Colônia de pescadores da Praia da Penha, em João Pessoa, luta para exercer suas atividades e garantir sua subsistência

UF: PB

Município Atingido: João Pessoa (PB)

Outros Municípios: Lucena (PB)

População: Pescadores artesanais

Atividades Geradoras do Conflito: Atividades pesqueiras, aquicultura, carcinicultura e maricultura, Construção civil, Especulação imobiliária

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Pesca ou caça predatória, Poluição de recurso hídrico, Precarização/riscos no ambiente de trabalho

Danos à Saúde: Desnutrição, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

O presente texto relata a luta da Colônia de Pescadores da Praia da Penha – localizada no município de João Pessoa, estado da Paraíba – para continuar exercendo suas atividades de pesca artesanal, que garantem sua subsistência há gerações. Em 2017, a população da praia da Penha contava com 917 habitantes (Araújo, 2017). Há tempos, a comunidade tenta resistir em meio à especulação imobiliária e à degradação dos ecossistemas costeiros, de onde retiram seu sustento, como os mangues e as águas do Oceano Atlântico próximo à costa do Brasil.

A história da comunidade de pescadores da praia da Penha remonta ao ano de 1763, quando foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Penha (atual Santuário de Nossa Senhora da Penha). A comunidade é formada por pescadores, pescadoras e pequenos comerciantes locais (Braga, 2023). Desde 4 de setembro de 1998, a praia da Penha é reconhecida como Bairro da Penha, de acordo com a lei municipal nº 1.574 (Silva e Andrade, 2010, p. 5.) Apesar disso, a situação de precariedade de infraestruturas na área perduram até os dias atuais (agosto de 2025).

Vale ressaltar que a comunidade também é responsável por organizar a Romaria da Penha, tradição que conta com mais de dois séculos de história e é um patrimônio imaterial da cidade de João Pessoa e do estado da Paraíba, segundo a Lei 11.417/2019.

A comunidade de pescadores da praia da Penha vem se organizando coletivamente para lutar pelo direito à permanência em seu território tradicional e pela posse de suas terras há pelo menos três décadas. Atualmente, sua luta está amparada pelo que determina o Decreto Federal Nº 6.040/2007, assinado pelo então presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 7 de fevereiro de 2007, que instituiu a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Em dezembro de 2018, a Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) aprovou e o então governador Ricardo Vieira Coutinho (PT) sancionou a Lei n° 11.231, após ação movida pela comunidade pelo Ministério Público Federal (MPF) por meio da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) junto à Superintendência do Patrimônio Público da União (SPU). A lei “respalda o Poder Executivo estadual a outorgar concessão de direito real de uso aos atuais moradores da Comunidade Tradicional da Penha” (Braga, 2023).

Em abril de 2025, o então governador da Paraíba João Azevêdo (PSB) entregou as escrituras de regularização da comunidade tradicional dos pescadores da praia da Penha. A ação coordenada pela Cehap contemplou 54 famílias. A entrega dos Termos de Cessão de Direito Real de Uso representou a garantia da continuidade das moradias no local, além da preservação das tradições como a pesca, o comércio de pescados e o funcionamento de restaurantes, que poderão continuar suas atividades.

 

 

Contexto Ampliado

O presente texto relata a luta da Colônia de Pescadores da Praia da Penha (Z3) para continuar exercendo a pesca artesanal, que garante sua subsistência há gerações. A praia da Penha está localizada no município de João Pessoa/PB, a 14 km do centro da cidade. Ao norte está delimitada pelo bairro Ponta do Seixas; a oeste, por condomínios fechados de alto poder aquisitivo, como o Condomínio Habitacional Village Atlântico Sul e outros condomínios chamados de “ecológicos”; ao leste, fica o oceano Atlântico e, ao sul, uma área turística e de eventos mantida pela Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) (Araujo, 2017).

Ainda segundo o autor, em 2017 a população da praia da Penha contava com 917 habitantes. Desse total, apenas 95 se dedicavam às atividades pesqueiras à época, embora todos que residiam ali tivessem contato e aprendessem habilidades referentes ao ofício desde a mais tenra idade.

A história da comunidade de pescadores da praia da Penha remonta ao ano de 1763, quando foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Penha (atual Santuário de Nossa Senhora da Penha). A comunidade é formada por pescadores, pescadoras e pequenos comerciantes locais (Braga, 2023). Desde 4 de setembro de 1998, a praia da Penha é reconhecida como Bairro da Penha, de acordo com a lei municipal nº 1.574 (Silva e Andrade, 2010, p. 5). Apesar disso, a situação de precariedade de infraestruturas na área perdura até os dias de hoje (agosto de 2025).

Vale ressaltar que a comunidade também é responsável por organizar a Romaria da Penha, tradição que conta com mais de dois séculos de história e é um patrimônio imaterial do estado da Paraíba e da cidade de João Pessoa, segundo a Lei 11.417/2019. Com celebrações que reúnem pescadores e romeiros misturando práticas religiosas e culturais de cunho popular, a festa dura nove dias e reúne centenas de milhares de pessoas todos os anos.

Pela dimensão que a Romaria da Penha tem para o cenário da cultura e do catolicismo popular, sendo a maior festa do tipo da Paraíba, pode-se perceber a importância da contribuição cultural e histórica que a comunidade de pescadores tem para as sociedades pessoense e paraibana.

Segundo o conceito formalizado por acadêmicos, “pescador artesanal é todo aquele que exerce a pesca e destina uma parte do pescado para a subsistência de sua família, e a outra parcela para a venda a terceiros” (Diegues, 1999 apud Silva e Andrade, 2010).

Complementam Silva e Andrade (2010, p.3):

O pescador artesanal ao longo de sua formação profissional aprende que o seu maior dever é respeitar e preservar o ritmo natural do mar, pois de posse de todos os conhecimentos sobre o ritmo de reprodução das espécies e os mecanismos de manutenção do equilíbrio ambiental, que se acumulam em sua mente como aprendizado ao longo das experiências das pescarias e das ‘aulas’ dadas pelos pescadores mais experientes, ele sabe que não faltará alimento na mesa, se continuar a respeitar a natureza. Diferentemente dos grandes empreendimentos pesqueiros que operam na busca de altas taxas de lucro, o que exige a captura intensiva, altamente predatória.

Ao analisarmos o trecho do artigo acima, podemos concluir que a atuação e a presença dos pescadores artesanais na praia da Penha e regiões adjacentes representam uma força de resistência em relação a ações de grandes empresas de pesca industrial, que já ocorrem em alto mar no estado da Paraíba e ao longo de toda a costa brasileira, de maneira muitas vezes ilegal (Silva e Andrade, 2010).

As empreiteiras interessadas nas áreas litorâneas para a construção de resorts ou condomínios de alto luxo são outra ameaça à comunidade. Esse é o caso do Condomínio Habitacional Village Atlântico Sul, construído sobre o estuário do rio Cabelo, na praia da Penha; e do Condomínio das Américas. Ambas atividades econômicas prejudicam muito as condições ambientais, tanto em terra firme quanto nos oceanos.

Ao alterar os ecossistemas com aterros, escavações e canalizações de cursos d’água, todo o processo de reprodução dos animais e plantas dessa área fica comprometido. Isso significa que pessoas que dependem da pesca e coleta desses alimentos para sua subsistência e para obter sua renda mensal têm sua vida completamente abalada por esses processos.

Os pescadores tradicionais na praia da Penha e nas adjacências utilizam barcos a motor, de entre seis e nove metros de comprimento, que geralmente partem com tripulações de três integrantes, compostos por um mestre e dois aprendizes ou ajudantes (Araujo, 2017). De acordo com os pescadores da praia da Penha, as espécies mais comuns dali são: arabaiana, cabo duro, cavala, cioba, chicharro, dentão, dourado, guarajuba, peixe rei e seringado.

Outra atividade desenvolvida pelos pescadores da praia da Penha, com o apoio da professora de Ecologia Marítima da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Cristina Crispim, é a aquicultura de ariacó (Lutjanus synagris, também conhecido como vermelho-henrique, ciobinha, siuquira, vermelho-aricó, vermelho-verdadeiro, entre outros nomes) e de camarão, no terreno da Associação de Pescadores da Praia da Penha. A aquicultura permite o cultivo controlado e planejado das espécies marinhas em terra firme ou águas rasas, diminuindo a imprevisibilidade da atividade pesqueira e permitindo uma melhor qualidade de vida aos pescadores.

Embora esteja se organizando para assegurar a continuidade da atividade pesqueira artesanal e até experimentando outras formas de geração de renda associada aos pescados, a comunidade sofre outros tipos de pressão em seu território, como, por exemplo, a especulação imobiliária sobre a praia da Penha e outras faixas litorâneas de João Pessoa e municípios adjacentes.

Este fenômeno ocorre desde a década de 1970, quando a cidade de João Pessoa, cujo início de ocupação ocorreu às margens do rio Sanhaúma, foi se expandindo em direção às praias. Esse movimento foi impulsionado por mudanças nos gostos das classes médias e altas, as quais passaram a valorizar áreas de belas paisagens e de lazer, ao mesmo tempo em que intencionavam se afastar dos bairros populares que se consolidavam no centro antigo do município (Araújo, 2017). Esse processo de urbanização causou uma maior ocupação das praias e, consequentemente, a valorização econômica das áreas litorâneas.

“A pressão imobiliária urbana que ocorre na Praia da Penha e em seus contornos acontece devido ao processo de periferização das classes mais abastadas, pois a área central (o centro da cidade), à medida que vai aumentando sua dinâmica econômica em comércio e prestação de serviços, deixa de ser confortável como moradia para as elites.” (Araújo, 2017, p. 71)

Atualmente, a especulação imobiliária aumentou na praia da Penha, após afetar outras localidades próximas. Na praia de Tambaú, região central de João Pessoa, a comunidade de pescadores que ali vivia foi forçada a se reassentar devido à pressão do capital imobiliário, que comprou os terrenos mais próximos para a construção de hotéis e condomínios de alto padrão. Semelhante situação ocorreu na praia de Lucena, no município de mesmo nome, também no litoral paraibano (Araújo, 2017).

Os depoimentos de membros dessas três comunidades ajudam a compreender como se dá essa expansão do capital imobiliário e alguns dos motivos que levam os pescadores a saírem de suas comunidades:

“Morei na beira da praia. Os proprietários davam um canto na beira da praia quando se pedia um pedaço de chão. Terreno de praia até a década de 1970 não tinha valor. (…) A maioria dos pescadores recebeu terreno em troca para sair da praia. Quando moravam na praia, os pescadores não tinham permissão de construir casas de alvenaria. Viviam em casas de palha e chão batido. Hoje, a pressão é sobre as caiçaras [construções de palha que servem como depósito para os pescadores] dos pescadores: os veranistas não querem que os pescadores façam caiçaras em frente às suas residências. A pesca como atividade principal gera apenas um salário-mínimo (R$ 312,44 à época do depoimento, 13/04/2014) por mês, em média. Muitos pescadores hoje já deixam de pescar para fazer outras atividades que sejam mais lucrativas. A pesca como primeira atividade só daria certo com embarcações mais apropriadas. Hoje em dia o pescador tem medo de mandar o filho para o mar. (…) A gente pesca, no máximo, a vinte milhas, muitas vezes em barcos pequenos, de até 08 metros, para ir num dia e voltar no outro. (…) O governo oferece empréstimos, mas não temos como fazer empréstimos porque não temos como dar garantias, pois não temos bens.” – Trecho extraído do depoimento de Severino Amâncio, presidente da Colônia de Pescadores de Lucena em 2014 (Araújo, 2017, p. 73)

Na praia de Tambaú, quase que ao mesmo tempo, um processo parecido ocorria:

“Tambaú começou a crescer a partir de 1955. Até aí só existiam pescadores na praia. O hotel Tambaú, construído em 1978, atraiu o crescimento. A caiçara dos pescadores ficava onde fica o hotel Tambaú. Eu cheguei em 1966. Neste ano Tambaú já estava loteado até o que hoje é a Avenida Rui Carneiro. Esta avenida ainda não existia nesta época. Os pescadores moravam na atual Av. Franca Filho, no atual bairro de Manaíra, e na Avenida Olinda, que fica em frente ao hotel Tambaú. Em 1967 fizeram uma Vila dos Pescadores, perto da Capital Fiat, na Avenida Rui Carneiro. Fica na Avenida Sapé. Na época, o governo fez cerca de 65 casas. Hoje, pescador na Vila, não tem mais de 10 pessoas (…). Toda vida o poder público mudou como bem queria o lugar do pescador morar, e pescador é bicho besta, tudo aceitava (…). Hoje a beira de praia é do turista, mas na minha época, a beira de praia, todo mundo sabia que era do pescador. Lugar de pescador é na beira da praia. Atualmente, a maioria dos pescadores mora na comunidade São José, e o restante em bairros pobres da cidade. Nossa caiçara está ao lado do hotel Tambaú, mas hoje eu não tenho coragem de ficar na caiçara a partir das 21h, pois é muito perigoso. A caiçara era onde ocorria o lazer do pescador. Onde ele bebia com os amigos, onde ele botava a rede e dormia quando vinha cansado do mar. A maioria dos pescadores de hoje são os filhos dos pescadores velhos. (…) Daqui a duas gerações praticamente não haverá mais pescador. A pescaria é incerta. Somente se o filho não quiser estudar é que ele vai virar pescador. Eu tenho um filho pescador, mas eu não queria isso para o meu filho. E tenho certeza que ele não quer isso para o filho dele. Da minha época pra hoje, já diminuiu cerca de 70% do número de pescadores e não está recompondo. Estão vindo pescadores de outros lugares.” – Trecho extraído de depoimento do pescador Claudemar (Vavá), sobre a praia de Tambaú (Araújo, 2017, p. 75)

Estas realidades nas praias de Lucena e Tambaú serviram de alerta para os pescadores da praia da Penha, que enfrentam hoje pressões parecidas para venderem seus terrenos e deixarem suas casas:

“Tem pessoas que já estão pensando em vender suas casas, porque a pesca já não tá tão boa. Pescador também está mais escasso. Hoje o pescador também é pedreiro, pintor, trabalha na construção civil. Também tem pescador que hoje é funcionário público. Pescaria é hoje e não amanhã, e o pescador não vai deixar a família passar fome. Tem que pescar cerca de 20 dias em média por mês para lucrar um salário-mínimo (R$ 312,44 à época do depoimento, 13/04/2014). Na Penha ainda uns 100 pescadores. (…) Dá muito pouco peixe por causa da poluição e pesca predatória. O mangue do Rio do Cabelo foi extinto para fazer condomínio fechado. Este condomínio destruiu o estuário. O rio chegava a 3m de profundidade na década de 1980. Era um estuário grande. Não existe mais. Os peixes precisam de estuários para se reproduzir. Os caranguejos precisam de mangues. Onde havia um bar conhecido como Forró da Penha hoje é um restaurante que veio de outro país. Este restaurante já comprou três casas e certamente vai comprar mais. Estas casas eram de pessoas que não tinham vínculo com a pesca. Os bares compravam pescado aos pescadores. O restaurante compra apenas aos atravessadores. Muitas pessoas que moram no centro de João Pessoa passaram a conhecer a praia da Penha por causa desse restaurante. (…) O pescador nato não pensa em sair da praia, a não ser para o cemitério. Mas quem tem a pesca como um divertimento, estes não veem problema em vender. Há umas 30 famílias que vivem entre o mar e uma atividade econômica no continente. O restante tem a pesca como diversão, passatempo. As nossas mulheres já trabalham como empregadas domésticas nos condomínios, também como babás, como também no Centro da Cidade, pela facilidade de transporte. Como a Penha é um lugar sossegado, muitas pessoas vêm atrás de casas para morar. Às vezes são famílias atrás de casas para usar como segunda residência, para ter uma casa na praia. Quando vêm cursos oferecidos pelo governo, são de dois dias. Isso é muito pouco. Também ensinar o pescador a pescar é difícil, é como querer botar um bode dentro d’água. É querer ensinar um padre a rezar a missa. Isso não ajuda. A Professora Cristina Crispim vem fazendo um trabalho sério conosco, nos ensinando a não degradar a natureza. Isso nos é útil. Vem nos ensinando como repovoar de caranguejo o Rio Aratu, que é aqui próximo da Penha; vem nos ensinando a criar ostra. Mesmo assim, ainda precisamos de mais coisas porque isso ainda não é suficiente. Quem não quer uma vida melhor? Ainda haverá pescador trabalhando na construção civil e em outras atividades. Quanto à vinda dos condomínios fechados para o nosso redor, é bom, porque aí a gente tem mais facilidade de escoar a produção. Nosso medo é nos tirarem daqui, nos remover para longe da praia.” – Trecho extraído de depoimento do então presidente da Associação de Pescadores da Praia da Penha, José Paulino (Zeca), em entrevista realizada por Araújo em 2017 (p. 76/77).

Fica evidente, pelos depoimentos dos pescadores, que a pressão econômica e ambiental causada pela chegada de grandes empreiteiras, além de construções de condomínios, casas de veraneio, restaurantes, hotéis etc., gera a expulsão das comunidades de pescadores, se não pela compra direta dos seus terrenos e lotes, pela impossibilidade da continuidade de suas fontes de renda por meio da pesca.

Fica demonstrada a vulnerabilidade socioambiental à qual muitos pescadores e suas famílias ficam sujeitos pelo trabalho que é realizado em condições precárias e em embarcações pequenas; além da diminuição da disponibilidade de peixes, crustáceos e outros animais que têm seu ciclo reprodutivo afetado pela pesca industrial em alto mar ou pela destruição de habitats como os manguezais, conhecidos por serem berçários de espécies marinhas. Essas condições levam muitas pessoas a abandonarem a profissão que aprenderam com seus antepassados e desencorajam seus descendentes a seguirem esse modo de vida, antes tradicional, nas zonas litorâneas do país.

Apesar dessas tendências, a comunidade de pescadores da praia da Penha vem se organizando coletivamente para lutar pelo direito à permanência em seu território tradicional e pela posse de suas terras há pelo menos três décadas. Atualmente, sua luta está amparada no que determina o Decreto Federal Nº 6.040/2007, assinado pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 7 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT). Este decreto, em seu artigo 2°, declara que seu objetivo geral é:

“promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições”.

É evidente que, frente às pressões do capital imobiliário, a efetiva aplicação dessa política pública é complexa e muitas vezes atravessada por interesses de grupos empresariais brasileiros e multinacionais dos setores envolvidos. Porém, sua instituição foi um marco para a luta dos povos e comunidades tradicionais, que passaram a contar com uma legislação específica para amparar suas reivindicações pelo cumprimento de seus direitos constitucionais. É por sua efetivação, e dos direitos que ela estabelece, que lutam as famílias de pescadores da comunidade tradicional da praia da Penha.

Em dezembro de 2018, a Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba (ALPB) aprovou, e o então governador Ricardo Vieira Coutinho (PT) sancionou, a Lei n° 11.231, publicada no Diário Oficial do Estado da Paraíba, após ações da comunidade junto ao Ministério Público Federal (MPF), que acionou a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) e a Superintendência do Patrimônio Público da União (SPU) para realizar a regularização fundiária urbana da situação das famílias da Praia da Penha. Ao longo de 2018, cerca de 80 famílias conquistaram o direito de permanecer no local onde vivem há gerações (Braga, 2023).

“A legislação respalda o Poder Executivo estadual a outorgar concessão de direito real de uso aos atuais moradores da Comunidade Tradicional da Penha, que será efetivada mediante a celebração de contrato administrativo, limitada a concessão a um imóvel residencial para cada núcleo familiar. Segundo a lei, a concessão é por prazo indeterminado e será gratuita para os moradores da comunidade. Ainda conforme a lei, os moradores beneficiados não poderão vender, alugar ou desmembrar os imóveis, e a transmissão do imóvel só será admitida para os herdeiros.” (Braga, 2023, p. 68)

A autora citada acima acrescenta ainda que, ao longo de todo o processo de regularização da posse das terras para os pescadores e suas famílias, muitas pessoas tiveram ações de despejos movidas contra si, bem como ameaças de destruição e desocupação forçadas de suas casas. Todos esses processos foram coordenados pelos interessados em fazer especulação imobiliária com as terras da praia da Penha, como os administradores dos condomínios adjacentes e do Polo Turístico Cabo Branco.

Há ainda a atuação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), investindo em projetos de construção civil nas franjas da cidade de João Pessoa (franjas urbanas, áreas periféricas e áreas de preservação). É precisamente o caso da Praia da Penha, onde várias pequenas construtoras vêm realizando projetos de construção na área, além da expansão do Condomínio das Américas.

Durante todo o período da luta pela regularização de suas terras, a comunidade buscou apoio de órgãos públicos estaduais e federais “como SPU, MPF, UFPB e a Companhia Estadual de Habitação Popular (Cehap), que culminou com a sanção da lei que regulamenta a situação da comunidade na praia, para assim abranger o zoneamento urbano e a infraestrutura da área da praia da Penha.” (Braga, 2023, p. 69)

Em abril de 2025, o então governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), entregou as escrituras de regularização da comunidade tradicional dos pescadores da praia da Penha. A ação coordenada pela Cehap contemplou 54 famílias.

A entrega dos Termos de Cessão de Direito Real de Uso representa a garantia da continuidade das moradias no local, além da preservação de tradições como a pesca, o comércio de pescados e o funcionamento de restaurantes, que poderão continuar suas atividades. Presente na solenidade, a representante da Comissão da Área Tradicional da Praia da Penha, Lídia Gomes, celebrou:

“Eu nasci aqui, criei meus filhos e esse documento representa a minha vida, a minha história, o meu lar. O dia de hoje é o desfecho de uma luta de mais de 30 anos e a sensação é de conquista, de tranquilidade e de alívio” (fala disponível no site do governo do estado da Paraíba – https://shre.ink/xtOP).

Em maio de 2025, o MPF emitiu a Recomendação nº 8/2025, orientando o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), a suspender imediatamente a concessão de novas licenças ambientais, alvarás de construção e aprovação de projetos urbanísticos na área da comunidade tradicional da praia da Penha. A medida visa a proteger o patrimônio histórico e cultural da cidade, preservando o território e as práticas dos pescadores da localidade, que é palco de festas culturais e religiosas como a Romaria da Penha e a Procissão de São Pedro Pescador.

O procurador da República José Godoy acrescentou que “o maior risco é a descaracterização de um dos mais importantes espaços de fé e cultura da Paraíba, onde há mais de 260 anos acontece a Romaria da Penha, evento que reúne centenas de milhares de pessoas.” A mesma publicação ainda recomenda a revisão de todos os atos já emitidos e a rigorosa fiscalização de todas as construções em andamento, especialmente na área do rio Cabelo, onde o manguezal já foi severamente prejudicado por obras realizadas ali (MPF/PB, 2025).

Em junho de 2025, o procurador da República José Godoy coordenou uma rodada de articulações no âmbito do MPF para avançar na proteção das áreas relevantes para a Romaria da Penha e para outras práticas tradicionais dos pescadores residentes da praia da Penha. Participaram da reunião representantes da Secretaria de Infraestrutura e dos Recursos Hídricos do estado da Paraíba (SEIRH/PB), da Cehap, da Superintendência de Administração do Meio Ambiente da Paraíba (Sudema/PB), da Arquidiocese da Paraíba e do Santuário da Penha. Em entrevista reproduzida pelo site Combate Racismo Ambiental, o procurador afirma:

“Esse é um evento religioso que faz parte da história e da identidade da Paraíba e dos estados da região. Para além do evento em novembro, durante todo o ano a Penha recebe pessoas de diversos locais. São milhares de romeiros, peregrinos e pessoas humildes de toda a região que vêm manifestar sua fé e pagar promessas na comunidade, junto ao Santuário da Penha”.

 

 

Atualizada em agosto de 2025.

Cronologia

1763 – Primeiro grupo de pescadores fixa residência na praia da Penha, na então cidade de Parahyba do Norte (atualmente conhecida como João Pessoa), formando a comunidade tradicional que permanece ali até hoje. Na mesma época, foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Penha.

1955 – Inicia-se o processo de loteamento da praia de Tambaú, em João Pessoa/PB.

1978 – Construção do Hotel Tambaú acelera o processo de especulação imobiliária na praia de Tambaú e de expulsão dos pescadores tradicionais do local.

Setembro de 1998 – A praia da Penha é reconhecida oficialmente como bairro de João Pessoa, por meio da lei municipal n° 1574.

Fevereiro de 2007 – É assinado pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Decreto Federal Nº 6.040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT).

Dezembro de 2018 – Residentes da praia da Penha conquistam o direito à posse de suas terras após a publicação da Lei Estadual n° 11.231.

Abril de 2025 – O então governador da Paraíba, João Azevêdo (PSB), entrega documentos de regularização fundiária para 54 famílias de pescadores da praia da Penha.

Maio de 2025 – Publicação da Recomendação 08/2025 do Ministério Público Federal da Paraíba (MPF/PB), recomendando a suspensão de autorizações de construções na praia da Penha e a proteção de áreas relevantes para a cultura tradicional dos pescadores da praia da Penha.

Junho de 2025 – Ocorre nova rodada de articulações coordenadas pelo procurador da República José Godoy para a proteção do patrimônio histórico e cultural da comunidade de pescadores tradicionais da praia da Penha.

 

Fontes

ARAÚJO, Ismael Xavier de. Comunidades tradicionais de pesca artesanal marinha na Paraíba: realidade e desafios. 2017. Tese (Doutorado em Geografia) — Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Exatas e da Natureza, João Pessoa, 2017. Disponível em: https://shre.ink/xtPy. Acesso em: 09 jul. 2025

BRAGA, Mirella de Almeida. Arte nossa de cada dia: territorialidades e resistência urbana dos pescadores artesanais na Praia da Penha, João Pessoa-PB. 2023. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) — Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, João Pessoa, 2023. Disponível em: https://shre.ink/xtPN. Acesso em: 09 jul. 2025.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Disponível em: https://shre.ink/xtYX. Acesso em: 09 jul. 2025.

BRASIL. Ministério Público Federal – MPF. Procedimento PR‑PB‑00022021/2025. Publicado em 15/05/2025. Documento integral (PDF). Disponível em: https://shre.ink/xxm0. Acesso em: 09 jul. 2025.

BRASIL. Ministério Público Federal na Paraíba – MPF/PB. Nova rodada de articulações no MPF promove avanços na proteção do território da comunidade da Penha (PB). Combate Racismo Ambiental. Publicado em 6 jun. 2025. Disponível em: https://shre.ink/xtYN. Acesso em: 09 jul. 2025.

GOMES, Polyanna. Histórias de luta e fé na Comunidade da Penha. Brasil de Fato, 27 jun. 2022. Disponível em: https://shre.ink/xtYL. Acesso em: 09 jul. 2025.

PARAÍBA (Estado). Governo do Estado da Paraíba. João Azevêdo entrega escrituras de comunidade de pescadores da Praia da Penha e destaca conquista histórica das famílias. Disponível em: https://shre.ink/xtY2. Acesso em: 09 jul. 2025.

PARAÍBA (Estado). Governo do Estado da Paraíba. Lei 1806/18. Diário Oficial do Estado da Paraíba, João Pessoa, 12 dez. 2018.

PARAÍBA (Estado). Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba (ALEPB). Comunidade de pescadores conquista direito de morar na Praia da Penha. Parlamentopb, 14 dez. 2018. Disponível em: https://shre.ink/xtYt. Acesso em: 9 jul. 2025.

SILVA, Lidyane Lima; ANDRADE, Maristela Oliveira de. Pescadores artesanais da praia da Penha – PB: novos paradigmas. Revista de Biologia e Ciências da Terra, v. 10, n. 2, pp. 105–112, 2010. Disponível em: https://shre.ink/xt4a. Acesso em: 09 jul. 2025.

 

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