Implantação de linha de transmissão ocasiona distúrbios ambientais e sociais a comunidades tradicionais, urbanas e quilombolas
UF: BA
Município Atingido: Riachão do Dantas (SE), Salgado (SE), Santo Amaro das Brotas (SE), São Cristóvão (SE), Sapeaçu (BA), Tobias Barreto (SE)
Outros Municípios: Água Fria (BA), Anguera (BA), Antônio Cardoso, Barra dos Coqueiros (SE), Biritinga (BA), Boquim (SE), Cabaceiras do Paraguaçu (BA), Feira de Santana (BA), Itapicuru (BA), Itaporanga D’Ajuda (SE), Lagarto (SE), Laranjeiras (SE), Maruim (SE), Nossa Senhora do Socorro (SE), Nova Soure (BA), Olindina (BA), Riachão do Dantas (SE), Salgado (SE), Santa Bárbara (BA), Santanópolis (BA), Santo Amaro das Brotas (SE), Santo Estêvão (BA), São Cristóvão (SE), Sapeaçu (BA), Sátiro Dias (BA), Tobias Barreto (SE)
População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas, Moradores do entorno de unidades de conservação, Mulheres, Posseiros, Quilombolas, Trabalhadores rurais sem terra
Atividades Geradoras do Conflito: Linhas de transmissão
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição sonora, Precarização/riscos no ambiente de trabalho
Danos à Saúde: Acidentes, Piora na qualidade de vida
Síntese
O conflito em questão envolve a implantação da Linha de Transmissão (LT) de 500 kV Porto Sergipe-Olindina-Sapeaçu C1 e a ampliação das subestações associadas, afetando comunidades locais. Essas comunidades estão se mobilizando contra o empreendimento devido aos impactos que ele pode causar em suas vidas e no meio ambiente.
A referida linha de energia elétrica em alta tensão é um projeto estatal mobilizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que foi planejada para levar a eletricidade gerada no Nordeste para outras partes do Brasil (Incubadora, 2019).
Situada entre os estados de Sergipe e Bahia, ela se configura como elemento do grande projeto estatal no plano nacional de expansão do sistema elétrico e é parte de um eixo iniciado no litoral sergipano que segue em direção ao Recôncavo Baiano, cruzando diversos territórios de identidade, variados ambientes/ecossistemas e afetando comunidades rurais e quilombolas (Andrade; Ramos Filho, 2021).
Dentre as comunidades atingidas, as que tem revelado o processo de conflito até o momento são: Subaé, Cavaco, Gavião, Paus Altos, Vila Nova, Curral de Fora, Lagoa Grande, Matinha e Candeal, todas no estado da Bahia (Incubadora, 2019). A linha também atravessa diretamente a Área de Proteção Ambiental Lago Pedra do Cavalo, impactando o meio ambiente natural e o patrimônio paisagístico e cultural (Incubadora, 2019).
A LT também perpassa comunidades rurais e quilombolas em Sergipe. Contudo, até o momento, não foi encontrada referência de mobilizações e conflitos nesse estado. As comunidades quilombolas são: Mussuca e Quebra Chifre.
A implantação da linha de transmissão trouxe diversas consequências, incluindo: distúrbios ambientais que impactam diretamente a qualidade do solo; riscos à saúde, com o possível desenvolvimento de doenças; a ameaça iminente de desocupação, devido à área de abrangência das linhas de transmissão; e questões relacionadas à segurança, com alta probabilidade de ocorrência de acidentes elétricos (Carmo; Freitas, 2023).
Essa linha de transmissão foi desenvolvida para conectar a usina termelétrica Porto de Sergipe I ao Sistema Interligado Nacional (SIN), reforçando a rede de transmissão de energia na região Nordeste do Brasil.
O projeto começou a ser concebido e licitado em 2018, com o leilão realizado pela Aneel (Brasil, 2018). A construção da linha de transmissão foi iniciada logo após a finalização dos processos de licenciamento ambiental e demais aprovações regulatórias.
A Companhia tinha previsão de entrada em operação comercial integral em maio de 2024 (Sterlite Power, 2024). A construção, operação e manutenção da referida linha de transmissão e suas subestações foram concedidas à São Francisco Transmissão por intermédio do Contrato de Concessão de Transmissão nº 18/2018-Aneel, com vigência de 30 anos (Brasil, 2019).
Assim, em 2018, a empresa São Francisco Transmissão de Energia S.A, sob a administração da Sterlite Brasil Participações (uma empresa do grupo indiano Sterlite Power Grid Ventures Limited), começou a desenvolver e operar esse projeto, que abrange um total de 363,5 km nos dois estados (Combate Racismo Ambiental, 2024).
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental, pela fiscalização das obras e pelo acompanhamento da execução dos Programas Socioambientais durante a implementação e operação da Linha de Transmissão. A empresa Dossel Ambiental Consultoria e Projetos Ltda foi contratada pela São Francisco para fornecer assessoria técnica especializada e elaborar os estudos ambientais necessários (Dossel ambiental, 2018).
O conflito teve início em 2019, quando um membro da comunidade quilombola de Subaé, localizada ao longo da rota da linha, denunciou o processo de licenciamento ambiental conduzido de forma sigilosa pelo Ibama, autarquia responsável, sem a devida consulta à comunidade. Com a denúncia pública, uma rede de solidariedade e ação foi formada por instituições de ensino públicas em Feira de Santana, como a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA), que criaram o Grupo de Trabalho (GT) Conflitos Socioambientais (Incubadora, 2019).
Esse grupo, juntamente com as comunidades afetadas pelo projeto e com apoio do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar de Feira de Santana (Sintraf Feira), organizou diversas reuniões e visitas de acompanhamento, ofertando assessoria às comunidades durante os contatos com as empresas envolvidas. Além disso, as comunidades contaram com o suporte da Cáritas Brasileira para desenvolver o Protocolo de Consulta.
Esse documento, elaborado pelo próprio grupo, estabelece como a comunidade deseja ser consultada pelo poder público e pelas empresas em situações que possam afetar suas vidas e territórios. Ademais, o Ministério Público Federal (MPF) precisou intervir por meio de instituição de ação civil pública para reparação dos danos provocados a comunidades remanescentes de quilombo, localizadas na área de influência direta da instalação da Linha de Transmissão 500 Kv Porto de Sergipe – Olindina – Sapeaçu C1 e Subestações Associadas.
Contexto Ampliado
O conflito em questão envolve a implantação da Linha de Transmissão (LT) de 500 kV Porto Sergipe-Olindina-Sapeaçu C1 e a ampliação das subestações associadas, afetando comunidades locais. Essas comunidades estão se mobilizando contra o empreendimento devido aos impactos que ele pode causar em suas vidas e no meio ambiente. A referida linha de energia elétrica em alta tensão é um projeto estatal mobilizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), planejada para levar a eletricidade gerada no Nordeste para outras partes do Brasil (Incubadora, 2019).
Situada entre os estados de Sergipe e Bahia, ela se configura como elemento do grande projeto estatal no plano nacional de expansão do sistema elétrico, e é parte de um eixo iniciado no litoral sergipano que segue em direção ao Recôncavo Baiano, cruzando diversos territórios de identidade, variados ambientes/ecossistemas e afetando comunidades rurais e quilombolas (Andrade; Ramos Filho, 2021).
Dentre as comunidades atingidas, as que têm revelado o processo de conflito até o momento são: Subaé, Candeal, Cavaco, Curral de Fora, Gavião, Lagoa Grande, Matinha, Paus Altos, Vila Nova, Matinha e Candeal, todas no estado da Bahia (Incubadora, 2019). A linha também atravessa diretamente a Área de Proteção Ambiental Lago Pedra do Cavalo, impactando o meio ambiente natural e o patrimônio paisagístico e cultural (Incubadora, 2019).
A LT também perpassa comunidades rurais e quilombolas em Sergipe. Contudo, até o momento, não foi encontrada referência de mobilizações e conflitos nesse estado. As comunidades quilombolas são: Mussuca e Quebra Chifre.
A implantação da linha de transmissão trouxe diversas consequências, incluindo: distúrbios ambientais que impactam diretamente a qualidade do solo; riscos à saúde, com o possível desenvolvimento de doenças e distúrbios; a ameaça iminente de desocupação, devido à área de abrangência das linhas de transmissão; e questões relacionadas à segurança, com alta probabilidade de ocorrência de acidentes elétricos (Carmo; Freitas, 2023).
Essa linha de transmissão foi desenvolvida para conectar a Usina Termelétrica (UTE) Porto de Sergipe I ao Sistema Interligado Nacional (SIN), reforçando a rede de transmissão de energia na região Nordeste do Brasil.
O projeto começou a ser concebido e licitado em 2018, com o leilão realizado pela Aneel (Brasil, 2018). A construção da linha de transmissão foi iniciada logo após a finalização dos processos de licenciamento ambiental e demais aprovações regulatórias. A linha entrou em operação comercial no início de 2021, mas há registros de entrada de operação comercial com pendências em 25 de janeiro de 2024 (Sterlite Power, 2024). A construção, operação e manutenção da referida linha de transmissão e suas subestações foram concedidas à São Francisco Transmissão por intermédio do Contrato de Concessão de Transmissão nº 18/2018-ANEEL, com vigência de 30 anos (Brasil, 2019).
Assim, em 2018, a empresa São Francisco Transmissão de Energia S.A, sob a administração da Sterlite Brasil Participações (uma empresa do grupo indiano Sterlite Power Grid Ventures Limited), começou a desenvolver e operar esse projeto, que abrange um total de 363,5 km nos dois estados (Combate Racismo Ambiental, 2024).
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) é o órgão responsável pelo licenciamento ambiental, pela fiscalização das obras e pelo acompanhamento da execução dos Programas Socioambientais durante a implementação e operação da Linha de Transmissão. A empresa Dossel Ambiental Consultoria e Projetos Ltda foi contratada pela São Francisco para fornecer assessoria técnica especializada e elaborar os estudos ambientais necessários (Dossel ambiental, 2018).
A linha de transmissão de 500 kV possui um grande impacto, abrangendo dois estados e envolvendo diretamente 26 municípios. Ela conecta duas subestações de energia elétrica, Olindina e Sapeaçu, com seu ponto de partida na Usina Termoelétrica (UTE) Porto Sergipe I em Sergipe, que opera com gás natural importado. O ponto intermediário será em Olindina, na Bahia, enquanto o ponto de chegada será em Sapeaçu.
Ambas as localidades já possuem subestações construídas e instaladas, que estão em processo de ampliação para receber a energia gerada pela UTE. É importante destacar que a dinâmica dessa linha de transmissão se estende além de uma simples linha elétrica, abrangendo todo um território (Andrade; Ramos Filho, 2021).
Destaca-se ainda que, do município de Sapeaçu à Feira de Santana, na Bahia, observa-se uma complexa rede de projetos estatais de desenvolvimento calcados na expansão urbana e implantação de sistemas viários. Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o destaque do município de Sapeaçu é em função deste ser elo de outras linhas de transmissão, que se conjugam à subestação já existente (Andrade; Ramos Filho, 2021).
Para assumir o empreendimento, a empresa de origem indiana Sterlite Power – que se dedica à exploração do setor elétrico e energético – participou do leilão de transmissão da Aneel (nº 2/2018) e arrematou o Lote 7 LT 500 kV Porto de Sergipe – Olindina C1 (Andrade; Filho, 2021). A movimentação da agência disponibilizou para empresas do setor de energia diversas licitações de implantação de estações, subestações e linhas de transmissões pelo território nacional (Carmo; Freitas, 2023). No edital do leilão nº 02/2018-Aneel foram ofertados 20 lotes pelo país (Brasil, 2018).
Dois lotes desse processo previam a instalação de empreendimentos que passariam pelo território de Feira de Santana, o 6º lote, “composto pelas seguintes instalações no estado da Bahia: SE 230/69 kV Feira de Santana III – 2 x 150 MVA; Trechos de LT em 230 kV entre o seccionamento da LT 230 kV Governador Mangabeira; Camaçari II C2 e a SE Feira de Santana III, com 2 x 54 km” (Aneel, 2018, p. 9 apud Carmo; Freitas, 2023). Quem venceu esse processo licitatório foi a empresa Lyon Capital.
Já o 7º, entre Bahia e Sergipe, composto pelas instalações: LT 500 kV Porto de Sergipe – Olindina, C1, com 180 km; LT 500 kV Olindina – Sapeaçu, C1, com 207 km; LT 230 kV Morro do Chapéu II – Irecê, C2 e C3, CD, com 67 km, foi vencido no processo licitatório, pela empresa São Francisco Transmissão de Energia S.A. (Aneel, 2018, p. 9 apud Carmo; Freitas, 2023).
Henrique Oliveira de Andrade e Eraldo da Silva Filho (2021), por meio de pesquisa que investiga a implantação do LT 500 kV Olindina – Sapeaçu, problematizaram a atuação do capital internacional por meio da criação de uma subsidiária da Sterlite no Brasil para participação do evento amparada na Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Essa é registrada no país como São Francisco Transmissão de Energia S.A, junto à empresa Dossel Ambiental (Andrade; Filho, 2021).
Para os pesquisadores, a Sterlite é gerida por uma rede de fundos de investimento espalhados por diversas partes do mundo, tais como: Axis Trustee, Exotéric II, GIC (Fundo Soberano de Cingapura), Indigrid e KKR, refletindo a atuação dessa internacionalização do capital e sua conexão com o setor elétrico brasileiro (Andrade; Ramos Filho, 2021).
Desse modo, avaliam que o arremate do Lote 7 expressa um jogo do capital financeiro mundializado para elaborar estratégias de garantia dos seus interesses de reprodução ampliada em países em desenvolvimento do Sul Global (Andrade; Ramos Filho, 2021).
Nessa dinânima de operação do capital internacional, associada a um discurso nacional de segurança energética, instala-se a LT, atingindo territorialmente dois estados, vários muncípios e distintas comunidades rurais e quilombolas.
As comunidades quilombolas certificadas são as seguintes: Mussuca, no município de Laranjeiras/SE; Quebra Chifre, município de Riachuelo/SE; Curral de Fora, no município de Água Fria/BA; Paus Altos, no município de Antônio Cardoso/BA; Santo Antônio, no município de Antônio Cardoso/BA; Gavião e Cavaco, no município de Antônio Cardoso/BA; Subaé, município de Antônio Cardoso/BA; Santa Cruz, município de Antônio Cardoso/BA; Orobó, município de Antônio Cardoso/BA; Salgado, município de Antônio Cardoso/BA; Morro da Pindoba, município de Antônio Cardoso/BA; Vila Nova, no município de Biritinga/BA; Lagoa Grande, município de Feira de Santana/BA; e Baixa da Mina, município de Água Fria-BA.
Já as comunidades com áreas de assentamento de reforma agrária são: Menino Jesus, município de Água Fria-BA; Oito de Março, município de Laranjeiras/SE; e Hugo Herredia, município de Barra dos Coqueiros/SE (Andrade; Ramos Filho, 2021).
Na Bahia, 14 municípios são afetados diretamente pelo empreendimento: Água Fria, Anguera, Antônio Cardoso, Biritinga, Cabaceiras do Paraguaçu, Feira de Santana, Itapicuru, Nova Soure, Olindina, Santa Bárbara, Santanópolis, Santo Estevão, Sapeaçu e Sátiro Dias (Andrade; Filho, 2021). Esses estão inseridos nos Territórios de Identidade (TI) do Portal do Sertão e Rêconcavo Baiano.
O Território Portal do Sertão localiza-se no Centro Norte Baiano e é formado por 17 municípios, abrangindo uma área de 5.796,57 km2. Segundo os dados do Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população da região totalizava 948.718 habitantes, representando aproximadamente 6,7% da população baiana (Bahia, 2024).
Inserido no Bioma Caatinga e parte da área de abrangência do Semiárido, o território é integrado por três bacias hidrográficas: do Paraguaçu e do Recôncavo Norte (majoritárias) e de Inhambupe (em Água Fria) (Bahia, 2016).
A ocupação histórica do TI Portal do Sertão está intensamente relacionada com a circulação de pessoas e mercadorias em torno das feiras livres e em virtude da proximidade com o Recôncavo, que foi dinamizado pelo ciclo do açúcar. Atualmente, nas áreas mais urbanizadas predomina economicamente a oferta de serviços e comércio, e, nas áreas rurais, agricultura e agropecuária são as principais atividades desenvolvidas.
Em todo território existe a convivência de agricultores/as familiares, comunidades quilombolas e o Projeto de Assentamento (PA) de Reforma Agrária Menino Jesus (Bahia, 2016). São 20 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) no território de identidade, 12 delas situadas nos municípios que confrontam a linha de transmissão: Baixinha, Bete I, Bete II, Cambotã, Candeal, Crioulo, Gameleira, Gavião, Lagoa do Negro, Lagoa Grande, Lagoa Salgada, Malemba, Massaranduba, Matinha, Mocambinho, Morro do Fogo, Olaria, Oleiros, Paramirim das Crioulas, Paus Altos, Pedra Branca, Roçado, Tapera e Tapera Melão (Bahia, 2016).
Já o Territótio de Identidade do Recôncavo situa-se na Mesorregião Metropolitana de Salvador; com bacias hidrográficas que abarcam todo o território e importantes unidades de conservação em sua área (Bahia, 2016), com intensas tradições culturais de matrizes africanas (Bahia, 2016). Tal característica é observada nas diversas manifestações populares ainda presentes em todos os municípios do território, e se coaduna com formas de ocupação territorial (Bahia, 2016).
De acordo com estimativas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, a população desse território era de 515.168 habitantes, sendo 3,6% da população da Bahia (Bahia, 2023) Economicamente predominava a oferta de serviços e comércio nas áreas urbanizadas, bem como agricultura e agropecuária nas áreas rurais (Bahia, 2016).
A maior parte dos municípios do TI do Recôncavo apresenta características comuns: forte representação histórico-cultural, pequenas extensões territoriais, proximidade entre as sedes municipais, médio índice de urbanização, elevado número de mulheres na composição demográfica, e proeminência do setor terciário (Bahia, 2016).
Os territórios de identidade inserem-se na Política de Desenvolvimento Territorial do Estado da Bahia (seja no espaço urbano ou rural) e tem o objetivo principal de promover o desenvolvimento territorial, democrático, sustentável e solidário por meio da participação social, da articulação e integração das políticas públicas e ações governamentais visando à melhoria da qualidade de vida da população (Rios, 2018). A área de abrangência do empreendimento a partir desse recorte dos Territórios de Identidade auxilia a compreensão da expansão social e territorial do impacto da Linha de Transmissão para a população diretamente e indiretamente afetada nos estados envolvidos.
Em Sergipe, a linha de transmissão em questão envolve localmente 12 municípios: Barra dos Coqueiros, Boquim, Itaporanga D’Ajuda, Lagarto, Laranjeiras, Maruim, Nossa Senhora do Socorro, Riachão do Dantas, Salgado, Santo Amaro das Brotas, São Cristovão e Tobias Barreto (Andrade; Filho, 2021). Eles se espacializam entre litoral, no território da Grande Aracaju e no centro-sul (Santos, 2015).
O território do centro-sul Sergipano é formado por cinco municípios (Lagarto, Poço Verde, Riachão do Dantas, Simão Dias e Tobias Barreto (Plano, 2008). Está assentado na Faixa de Dobramentos Sergipana, apresentando afloramentos de solo de alta a média fertilidade natural, predominando clima quente semiárido. A cobertura vegetal predominante é a caatinga, típica de ambiente de transição entre o litoral e o sertão. O território ainda é drenado pela Bacia Hidrográfica do Rio Sergipe (Sergipe, 2008).
As tradições culturais do centro-sul Sergipano guardam estreitas relações com a pecuária por ser a atividade que contribui mais fortemente para a construção da identidade local (Plano, 2008). O território tem sua história de ocupação e economia marcada pela forte especialização na pecuária, seja na bovinocultura, seja na criação de ovinos, equinos, aves e caprinos. Na agricultura, destacam-se as culturas mais tradicionais de mandioca, feijão e milho (Sergipe, 2008).
Os municípios de Lagarto e Tobias Barreto se destacam no território com fluxos identificados pelos setores do comércio, indústria e serviços (Sergipe, 2008). Essa região concentra 20 assentamentos de Reforma Agrária implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, representando 15,1% dos assentamentos do estado (Sergipe, 2008).
Já o território Grande Aracaju localiza-se no centro-leste do estado de Sergipe, formado por nove municípios – Aracaju, Barra dos Coqueiros, Itaporanga d’Ajuda, Laranjeiras, Maruim, Nossa Senhora do Socorro, Riachuelo, São Cristóvão e Santo Amaro das Brotas (Plano, 2008).
O estado tem uma população de 2.210.004 habitantes (IBGE). Com exceção do município de Aracaju, o território apresenta indicadores sociais baixos (Plano, 2008). Todos os municípios estão inseridos na Zona Costeira, e há Unidades de Conservação da Natureza do grupo de Uso Sustentável. São elas: a Área de Proteção Ambiental do Morro do Urubu, a APA Paisagem Natural Notável e Parque Municipal do Tramandaí no município de Aracaju e uma pequena parte do Parque Nacional (Parna) da Serra de Itabaiana.
Além disso, duas outras se situam em muncípios afetados pela referida Linha de Transmissão: a Área de Proteção Ambiental do Litoral Sul (APA Litoral Sul), no município de Itaporanga d’Ajuda, e a a Floresta Nacional da Ibura, no município de Nossa Senhora do Socorro (Sergipe, 2008).
A Grande Aracaju concentra sete assentamentos de Reforma Agrária implantados pelo Incra nos municípios de Itaporanga d’Ajuda, São Cristóvão, Nossa Senhora do Socorro e Santo Amaro das Brotas (Sergipe, 2008). Em relação às populações tradicionais, a Grande Aracaju soma 14,28% das comunidades quilombolas do estado, sendo três nos municípios de Aracaju, Barra dos Coqueiros e Laranjeiras (Sergipe, 2008).
O território tem sua história de ocupação e economia marcada pela cultura da cana-de-açúcar e por abrigar a capital de Sergipe, sendo o principal polo industrial, comercial e de serviços do estado. A atividade turística também se destaca nos municípios de Laranjeiras e São Cristóvão, que dispõem de atrativos históricos e culturais (Sergipe, 2008).
A extensão territorial por dois estados e 26 municípios apresenta a dimensão das consequências do empreendimento. Especialistas chamam atenção para a criação de um intenso campo eletromagnético no entorno das torres do projeto e apontam entre a restrição para construções e diversas atividades humanas e produtivas. Ademais, prognosticam a demolição de moradias, desmatamento, o mal funcionamento de equipamentos elétricos e eletrodomésticos devido às ondas magnéticas, poluição sonora e risco de acidentes elétricos (Cáritas, 2023). Pesquisas científicas indicam, ainda, graves riscos para a saúde humana, como o aumento dos casos de leucemia nas populações expostas a esse tipo de campo eletromagnético (Incubadora, 2019).
No trecho da Bahia, a linha atravessa diversas comunidades rurais que vivem da agricultura familiar, bem como comunidades quilombolas – Candeal, Cavaco, Curral de Fora, Gavião, Lagoa Grande, Matinha, Mussuca, Paus Altos, Subaé e Vila Nova -, desarticulando sua organização social (Incubadora, 2019).
Assim, com a abrangência dos efeitos do campo eletromagnético e com a instituição de uma mera servidão sobre os bens, desapropriação e desvantagens com indenizações injustas, os pesquisadores Henrique Oliveira de Andrade e Eraldo da Silva Ramos Filho (2021) chamam atenção para as consequências da implantação da Linha de Transmissão, especialmente para essas comunidades rurais e quilombolas (Andrade; Filho, 2021).
A Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) apontou ainda que parte das perdas é irrecuperável, pois “passam por apagar lembranças, paisagens e jeitos de viver”. Sendo assim, “não têm como ser compensadas em forma de dinheiro.” (Incubadora, 2019).
Andrade e Filho (2021) alertam que o empreendimento também afetará diretamente os preços das terras, resultando em sua desvalorização e na consequente redução abrupta das áreas de cultivo. Segundo eles, isso seria um elemento consideravelmente delicado para comunidades quilombolas e camponesas, que dependem de pequenas áreas para a agricultura e outras atividades produtivas essenciais para sua subsistência (Andrade; Filho, 2021).
A poluição visual, o desgaste da vegetação nativa presente nos territórios e a desvalorização das terras são consequências que serão repercutidas pelas comunidades do entorno e por todo o território do Portal do Sertão e Recôncavo Baiano. Outro destaque é que a LT 500 KV Porto Sergipe-Olindina-Sapeaçu corta diretamente a Área de Proteção Ambiental Lago Pedra do Cavalo, localizada nos municípios de Antônio Cardoso, Cabaceiras do Paraguaçu, Cachoeira, Castro Alves, Conceição de Feira, Feira de Santana, Governador Mangabeira, Muritiba, Rafael Jambeiro, Santo Estevão, São Félix e São Gonçalo dos Campos, atingindo não só o “meio ambiente natural direto da área, mas o patrimônio paisagístico e cultural que se traduz em lazer, beleza e turismo” (Incubadora, 2019).
A partir do conhecimento acerca da Linha de Transmissão, comunidades impactadas buscaram apoio. Entretanto, parte delas teve noção da gravidade da situação apenas em 2019, com os processos já em curso, como foi o caso da comunidade quilombola de Subaé (Cáritas, 2023).
Os pesquisadores Yuri Carmo e Emmanuel Freitas (2023) citaram como exemplo a construção da Sub-Estação (SE) 230 kV, que afetou diretamente a comunidade quilombola Matinha dos Pretos, no município de Feira de Santana. Ela teve conhecimento do processo ao ver o trânsito dos materiais de concreto, equipamentos de ferros e instrumentos de redução e retransmissão de carga de energia elétrica pelas áreas do seu território. A empresa responsável causou mudanças visíveis, devastando matas nativas e na vegetação da comunidade (Carmo; Freitas, 2023).
Concomitante à construção da SE 230 kV, no município de Antônio Cardoso, a comunidade quilombola de Lagoa Grande, situada próxima a Matinha dos Pretos, também começava a perceber movimentação parecida, e seria atingida pela referida Linha de Transmissão de 500 kV (Carmo; Freitas, 2023).
Não obstante as prefeituras dos municípios afetados tenham sido informadas sobre o projeto desde 2018, nenhuma ação foi tomada para informar a população, avaliar os danos ou proteger os direitos da população direta e indiretamente impactada (Incubadora, 2019).
É importante sinalizar ainda que a estrutura do empreendimento teve respaldo de instituições governamentais, tais como a Aneel, o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Inema), bem como financiamento do Banco do Nordeste (BNB) (Carmo; Freitas, 2023).
O licenciamento ambiental da obra foi requerido pelo empreendedor ao escritório do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Bahia. Contudo, foi admitido seu processamento pelo regime simplificado – inadequado, conforme pesquisadores, porque dispensa os estudos sobre o “impacto de vizinhança”, que detalha as graves consequências da obra sobre os seres humanos, fauna, flora e água por ela atingidos (Rêgo, 2019).
Conforme o Relatório Ambiental Simplificado – produzido pela São Francisco Transmissão de Energia S.A./Sterlite Power Grid Ventures Limited e Dossel Ambiental, empresas responsáveis pelo empreendimento e pelos estudos ambientais para o licenciamento:
“Na faixa dos 55 metros é proibido fazer construções (moradias e demais benfeitorias), plantações de áreas grandes e médias, cultivos onde se processam queimadas, a exemplo da cana-de-açúcar. Fica impedido também de realizar queimadas e fogueiras, soltar pipas, subir nas torres e realizar recreações; instalações elétricas e mecânicas; produção de depósitos de lixo, depósito de materiais inflamáveis, áreas industriais, comerciais, culturais e recreativas” (Relatório ambiental apud Incubadora, 2019).
Os pesquisadores Henrique Oliveira de Andrade e Eraldo da Silva Ramos Filho (2021) alertam que, conforme a Portaria nº 421 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), de 26 de outubro de 2011, o licenciamento ambiental dos sistemas de transmissão de energia elétrica pode ocorrer por meio do Relatório Ambiental Simplificado (RAS) apenas quando se tratar de uma ocorrência de baixo impacto. Entretanto, o instrumento sinaliza um impedimento caso haja atuação em territórios quilombolas (Andrade; Filho, 2021).
Os mesmos pesquisadores analisam que o RAS realizado é um documento frágil, pois, mesmo amparado por órgãos como Ibama, Incra e FCP, apresentou baixo detalhamento dos impactos socioambientais derivados dessa obra. Além disso, omitiu as comunidades quilombolas e os assentamentos de reforma agrária presentes no território (Andrade; Filho, 2021).
A crítica sinaliza ainda que o relatório deixou de indicar as distâncias que afastam as diversas comunidades quilombolas situadas na área de influência indireta do empreendimento, havendo comprovação, a partir da observação in loco, da existência de comunidades a menos de 5 km da linha, contrariando os limites estabelecidos nos termos do art. 3º, §2º, II da Portaria Interministerial 060/2015 (Andrade; Filho, 2021).
Na busca por apoio ao enfrentamento, as comunidades mobilizaram diversas instituições. Relatos indicam que o conflito teve início em 2019, quando uma liderança quilombola de Subaé, estudante do curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), denunciou o processo de licenciamento ambiental que ocorria de forma sigilosa na autarquia responsável (Ibama) sem a devida consulta à sua comunidade, localizada no trajeto da linha de transmissão (Freitas et al., 2022). Após a denúncia pública, foi organizada uma rede de solidariedade e ação com o apoio de instituições de ensino públicas localizadas na cidade de Feira de Santana (Freitas et al., 2022).
Foi então que, como resposta à busca por apoio das comunidades quilombolas da região de Feira de Santana, em 22 de outubro de 2019, o Grupo de Trabalho Conflitos Socioambientais foi institucionalizado pela Portaria UEFS 589/2019. Ele se constituiu a partir da participação de professoras/es, técnicas/os, estudantes e voluntárias/os de diferentes áreas do conhecimento e instituições de ensino superior, tais como da própria UEFS, do Instituto Federal da Bahia (IFBA), da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) (Incubadora, 2019). O grupo também é composto por importantes organizações da sociedade civil, como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar de Feira de Santana (Incubadora, 2019).
Conforme apresentado pela portaria da UEFS, o objetivo da criação do GT foi auxiliar na mobilização das comunidades afetadas, oferecendo assessoria por meio da produção de conhecimento científico e apoiando as lutas contra as ações “que impliquem em pressões fundiárias, danos ao meio ambiente e à saúde física e psíquica de comunidades tradicionais, trabalhadores e trabalhadoras rurais e seus modos de fazer, criar e viver” (Incubadora, 2019).
Devido aos riscos do contexto, as instituições de ensino e organizações que compõem o GT, além de diversas associações comunitárias dos municípios afetados, realizaram desde 2019 inúmeras atividades para coleta de informações, realização de estudos, divulgação e mobilização sociopolítica, culminando na publicação de uma Carta Aberta (Incubadora, 2019). Nessa carta, que denuncia o contexto, realizam o seguinte chamado:
“Conclamamos os poderes públicos municipais e estadual, organizações da sociedade civil e populações dos municípios atingidos a se reunirem no acompanhamento do processo de licenciamento da obra da Linha de Transmissão LT 500 kv Porto Sergipe-Olindina-Sapeaçu, assim como de sua execução, zelando pelo bem estar e direitos das populações e meio ambiente atingidos e pela clareza e precisão da informação disponível”.
Foram realizadas reuniões e visitas de acompanhamento, bem como assessoria às comunidades em momentos de contato com as empresas envolvidas no conflito. As comunidades rurais do entorno de Feira de Santana e as comunidades quilombolas identificadas, tais como Matinha dos Pretos, Lagoa Grande e Subaé, passaram a ser orientadas pelo GT Conflitos Socioambientais (Freitas et al., 2022).
A visibilidade proporcionada pela organização coletiva possibilitou o processo de consulta das comunidades tradicionais e o debate local sobre desenvolvimento e os usos do território diante do cenário de impacto imposto pelo empreendimento (Freitas et al., 2022).
A organização da rede acadêmica de apoio e a própria auto-organização das comunidades no enfrentamento ao empreendimento produziram importantes estratégias de combate às ilegalidades. Estas resultaram na proibição judicial, via decisão liminar em Ação Civil Pública, do início das obras no território das comunidades quilombolas Santo Antônio e Subaé (Freitas et al., 2022).
Ainda no bojo das mobilizações, as comunidades e organizações envolvidas na luta escreveram, além da carta aberta, outro documento para contrapor o projeto, nomeado de “Declaração de guerra às LTs”. Assim como a carta aberta, apresenta seu posicionamento frente a implantação do empreendimento energético:
“A má intenção que há por trás dessas instalações é notória, por isso é necessário dar um basta à maneira escusa com que as empresas vêm ocupando nossos espaços. As comunidades estão unidas contra esses desmandos que surgem de todos os lados. Até quando o poder público (municipal, estadual e federal) vai se abster do seu papel de representante do povo? Até quando sua omissão financiará o massacre de nossa gente? Uma certeza temos! Continuaremos firmes e unidos, denunciando todos os ataques aos nossos povos. A declaração de Guerra às LTs representa a ação coletiva por parte das comunidades e de suas lideranças na Defesa do Território em conflito e na luta pela soberania dos povos… Diga ao povo que avance!” (Luta, 2021, p.1 apud Carmo; Freitas, 2023, pg. 9).
Grupos de extensão das universidades ligados ao GT em questão articularam as comunidades com visitas, disponibilização de informações técnicas, pesquisas referentes aos impactos sociais, ambientais e de saúde. As ações também consistiam num diagnóstico sobre a operação do empreendimento, apresentação sobre o lincenciamento ambiental e órgãos envolvidos etc. (Mendes; Freitas, Cedraz; Freitas, 2020).
Os pesquisadores Emmanuel Oguri Freitas e Yuri Caetano do Carmo (2023) destacam que a implantação da linha de transmissão trouxe diversas consequências, como já foi informado. Além disso, pesquisas científicas como a citada pela Universidade Estatual de Feira de Santana (UEFS) sinalizam o risco de leucemia para as populações expostas ao campo magnético das linhas de transmissão (Incubadora, 2019).
Com o advento da pandemia de covid-19 foi necessária uma adaptação ao momento que exigia distanciamento social. Ações extensionistas precisaram passar por estratégias de atuação no formato virtual junto às comunidades, com investimento em transmissões ao vivo, reuniões on-line etc. (Incubadora, 2020).
Nesse período, a extensão ficou cada vez mais dependente de relatos e das redes sociais para comunicação. Tais adequações trouxeram uma maior dificuldade na produção textual, pois as adversidades resultantes dos conflitos socioambientais permaneceram e ficaram mais escancaradas com o avanço da pandemia (Mendes; Freitas, 2020).
Além do apoio do GT constituído e das ações extensionistas realizadas, as comunidades tiveram amparo da organização Cáritas Brasileira – Regional Nordeste 3 (Cáritas NE3) – que, a partir de 2020, se articulou com lideranças da Comunidade Quilombola de Subaé para acompanhá-la por meio do Projeto Programa Global das Comunidades da Nossa América Latina, contribuindo com assessoria técnica e jurídica para a construção do Protocolo de Consulta da comunidade (Cáritas, 2023). Esse documento é um instrumento jurídico de norma procedimental estabelecido pela Convenção 169 sobre os Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário e se compromete a cumprir (Cáritas, 2023).
O protocolo deve ser criado pelas próprias comunidades tradicionais, que estabelecem o procedimento para serem consultadas sobre ações que possam impactar suas vidas e territórios. Esse instrumento visa a “assegurar o direito fundamental à consulta prévia, livre, informada e de boa-fé” (Cáritas, 2023). Assim, a Cáritas NE3 auxiliou a Comunidade Quilombola de Subaé na elaboração de seu documento.
O Protocolo de Consulta da comunidade Quilombola de Subaé, município de Antônio Cardoso, foi lançado em agosto de 2023. O evento teve participação de moradores, quilombolas de comunidades vizinhas, representantes do poder público a nível municipal e estadual, entidades parceiras e universidades (Cáritas, 2023).
No lançamento, a líder comunitária Sandra Cardoso expressou o significado do documento para o grupo: “O nosso Protocolo traz toda nossa história, o que a comunidade já passou, o que passa atualmente e também o que a gente espera: que os empreendimentos nos consultem antes que eles entrem na nossa comunidade” (Cáritas, 2023).
A partir das mobilizações e articulações realizadas, o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação civil para reparação de danos às comunidades quilombolas afetadas pela linha de transmissão. O MPF enfocou pricipalmente o fato das obras do empreendimento terem sido realizadas sem a devida consulta prévia às comunidades tradicionais (Combate Racismo Ambiental, 2024).
Conforme o MPF, a instalação da linha de transmissão foi realizada sem consulta prévia, livre e informada às comunidades de Cavaco, Coroá, Gavião, Lagoa Grande, Morro da Pindoba, Orobó, Paus Altos, Poço, Salgado e Tocos, desrespeitando a Convenção 169 da OIT (MPF, 2024).
Desse modo, o orgão solicitou a retirada das torres de transmissão do território tradicional e a definição de um novo trajeto, sem que as comunidades estivessem inseridas na Área de Influência Direta (AID) do empreendimento. Ademais, também requeriu o pagamento de indenização pelos danos morais coletivos causados (MPF, 2024).
A ação, realizada com pleito de tutela provisória (liminar), foi ajuizada contra o Ibama, o Incra, a São Francisco Transmissão de Energia S.A e a Sterlite Brasil Participações S.A. (MPF, 2024).
Na liminar solicitada, o MPF demanda a suspensão dos efeitos da licença prévia e da licença de instalação emitidas pelo Ibama em 15/08/2019 (Brasil, 2024) até que fosse realizada a consulta prévia adequada com as comunidades afetadas pelo empreendimento. Além disso, requer a validação por parte das comunidades tradicionais de todos os documentos técnicos elaborados: “Plano de trabalho, Estudo de Impacto Quilombola, Plano Básico Ambiental Quilombola e relatório de execução final” (Combate Racismo Ambiental, 2024).
O MPF também solicita que a São Francisco Transmissão de Energia e a Sterlite Brasil Participações se abstenham de instalar novas torres de transmissão que afetem as comunidades quilombolas e de iniciar a operação das torres já instaladas. Além disso, pede que o Incra elabore, no prazo de 30 dias, um Termo de Referência Específico e não se manifeste favoravelmente à emissão da licença de operação até que a consulta prévia às comunidades seja realizada. (Combate Racismo ambiental, 2024).
Dentro do cenário vivido pelo confronto das comunidades com esse empreendimento:
“percebe-se que a compreensão acerca da implantação das linhas de transmissão de energia é vista como uma ação que engendra diretamente a produção de conflitos territoriais, tanto em áreas rurais como urbanas, desencadeando processos complexos e contraditórios, associados diretamente à territorialização do capital por meio do discurso estatal da segurança energética a partir dos grandes projetos de desenvolvimento, violações aos direitos territoriais e humanos às comunidades em suas diversas escalas” (Andrade; Filho, 2021, p. 19).
Atualização em agosto de 2024
Cronologia
2018 – A Sterlite Power, empresa de origem indiana – que se dedica à exploração do setor elétrico e energético – participa do leilão de transmissão nº 2/2018 de transmissão nº 2/2018, realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) no segundo semestre de 2018, e arremata o Lote 7 LT 500 kV Porto de Sergipe – Olindina C1.
2019 – Implantação da linha de transmissão LT 500 kV Porto Sergipe-Olindina-Sapeaçu C1 e ampliação das Subestações (SE) associadas.
– Comunidades potencialmente impactadas pelo empreendimento passam a ter conhecimento da obra de implantação da LT 500 kV.
– Início das mobilizações e organização comunitária.
07 de outubro de 2019 – Publicação da Carta Aberta do Grupo de Trabalho Multidisciplinar Conflitos Socioambientais da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
22 de outubro de 2019 – Institucionalizado pela Portaria UEFS 589/201, o Grupo de Trabalho Conflitos Socioambientais, constituído por Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Instituto Federal da Bahia (IFBA), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e outras organizações da sociedade civil, como o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar de Feira de Santana (Sintraf Feira).
2021 – MPF ajuíza primeira ação civil pública (ACP) para tratar dos impactos da LT 500 kV Porto de Sergipe – Olindina C1 nas comunidades tradicionais quilombolas de Subaé e Santo Antônio (ACP nº 1005448-16.2021.4.01.3304).
24 de agosto de 2023 – Lançado na Comunidade Quilombola de Subaé, município de Antônio Cardoso (BA), o Protocolo de Consulta: prévia, livre, informada e de consentimento da referida comunidade.
Fontes
AÇÃO do MPF busca reparação de danos a comunidades quilombolas da Bahia por instalação de linha de transmissão. Combate Racismo Ambiental, 10 jul. 2024. Disponível em: https://shre.ink/Dsh5. Acesso em: 20 jul. 2024.
ANDRADE, Henrique O; FILHO, Eraldo da S. R. Conflitos territoriais e implantação de linhas de transmissão de energia. Anais do XIV Encontro Nacional de Pós-Graduação e pesquisa em Geografia (ENANPEGE). Campina Grande: Realize Editora, 2021. Disponível em: https://shre.ink/Dshx. Acesso em: 20 jul. 2024.
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