Assentados do Projeto de Assentamento Jatobá lutam por políticas de acesso e permanência na terra e por serviços básicos de saúde, educação, transporte e saneamento

UF: RR

Município Atingido: Cantá (RR)

Outros Municípios: Caracaraí (RR)

População: Agricultores familiares, Posseiros

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta de saneamento básico

Danos à Saúde: Doenças mentais ou sofrimento psíquico, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

No limite entre os municípios de Cantá (RR) e Caracaraí (RR), a 139 quilômetros da capital Boa Vista (RR), está o Projeto de Assentamento (PA) Jatobá. Segundo a relação de beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), atualmente há 250 assentados nos limites do assentamento.

O PA Jatobá foi reconhecido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 13 de dezembro de 2005. Desde então, estão em debate questões relacionadas às condições de moradia dos assentados, infraestrutura de transporte, acesso a serviços públicos e, evidentemente, às políticas de acesso e permanência na terra.

As lutas que permeiam a vida no PA Jatobá se iniciam já no âmbito locacional, pois a área se localiza predominantemente em Caracaraí (RR), mas seu principal acesso é por Cantá (RR). Essa conjuntura gera dúvida nos assentados, sobretudo em relação à responsabilidade dos respectivos poderes municipais pela assistência pública local (Da Silva, 2019).

Junto às famílias que residem no assentamento, destaca-se o trabalho do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) nos processos de ocupação e luta pela terra (Da Silva, 2019). O PA Jatobá também conta com apoio de organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Roraima do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (SESDUFRR/Andes).

A falta de acesso a serviços básicos de saúde, educação, transporte e saneamento são as principais causas de evasão dos lotes concedidos (Da Silva, 2019). Entre os anos de 2021 a 2025, porém, houve episódios como a suspensão de ordens de despejo e/ou de pedidos de reintegração de posse, além da liberação de verba para auxílio à permanência no assentamento (MST, 2021; STF, 2021; Incra, 2025). Esses acontecimentos são fruto da mobilização e organização política dos assentados na luta pela terra.

 

Contexto Ampliado

Em abril de 2005, Roraima teve um capítulo importante no contexto de reforma agrária e acesso à terra. O anúncio do pacote de medidas de regularização fundiária do estado, que incluiu pequenos agricultores no Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA), também contou com a estimativa de aumento de proprietários rurais (Radiobrás, 2005).

Na época, quem presidia o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) era Rolf Hackbart. Segundo o órgão, o pacote de medidas seria importante para a titularização de terras ocupadas ilegalmente e, em outros casos, com uso autorizado pelo Incra em momentos passados. O processo de regularização, nesse caso, é essencial para que agricultores tenham acesso a crédito e outras formas de financiamento (Radiobrás, 2005).

No contexto, o então coordenador regional da Comissão Pastoral da Terra (CPT), padre Ralf Albert Weissensting, criticou as políticas agrárias do governo do estado, à época representado por Ottomar Pinto (PTB). Para Weissensting, os investimentos em construção de estradas para escoamento de soja ocorreriam em detrimento da consolidação da agricultura familiar (Agência Brasil, 2005; Radiobrás, 2005).

O coordenador da CPT Roraima, nesse caso, se refere a rodovias como a RR-319, conhecida por “Transarrozeira”, que liga os municípios de Boa Vista (RR) e Normandia (RR). Idealizada na década de 1970, a rodovia está no centro de conflitos de interesses, pois seus 880 quilômetros atravessam boa parte da Amazônia brasileira (BBC, 2024).

O anúncio do pacote de medidas ocorreu de forma complementar à homologação da demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa do Sol, que destinou 1,7 milhões de hectares aos indígenas Ingarikó, Macuxi, Patamona, Taurepang e Wapichana (Terras Indígenas no Brasil, 2025). O ato causou discordâncias por parte do governo estadual e proprietários de terra, culminando no decreto de luto de sete dias por Ottomar Pinto (PTB).

Segundo o governador, a demarcação inviabilizaria a cultura de arroz. Para o padre Ralf Weissensting, a reação de Pinto configurou uma “atitude ideológica para fomentar as aversões contra o governo federal”, em 2005 representado por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) (Agência Brasil, 2005).

Em 13 de dezembro de 2005, houve a criação legal do Projeto de Assentamento (PA) Jatobá pelo Incra. A área reservada já era objeto de disputa entre posseiros e latifundiários, estes últimos se utilizando de homens armados (“jagunços”) para pressionar os primeiros (Da Silva, 2019).

Após o reconhecimento do PA Jatobá, os assentados passaram aproximadamente quatro anos, entre 2006 e 2010, residindo fora da agrovila, por conta da condição precária das estradas e vicinais de acesso à sede e aos lotes do assentamento (Da Silva, 2019).

Em 18 de novembro de 2006, o Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) publicou o requerimento de interdito proibitório reclamado pela Madeireira Vale Verde contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O juiz responsável pela ação foi Jarbas Lacerda de Miranda (TJRR, 2006).

A partir de 2007, topógrafos do Incra trabalharam na demarcação de lotes e áreas de uso – plantio, preservação e estradas – do PA Jatobá (Da Silva, 2019). Em 2008, por fim, os documentos oficiais da demarcação chegaram às famílias contempladas. A partir desse momento, o assentamento possuía oficialmente uma área de 13.997 hectares, lotes de aproximadamente 60 hectares e capacidade para 223 famílias (Da Silva, 2019).

 

Localização do PA Jatobá. Fonte: Da Silva, 2019.

 

Em dezembro de 2014, a Polícia Federal (PF) realizou a Operação “Xilófagos”, em Roraima, para desarticular um esquema corporativo de desmatamento ilegal. Entre as empresas envolvidas, estava a Madeireira Vale Verde, que movia ação judicial contra o PA Jatobá (Folha BV, 2014).

Ano após ano, os assentados de Jatobá se fixaram na área e se apropriaram da terra devoluta. Entre os anos de 2017 e 2018, frutos do processo de organização política no assentamento foram colhidos (Da Silva, 2019).

Um desses frutos foi a regularização da Associação dos Produtores Rurais do PA Jatobá, em 2017. O MST estava presente já nas primeiras reuniões da associação, incentivando a organização coletiva. De acordo com a pesquisadora Laurinete da Silva, além do MST, a CPT e a Igreja, tanto católica quanto evangélica, foram indicadas pelos assentados como as instituições mais presentes no PA Jatobá (Da Silva, 2019).

Além delas, foram citadas também a Universidade Federal de Roraima (UFRR), a Universidade Estadual de Roraima (UERR), o Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Boa Vista e a Secretaria de Estado da Agricultura, Desenvolvimento e Inovação (Seadi/RR), à época Secretaria de Agricultura e Pecuária de Roraima (Seapa/RR) (Da Silva, 2019; Assembleia Legislativa do Estado de Roraima, 2022).

Em 09 de novembro de 2018, foi realizada no PA Jatobá a II Oficina sobre políticas agrárias, urbanas e ambientais. O evento ocorreu a partir da parceria entre a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Roraima do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (SESDUFRR/Andes) e a Associação dos Produtores Rurais do PA Jatobá, com apoio do MST e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

 

Cartaz do evento realizado no PA Jatobá. Fonte: SESDUFRR, 2018.

 

Em agosto de 2019, foi publicada a Tese de Doutorado de Laurinete Rodrigues da Silva, intitulada “Questão Agrária e pobreza nos assentamentos de reforma agrária em Roraima: resistência e (Re)criação da identidade camponesa”. O trabalho, realizado no Programa de Pós-graduação em Geografia (PPGGeo) da Universidade Federal do Ceará (UFC), conta com uma densa pesquisa de campo no PA Jatobá.

Segundo Laurinete da Silva (2019), as atividades produtivas das famílias assentadas no momento de realização da pesquisa poderiam ser divididas em quatro categorias. A primeira delas seria a dos grupos que realizam apenas produção de subsistência; a segunda, dos que comercializam o excedente da produção de subsistência.

Já a terceira categoria compreenderia as famílias que não produzem nada, seja pela falta de recursos ou falta de área de plantação/extração, e compram seus próprios alimentos; por último, a quarta categoria engloba os grupos familiares que, mesmo possuindo terra produtiva e/ou recursos financeiros, por conta da dificuldade de acesso aos lotes concedidos, optam por desenvolver outras atividades geradoras de renda para a compra de alimentos. Um exemplo dessas atividades é a compra de alimentos fora do PA – geralmente em Boa Vista (RR) – para o comércio interno entre assentados.

No âmbito do acesso aos serviços básicos de saúde e educação, a pesquisa denuncia a situação de precariedade vivida pelos moradores do PA Jatobá. A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Cantá (RR) é a responsável pelo suporte técnico na área do PA. O assentamento não tem Unidade Básica de Saúde (UBS) e até o ano de 2019 contava com apenas um agente comunitário de saúde (ACS) para atender toda a população de, ao menos, 223 famílias (Da Silva, 2019).

Além disso, de acordo com as entrevistas anônimas realizadas entre 2018 e 2019 por Da Silva (2019), das doenças que atingiam a população do PA, a mais frequente era a malária. Segundo um morador, pessoas da comunidade já haviam contraído a doença, transmitida através da picada de mosquito, até quatro vezes, pois a reincidência da malária não recebia a devida atenção do poder público.

Em relação à educação, diversos pontos sensíveis permeavam o acesso às escolas pelos jovens e adultos do PA Jatobá. Os assentados, na mesma sequência de entrevistas, pontuaram a dificuldade de garantir o transporte escolar. Essa situação provocava a mudança de famílias para áreas mais centrais, como Boa Vista (RR), para manter seus jovens na escola (Da Silva, 2019).

Até o momento de publicação da pesquisa de Da Silva, o assentamento ainda não havia sido contemplado pelo Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), do Incra, que viabiliza projetos educacionais de desenvolvimento no campo. Para o funcionamento do programa, existem parcerias com instituições de ensino públicas e privadas, além de Organizações da Sociedade Civil (OSCs) (Da Silva, 2019; Incra, 2025).

Outros serviços públicos também eram inexistentes ou são insuficientes. A pesquisa de Laurinete da Silva também informa, por exemplo, que a rede elétrica não contemplava a área total do assentamento, e a parte atendida lidava com constantes interrupções no fornecimento de energia (Da Silva, 2019).

No PA Jatobá também não havia rede de esgoto e gestão de resíduos. Até 2019, pelo menos, o manejo do esgoto ocorria por meio de fossas sépticas, fossas rudimentares e, em casos extremos, descarte ao ar livre. Os resíduos orgânicos geralmente são usados como adubo, e a gestão de outros resíduos se dá pela queima de rejeitos e reaproveitamento ou reciclagem (Da Silva, 2019).

Finalmente, nesse sentido, o acesso à água também era um problema para os moradores do assentamento. Apesar da agrovila ter um poço artesiano e uma caixa d’água, a energia elétrica não era suficiente para realizar o bombeamento e a distribuição. A solução encontrada pelos assentados, nesse caso, era a perfuração de poços rasos (cacimbas) para a retirada de água (Da Silva, 2019).

Dessa forma, ao final de sua pesquisa, em 2019, Laurinete da Silva concluiu que as dificuldades estruturais vividas pelas famílias assentadas refletiam a impossibilidade de permanência em seus lotes. Para pesquisadores da questão agrária, como Claudemir Martins Cosme (2016), o conceito de “evasão” em casos como o do PA Jatobá deveria ser substituído por “expulsão”.

Para o autor, essa saída em massa é fruto das políticas de contrarreforma agrária aplicadas no campo brasileiro. Para ele, o aprofundamento da contrarreforma agrária se dá a partir de ações, sobretudo do Estado, que priorizam pautas do agronegócio em detrimento do campesinato (Cosme, 2016).

Entretanto, em meio a tantas dificuldades, a comunidade do Jatobá encontrou um caminho para produzir na área. No mesmo período de realização da pesquisa, entre 2018 e 2019, a partir da distribuição, por conta própria, de espaços coletivos aos camponeses que desejavam produzir, os moradores passaram a incentivar práticas agrícolas e aumentar a densidade demográfica do PA (Da Silva, 2019).

Entre os dias 05 e 09 de março de 2020, em Brasíia (DF), foi realizado o 1º Encontro Nacional de Mulheres do MST. Das cinco representantes de Roraima presentes, duas residiam no PA Jatobá: Felipa Carlos, de 55 anos, e Beane Freitas, de 26 (Brasil de Fato, 2020).

Em entrevista cedida para o Brasil de Fato (2020), Felipa Carlos contou um pouco de sua história. Disse que era empregada doméstica em Boa Vista (RR) antes de se mudar para o assentamento, onde, na época da reportagem, vivia há 13 anos. Além disso, a moradora do PA Jatobá elogiou a ação do MST na comunidade, principalmente pelo movimento tê-la auxiliado a prosseguir com os estudos. Por fim, ela relembrou a questão da falta de transporte na região do PA.

Beane Freitas também participou da reportagem e descreveu avanços no assentamento até aquele momento. Segundo ela, as melhorias envolviam principalmente a demarcação de espaços, a distribuição de energia elétrica e a existência de uma escola. Para a jovem, que era mãe de quatro crianças, o PA Jatobá era um lugar tranquilo para viver (Brasil de Fato, 2020).

Para as assentadas de Roraima, encontros como esse promovido pelo MST eram espaços de diálogo sobre os conhecimentos e as experiências populares, que fortalecem a luta de mulheres do e no campo (Brasil de Fato, 2020).

Cartaz do 1º Encontro Nacional das Mulheres do MST. Fonte: MST, 2020.

 

Ainda em março de 2020, pouco depois da realização do evento em Brasília (DF), teve início a pandemia de covid-19. Como na imensa maioria dos colégios brasileiros, a atividade escolar no PA Jatobá também passou a ocorrer de forma remota (De Almeida, 2021).

Na época, uma das escolas mais próximas ao assentamento se localizava na Vila União, também no município de Cantá (RR), a aproximadamente 40 km do assentamento. Com a dificuldade de transporte e a inoperância dos ônibus escolares, o acesso era praticamente inviável (De Almeida, 2021).

Já no ano de 2021, um mandado de despejo contra os moradores do PA Jatobá, a ser cumprido em julho, foi solicitado pela Madeireira Vale Verde, empresa que movia ação judicial desde 2006 na Comarca de Caracaraí (RR) (Combate Racismo Ambiental, 2021). Frente a ameaça, o MST, alvo judicial da ação, contatou o Setor de Regularização de Assuntos Fundiários do Incra. O órgão garantiu que já tinha conhecimento do processo e, ainda, que a empresa não apresentava documentos comprobatórios da posse (Combate Racismo Ambiental, 2021).

Em 08 de setembro de 2021, após pedido da deputada estadual Yonny Pedroso (Solidariedade), a Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) aprovou requerimento de informações à prefeitura de Cantá sobre as obras na escola do PA Jatobá, paralisadas há pelo menos cinco anos. A deputada afirmou que, naquele momento, os jovens assentados tinham condições de estudo precárias, em uma construção de madeira sem estrutura para pleno aprendizado (ALE-RR, 2021).

Em 17 de novembro de 2021, foi entregue às famílias do PA Jatobá um novo mandado de reintegração de posse em nome da Madeireira Vale Verde. Um dos advogados responsáveis pela defesa dos assentados era Paulo Francisco Soares Freire, da assessoria jurídica do MST (Combate Racismo Ambiental, 2021).

O advogado, junto com outros componentes da assessoria jurídica do MST, entrou com recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) solicitando a suspensão da ordem de despejo (STF, 2021).

No dia 22 do mesmo mês, representantes do assentamento foram até o Incra, em Boa Vista (RR), para solicitar ao órgão medidas que suspendessem os sucessivos pedidos de reintegração pela madeireira (MST, 2021).

Um dia depois, 23 de novembro, o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Matheus de Andrade Bueno encaminhou ao Incra um pedido oficial de manifestação no processo, pois a área em litígio estava sob a responsabilidade do órgão (MST, 2021). Finalmente, em 30 de novembro de 2021, foi publicada decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin suspendendo a ordem de despejo reclamada pela Madeireira Vale Verde (STF, 2021; MST, 2021).

Já em 1º de dezembro de 2021, lideranças do PA Jatobá se mobilizaram em uma reunião com o MST. Ao final do encontro, os assentados reafirmaram a importância do apoio do MST no processo de luta pela terra (MST, 2021).

Em 31 de outubro de 2022, o ministro do STF Luís Roberto Barroso determinou que tribunais regionais formassem comissões mediadoras para discutir desocupações coletivas. Barroso orientou que as discussões fossem realizadas antes de quaisquer decisões judiciais (STF, 2022).

A decisão dialogava com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, movida em 2021 pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), em meio à pandemia de covid-19. Segundo a ADPF, despejos durante a pandemia prejudicariam ainda mais as pessoas em condições vulneráveis. De início, a decisão valeria até dezembro de 2021, mas foi postergada até 31 de março de 2022 e depois, novamente, até 31 de outubro de 2022 (STF, 2022).

Em 09 de março de 2024, reportagem no portal Folha BV informou sobre a insatisfação de pais e responsáveis do PA Jatobá com as condições da escola local. Segundo eles, o descaso com a Escola Municipal (E.M) Vida Nova – conhecida como “escolinha do Jatobá” – ocorria há seis anos, ou seja, desde 2018. A escola, segundo os responsáveis pelos alunos, não tinha condições de receber os 37 estudantes matriculados. Havia apenas uma sala, uma professora, um ventilador e aproximadamente dez cadeiras no recinto (Folha BV, 2024).

Escola Municipal Vida Nova, ou “escolinha do Jatobá”. Fonte: Folha BV, 2024.

 

Procurado, o prefeito de Cantá (RR), André Castro (PP), emitiu nota afirmando que a escola estava dentro do município de Caracaraí (RR) e que, apesar de ser atendida pela prefeitura de Cantá (RR), sua construção teria sido suspensa junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) (Folha BV, 2024).

Segue abaixo a nota oficial da prefeitura:

“A escola existe há mais de sete anos e, apesar de ser localizada no Município de Caracaraí, é atendida pela Prefeitura de Cantá, tendo o seu processo de construção iniciado em gestões anteriores. Sua construção foi considerada fora do projeto (e cancelada) junto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia responsável pela execução financeira de políticas educacionais do MEC. Por se tratar de uma escola localizada em outro Município, a Prefeitura só pode investir na sua construção por meio de recursos federais. Neste momento, a Prefeitura busca recursos por meio da repactuação com o Governo Federal para construir a escola e atender às crianças daquela Região. Somos sabedores que a unidade não tem boas condições. No entanto, a Prefeitura trabalha para melhorar a situação o mais breve possível, inclusive para funcionar em dois turnos (manhã e tarde). Como parte dessas melhorias, a partir da próxima semana, serão instalados novos equipamentos, como ventiladores, móveis, utensílios de cozinha, entre outros. Para tanto, a equipe da Semed estará sempre indo ao local. Mesmo diante desses obstáculos, a escola funciona em ritmo normal. Neste ano possui mais de 30 alunos e só vai funcionar em dois turnos por não haver espaço na comunidade para dispor de salas maiores e melhores.”

Até a última atualização desta ficha, em outubro de 2025, não havia informações sobre a execução das melhorias citadas.

Em 31 de julho de 2024, o Incra notificou moradores de 27 Projetos de Assentamento em Roraima para fins de regularização de pendências do Crédito Instalação. Os beneficiários convocados teriam até 30 dias para quitar as dívidas ou apresentar defesa. Das medidas aplicadas aos assentados que não regularizassem suas situações com o Incra, a mais grave seria o desligamento do PNRA (Folha BV, 2024).

Sete assentados do PA Jatobá foram identificados no primeiro dos cinco editais publicados no Diário Oficial da União (D.O.U), ou seja, no Edital de Notificação nº 1/2024. Nele constavam, ao todo, 21 beneficiários. Além do PA Jatobá, havia assentados de outras cinco áreas de assentamento, a saber: PA Novo Paraíso, PA Samaúma, PA Seringueira, PA Tatajuba e PA Vila Nova (Brasil, 2024; Folha BV, 2024).

Em julho de 2025, o Incra publicou em seu portal notícia sobre o depósito de auxílios na conta de assentados de Roraima. O superintendente do Incra-RR, Evangelista Siqueira, informou que a verba veio da liberação de recursos pelo governo federal.

Entre as modalidades de auxílio, famílias do PA Jatobá receberam depósitos referentes ao “Apoio Inicial”, com valor de até R$ 8 mil. O Apoio deveria facilitar a instalação das famílias no assentamento, a compra de ferramentas para uso doméstico e/ou equipamentos para produção agrícola (Incra, 2025).

 

Atualizada em outubro de 2025.

 

Cronologia

13 de dezembro de 2005 – Ato de criação do Projeto de Assentamento (PA) Jatobá pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

18 de novembro de 2006 – É publicado no Diário do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) o interdito proibitório requisitado pela Madeireira Vale Verde contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a fim de impedir o acesso das futuras famílias assentadas.

2007 – Realização do trabalho de delimitação e demarcação das parcelas e áreas de uso do assentamento por topógrafos do Incra.

2008 – São distribuídos os documentos oficiais de demarcação do PA Jatobá às famílias contempladas.

Novembro de 2018 – É realizada a “II Oficina sobre políticas agrárias, urbanas e ambientais”, fruto de uma parceria entre a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Roraima do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (SESDUFRR/Andes) e a Associação dos Produtores Rurais do PA Jatobá.

05 a 09 de março de 2020 – Ocorre o 1º Encontro Nacional de Mulheres do MST, em Brasília (DF), com a participação de duas moradoras do PA Jatobá.

Julho de 2021 – Prazo estabelecido pela Comarca de Caracaraí (RR) para cumprimento de mandado de despejo pelos assentados do PA Jatobá, em prol da Madeireira Vale Verde. O mandado diz respeito à ação movida desde 2006 pela empresa.

08 de setembro de 2021 – Assembleia Legislativa do Estado de Roraima (ALE-RR) aprova, a partir do requerimento da deputada estadual Yonny Pedroso (Solidariedade), pedido de informações sobre as obras da escola do PA Jatobá.

17 de novembro de 2021 – É expedida, pela Comarca de Caracaraí (RR), mais uma decisão de reintegração de posse em nome da Madeireira Vale Verde, a ser cumprida em 30 de novembro de 2021.

22 de novembro de 2021 – MST expõe a expulsão iminente de famílias moradoras do PA Jatobá pelo pedido de reintegração de posse da Madeireira Vale Verde. Representantes do assentamento vão ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) cobrar medidas do órgão.

24 de novembro de 2021 – Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin suspende pedido de reintegração após reclamação feita pelo advogado Paulo Francisco Soares Freire e outros membros da assessoria jurídica do MST.

31 de outubro de 2022 – Ministro do STF Luís Roberto Barroso determina que tribunais instalem comissões para tratar de casos de reintegração de posse, a fim de reduzir impactos causados pela desocupação em massa durante a pandemia de covid-19.

09 de março de 2024 – Pais de alunos da Escola Municipal Vida Nova, no PA Jatobá, cobram a prefeitura de Cantá (RR) por melhorias nas condições de estudo.

05 de agosto de 2024 – Incra convoca, dentre 184 assentados, sete moradores do PA Jatobá para a quitação de dívida referente ao Crédito Instalação.

08 de julho de 2025 – Incra concede nova verba do Crédito Instalação ao PA Jatobá e outros assentamentos em Roraima. Famílias assentadas são contempladas pela modalidade “Apoio Inicial”, com auxílio de até R$ 8 mil.

 

Fontes

ALMEIDA, Vitória Nunes de. Questão agrária e o acesso à educação no Projeto de Assentamento Jatobá (RR). Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Estadual de Roraima, 2021. Disponível em: https://shre.ink/ojAK Acesso em: 24 out. 2025.

ASSENTADOS da reforma agrária em Roraima recebem R$ 7,1 milhões em créditos. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Brasília (DF), 08 jul. 2025. Disponível em: https://shre.ink/Suh2. Acesso em: 17 set. 2025.

BARROSO determina que tribunais criem comissões para mediar desocupações coletivas antes de decisão judicial. Supremo Tribunal Federal (STF), Brasília (DF), 31 out. 2022. Disponível em: https://shre.ink/SuK9. Acesso em: 17 set. 2025.

BAYDOUM, Aysha. Assentados de 27 áreas de Roraima têm até o dia 30 de agosto para quitar dívidas; saiba como. Folha BV, 05 ago. 2024. Disponível em: https://shre.ink/Suv6. Acesso em: 17 set. 2025.

BEZERRA, Kátia. Abandono: Deputados aprovam pedido de informação sobre obra de escola parada há cinco anos. ALE-RR, 08 set. 2021. Disponível em: https://shre.ink/SuK7. Acesso em: 17 set. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. Edital de Notificação Incra/SR(RR) Nº 1/2024. Imprensa Nacional, 31 jul. 2024. Disponível em: https://shre.ink/Suur. Acesso em: 17 set. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. Crédito Instalação. Incra, 2025. Disponível em: https://shre.ink/Suud. Acesso em: 17 set. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA. Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra. Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). Incra, 2025. Disponível em: https://shre.ink/SuuY. Acesso em: 17 set. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal – STF. Medida Cautelar na Reclamação 50.660 – Roraima. Brasília (DF), 24 nov. 2021. Disponível em: https://shre.ink/SuKj. Acesso em: 17 set. 2025.

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COMISSÃO PASTORAL DA TERRA – REGIONAL RORAIMA. Despejo de 200 famílias do Assentamento Jatobá em Roraima é suspenso no STF. MST, 30 nov. 2021. Disponível em: https://shre.ink/SuKk. Acesso em: 17 set. 2025.

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