (2006, p. 35), o tema dos conflitos com os indígenas foi importante porque a partir da comparação das políticas públicas para com esses grupos nasceu a ideia das Reservas Extrativistas. Os Soldados da Borracha reivindicavam o estatuto de ex-combatentes, pois não só era assim que se consideravam como efetivamente haviam sido recrutados no Nordeste para a Segunda Guerra Mundial.

A crise no extrativismo de Rondônia era vista como distinta dos demais estados amazônicos, principalmente do Acre. Os seringais de Rondônia ficavam longe das margens dos rios, dificultando ainda mais o escoamento da produção e encarecendo a atividade, fazendo com que a maioria desaparecesse. O desmatamento de Rondônia foi considerado resultado da política do Incra por ter destinado as terras ocupadas pelos seringueiros para colonos oriundos de diferentes partes do país.

Mas, o que consideraram o maior fator das mudanças foi a abertura da rodovia federal BR-364, que ligaria Cuiabá (MT) a Porto Velho (RO) e a Rio Branco (AC), financiada pelo Banco Mundial (BM) dentro do programa de desenvolvimento regional Polonoroeste. O conflito com os indígenas agudizou na região a partir da demarcação das reservas indígenas em Rondônia e da implantação dos projetos de colonização. De acordo com Lobão (2006, p. 36), a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) já havia denunciado o Polonoroeste e o tratamento que estava sendo dado à questão dos direitos indígenas. Desde 1983 as entidades ambientalistas internacionais estavam denunciando o acordo do governo brasileiro e o Banco Mundial.

Ainda sobre a reunião de seringueiros realizada em Ariquemes (RO), um dos temas do encontro foi “Os Seringueiros e o Desenvolvimento da Amazônia?” Segundo Lobão, o foco foi a polêmica relacionada ao asfaltamento da BR-364, tornando público os compromissos contratuais que o Estado brasileiro estava assumindo perante o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para Rondônia e Acre, envolvendo várias medidas mitigatórias.

Como já ressaltado, a proposta de criação das Resex foi formulada em 1985 pelo CNS, entidade que o sindicalista Chico Mendes ajudou a fundar, mas precisou de cinco anos de lutas políticas, em um ambiente de pressões por reabertura democrática no país, e da promulgação de uma nova constituição em 1988 (não por acaso chamada de “Constituição Cidadã”) para ser instituída e regulamentada (Barros, 2005). Ao longo de 1986, debates internos foram travados quanto à natureza e à forma jurídica das Resex. Comparou-se a proposta da Resex com a da Área de Proteção Ambiental (APA), única unidade de conservação que permitia a presença humana em seu interior, mas não tratava de terras públicas.

Pensou-se na modalidade Floresta Nacional (Flona), mas essa era uma unidade voltada para a extração de madeira e para uso por empresas privadas, mediante licitação. Em resumo, a APA resolvia a questão do ponto de vista ambiental, e a Flona, a exploração econômica, mas nenhuma das duas atendia à proposta dos extrativistas como um todo. Ou seja, uma reserva extrativista não seria só um espaço de extrativismo, haveria também áreas para agricultura de subsistência, bem como deveria contar com escolas e postos de saúde. Outras formas de extrativismo, além da castanha e da seringa, deveriam ser contempladas.

O próprio Chico Mendes, em depoimento gravado com a atriz e ambientalista Lucélia Santos em maio de 1988, define o conceito das Reservas Extrativistas:

“A proposta das Reservas Extrativistas é a seguinte: as terras estão supostamente nas mãos dos grandes latifundiários. Em toda a área do Acre, apenas dez donos dominam todo o poderio de terras. Dez mandantes. O que nós queremos é o seguinte: que essas terras passem ao domínio da União, que o governo desaproprie essas áreas, que elas passem a ser domínio da União (não do Estado, da União) e que elas se transformem em usufruto aos habitantes da floresta, ou seja, para os seringueiros. Nós defendemos a Reserva Extrativista, e quando nós a defendemos é porque nós apostamos que a Reserva Extrativista é economicamente viável para o Brasil, para a Amazônia e para a humanidade. Estamos colocando como proposta [o] cooperativismo, colocando como proposta prioritária uma melhor forma de comercialização da borracha e a comercialização da castanha. Nós queremos criar indústrias caseiras para se dar prioridade às outras riquezas. (…) Veja bem: Não defendemos apenas a economia da borracha, não só a economia da castanha, mas também a copaíba e os produtos extrativistas que são vários em toda a região da floresta e que estão sendo destruídos como o coco do tucumã, o patoá, o açaí… falta pesquisa nessa Amazônia. As árvores medicinais impossíveis de serem contadas são um grande exemplo. Falta pesquisa. Basta que o Governo leve nosso pedido a sério e nos dê essa possibilidade. Em pouco tempo vamos provar que é possível conservar a Amazônia e transformar essa Amazônia numa região economicamente viável para o Brasil e para o mundo. Nós temos clareza disso!” (Memorial Chico Mendes, 2023).

De acordo com a observação de Cunha e Loureiro (2009), a demanda dos seringueiros por uma reforma agrária específica foi inserida na estrutura legislativa brasileira na forma de Projetos de Assentamentos Extrativistas (Portaria 627 do Incra de 30/07/1987), e posteriormente, por meio do Decreto n° 98,897, de 30 de janeiro de 1990, na figura de Reservas Extrativistas, na época, vinculadas ao Ibama.

Segundo nota de Ivan Richard, da Agência Brasil (22/12/2013), em palestra no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP), em maio de 1988, Chico Mendes explicou como seria o funcionamento das reservas: “Não queremos transformar a Amazônia em um santuário. O que não queremos é a Amazônia devastada”. Chico Mendes tinha a convicção de que as Resex tornariam a região economicamente viável. Segundo Porto-Gonçalves (s/d), Chico Mendes formulou um princípio que caracterizaria sua filosofia: “Não há defesa da floresta sem os povos da floresta”.

Chico Mendes em frente ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (AC). Foto: Divulgação / Edison Caetano / Reuters / Memorial Chico Mendes.

Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi morto aos 44 anos com um tiro de arma de fogo em sua casa em Xapuri. Segundo consta na reportagem de Evanildo da Silveira, para a BBC News Brasil (22/12/2021), o disparo foi feito por Darci Alves, a mando do seu pai, o grileiro de terras Darly Alves, então conhecido por casos de violência em vários lugares do Brasil. Porto-Gonçalves, em seu artigo dedicado a Chico Mendes, relata que os assassinos eram ligados à União Democrática Ruralista (UDR).

Segundo Almeida (2009), quando Chico Mendes foi assassinado por fazendeiros, em dezembro de 1988, o movimento dos seringueiros tinha adquirido um novo perfil de organização: uma combinação de sindicatos (formalmente confederados na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – Contag), com uma organização própria (Conselho), que contava com aliados ambientalistas e recursos próprios. As lideranças eram as mesmas, mas a atuação do CNS tornava possível aos seringueiros atuar em um campo mais amplo de discussão.

Em 1989 foi realizado, no Acre, o I Encontro da Aliança dos Povos da Floresta, que reuniu cerca de mil indígenas e seringueiros na luta pela defesa da floresta e da vida. De acordo com Almeida (2004, p. 45), o CNS estabeleceu pela primeira vez um estatuto, no qual foram claramente definidas suas relações com o movimento sindical. Tratava-se de uma associação civil, sem subordinação partidária ou sindical, em que os membros poderiam ser “trabalhadores extrativistas” em sentido amplo, de modo a incluir pequenos agricultores amazônicos, pescadores e quilombolas. Um traço essencial definido pelo estatuto foi de que o Conselho não seria uma organização de massa, não recrutaria “membros”, não emitiria carteirinha, não daria benefícios individuais, nem cobraria anuidades.

Sobre o assassinato de Chico Mendes, de acordo com Evanildo da Silveira, da BBC Brasil (22/12/2021), em 1990 o judiciário condenou Darly e o filho Darci a 19 anos de prisão. Em 1993, Darci e Darly fugiram, mas foram recapturados em 1996. Por causa de problemas de saúde, três anos depois o pai conseguiu o direito de cumprir a pena em prisão domiciliar. No mesmo ano de 1999, o filho passou ao regime semiaberto, em Xapuri. Ao final da pena, ele se mudou para Brasília e se tornou pastor evangélico.

De acordo com Edson Luiz, do Correio Braziliense (22/12/2012), republicado nos arquivos do Senado Federal, documentos oficiais revelaram que Chico Mendes era monitorado pelos serviços de inteligência uma década antes de sua execução. O Serviço Nacional de Informações (SNI) classificava o líder seringueiro como um dos responsáveis pelos conflitos agrários na região. Os relatórios de informação citavam que: “Os sindicatos e a igreja são os principais causadores dos conflitos entre proprietários e posseiros naquele estado” – segundo trecho divulgado pelo Correio Braziliense (22/12/2012). Um dos documentos do SNI pesquisados pelo Correio narra problemas ocorridos na Fazenda Cachoeira, na fronteira com a Bolívia, cujo proprietário era Darli Alves da Silva, mandante da execução do sindicalista.

Após o assassinato de Chico Mendes, o legado das lutas que ele liderou começa a se materializar na estrutura legislativa brasileira. A Resex Chico Mendes foi criada por meio do Decreto nº 99.144, de 12 de março de 1990, e tem uma área aproximada de 970.570 hectares, compreendendo os municípios de Assis Brasil, Brasiléia, Capixaba, Epitaciolândia Rio Branco, Sena Madureira e Xapuri.

De acordo com dados de 2019 do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável atualmente pela gestão da reserva, cerca de 27 mil pessoas vivem em seu interior, entre comunidades tradicionais e não tradicionais. A coleta de castanha-do-brasil, a extração da borracha, a caça e a pesca não predatórias, bem como os roçados de arroz, feijão e mandioca para subsistência, fazem parte da rotina das populações extrativistas que vivem na Resex Chico Mendes.

Segundo estudos de Fantini e Crisóstomo (2009), o principal sistema de produção na Resex Chico Mendes é baseado na exploração de produtos florestais não madeireiros (PFNMs). Crisóstomo (2003) retrata que, para a maioria das famílias, a exploração e a comercialização de PFNMs contribuem com até 50% da renda. O autor aponta que os principais PFNMs explorados e comercializados na Reserva são a castanha-do-brasil e o látex da seringueira, e que outros produtos extrativos, tais como óleos, sementes, cipós e cascas de árvores, juntamente com os produtos da agricultura, criação de gado e de pequenos animais, compõem o restante da renda das famílias.

De acordo com o Boletim Informativo do Governo do estado do Acre, os sistemas de produção da Resex Chico Mendes foram incentivados por meio do setor do Manejo Florestal, no qual o governo do Acre criou em 1999 o “Programa de Manejo Florestal Comunitário”, cujo objetivo era incluir as comunidades de Projetos de Assentamento e de UCs na cadeia produtiva de madeira. Criou-se, nesse contexto, a “política de desenvolvimento sustentável” do Acre e, para isso, o governo estadual desenvolveu uma série de ações visando o incentivo aos chamados “serviços ambientais”, vinculados ao sequestro, à manutenção do estoque e à diminuição do fluxo de carbono por meio da Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd+).

No ano 2000, as Resex foram incluídas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc), integrando o grupo das Unidades de Conservação (UC) de Uso Sustentável, conforme a Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000. De acordo com o artigo 18 da referida lei, a Resex é:

“[uma] área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”.

De acordo com dados de 2023, na Amazônia existem 77 reservas extrativistas, segundo o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (Cnuc) mantido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA). Essas UCs perfazem uma área de 15.877.776,15 hectares, distribuídas por nove estados, sendo eles: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Sobre o processo que envolve Chico Mendes, em outubro de 2008, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (MJ) aprovou, em Rio Branco (AC), a condição de anistiado político post-mortem. Segundo notícia de Evandro Éboli, de O Globo (09/12/2008), o pedido de anistia foi protocolado pela viúva Ilzamar Mendes, em 2005. Com a decisão, a família teve direito a receber indenização pelo fato de ele ter sido perseguido pela ditadura militar. A medida garantiu uma indenização de R$ 337,8 mil e mais uma pensão mensal vitalícia de R$ 3 mil à viúva e aos filhos dele.

Dois meses mais tarde, em dezembro de 2008, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri se mobilizava contra a criminalização dos seringueiros e moradores da Resex Chico Mendes, efetuada pelo Ibama, por meio da operação denominada “Reserva Legal”. A nota de repúdio dizia:

“1) nestes dezoito anos de criação da Reserva não existe uma política que garanta uma renda para os seringueiros viverem com dignidade exclusivamente da produção extrativista. Portanto a utilização da atividade da pecuária é um complemento de renda que tem sido utilizado pela grande maioria dos moradores, 2) pouco existiu um trabalho de esclarecimento e conscientização das regras de uso e manejo da RESEX que abrangesse um número significativo de famílias, 3) O Plano de Manejo e de Utilização da RESEX não é de conhecimento da grande maioria das famílias, 4) os seringueiros não podem ser responsabilizados pela mudança do clima do planeta, este se deve a ação dos grandes pecuaristas, mineradoras e do grande capital, 5) As multas aplicadas inviabilizam seu comprimento. As famílias de seringueiros têm uma vida de duro trabalho na floresta e o pouco rendimento e benfeitorias conseguidas pelas famílias não podem ser disponibilizadas para o pagamento destas multas porque isto inviabilizaria a reprodução das próprias famílias”

Em fevereiro de 2009, foi realizada uma reunião no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, seguida por um encontro no Centro de Florestania, em Assis Brasil, e finalizado na Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre (Fetacre), em Rio Branco, para a realização do Censo Comunitário na Reserva Extrativista. Segundo informações do governo do estado do Acre:

“O censo é um instrumento para conhecer bem as famílias e as estruturas da Reserva Extrativista Chico Mendes. Para conhecer como ela é e assim integrar, compartilhar e potencializar as ações dos governos federal, estadual, municipal e das instituições, rumo a uma melhoria na qualidade de vida dessas famílias” – explicou o Secretário Estadual de Meio Ambiente, na época, Eufran Amaral.

Em 2010 foi criado o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa), por meio da Lei Estadual do Acre n° 2.308/2010, do qual se reúne um conjunto de estratégias e instrumentos do governo do Acre, que pretende “promover a preservação florestal e a venda de créditos de carbono através de iniciativas de Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+)”.

Um dos projetos privados de crédito de carbono no Acre proposto no contexto do Sisa é o Projeto Purus. O site institucional diz que a Moura & Rosa Empreendimentos Imobiliários Ltda. é a proprietária de terras e principal responsável pela gestão e implementação do projeto Purus no Acre.

No intuito de potencializar os “negócios madeireiros” no estado do Acre, as ações governamentais se multiplicavam a cada ano; uma delas foi a criação, em 2012, da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis (Sedens):

responsável por formular, promover e supervisionar a execução de políticas de incentivo ao desenvolvimento florestal, à indústria, o comércio, os serviços, e os incentivos industriais; promover e coordenar o processo de produção, beneficiamento, industrialização e comercialização de produtos florestais madeireiros e não madeireiros”.

A “Terra de Chico” (como é conhecida a Resex Chico Mendes) tampouco esteve isenta desse rol de incentivos governamentais para o setor madeireiro. Um dos momentos inéditos foi a licença concedida em 2012 pelo ICMBio à Associação dos Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes em Xapuri (Amoprex) para exploração de “madeira manejada” no interior de sete seringais, sendo eles: Albrácia, Boa Vista, Dois Irmãos, Floresta, Independência, Palmari e Sibéria. Segundo identificado pela historiadora Márcia Fittipaldy (2017, p. 111), no documento oficial (Plano de Manejo Florestal Sustentável Madeireiro Comunitário) constam 62 famílias envolvidas no projeto, e uma área equivalente a 18.772,74 ha de manejo florestal. Em 2013, a Lei 12.892, de 13 de dezembro de 2013, declarou Chico Mendes como “Patrono do Meio Ambiente Brasileiro”. A lei é de autoria da deputada federal Janete Capiberibe, do Partido Socialista Brasileiro (PSB-AP), e foi sancionada pela presidente da República, na época, Dilma Rousseff (PT). No mesmo dia em que a lei foi publicada no Diário Oficial da União (DOU), o Congresso Nacional realizou uma sessão solene em homenagem aos 25 anos do assassinato de Chico Mendes. Segundo nota de Veriana Ribeiro, do G1-AC (16/12/2013), Ilzamar Mendes, viúva do seringueiro, disse que a família estava feliz com a homenagem e que o ato era uma comprovação de que o legado das lutas lideradas por ele ia além das fronteiras do Acre.

No mesmo período em que houve a homenagem e um reconhecimento do legado de Chico Mendes, Yuri Marcel, do G1-AC (22/12/2013), apontou alguns desafios na Resex Chico Mendes devido ao aumento da criação de gado e o desmatamento. Segundo a nota, de acordo com o presidente da Cooperativa Agro Extrativista de Xapuri, Luiz de Carvalho, apesar dos incentivos para que os seringueiros vivam exclusivamente da extração de borracha e castanha, o gado acaba servindo como alternativa para complementação da renda.

Na visão do presidente da cooperativa, a maioria das famílias que vive dentro da reserva possui gado. Segundo seu relato: “É uma coisa que veio de fora e faz parte do cotidiano. Hoje o filho do seringueiro já nasce querendo criar gado, não mais seringa. (…) Tem muita gente morando lá dentro achando que não é reserva. Por isso há conflito. Algumas pessoas desmatam mais que o necessário”.

Raimundo Mendes de Barros, seringueiro, 68 anos, disse ao repórter do G1-AC que busca ajudar a combater o avanço dos fazendeiros nas florestas de Xapuri: “Não sei por que cargas d’água nossos jovens estão se enveredando por esse caminho. A gente combate essas coisas, mas uma grande parcela ainda entra nisso. Uma das razões para isso foi o desvio de linha política do sindicato. Se tivesse continuado na mesma linha, ele estaria discutindo o prejuízo que o gado faz na floresta. Mas infelizmente não temos uma diretoria que combata isso”.

Além do enfraquecimento da organização sindical apontado pelo seringueiro Raimundo Barros, a historiadora Márcia Fittipaldy identificou outras razões para o avanço da pecuária na Resex. Os resultados de sua pesquisa apontam para o fato de que os moradores da Resex Chico Mendes têm praticado a pecuária como auxílio para sobrevivência, motivados por fatores internos e externos. Os internos estão relacionados ao colapso do extrativismo e a ineficiência/ineficácia do modelo de desenvolvimento em curso no Acre. Os externos, vinculados à expansão do capital financeiro e do agronegócio no estado (2017, p. 120).

Sobre a criação de gado na Resex, a analista ambiental do ICMBio no Acre, Iria Oliveira, explica que cada morador pode usar até 15 hectares de terra para pasto, conforme regulamento do Plano de Manejo e aprovação do Conselho da Resex. Caso não seja cumprido, os moradores sofrem punição, segundo seu relato. Outra ameaça contra os extrativistas e que fragiliza as lutas por seus direitos diz respeito aos projetos de incentivos aos serviços ambientais, que se inserem na lógica do mercado de carbono e da economia verde, tal como o Redd+. Segundo Verena Glass, do Repórter Brasil (19/12/2013), famílias de seringais nos rios Purus e Valparaiso sofrem restrições no manejo tradicional de agricultura para que latifundiários vendam créditos de carbono. Glass reforça que a falta de regularização fundiária de muitos seringais continua motivando conflitos entre fazendeiros e seringueiros, mas também abre caminho para projetos de manejo florestal que nem sempre beneficiam a população tradicional.

De acordo com a reportagem, os projetos Purus, Russas e Valparaiso preveem restrições e até paralisação das atividades tradicionais de cultivo agrícola de famílias de seringueiros e posseiros para que possam entrar no padrão de venda no mercado internacional de créditos de carbono.

O Projeto Purus foi idealizado pelo ex-prefeito de Sena Madureira, Normando Sales, e pelo advogado Wanderley Rosa, e apresentado ao Instituto de Mudanças Climáticas do estado do Acre (IMC/AC) em junho de 2012. Abrange cerca de 34,7 mil hectares dos seringais Itatinga e Porto Central, localizados às margens do rio Purus entre os municípios de Manoel Urbano e Sena Madureira, onde viviam 18 comunidades de seringueiros, posseiros e pescadores.

Para a implementação do projeto, foi proposto aos moradores que firmassem um acordo pelo qual deixariam de fazer o manejo tradicional de lavouras, caça, retirada de madeira, abertura de picadas e estradas, e qualquer outra ação de interferência na vegetação. Essas ações seriam necessárias para garantir a viabilidade dos créditos de carbono. Para monitorar o cumprimento do acordo, seria criado um sistema de fiscalização de infrações e providências quanto à punição dos infratores.

Todavia, de acordo com os moradores dos seringais, desde o início o projeto causou desconfiança na comunidade. Segundo Glass (2013), movimentos sociais do estado do Acre, críticos às soluções de economia verde e preocupados com possíveis violações de direitos, também questionaram a iniciativa. O Repórter Brasil teve acesso ao depoimento de um produtor de banana e morador do local há mais de 35 anos  (nome não identificado), que explicou como o Projeto Purus chegou à região:

Um dia chegou aqui o Normando e já começou ameaçando. Disse que aqui tudo era terra dele, mas ele nunca apresentou título do Incra. Eles chegaram com um documento para a gente assinar, desse negócio de carbono, e disse que quem assinava podia ficar na terra, quem não assinava tinha que sair”.

De acordo com Glass, do Repórter Brasil, em troca da assinatura do documento, Normando Sales prometeu que traria para a comunidade uma série de benfeitorias, como escola, posto de saúde, casas novas, barco e energia solar. O documento mencionado dizia que o assinante reconheceria a propriedade das terras em nome da empresa Moura & Rosa Investimentos Ltda, criada em 2009 por Normando Rodrigues Sales e Wanderley Cesário Rosa, seus diretores. Legalmente, a empresa e a área do Projeto Purus pertenceriam a Felipe Moura Sales (filho de Normando) e Paulo Silva Cesário Rosa (filho de Wanderley).

Sobre a propriedade das terras (dita ser do Projeto Purus), a advogada Laura Schwarz, do Centro de Memória das Lutas e Movimentos Sociais da Amazônia, que acompanhava o caso, disse que legalmente as famílias teriam direito a usucapião da área em função do longo período de posse, e que não existia nenhum processo de regularização em andamento até 2013.

Ainda de acordo com a advogada, conforme revelado pelo Repórter Brasil, para justificar o Projeto Purus, baseado na hipótese do “desmatamento evitado” para a geração de créditos de carbono, a empresa Moura & Rosa alegou que, como proprietária, poderia converter parte da floresta dos seringais em pastagem (prevendo o corte raso de 20% de sua extensão total para acomodar de 10 a 12 mil cabeças de gado), além de desenvolver atividades madeireiras.

Numa lógica inversa e perversa, explicou a advogada, criminaliza-se então o manejo tradicional dos pequenos agricultores, impondo-lhes restrições que justifiquem a venda de carbono, e limita-se definitivamente o desenvolvimento futuro da comunidade por meio da restrição da área disponível. Argumentou ela:

“Além da agricultura, as famílias também usam as áreas florestadas para caçar, para o extrativismo, retirada de madeira para casas ou construção de canoas. Isso passaria a ser proibido, bem como o estabelecimento de atividades produtivas das próximas gerações. Como ficariam os filhos dos posseiros se não puderem estabelecer futuramente seus próprios lotes produtivos, com casas e roças?”

Esse movimento motivou uma visita da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca) ao Acre, entre novembro e dezembro de 2013, para verificação de eventuais problemas. Na visão da relatora da Plataforma Dhesca, Cristiane Faustino, que se reuniu com diversos órgãos do governo estadual e federal após as visitas de campo em dezembro de 2013, do ponto de vista dos direitos humanos, seria necessário fazer uma avaliação aprofundada sobre os riscos que os projetos de Redd+ impõem às comunidades, especialmente devido às desigualdades econômicas e políticas que permeiam suas ações. Em suas palavras:

“A segurança dos territórios para os posseiros e as comunidades tradicionais é a primeira condição para que seus direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais sejam garantidos. Isso deve ser política básica para enfrentar as injustiças e riscos sociais e ambientais, e não devem estar submetidas à lógica do mercado, que tem outros interesses e linguagens”.

Em julho de 2014 ocorreu a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com o tema “Ciência e Tecnologia em uma Amazônia sem fronteiras”, no campus da Universidade Federal do Acre (Ufac), em Rio Branco. Na ocasião foram celebrados os 25 anos de criação das reservas extrativistas, e Mary Allegretti, antropóloga do Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), fez uma avaliação sobre as Resex na Amazônia.

Segundo reportagem de Elton Alisson, da Agência Fapesp (25/07/2014), alguns dos principais desafios para a continuidade das Resex seria “dar condições sociais e econômicas para que a atual geração de jovens que vive nessas unidades de conservação permaneça na floresta e assuma o papel de liderança desempenhado por seus pais e avós nas últimas décadas” – na avaliação de Allegretti.

De acordo com a palestrante do evento, uma das conquistas obtidas por meio de reservas florestais ao longo dos últimos 25 anos foi a diminuição dos conflitos agrários entre os extrativistas e os fazendeiros na Floresta Amazônica. Isso porque, segundo ela, o Estado passou a exercer o papel de mediador nesses conflitos, pois é responsável por garantir o bem-estar e a segurança das comunidades que vivem nessas reservas. Allegretti ponderou: “Há, no entanto, uma dificuldade do Estado em enxergar e assimilar os extrativistas como protagonistas na gestão das reservas extrativistas”.

Relatório preliminar da Plataforma Dhesca, que sistematiza diversas violações de direitos humanos causadas pela economia verde no estado do Acre, foi apresentado no dia 12 de dezembro de 2014, na 20ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 20) e na Cumbre de los Pueblos Frente al Cambio Climático, em Lima, no Peru.

Segundo nota publicada no site oficial da instituição (05/12/2014), durante a Missão de investigação e incidência realizada em 2013, no Acre, foi constatado que os projetos privados de Redd+ geravam diversos impactos sociopolíticos, econômicos e ambientais negativos, em especial sobre os territórios e as populações tradicionais. Dentre outras, foram constatadas violações no direito ao território e das populações em seus territórios conquistados.

A mesma nota divulgou o relato de Dercy Teles de Carvalho Cunha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e posseira no Seringal Boa Vista sobre sua percepção acerca dos impactos desses projetos de economia verde sobre a vida dos comunitários de Xapuri: “É a perda de todos os direitos que os povos têm como cidadão. Perdem todo o controle do território. Não podem mais roçar. Não podem mais fazer nenhuma atividade do cotidiano. Apenas recebem uma Bolsa para ficar olhando para a mata, sem poder mexer. Aí, tira o verdadeiro sentido da vida do ser humano”.

O relatório preliminar foi apresentado por representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização filiada à Plataforma de Direitos Humanos, Amigos da Terra Brasil e Movimento Mundial de Florestas Tropicais (World Rainforest Movement), em eventos programados tanto para a COP como para a Cumbre. Indígenas dos povos Apolima-Arara e Jaminawá estiveram presentes e relataram os impactos que vêm sofrendo desde a implementação dos projetos e da política de economia verde em seus territórios.

O relatório da Plataforma Dhesca, agora em sua versão final – “Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violação de direitos no Estado do Acre” – foi lançado no dia 28 de setembro de 2015, na capital Rio Branco, no Acre. O documento foi produzido por Cristiane Faustino e Fabrina Furtano, da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Dhesca Brasil, como resultado da missão de 2013, já citada anteriormente. Segundo nota da Plataforma sobre o documento, o aprofundamento de conflitos territoriais e da insegurança jurídica das comunidades locais, inclusive em territórios já conquistados por elas, são algumas das violações denunciadas no relatório.

O documento também aponta que, “em um contexto de extrema desigualdade, aprofundada pela falta de informação das comunidades sobre os projetos a serem implantados nos seus próprios territórios, elas acabam sendo coagidas a aceitar as propostas externas e ‘de cima para baixo’ como redenção de suas necessidades de políticas públicas, em detrimento de sua autonomia”. O documento está disponível na íntegra neste link: https://shre.ink/rC4O

Na medida em que as críticas avançavam, outras polêmicas ganhavam repercussão no estado do Acre envolvendo diretamente a vida dos extrativistas em Xapuri. O Manejo Florestal Comunitário Madeireiro – projeto que se insere na política de desenvolvimento sustentável adotada pelo Governo do estado do Acre na década de 1990 – também é um tema que tem suscitado polêmicos debates, envolvendo os mais diversos atores sociais, dentre eles: pesquisadores, estudiosos do assunto, trabalhadores rurais, sindicalistas, moradores da Resex Chico Mendes e parte da população em geral -, conforme alertado pela historiadora Márcia Fittipaldy (2017, p. 113).

De acordo com sua pesquisa, o professor da Universidade Federal do Acre (Ufac) e Pós Doutor em Sociologia do Desenvolvimento, Elder Andrade de Paula, não esconde seu posicionamento crítico, afirmando categoricamente que esse tipo de investimento, além de causar grandes impactos à floresta, não beneficia as populações residentes. Segundo relato de Elder Andrade divulgado na pesquisa de Fittipaldy:

“Digo com toda a segurança que nem a população camponesa nem os indígenas se beneficiam com a implantação madeireira na região. Ao contrário, elas têm sido extremamente afetadas por este movimento crescente de destruição das matas. Para se ter uma ideia, o projeto que é dito como modelo pelos ambientalistas de mercado no Brasil, difundido internacionalmente como modelo de exploração sustentável de madeira, de manejo comunitário, não atende à comunidade. Todas as famílias que vivem do Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes estão cadastradas no programa Bolsa Família, apesar de praticarem o manejo comunitário de madeira há quase uma década”.

Márcia Cristina Pereira de Melo Fittipaldy, em seu livro Reserva extrativista Chico Mendes: dos “empates” à “pecuarização”?, publicado em 2017 pela Editora da Universidade Federal do Acre (Edufac) e disponível neste link: https://shre.ink/rKaf, se propôs a responder, entre outras questões, se o “sonho de Chico Mendes” – discurso oficial utilizado em políticas governamentais do Acre – estaria de fato sendo realizado, considerando o contexto da “pecuarização da Resex Chico Mendes”.

Após mapear fontes secundárias, a pesquisadora assumiu o desafio de trilhar os varadouros de alguns seringais da Resex Chico Mendes (na parte territorial pertencente ao município de Xapuri) e conversar com os moradores. Nessa busca, a autora se deparou com uma ordem de problemas sociais decorrentes da pecuária na Resex, fenômeno chamado por Fittipaldy de “pecuarização da Resex”. Esse processo, segundo a historiadora, tem levado a uma crescente perda de autonomia relativa dos moradores da Resex Chico Mendes na gestão e uso de seu território.

Outros problemas enfrentados pela Resex Chico Mendes foram identificados em sua pesquisa, dentre eles os ramais intrafegáveis, dificultando o acesso e o escoamento da produção; a instabilidade de preços dos principais produtos extrativistas (borracha e castanha); o insucesso dos projetos de desenvolvimento considerados alternativos, como é o caso da pimenta-longa, pupunha, café etc.; a ineficiência dos serviços de saúde e educação; o aumento do desmatamento por consequência do avanço do gado, entre outros (2017, p. 12).

Márcia Fittipaldy divulgou depoimento de Dercy Teles, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e seringueira moradora da Resex. Em entrevista concedida no ano de 2011 sobre os projetos de Manejo Florestal Comunitário Madeireiro, a sindicalista expõe:

“Sou contrária à exploração da madeira porque ela é uma atividade agressiva e menos progressiva em termos de atividade financeira. Ela não viabiliza economicamente a vida desse extrativista, ela é uma atividade sem volta. A exploração é maior do que a que acontece em outras atividades como na castanha e na seringa porque a seringueira e a castanheira você colhe o produto hoje, possa ser que o mercado não seja tão bom, mas você tem garantido secularmente que amanhã ela esteja lá. Se o mercado melhorar você vai ter ela lá pra voltar a explorar. A madeira é diferente, não é provado cientificamente que há sustentabilidade na exploração da madeira nativa. Isso não existe em lugar nenhum do mundo. Eu já falei pro pessoal do ICMBio em Brasília e eles me disseram: a senhora tem toda razão, mas infelizmente é isso que está proposto” (Entrevista, Dercy Teles, 2011; Fittipaldy, 2017, p. 114).

Os resultados da pesquisa de Fittipaldy apontam para o fato de que os seringueiros moradores da Resex Chico Mendes vivem uma realidade bem diferente dos discursos oficiais do governo do Acre. Segundo a historiadora, é propagada a ideia de que essas populações estão vivendo em melhores condições de vida por meio da renda gerada pelos produtos extrativistas; entretanto, a realidade mostra o inverso, pois essas populações têm buscado crescentemente alternativas para sobreviver.

Um dos exemplos é a criação de gado no interior da Resex acima do permitido pela legislação ambiental vigente. A borracha e a castanha, principais produtos do setor extrativista no Acre, permanecem com preços instáveis no mercado, levando grande parte das famílias a abandonar efetiva ou temporariamente a atividade.

Entre 26 e 28 de maio de 2017, indígenas Apurinã, Huni Kui, Jaminawa, Manchineri e Shawadawa, seringueiros e seringueiras de Xapuri, e representantes de comunidades tradicionais do interior do Acre se reuniram e denunciaram o que entendem como “colonialismo climático” durante o encontro “Os efeitos das políticas ambientais/climáticas para as populações tradicionais”. Os presentes criticaram as limitações dos modelos que tentam mensurar impactos ambientais a partir de estimativas de concentração de carbono e questionaram o real impacto dessas ações sobre a vida dos povos da floresta. O evento foi realizado com apoio das organizações Amigos da Terra Internacional, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Fundação Rosa Luxemburgo e Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, sigla para World Rainforest Movement).

Segundo nota de Guilherme Cavalli, do Cimi (14/07/2017), o Acre é considerado um laboratório para implementação de políticas baseadas na ideia de que é possível compensar poluição gerada em determinadas regiões com a manutenção de florestas em outras (base para propostas como o mercado de carbono e os projetos Redd+). O encontro contribuiu para a elaboração do documento Declaração de Xapuri”, protocolado nos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e das Relações Exteriores (MRE) e que repudia a inclusão das florestas em mecanismos de compensação de carbono. Trecho da Declaração de Xapuri dizia:

“Nossa indignação com as falsas soluções, que legitimam a continuidade e expansão de um modelo social e ambientalmente destrutivo. Rejeitamos as iniciativas voltadas para compensar a poluição. Não aceitamos os mecanismos baseados em restrições aos nossos modos de vida, e manifestamos solidariedade em relação às populações que vivem nas áreas contaminadas pelas empresas que buscam compensação. Somos solidários e estamos juntos das pessoas de outros países que vivem nas áreas impactadas pela poluição gerada por empresas destrutivas. Ninguém deve viver em áreas envenenadas, é hora de pôr fim a todo tipo de racismo, incluindo o ambiental. (…) Conclamamos outros povos, trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, a recusar esse padrão destrutivo, marcado pela desigualdade e pela violação dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Reiteramos nossa unidade na luta e disposição de resistir até o fim. Chico Mendes vive, não nas ações de marketing governamental, mas sim na luta dos povos da floresta”.

Arte de Samuel Jaminawa. Fonte: Grupo Carta de Belém.

A repercussão desse encontro e da Declaração de Xapuri” gerou retaliações contra as lideranças indígenas e extrativistas que assinaram o documento. De acordo com o blog Combate Racismo Ambiental (26/07/2017), por assegurarem a posição contra as ações que violentam o direito aos territórios tradicionais, indígenas, seringueiros e outros participantes do encontro receberam ameaças. Diante do ocorrido, lideranças elaboraram uma carta de moção de repúdio e solidariedade divulgada por entidades que trabalham com esses povos e comunidades.

O texto diz que as ações de afronta foram “uma tentativa de intimidar ou censurar as pessoas e organizações que criticam e se opõem às políticas ambientais e climáticas que vêm sendo implementadas pelo governo do Acre”. Trecho da moção diz: “Denunciamos e repudiamos especificamente as tentativas do governo do Acre e de organizações não governamentais ligadas a ele de difamar tais críticos, ao alegar que os questionamentos por eles articulados inviabilizariam a chegada de recursos que poderiam beneficiar povos das florestas no Acre”- ressalta a nota.

Outro encontro marcante foi realizado entre os dias 15 e 17 de junho de 2018, quando povos indígenas e de comunidades que vivem e trabalham na floresta se reuniram em Sena Madureira, Acre, para denunciar os projetos de economia verde. Tratou-se do “IV Encontro de Formação e Articulação dos Povos das Florestas no Enfrentamento das Falsas Soluções”. Segundo a Revista Missões (26/06/2018), denunciou-se “os projetos que creem na falácia de que é possível seguir poluindo a terra, a água e a atmosfera em determinado ponto do planeta e ‘compensar’ esta poluição por meio da manutenção de florestas em outra região”.

Tais medidas, segundo a nota, prejudicam as populações das florestas que acabam perdendo a autonomia sobre seus territórios e sua capacidade de produção e subsistência. Por fim, foi construído um documento assinado por indígenas Apurinã, Huni Kui, Jaminawa, Nawa, Nukini, Jamamadi, Manchineri, Ashaninka do Envira e Yawanawa, representantes de comunidades tradicionais do interior do Acre, seringueiros e seringueiras de Xapuri, além de organizações como Amigos da Terra Brasil, Cimi e WRM.

Em dezembro de 2018, mais de 500 pessoas participaram do “Encontro Chico Mendes 30 anos: Uma Memória a Honrar. Um Legado a Defender”, promovido em Xapuri. O encontro resultou na criação da Carta Xapuri – manifesto construído coletivamente para reafirmar o compromisso com a defesa da Amazônia e das populações que nela vivem. De acordo com reportagem de Maria Meireles, da agência de notícias do Governo do estado do Acre (17/12/2018), Angela Mendes, filha de Chico Mendes e coordenadora do Comitê Chico Mendes, agradeceu ao evento e saudou os participantes.

Segundo a notícia, Zezé Weiss, jornalista socioambiental, editora da Revista Xapuri e organizadora do evento, destacou a relevância do encontro: “Esse é um momento de celebração, de saudade, mas, sobretudo, de esperança. Porque a partir desse encontro de gerações nasceram as sementes da resistência, que sobreviverão aos tempos difíceis que se aproximam”. A Carta de Xapuri foi declamada pela atriz, ativista socioambiental e amiga de Chico Mendes, Lucélia Santos. A carta encontra-se disponível na íntegra aqui: https://shre.ink/rKdU.

Dias após o encontro e a celebração do legado de Chico Mendes, o Brasil Agro divulgou reportagem da Folha de São Paulo alertando que “os seringueiros do Acre aderiram à pecuária”. Segundo a notícia (21/12/2018), o “sonho de consumo dos seringueiros de Xapuri é uma caminhonete Hilux”. Na visão de Francisco Bezerra Neris, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, esses seriam os da “turma da fivela, da bota, da peãozada” – pessoas que já se apresentam como “ex-extrativistas” (Folha de São Paulo, 2018).

Ainda segundo a reportagem, para alguns moradores de Xapuri, o futuro do extrativismo entrou em questão após as eleições do então presidente da República, Jair Bolsonaro (eleito pelo Partido Social Liberal – PSL e depois sem partido) e do governador do Acre, na época, Gladson Cameli, do Partido Progressista (PP), que prometeram incentivar o agronegócio durante suas campanhas. Sobre esse cenário, Sebastião Teixeira Mendes, primo de Chico Mendes, dizia-se contra o crescimento da pecuária em Xapuri: “Ninguém come capim”. Ele defendia que a floresta fornece alimento e renda de forma sustentável e celebrava a memória do primo, que, segundo ele, “pensava lá na frente”. Por fim, a reportagem revelou que na Resex Chico Mendes havia cerca de 30 mil cabeças de gado, com rebanhos de até 700 bois, segundo dados de 2016 do Instituto de Defesa Agropecuária do Acre (Idaf/AC).

A reportagem da Folha de São Paulo causou controvérsia. No dia 28 de dezembro de 2018, a agência de notícias do governo do Acre divulgou nota dizendo que a matéria da Folha de São Paulo trouxe “uma análise bastante rasa e de certa forma irresponsável, que serve apenas para fortalecer o discurso dos ruralistas e a defesa da pecuária como meio de sobrevivência destas populações”. Sob autoria de Carlos Edegard de Deus (ex-secretário de Meio Ambiente do Acre) e João Paulo Mastrangelo, da Universidade Federal do Acre (Ufac) e ex-secretário Adjunto de Meio Ambiente do Acre, a nota afirma que:

“Especuladores e pecuaristas que outrora tentaram ocupar as terras dos seringueiros, hoje desenvolvem modelos mais sofisticados de ‘acesso’ à terra no interior destas unidades de conservação, transformando-as em verdadeiros berçários da sua pecuária de corte extensiva, onde transferem os seus processos de cria e recria do gado para os extrativistas, que muitas vezes ainda são autuados por isso” (Agência Acre, 2018).

Frente ao problema em questão, a nota salientou que o governo do Acre vinha realizando um esforço para criar novas oportunidades para os seringueiros da Resex Chico Mendes, investindo na estruturação de cadeias produtivas que garantissem mercado e agregação de valor a produtos da floresta como borracha e madeira.

Cristina Uchôa e Glauco Faria, em reportagem publicada no portal De Olho nos Ruralistas (01/01/2019), revelam o potencial das novas gerações de Xapuri, que buscam preservar a identidade da Amazônia e lutar contra o “desmonte de conquistas obtidas após o assassinato do líder sindicalista, Chico Mendes”.

Ainda de acordo com Uchôa e Faria (2019), um destaque dessa nova geração é Angélica Mendes, neta de Chico Mendes, que recebeu a reportagem do De Olho nos Ruralistas, em Xapuri, na antiga casa de seu avô. No local funciona um museu/memorial, conservando até mesmo marcas de onde ficaram as poças de sangue após os tiros que o assassinaram. Angélica utiliza redes sociais para expor suas opiniões políticas, participa de atividades do Núcleo de Juventude do Comitê Chico Mendes, e pretende se engajar politicamente em outros espaços, divulgando o legado de seu avô e outras conquistas das últimas três décadas. Em suas palavras:

Percebi a postura de muitas pessoas nas mídias sociais, inclusive biólogos, gente que trabalha com meio ambiente, com um posicionamento político que vai contra o que a gente trabalha. A partir disso, eu e um amigo pensamos em abrir essa história para o mundo, que eu, como bióloga, como colega deles e neta do Chico Mendes, poderia alertar que não estavam entendendo muito bem, principalmente a mensagem que meu avô tentou passar”.

Cristina Uchôa e Glauco Faria publicaram outra reportagem no site De Olho nos Ruralistas, em 09 de janeiro de 2019, argumentando que lideranças históricas do extrativismo em Xapuri temiam retrocessos após Jair Bolsonaro ter assumido a Presidência da República. O advogado Gomercindo Rodrigues, amigo de Chico Mendes, relatou algumas de suas preocupações:

“A situação hoje, infelizmente, e a perspectiva para o ano que vem é ainda pior, é de que nós estamos voltando a antes de 1988, a uma situação de conflito, de ameaça. Já teve casa de seringueiro queimada aqui no ano passado e este ano, reconstruída a casa, fazendeiro passou com trator por cima e derrubou. Enfim… isso em Xapuri, onde todo mundo pensa que está tudo tranquilo, porque tem a reserva.”

Júlia Feitoza, outra companheira de militância de Chico Mendes, desabafou: “A partir de 1º de janeiro vai ser uma dificuldade que a gente não esperava, um retrocesso muito grande”. Julia estava correta. Somente a título de lembrança, Jair Bolsonaro chegou a dizer que iria “fuzilar a petralhada [forma pejorativa de se referir ao PT, partido ao qual Chico Mendes era filiado quando foi assassinado] toda aqui do Acre” (Portal Terra, 05/09/2018), durante o período eleitoral.

A reportagem destacou a fragilidade das Resex no Brasil devido ao desmatamento, e que boa parte dele era devido ao avanço da criação de gado. “A pecuária é uma cadeia produtiva altamente atrativa, seja para o seringueiro, para o caboclo ribeirinho ou para o fazendeiro” – analisou o professor Carlos Valério Aguiar Gomes, do Instituto Amazônico de Agriculturas Familiares da Universidade Federal do Pará (Ineaf/UFPA).

Ao analisar o caso da Resex Chico Mendes, Gomes relatou que a pecuária é uma atividade relativamente simples para os seringueiros por demandar pouca mão de obra. “Um seringueiro, antes de entrar na Resex Chico Mendes no Acre, por exemplo, passa na frente de uma fazenda e tudo o que ele vê é só capim, uma casa bem feita, com antena parabólica, um Hilux e pensa: ‘Esse cara tem tudo isso e só cria gado, eu também quero’”.

A reportagem ressaltou que, pela legislação, alguém que habita em uma reserva extrativista pode desmatar até 10% da sua colocação (o lote pelo qual o seringueiro é responsável), e até metade disso pode ser destinada à criação de gado. Isso daria por volta de 30 cabeças de gado por família, calculou Gomes, em um local como a Resex Chico Mendes. O problema é que alguns chegam a destinar à pecuária dez vezes mais do que isso. “É aí que entra o poder da organização social e do Estado em dialogar para que exista uma forma de frear esse processo. Esse tamanho de rebanho já rompe lógicas regulatórias de produção.”

Já Gomercindo Rodrigues aponta outro fator para o aumento de conflitos e violências em Xapuri. Segundo ele, a situação era ainda mais difícil porque não havia Defensores Públicos do Estado com permanência em Xapuri há anos. Segundo a reportagem, cada defensor fica alguns meses e depois é removido, a pedido ou por outros motivos, para outra cidade. “Não podemos apostar as fichas na Justiça” – disse Gomercindo.

Durante participação no programa Roda Viva, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, declarou em fevereiro de 2019 que não conhecia Chico Mendes e que: “As pessoas do agronegócio da região dizem que ele usava os seringueiros para se beneficiar, fazia uma manipulação da opinião”. Logo após essa declaração, o Comitê Chico Mendes divulgou Nota Pública em resposta. Segundo informações do Combate Racismo Ambiental (13/02/2019), que destacou trecho do documento, o Comitê respondeu:

“A relevância de Chico Mendes, senhor ministro, está no fato de que, como seringueiro, político, militante, liderança sindical, presidente de um sindicato de trabalhadores rurais nos confins da Amazônia ocidental, em Xapuri, conseguiu, com sua incrível capacidade de situar-se à frente de seu tempo, perceber que não estava lutando só pelas seringueiras, ou pela floresta, mas que estava lutando, como ele mesmo disse, pela humanidade.”

Em agosto de 2019, Daniela Stefano, do Brasil de Fato, divulgou entrevista realizada com a liderança seringueira Dercy Telles, primeira mulher eleita presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri (STTRX), no Acre, em 1981. Dercy foi educadora popular na primeira escola da zona rural no Acre. Fazia parte do Projeto Seringueiro, cujo modelo de alfabetização de jovens e adultos era baseado na proposta de Paulo Freire. Foi também uma das fundadoras do Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA), em 1985. No mesmo ano participou do Encontro Nacional de Seringueiros, em Brasília, que cunhou a proposta da Resex, além de ter participado da fundação do Conselho Nacional dos Seringueiros da Amazônia (Brasil de Fato, 2019). Ao ser questionada sobre as atividades dos seringueiros em Xapuri e a queda do preço da borracha e castanha, Dercy respondeu:

“A gente não entendia a lógica do sistema capitalista. Então pensava-se em garantir a posse da terra e, tendo a posse da terra, da colocação, com as estradas de seringa e os castanhais, a vida estaria resolvida porque até aquela época a gente sobreviveu desse tipo de atividade. A gente não tinha nem noção do que era o capitalismo, do que isso significava. Tinha gente que falava ‘Deus quer assim, vamos se conformar’. E com a formação política que a gente recebeu, a gente foi acordando pra realidade, a se interessar pra ler os materiais que tratavam do sistema, o que é esquerda, direita, centro, o que isso significa pras nossas vidas e assim a gente foi caminhando até os dias atuais”.

Dercy discorda do modelo de gestão adotado pelo governo do estado do Acre, que busca investir no agronegócio, disse que lideranças extrativistas sofrem ameaças e que buscam sensibilizar a juventude nas universidades “para que os jovens assumam o comando dessa luta, em defesa da Amazônia, da reserva extrativista”.

De acordo com Darlene Braga, da Comissão Pastoral da Terra (CPT – Acre), na reportagem de Daniela Stefano, do Brasil de Fato (09/08/2019), a regularização das terras dos posseiros na Resex Chico Mendes por meio da reforma agrária poderia barrar os conflitos por terras. Em suas palavras: “O governo brasileiro não faz reforma agrária, não regulariza a terra destas comunidades. Porque se estas comunidades tivessem os seus territórios delimitados e regularizados, isso não aconteceria. E o Estado está ao lado de quem tem poder aquisitivo, e quer destruir a natureza”. A permanência das famílias nas áreas de floresta é apontada por Darlene como solução para frear o desmatamento.

Como estratégia de enfrentamento aos ataques contra os povos das florestas da Amazônia, parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) e movimentos sociais lançaram o “Empate dos Povos da Amazônia” em evento realizado no Salão Verde da Câmara dos Deputados, em Brasília, no dia 04 de junho de 2019. Segundo nota no site oficial do partido, a secretária Nacional de Mulheres do Partido dos Trabalhadores, Anne Karolyne, explicou que o empate era uma homenagem a Chico Mendes, e que a ação era para mobilizar a população e denunciar o descaso do governo para com o patrimônio ambiental do Brasil.

Segundo Angela Mendes, filha de Chico Mendes, em entrevista concedida ao repórter Freud Antunes, do portal Amazônia Real (17/09/2019), esse movimento do Empate dos Povos da Amazônia também estava sendo levado pelo Grupo de Defesa de Empate pela Amazônia, que conta com membros do Comitê Chico Mendes. O grupo construiu um documento que foi apresentado ao Ministério Público Estadual do Acre (MPAC) com objetivo de que o órgão abrisse uma investigação sobre os impactos ambientais no Acre. Em paralelo, o grupo realizou atividades culturais como estratégia de mobilização social.

Apesar dos esforços dos empates e de toda mobilização social, mais uma ameaça contra os povos que vivem na Resex Chico Mendes se concretizava em meados de novembro de 2019. De acordo com a publicação de Naira Hofmeister, do Mongabay (20/12/2019), um encontro ocorrido no dia 6 de novembro no gabinete do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, registrado como uma “reunião com a bancada do estado do Acre”, teve participação de cinco infratores ambientais cujos crimes foram cometidos dentro da Resex Chico Mendes. Um dos presentes na reunião em Brasília, intermediada por parlamentares acreanos, foi o grileiro Rodrigo Oliveira Santos. Em 2013, ele ameaçou de morte um servidor do ICMBio no Acre que o multou por desmatamento de 69 hectares dentro da Resex (ISA, 05/12/2019).

Eles estavam na reunião, segundo apurado por Hofmeister, para pedir proteção contra o que consideravam “abusos” da fiscalização e angariar apoio ao Projeto de Lei (PL) 6024, de 2019, da autoria da deputada federal Mara Rocha, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB/AC), que propunha alterar os limites da Resex Chico Mendes. Mara Rocha alegava que havia moradores da Resex Chico Mendes que “não conseguem encontrar sustento nos produtos extrativistas da região e encontram barreiras para permanecer nas atividades em que sempre laboraram, a saber: a criação de gado e a agricultura”. O PL propunha a redução de quase 8 mil hectares da Resex Chico Mendes, segundo Iryá Rodrigues, do G1/AC (27/01/2020).

Segundo informações do Mongabay, lideranças extrativistas e servidores públicos temiam se manifestar contra as medidas em curso devido ao aumento dos casos de violência e perseguição política. Em novembro de 2019, o presidente do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) da cidade de Xapuri, Josemar da Silva Conde, foi assassinado. Bernardo Barbosa, do UOL-SP (21/11/2019), apurou que, segundo a Polícia Civil do estado (PCAC), Josemar e o suspeito de ter cometido o crime tiveram uma discussão por questões de terra que terminou com o assassinato do político com um tiro. O corpo de Josemar foi encontrado na região do seringal Barra, dentro da Resex Chico Mendes, em Xapuri. Segundo nota do G1/AC (12/01/2014), um dia após o crime, a PCAC prendeu Francisco Barroso, suspeito do assassinato.

Sobre o aumento da violência na região, Ângela Mendes diz que os fazendeiros estavam andando com segurança armada para intimidar assentados: “Fomos a uma audiência pública recentemente e o representante do Ministério do Meio Ambiente ameaçou as pessoas que queriam fazer denúncias. Sempre que era um pequeno posseiro ou um assentado, essa pessoa lembrava que tudo estava sendo gravado, que poderiam ter que responder judicialmente por isso” – relatou a filha do líder seringueiro, segundo Naira Hofmeister.

Catarina Barbosa, do Brasil de Fato (21/12/2019), divulgou que Sergio Lima da Silva, coordenador da CPT, ressaltou que os fazendeiros e madeireiros do Acre se sentem respaldados para perseguir quem defende a floresta. Para ele, a polícia e o judiciário caminham com quem está disposto a lucrar com a floresta.

“A gente tem alguns casos bem emblemáticos de famílias que foram torturadas, tiveram suas produções roubadas por fazendeiros e policiais e, quando chegou na Justiça, na delegacia, passaram por mentirosos e ladrões. Como se seringueiro fosse o ladrão e o fazendeiro o que estava certo” – contou o coordenador da CPT.

Apesar dos desmandos do governo federal, Lima afirmou que a CPT seguia comprometida com o apoio e fortalecimento das populações tradicionais, porque – como dizia Chico Mendes – a luta não é pelos extrativistas ou pela floresta, mas pela humanidade.

Em 15 de janeiro de 2020, ao lado do cacique Raoni, Ângela Mendes e Sônia Guajajara oficializaram uma aliança contra as políticas adotadas pelo então presidente Jair Bolsonaro nas áreas ambiental e indígena. O lançamento da Aliança dos Povos das Florestas ocorreu durante um encontro que reuniu centenas de indígenas de diversas etnias e estados do país, bem como extrativistas, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais do Brasil. Segundo Lu Sudré, do Brasil de Fato (23/01/2020), Mendes afirmou que o objetivo da articulação era pensar estratégias para resistir às políticas de um governo que “declarou os povos da floresta como seus inimigos”.

Segundo a filha de Chico Mendes: “Quando o presidente diz que não vai mais demarcar nenhuma terra indígena e tenta extinguir o ministério do Meio Ambiente e todos os órgãos responsáveis por políticas públicas da floresta, isso quer dizer que ele está em uma ofensiva muito grande contra essas populações. Todas elas”.

Ela também denunciou que o agronegócio estava ditando os caminhos tanto do governo federal, quanto do Congresso Nacional. E complementou:

“Nós temos um problema muito grande. A Resex Chico Mendes está sendo desmatada e ocupada ilegalmente por muita gente. Esses ocupantes ilegais e infratores, alguns, inclusive, com processos no Ministério Público, têm acesso direto ao ministro do Meio Ambiente para dizer que o ICMBio está multando, sendo que só está cumprindo seu papel, que é ir lá e multar quem está de forma ilegal”. 

 

Registro do lançamento da Aliança dos Povos das Florestas. Fonte: Mídia Ninja.

No dia 12 de março de 2020, quando a Resex Chico Mendes completou 30 anos, Luíza Carlota, extrativista da Resex e da Associação de Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes de Brasileia e Epitaciolândia (Amopreabe), esteve à frente de um movimento formado por extrativistas que ocupou a sede do ICMBio em Brasileia contra o PL 6024/2019. Segundo Fábio Pontes, na Casa Ninja Amazônia (06/07/2020), Luíza disse que a simples apresentação do projeto que prevê a redução da área da UC vinha aumentando o desmatamento e a venda ilegal de lotes de terra. O desmatamento, segundo a notícia, também acelerou. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontaram que, no primeiro semestre do ano de 2020, a Resex Chico Mendes teve devastados quase sete quilômetros quadrados de mata, sendo 80% na região do Alto Acre.

O Comitê Chico Mendes promoveu no dia 16 de dezembro de 2020 o painel “Reservas Extrativistas e Povos Indígenas: Patrimônios Ameaçados” – parte da programação da 31° Semana Chico Mendes. O evento contou com a participação de Angela Mendes, Angélica Mendes, Bruna Lima, analista de políticas públicas e ativista socioambiental; Dinamam Tuxá, liderança indígena e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); e de Airton Faleiro, líder sindical e deputado federal (PT/PA). A conversa foi mediada por Rachel Dourado, ativista e integrante do coletivo Mídia Ninja. Entre os tópicos abordados no debate destacou-se a importância da existência de comunidades tradicionais na preservação ambiental, as lutas em torno das demarcações de terras e o legado histórico e político de Chico Mendes.

De acordo com reportagem de O Eco (20/12/2020), em 2020 a Resex passou a ser um dos principais centros exportadores de bezerros, novilhos e vacas do Acre para estados vizinhos. Com a escassez de bois em idade para abate provocada pela grande quantidade de vacas abatidas nos últimos anos, bezerros e novilhos passaram a ter valor de ouro no mercado da pecuária. No Acre, por exemplo, um bezerro que podia ser comprado por R$ 800 até a primeira metade do ano 2000, passou a ser vendido por cerca de R$ 2.000. Junto com a expansão da pecuária, a comercialização de terra é o que mais contribui para o aumento do desmatamento da Resex, diz a notícia. A analista ambiental e chefe da Resex Chico Mendes entre 2012 e 2016, Silvana Lessa, avalia que o grande problema para a unidade é a descontinuidade das políticas públicas que garantam preço e mercado para os produtos florestais.

A Polícia Federal (PF) deflagrou no dia 1° de junho de 2021 a Operação “Voo Tóxico”, que investigava a pulverização aérea de agrotóxicos nas proximidades da Resex Chico Mendes. Conforme mostrou reportagem de Mariana Franco Ramos, do portal De Olho nos Ruralistas (02/06/2021), o pecuarista César Moraes Nantes, dono da Fazenda Soberana, foi apontado como responsável pelos despejos. Os policiais federais cumpriram três mandados de busca e apreensão, além de outras medidas cautelares, em Rio Branco, Senador Guiomard e Xapuri. As ordens judiciais foram determinadas pela 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Acre. Segundo a notícia, a investigação da PF teve início a partir de denúncias recebidas pelo ICMBio de que um avião de pequeno porte, do tipo agrícola, estava sobrevoando áreas vizinhas da Resex e despejando herbicidas perto das casas dos moradores. O caso foi acompanhado pelo MPAC.

Durante anos, os defensores dos projetos Redd+, como o Fundo Mundial para a Natureza (WWF, ou World Wide Fund for Nature) e o Banco Mundial, propagandearam o programa do Redd+ no estado do Acre como modelo para o mundo. O Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM – sigla em inglês) conversou com Letícia Yawanawá, liderança indígena do Acre, e Dercy Teles de Carvalho sobre como esse projeto afetou a vida das mulheres em comunidades que dependem das florestas.

Segundo a notícia divulgada em 28 de abril de 2022, o WWF, que estava entre as ONGs internacionais que ajudaram a elaborar o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa), classifica o programa Redd+ do governo do Acre “uma iniciativa inédita e pioneira”. O programa recebeu forte apoio do Banco Mundial, que facilitou ao longo dos anos a visita de pessoas de ONGs e governos de outros países do Sul global ao Acre.

Na referida entrevista, o WRM conversou com Letícia Yawanawá buscando compreender a avaliação da indígena sobre os projetos de economia verde no Acre. Cabe ressaltar que Letícia atua no movimento indígena desde 1996 e foi conselheira da Organização das Mulheres Indígenas do Acre, Sul da Amazônia e Noroeste de Rondônia (Sitoakore) e também fez parte do Conselho Nacional das Mulheres Indígenas (Conami). Na opinião da liderança yawanawá:

“Faço uma avaliação muito negativa. Eu fiquei quase 6 anos como conselheira do SISA. Quando a coordenadora do REM/SISA chegava das COPs (Conferências do Clima da ONU), dizia que muitos indígenas seriam beneficiados. Daí eu começava a observar quais são os benefícios que os Povos Indígenas tinham. O que me lembro quando era coordenadora da SITOAKORE e andava muito nas terras indígenas na época, não vi nenhuma comunidade que tem um benefício desse programa REDD+. Além disso, a gente ainda tem terra para ser demarcada aqui e que nunca foi apoiado, é ainda uma luta a demarcação das terras. Em 2010, quando o governo do Acre assumiu a política do REDD+, decretou o ‘fogo zero’ e veio com a ‘bolsa verde’. Era um pago trimestral em compensação pelo fato que o povo não podia mais abrir uma roça na floresta, o que é um prejuízo cultural irrecuperável, porque as mulheres, tanto as indígenas como as mulheres das populações tradicionais extrativistas, sempre foram quem trabalhavam na roça. Com essa proibição a partir de 2010, deixaram de produzir. E a comida é uma das coisas fundamentais na vida, sem comida ninguém consegue viver e ser feliz. As mulheres plantavam legumes e vendiam. Hoje as pessoas dependem de comprar comida, arroz polido que vem de outro estado, do Mato Grosso. A ‘bolsa verde’ é uma esmola, não sei se já aumentou o valor, mas era 100 reais [menos de US 19 dólares] por mês. (…) Então, é uma coisa que afeta a vida das mulheres profundamente porque ela também deixa de passar para os filhos essa cultura, de se produzir aquilo que consome, sem agrotóxicos, de qualidade, na própria comunidade”.

Dercy Teles de Carvalho denunciou os impactos dos projetos na saúde das mulheres jovens, alertando casos de abuso sexual de menores:

“Hoje a gente vê as meninas de 14-15 anos com criança no braço, há casos de abuso sexual de menores e tem famílias destruídas. Mas fica no anonimato, fica invisível e fica por isso mesmo. Então a entrada dessas agentes externas levou a uma descaracterização profunda do modo de vida, e só deixaram ruína, nada de positivo”.

Sobre os impactos na vida das famílias extrativistas em Xapuri, Carvalho destacou:

“O desmatamento teve uma celeridade violenta nesse período do Bolsonaro no poder, de 2019, 2020, 2021, em função da desvalorização do extrativismo. Como o extrativismo não sustenta a demanda de consumo que foi colocado com a chegada dos ramais e a energia, as pessoas estão loteando as colocações, e na medida que elas loteiam cada um desmata um tanto de hectares, ou seja, vai se formando uma grande fazenda com muitos donos. Porque um vende 3 hectares, outro vende 5, outro vende 6. Hoje, você sai daqui de Xapuri e você adentra a reserva extrativista de um lado para outro pelo ramal, pela estrada. Sobre todo este processo que veio com o REDD+, minha perspectiva é que a gente consiga reverter esse quadro a partir de um processo educativo que fosse trabalhado junto a essas comunidades, numa linguagem acessível que as pessoas possam compreender. Até porque as pessoas não têm como se contrapor porque eles [os promotores do REDD+] usam uma linguagem que ninguém consegue compreender o que eles estão falando. E quando você não tem informação, você não tem argumento para se contrapor”.

A esperança se dá por meio do investimento no campo político, “de inserir as mulheres nesse debate para que elas compreendam esse processo porque nós somos a maioria no Brasil” – completou a líder extrativista.

Outro encontro denominado “Golpe Verde na Amazônia”, que tratou dos impactos do avanço das políticas de mercado verde, como o Redd+, aconteceu em 11 e 12 de junho de 2022, na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre. Segundo notícia divulgada no Combate Racismo Ambiental (14/06/2022), após dois anos de isolamento devido à pandemia de covid-19, o encontro Golpe Verde teve o objetivo de construir pontes e fortalecer a luta dos povos da floresta, além de discutir as ameaças dos projetos de economia verde. Os povos da floresta denunciaram que, além de se comportarem como falsas soluções, esses projetos pioram a situação social, climática e territorial por eles vivida.

Estiveram reunidos 20 povos indígenas das etnias Manchineri, Apurinã, Katukina Noke Kuí, Jamamadí, Jaminawa, Sharanawa, Huni Kuim, Shanenawa, Ashaninka, Madiha, Kuntanawa, Jaminawa-Arara, Jaminawa do Igarapé Preto, Marubo, Arara, Apolima-Arara, Kanoé Rondonia, Oro Wari Rondonia, Bororo, Nukini, Nawa, além de pequenos agricultores, trabalhadores rurais extrativistas, representantes das organizações Cimi, WRM, Amigos da Terra Brasil, Sempre Viva Organização Feminista (SOF), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores Sem Terra de Rondônia (MST-RO) e o Movimento dos Pequenos Agricultores de Rondônia (MPA – RO). Trecho do documento final deste encontro afirmava:

“Chegamos à conclusão que estes projetos da economia verde, ao invés de solucionar, agravam as ameaças sobre nossos territórios e a própria crise climática e ambiental. Trata-se na verdade de esquemas de pagar para poluir, de gerar pretextos para viabilizar a continuada queima de combustíveis fósseis e o continuado crescimento econômico capitalista. Os esquemas de compensação climática e ambiental, de fato, andam de mãos dadas com a destruição exercida pelos megaprojetos e invasões diretas em nossos territórios. As falsas soluções, assim como os mercados de carbono, prosperam na medida em que ameaças e violência aumentam”.

O documento “Encontro Golpe Verde na Amazônia” está disponível na íntegra aqui: https://shre.ink/ruAa.

Gumercindo Rodrigues, conhecido como Guma, agrônomo e assessor de Chico Mendes na formação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, enquanto celebrava a estátua de Chico Mendes que foi colocada em praça pública de Xapuri, discursou sobre a história de seu amigo e a situação atual dos seringueiros no Acre. Segundo Leonardo Fuhrmann, do De Olho nos Ruralista (14/09/2022), com uma das mãos no pé da estátua, Guma citou as inúmeras tentativas de tentar manchar a imagem do sindicalista e fez um alerta: “A situação dos seringueiros na região hoje é muito parecida com a que eles viviam na época em que Mendes foi assassinado”.

A equipe de reportagem do De Olho nos Ruralistas acompanhou a inauguração da estátua e constatou uma impressão comum entre os entrevistados de que a sensação de insegurança se assemelhava àquela vivida no fim da década de 1980. Entre os pontos em comum, os entrevistados destacavam a pressão da pecuária sobre os territórios de extração da borracha e o discurso de ódio contra os povos do campo. Segundo a notícia, inclusive os personagens tampouco são muito diferentes. Por exemplo, Darly Alves, o fazendeiro condenado como mandante do assassinato de Chico Mendes, participa de grupos defensores do então presidente da República, Jair Bolsonaro, que fazem ataques aos seringueiros e à história de Chico Mendes.

Entre os ataques, a estátua de Chico Mendes que fica na capital Rio Branco vem sendo derrubada constantemente, segundo consta em diversas mídias. No entanto, as intenções em atacar seu legado vão muito além do ato simbólico de derrubar a estátua do líder seringueiro. Segundo dados do Terra Brasilis, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), a Resex Chico Mendes foi a terceira área de proteção com maior desmatamento do Brasil entre 2019 e agosto de 2022. Nesse período, foram destruídos mais de 145 quilômetros quadrados de mata nativa, segundo dados reunidos por Leonardo Fuhrmann, do De Olho nos Ruralistas (14/09/2022).

Diante de tantos fatos de agressão aos extrativistas e outros povos da floresta que vivem no estado do Acre, em dezembro de 2022 o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) ingressou com uma ação contra o governo federal pelos danos causados à floresta e aos moradores da Resex Chico Mendes.

De acordo com Maria Fernanda Ribeiro, da Amazônia Real (22/12/2022), um pedido de indenização no valor de 283,8 milhões de reais contra a União por danos decorrentes do desmatamento e pelas consequências sofridas pelas comunidades da Resex Chico Mendes, no Acre, entrou em curso na Justiça Federal. A Ação Civil Pública (ACP) motivada pela omissão do Estado nas ações de fiscalização foi protocolada em dezembro pelo IEA e apresentada aos moradores da reserva durante a 33ª Semana Chico Mendes, realizada entre 17 e 22 de dezembro de 2022, nos municípios de Xapuri e Rio Branco.

Ribeiro também destaca que Willian Flores, professor da Ufac que elaborou o parecer técnico para embasar a ACP, disse que houve a queimada de 147 mil hectares dentro da reserva no período de 2005 a 2021. E nos anos de 2019, 2020 e 2021, sob o governo de Jair Bolsonaro, as ocorrências de derrubada de mata mostraram uma mudança sem precedentes no padrão do desmatamento e do comportamento dos invasores. Se, em 2017, a taxa de desmatamento foi de 2.112 hectares, em 2021 saltou para 8.803 hectares, segundo dados do Inpe.

“Além de um aumento da área derrubada, há grandes desmatamentos em áreas isoladas, que são mais custosas para se fazer. Tudo isso mostra um descontrole, uma ausência de ação pública, de comando e de controle, e de não produzir alternativas de uso sustentável para essa região, pois não se conserva só com repressão. Se as pessoas passam dificuldades, elas vão arrumar seus meios”- afirmou o professor Flores.

O Sistema de Alerta do Desmatamento (SAD), fornecido pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), confirmou a situação alarmante da Resex Chico Mendes. Segundo o SAD, a unidade ficou entre os primeiros lugares do ranking entre setembro e novembro de 2022, acumulando 42 quilômetros quadrados, ou 4.200 hectares de área desmatada. Só em setembro, quando ocupou o primeiro lugar entre as unidades de conservação, foram quase 26 quilômetros quadrados, ou 2.600 hectares, de desmatamento.

Raimundo Mendes de Barros, primo, companheiro de luta de Chico Mendes e morador da Resex, afirmou que há extrativistas vendendo pedaços de terra para pessoas que chegam de fora. De acordo com seu relato publicado na agência Amazônia Real:

“Minha esperança é que com essa ação a gente dê um basta nessa desordem que está dentro da nossa reserva, com nossos companheiros se dando o direito de vender o que não é propriedade deles porque não somos proprietários, somos legítimos possuidores e cuidadores, foi para isso que a gente lutou e foi isso que o Chico em vida defendeu para que a nossa categoria pudesse ter sossego (…). Estão entregando um bem tão precioso que é a nossa floresta a preço de nada. E os que estão comprando precisam ser punidos com rigor porque estão destruindo a nossa vida.”

De acordo com Mary Allegretti, então presidente do IEA, a ação foi elaborada a partir de um pedido de Angela Mendes, filha de Chico Mendes. “O que a gente quer é que não fique por isso mesmo. Não é uma solução mágica, é uma guerra, mas agora temos um instrumento na mão para enfrentar essa batalha. E esse é o espírito que sempre marcou as lutas e o trabalho no Acre” – explicou Allegretti na reportagem de Maria Fernanda Ribeiro, da Amazônia Real (22/12/2022).

O Ministério Público Federal no Acre (MPF/AC) acatou o processo e se comprometeu a atuar na ação. Lucas Costa Almeida Dias, procurador regional dos Direitos do Cidadão do MPF/AC, afirmou durante a Semana Chico Mendes que se trata da primeira ACP no estado com esse aprofundamento ambiental. “Estamos falando de um trabalho de primeiro nível, de algo muito novo. E por ser muito novo é mais difícil porque pode haver resistência. Esse é o primeiro passo, mas não o último.”

Em janeiro de 2023 o MPF emitiu parecer favorável à ACP movida pelo IEA, que pediu à Justiça Federal indenização contra a União, Ibama e ICMBio pelos danos causados pelo desmatamento e consequências sofridas pelas comunidades da Resex Chico Mendes. De acordo com notícia do MPF/AC, republicada por Combate Racismo Ambiental (13/01/2023), no documento do referido processo, o MPF pede para migrar para o polo ativo da demanda e figurar como coautor da ação juntamente com o IEA, e também que fosse realizada audiência pública na Resex Chico Mendes para ouvir as comunidades envolvidas. O MPF se manifestou favorável aos pedidos de indenização dos danos morais e materiais contra o meio ambiente e a comunidade local.

De acordo com Fabio Pontes, do Nexo Jornal (18/03/2023), buscando ampliar e diversificar seus lucros, fazendeiros do Acre investem cada vez mais em projetos de mercado de carbono. Para isso, destinam as áreas remanescentes de florestas dentro das propriedades, a reserva legal, para o chamado sequestro de carbono. A título de esclarecimento, o “sequestro de carbono” é a expressão utilizada para definir o processo de retirada de gás carbônico (CO2) da atmosfera para transformá-lo em oxigênio. Esse processo é feito naturalmente pelo solo, florestas e oceanos, através da fotossíntese (Politize, 2021).

Na opinião de Antônio Sergione Freitas, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Acre (Fetacre): “Com essa expectativa de mercado de carbono está se gerando muitos conflitos agrários. Só esse ano já participamos de dois movimentos que tiram o sono dos trabalhadores. Um no município de Feijó e agora em Xapuri. Isso aponta para que seja motivo para muitos conflitos agrários daqui pra frente”.

Ainda com base em dados do Nexo Jornal, ao se destinar a reserva legal da Fazenda Soberana para a venda de carbono, o fazendeiro Júlio César Moraes Nantes decidiu entrar com mandados de reintegração de posse contra as famílias de seringueiros que vivem na região ao menos desde a década de 1970. Elas afirmam viver na área que formava o antigo Seringal Nazaré muito antes da compra da propriedade pelo Grupo Bordon. O andamento do referido processo de reintegração de posse pode ser acompanhado no seguinte endereço eletrônico: https://shre.ink/ruOf.

Cabe ressaltar que o Seringal Nazaré ficou de fora dos limites da Resex Chico Mendes, numa área vizinha. Pelo menos 30 famílias de extrativistas e seus descendentes correm o risco de serem expulsas nesse conflito. Entre eles está o seringueiro Antônio Cândido da Silva, de 70 anos. Segundo Fabio Pontes, o filho de Antônio foi notificado no dia 03 de março de 2023. Ele ganhou do pai uma área de 50 hectares para morar com a mulher e os filhos. A família ainda trabalha com extração do látex e coleta de castanha para sobreviver, além do roçado e criação de animais. Nas palavras de Antônio: “Tudo o que existe dentro daquela área lá foi através dessa luta que a gente fez em defesa do seringueiro, contra o desmatamento feito pela Bordon. O juiz [Luis Gustavo Alcalde Pinto, da Vara Cível de Xapuri,] deu prazo de cinco dias para o meu filho sair da área que eu dei para ele. Como pode isso acontecer dentro de uma área que é minha?”

Em resumo, a falta de regularização fundiária do Seringal Nazaré é o que faz a Fazenda Soberana reivindicar a posse como reserva legal. Ao ficar de fora da Resex Chico Mendes, o antigo seringal não foi transformado num projeto de assentamento extrativista (PAE) pelo Incra, sendo essa a destinação da maioria dos seringais no entorno. Na região, o Seringal Nazaré ficou conhecido como “área branca” por estar fora dos limites da Resex Chico Mendes e não ter passado por regularização fundiária. Com isso, as famílias de extrativistas e seus descendentes são chamados de “posseiros”, deixando-os em situação de insegurança jurídica.

A reportagem de Bruna Obadowski e Ahmad Jarrah, republicada por IEA (16/08/2023), mostra que uma lacuna que perdura há anos é a ausência do “Perfil da Família Beneficiária”. Para contextualizar, em 2013 foi publicada a Instrução Normativa nº 35, de 27 de dezembro de 2013, do ICMBio, com os procedimentos para a elaboração e homologação desse perfil de famílias beneficiárias em reservas extrativistas, o que poderia ter sido o início da solução para essa questão. No entanto, segundo apurado na reportagem, um dos fatores que explicam a questão da ausência de perfil é que cada vez mais pessoas de outras regiões do país têm migrado para dentro das Resex da Amazônia.

Em maio de 2023, foi realizado um debate sobre a definição do perfil de famílias beneficiárias da Resex Chico Mendes durante reunião ordinária do seu Conselho Deliberativo, em Rio Branco. O encontro contou com a participação de representantes do ICMBio, onde atualmente o processo se encontra em andamento. Mas, mesmo após três décadas da criação, esse perfil – essencial para determinar quais famílias podem ou não ser contempladas com benefícios na unidade de conservação – ainda não existe.

Para Raimundo Mendes de Barros, ou Raimundão, extrativista e ativista ambiental, além de primo de Chico Mendes, com a definição do perfil do beneficiário, aqueles que não se enquadrarem por exercerem atividades e ocupações irregulares serão obrigados a deixar a reserva. “Se você não tem o perfil definido, qual critério eu vou adotar para dizer que o Chico pode e o José não pode?” – questionou.

No entanto, o perfil não é o único problema burocrático. Wendel Silva Araújo, presidente da Associação dos Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes em Assis Brasil (Amopreab), e diretor do Coletivo de Jovens Varadouro, destacou outra situação: a ausência de um cadastro oficial e a desatualização da lista de moradores da Resex junto ao ICMBio.

Segundo a reportagem, mesmo tendo nascido na reserva extrativista, seu nome não consta na lista de moradores. Essa lista, criada a partir de um censo realizado pelo ICMBio em 2009, é fundamental para o acesso das famílias às políticas públicas, incluindo o “Bolsa Verde”. A mãe de Wendel, que enfrenta problemas de saúde mental, também não consta na lista, o que a impede de acessar os documentos necessários para receber benefícios sociais. “Somos invisíveis” – desabafou Araújo.

Em setembro de 2023, 35 anos após Chico Mendes escrever a famosa “Carta aos Jovens do Futuro”, que se tornou um marco na luta dos trabalhadores da floresta, um grupo de jovens composto por extrativistas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, entre outros representantes dos povos tradicionais, escreveram a “Carta da Juventude das Florestas”, documento contendo reivindicações encaminhado ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com o Memorial Chico Mendes (12/09/2023), a carta foi entregue em setembro de 2023 à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Marina Silva (Rede), em Brasília, durante a Semana da Sociobiodiversidade, que reuniu mais de 230 extrativistas da Amazônia. Entre as reivindicações contidas na “Carta da Juventude das Florestas” estão temas como a regularização fundiária e ambiental, construção de políticas de reparação à formação educacional das populações extrativistas, além da criação do Fundo da Juventude das Florestas, com o objetivo de fortalecer as organizações de base e atividades recreativas. O documento encontra-se disponível aqui: https://shre.ink/ruJM.

Mais de 250 lideranças dos territórios tradicionais de uso comum, representando coletivos, associações, cooperativas e sindicatos, com presença marcante na luta em defesa das populações extrativistas, participaram do VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas entre os dias 13 e 17 novembro de 2023, no Campus Darcy Ribeiro, Centro Comunitário Athos Bulcão, na Universidade de Brasília (UnB).

Com a temática “Populações tradicionais extrativistas, em defesa da floresta e do clima”, o Congresso foi promovido pelo Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS). Segundo Júlio Barbosa de Aquino, presidente do CNS, o objetivo era sintetizar novas ideias que reforçarão o plano de ação pela criação de novos territórios, consolidação das áreas existentes e proteção das populações tradicionais. Um dos temas debatidos no congresso foi o lugar das mulheres nas lutas por direitos dos povos das florestas por meio do “Fórum das Mulheres do Campo das Florestas e das Águas em Defesa do Clima”.

O papel de mulheres seringueiras também ganhou destaque na matéria de Carlos Minuano publicada no UOL em novembro de 2023. No entanto, “até pouco tempo ninguém falava em mulher seringueira” – disse Maria Araújo de Aquino, que há décadas trabalha na extração da borracha no seringal Dois Irmãos, na Resex Chico Mendes, em Xapuri, mas reclama que, como tantas outras, não é reconhecida como produtora, apenas como auxiliar.

Segundo a matéria, no Acre, as extrativistas estão se organizando para lutar por direitos e esse movimento de organização das seringueiras começou a ganhar corpo há cerca de uma década com a criação de um fórum de mulheres, que abrange quatro municípios do Alto Acre, incluindo Xapuri.

“É um espaço de diálogo e articulação para dar visibilidade ao trabalho das mulheres seringueiras”, explicou a seringueira Leide. O fórum inclui também outras categorias, como agricultoras e extrativistas indígenas. Mas o objetivo é um só: garantir a participação delas nos espaços de decisão de políticas públicas, do processo de discussão e desenvolvimento da região, conforme noticiou Carlos Minuano.

Um dos projetos que envolve seringueiras do Acre é chamado “Mulheres da Borracha”, desenvolvido pela ONG SOS Amazônia, Instituto de Desenvolvimento Social (IDS) e a empresa francesa de tênis Veja (que no Brasil se chama Vert). O projeto busca reconhecer, valorizar e ampliar a consciência das mulheres sobre a importância de sua participação na produção de borracha como também no ambiente familiar e social (Blog SOS Amazônia, 2023).

Uma das articulações mais recentes, de acordo com Leide, foi organizar a participação das seringueiras na 7ª Marcha das Margaridas, que aconteceu em Brasília em agosto de 2023. O projeto viabilizou a participação de uma delegação de 65 mulheres, entre extrativistas, ribeirinhas, agricultoras, lideranças e técnicas. De Xapuri, foram 25 mulheres. A iniciativa aconteceu por meio de uma parceria entre a ONG SOS Amazônia, a Resex Chico Mendes, cooperativas locais e a empresa Veja/Vert, que compra borracha de famílias de seringueiros do bioma amazônico.

Em dezembro de 2023, lideranças extrativistas defenderam na 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas / Conferência das Partes (COP28), que aconteceu em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, os direitos e a permanência dos povos tradicionais na floresta como forma de resistência e enfrentamento às mudanças climáticas. Segundo publicação do Memorial Chico Mendes (06/12/2023), a líder extrativista Letícia Moraes escreveu um importante capítulo na trajetória de luta dos povos da floresta ao participar da discussão sobre a emergência climática na conferência.

De acordo com a nota, Moraes, que é vice-presidente do CNS, foi uma das palestrantes do painel “Protagonismo Indígena e de Comunidades Locais no Enfrentamento à Crise Climática”, realizado no dia 05 de dezembro de 2023, no Pavilhão do Brasil, na COP28. O painel destacou como esses grupos têm sido fundamentais na conservação do meio ambiente, na promoção da sustentabilidade e na defesa dos direitos territoriais tradicionais.

Em seu depoimento, Letícia afirmou: “É uma emoção estar participando de uma COP, algo que a gente só ouviu falar ou leu histórias a respeito, mas principalmente de estar aqui para dizer que os nossos corpos também estão presentes nessa luta e que precisamos ser ouvidos, visibilizados e, sobretudo, ter as nossas histórias respeitadas”.

 

Atualizado em fevereiro 2024.

 

Cronologia

Década de 1970 – O declínio do preço da borracha no mercado internacional leva os seringalistas do Acre a um estado de falência. Dívidas com bancos oficiais são pagas, muitas vezes, com a venda de terras.

Década de 1980 – Povos e comunidades tradicionais da Floresta Amazônica no Acre ganham visibilidade política. Chico Mendes é eleito vereador no município de Xapuri pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e, posteriormente, se filia ao Partido dos Trabalhadores (PT).

1985 – Cerca de 130 seringueiros se reúnem em Brasília, constituindo uma diretoria provisória para o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS). Acontece o I Encontro Nacional dos Seringueiros (ENS) em Brasília. O CNS também formula a proposta inicial de criação das Reservas Extrativistas (Resex).

1986 – É estabelecida a Aliança dos Povos da Floresta, marcada por uma comitiva de indígenas e seringueiros que se deslocam até Brasília para reivindicar seus direitos.

1987 – São criados, por meio da Portaria 627 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de 30/07/1987, os Projetos de Assentamentos Extrativistas (PAEs).

1988 – Chico Mendes, em depoimento gravado, define o conceito das Reservas Extrativistas.

22 de dezembro de 1988 – Chico Mendes é assassinado por Darci Alves a mando do seu pai, o grileiro de terras Darly Alves.

1989 – É realizado, no Acre, o I Encontro da Aliança dos Povos da Floresta, com cerca de mil indígenas e seringueiros. O CNS define seu estatuto.

1990 – Criação das Reservas Extrativistas (Resex) por meio do Decreto N° 98,897, de 30 de janeiro de 1990.

1990 – Decreto nº 99.144, de 12 de março de 1990, cria a Resex Chico Mendes, com uma área aproximada de 970.570 hectares.

1990 – Judiciário condena Darly Alves e seu filho, Darci Alves, a 19 anos de prisão pelo assassinato de Chico Mendes.

1993 – Darci e Darly fogem da prisão.

1996 – Darci e Darly são recapturados e voltam a cumprir pena na prisão.

1999 – Darci e Darly ganham direito ao regime semiaberto.

1999 – Governo do Acre cria o Programa de Manejo Florestal Comunitário e uma série de ações visando o incentivo aos chamados “serviços ambientais”.

2000 – É sancionada a Lei n° 9.985, de 18 de julho de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) e regulamenta as Resex.

Outubro de 2008 – Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (MJ) aprova a condição de anistiado político post-mortem de Chico Mendes.

2008 – Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Xapuri lança nota pública e repudia a operação “Reserva Legal” do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Fevereiro de 2009 – É realizado o Censo Comunitário na Resex Chico Mendes.

2010 – É criado o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa), por meio da Lei Estadual do Acre n° 2.308/2010.

2012 – É criada a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis (Sedens) pelo governo estadual do Acre.

2012 – Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) concede licença ambiental à Associação dos Moradores e Produtores da Resex Chico Mendes em Xapuri (Amoprex) para exploração de “madeira manejada” no interior da Resex.

2012 – O jornal Correio Braziliense publica documentos oficiais que revelam que Chico Mendes era monitorado pelos Serviço Nacional de Informações (SNI) uma década antes de sua execução.

2012 – Início do Projeto Purus de comercialização de créditos de carbono. O projeto abrange cerca de 34,7 mil hectares dos seringais Itatinga e Porto Central, nos municípios de Manoel Urbano e Sena Madureira, onde vivem 18 comunidades de seringueiros, posseiros e pescadores.

2013 – É criada a Lei 12.892, de 13 de dezembro de 2013, que declara Chico Mendes como “Patrono do Meio Ambiente Brasileiro”. Congresso Nacional realiza sessão solene em homenagem aos 25 anos de seu assassinato.

Dezembro de 2013 – Reportagem publicada por Verena Glass, do Repórter Brasil, denuncia aumento do desmatamento e criação de gado na Resex Chico Mendes.

2013 – Movimentos sociais, seringueiros e extrativistas denunciam projetos ligados ao mercado de carbono no Acre.

Novembro e dezembro de 2013 – Relatora do Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca) visita o Acre para averiguar denúncias sobre os projetos ligados ao mercado de carbono.

Julho de 2014 – Ocorre a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) na Universidade Federal do Acre (Ufac). Mary Allegretti faz uma avaliação sobre as Resex na Amazônia.

Dezembro de 2014 – Relatório preliminar da Plataforma Dhesca que sistematiza violações de direitos humanos causadas pela economia verde no estado do Acre é divulgado na 20ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 20), em Lima, no Peru.

28 de setembro de 2015 – A Plataforma Dhesca lança o Relatório Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violação de direitos no Estado do Acre.

2017 – Lançamento do livro Reserva extrativista Chico Mendes: dos “empates” à “pecuarização”?, de Márcia Cristina Pereira de Melo Fittipaldy, que denuncia a expansão da pecuária na Resex Chico Mendes e os impactos para as famílias extrativistas.

26 a 28 de maio de 2017 – Representantes de comunidades tradicionais e indígenas do interior do Acre se reúnem e denunciam “Os efeitos das políticas ambientais/climáticas para as populações tradicionais”. Documento Declaração de Xapuri é protocolado nos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e das Relações Exteriores (MRE).

Julho de 2017 – Lideranças que assinaram a Declaração de Xapuri sofrem ameaças. É lançada Carta de Moção de Repúdio em solidariedade aos indígenas e seringueiros.

15 a 17 de junho de 2018 – Acontece o “IV Encontro de Formação e Articulação dos Povos das Florestas no Enfrentamento das Falsas Soluções”, em Sena Madureira (AC).

Dezembro de 2018 – Acontece o “Encontro Chico Mendes 30 anos: Uma Memória a Honrar. Um Legado a Defender”, em Xapuri (AC).

Janeiro de 2019 – Neta de Chico Mendes, Angélica Mendes, defende seu legado em redes sociais.

Janeiro de 2019 – Jair Bolsonaro assume a Presidência da República. Lideranças históricas do extrativismo em Xapuri relatam temer retrocessos.

Fevereiro de 2019 – Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, diz em rede pública que desconhecia Chico Mendes. Comitê Chico Mendes divulga Nota Pública em resposta às declarações de Salles.

Junho de 2019 – Parlamentares do Partido dos Trabalhadores (PT) e movimentos sociais lançam o “Empate dos Povos da Amazônia” em evento realizado no Salão Verde da Câmara dos Deputados, em Brasília.

Setembro de 2019 – Grupo de Defesa de Empate pela Amazônia, que conta com membros do Comitê Chico Mendes, apresenta documento ao Ministério Público Estadual do Acre (MPAC) para que o órgão abra uma investigação sobre os impactos ambientais no Acre.

2019 – Projeto de Lei (PL) 6024, de 2019, de autoria da deputada federal Mara Rocha, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB/AC), propõe alterar os limites da Resex Chico Mendes, com redução de cerca de 8 mil hectares.

Novembro de 2019 – Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, realiza reunião com a “bancada do estado do Acre” com participação de cinco infratores ambientais cujos crimes foram cometidos dentro da Resex Chico Mendes. O objetivo é discutir o Projeto de Lei (PL) 6024, de 2019, que reduz os limites físicos da Resex Chico Mendes.

Novembro de 2019 – Presidente do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) do município de Xapuri, Josemar da Silva Conde, é assassinado.

15 de janeiro de 2020 – Ao lado do cacique Raoni, Ângela Mendes e Sônia Guajajara oficializam o lançamento da Aliança dos Povos das Florestas.

12 de março de 2020 – A Resex Chico Mendes completa 30 anos. Luíza Carlota, extrativista da Resex, lidera movimento formado por extrativistas que ocupa a sede do ICMBio, em Brasileia, contra o PL 6024.

16 de dezembro de 2020 – Comitê Chico Mendes promove o painel “Reservas Extrativistas e Povos Indígenas: Patrimônios Ameaçados” como parte da programação da 31ª Semana Chico Mendes.

1° de junho de 2021 – Polícia Federal (PF) deflagra a Operação “Voo Tóxico”, que investiga a pulverização aérea de agrotóxicos nas proximidades da Resex Chico Mendes. O caso é acompanhado pelo MPAC.

Abril de 2022 – Mulheres indígenas e seringueiras denunciam impactos dos projetos de economia verde no Acre.

11 e 12 de junho de 2022 – Encontro denominado “Golpe Verde na Amazônia”, na cidade de Cruzeiro do Sul, no Acre, denuncia os projetos de economia verde.

Agosto de 2022 – Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) divulga que a Resex Chico Mendes é a terceira área de proteção com maior desmatamento do Brasil no período de 2019 a agosto de 2022.

Dezembro de 2022 – O Instituto de Estudos Amazônicos (IEA) ingressa com Ação Civil Pública (ACP) contra o governo federal pelos danos causados à floresta e aos moradores da Resex Chico Mendes. Ministério Público Federal no Acre (MPF-AC) acata o processo e se compromete a atuar na ação.

Janeiro de 2023 – MPF emite parecer favorável à ACP movida pelo do IEA.

Maio de 2023 – É realizado debate sobre a definição do perfil de famílias beneficiárias da Resex Chico Mendes durante reunião ordinária do Conselho Deliberativo da Resex Chico Mendes, em Rio Branco.

Agosto de 2023 – Mulheres seringueiras de Xapuri participam da 7ª Marcha das Margaridas em Brasília.

Setembro de 2023 – Grupo de jovens extrativistas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas, entre outros representantes dos povos tradicionais. escreve “Carta da Juventude das Florestas”, documento contendo reivindicações encaminhado ao presidente da República, Luíz Inácio Lula da Silva.

13 a 17 novembro de 2023 – Acontece o VI Congresso Nacional das Populações Extrativistas no Campus Darcy Ribeiro, Centro Comunitário Athos Bulcão, na Universidade de Brasília (UnB).

Novembro de 2023 – O papel de mulheres seringueiras ganha destaque em matérias jornalísticas.

Dezembro de 2023 – Lideranças extrativistas defendem na COP28 os direitos e a permanência dos povos tradicionais na floresta como forma de resistência e enfrentamento às mudanças climáticas.

 

Fontes

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