Terra Indígena Tubarão Latundê sofre com graves impactos ambientais, como extração ilegal de madeira, desmatamento e o uso de agrotóxicos em áreas limítrofes a ela

UF: RO

Município Atingido: Chupinguaia (RO)

Outros Municípios: Pimenta Bueno (RO), Vilhena (RO)

População: Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Madeireiras, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas

Danos à Saúde: Alcoolismo, Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças respiratórias, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

A Terra Indígena (TI) Tubarão Latundê está situada no sudeste do estado de Rondônia, na cidade de Chupinguaia, perto dos municípios de Vilhena e Pimenta Bueno. O território de 117 mil hectares é habitado por cerca de 200 indígenas. Segundo informações do site Terras Indígenas no Brasil do Instituto Socioambiental (ISA), essa TI é habitada por indígenas de três etnias: Aikanã, Kwazá e Nambikwara.

Já o relatório publicado em 1987 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai, então Fundação Nacional do Índio) identificou que a TI Tubarão Latundê era composta por indígenas Sabanê, Latundê e Aikanã. Dados mais atualizados do Ministério do Turismo (2021, 2022) revelam que no território convivem povos de diversas etnias: Latundê, Kwazá, Aikanã, Mamaindê, Manduca, Negarotê, Tawandê, Salamãi e Tuparí. Apesar da divergência desses dados, o que se constata é que se trata de um território multicultural.

Em 17 de setembro de 1982, houve a publicação da Portaria Declaratória 1.420, por meio da qual a Funai declarou como de posse permanente dos grupos indígenas Aikanã, Latundê e Sabanê o território da TI Tubarão Latundê. A partir do Decreto N° 99.170, de 13 de março de 1990, houve a homologação da TI.

No documento do Ministério do Turismo (MTur) publicado em 2021, foi revelado que os indígenas dessa TI convivem com graves impactos ambientais principalmente pela extração ilegal de madeira, desmatamento e o uso de agrotóxicos em áreas limítrofes à terra indígena. Além desses fatores, empreendimentos de geração de energia também causam impactos na TI Tubarão Latundê, o que gera conflitos com diferentes atores sociais.

Em fevereiro de 2006, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a implantação da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Cascata Chupinguaia, localizada nos municípios de Chupinguaia e Corumbiara (RO). Em 2013, membros da TI Tubarão Latundê denunciaram, em carta divulgada pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi, 11/04/2013), que a PCH Cascata Chupinguaia havia sido construída em cima de cemitérios indígenas.

Em 2015, o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, publicado pelo Cimi, denunciou o aumento de invasões por parte de grupos econômicos e madeireiros na TI Tubarão Latundê. O Cimi alertou que, mesmo quando informadas, as autoridades não tomaram as devidas providências.

Um mapeamento da exploração madeireira em Rondônia, divulgado pelo Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), revelou que, entre agosto de 2019 e julho de 2020, um total de 69.794 hectares de floresta tiveram exploração de madeira no estado de Rondônia. Os dados revelaram que a TI Tubarão Latundê foi a terra indígena mais afetada nesse período.

O Simex é uma ferramenta de monitoramento da Amazônia baseada em imagens de satélites. O estudo é realizado pela Rede Simex, integrada por quatro organizações ambientais: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), as organizações não-governamentais (ONGs), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Instituto Centro de Vida (ICV).

A partir de 2020, a Polícia Federal (PF), juntamente com a Polícia Militar do Estado de Rondônia (PMRO), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Funai, realizou uma série de operações para conter o desmatamento ilegal na TI Tubarão Latundê. As operações Êxodo e Obsidium buscaram desarticular uma organização criminosa dedicada à exploração ilegal de madeiras no território indígena.

Os conflitos na TI Tubarão Latundê prejudicam a integridade das comunidades indígenas e têm levado ao lento processo de abandono da língua aikanã. Essa é uma das conclusões do Parecer da Divisão Técnica de Diversidade Linguística do Departamento do Patrimônio Imaterial do Ministério do Turismo (2021), que buscou a inclusão da língua indígena aikanã no Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).

Percebe-se que uma das estratégias políticas para proteção dos povos indígenas da TI Tubarão Latundê tem-se dado por meio das medidas de proteção da língua aikanã, inclusive porque somente lá ela é ainda falada. De acordo com o acervo Documentação de Línguas Ameaçadas (Dobes), as línguas aikanã e kwaza são geneticamente isoladas, o que significa que não possuem parentesco com nenhuma outra língua ou família linguística do mundo. Ambas, portanto, estão ameaçadas de extinção.

Com base em resultados de pesquisas do Museu Paraense Emílio Goedi (MPEG), o Ministério do Turismo, em outubro de 2021, deu parecer favorável para que a língua indígena aikanã fosse incluída no INDL, justificando que a iniciativa está voltada para um processo de reparação histórica e promoção do direito humano.

 

Contexto Ampliado

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulgou dados históricos sobre a região que atualmente compreende o estado de Rondônia, esse é o único estado brasileiro fruto de um acordo, o Tratado de Petrópolis. Assinado em 17 de novembro de 1903 na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro, anexou o território do Acre ao Brasil, pertencente à Bolívia desde 1750. Nesse acordo, o Brasil ficou com as terras do Acre em troca da construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. O início da construção dessa ferrovia, em virtude da assinatura do tratado, constituiu um impulso para o povoamento da região de Rondônia.

Na década de 1940, o Decreto-lei nº 5.812 de 13 de setembro de 1943 criou o Território Federal do Guaporé, com partes desmembradas dos estados do Amazonas e do Mato Grosso. A Lei de 17 de fevereiro de 1956 muda essa denominação para Território Federal de Rondônia, em homenagem ao marechal Cândido Rondon. Em 1982, o território foi elevado à categoria de estado da federação, pois, anteriormente, Rondônia era território da União. O estado de Rondônia foi constituído em ciclos econômicos e em diferentes movimentos de ocupação territorial.

Um dos primeiros movimentos do estado de Rondônia esteve ligado às missões, que vieram com o objetivo de catequizar os indígenas e ocupar a região (SILVA, 1984 apud SCHRODER, 2008, p. 18). Ainda segundo Silva (1984), a descoberta de ouro nas águas do rio Corumbiara no século XVII e a preocupação crescente de ocupação das margens direita dos rios Mamoré e Guaporé para garantir as posses portuguesas teriam gerado outro movimento de ocupação do território. Passados os ciclos das missões e do ouro, a região entrou em um período de estagnação até meados do século XIX, quando começou o interesse pela borracha.

O geógrafo Paulo Henrique Schröder (2008, p. 18-19) complementa:

“Neste período iniciou-se uma nova etapa de ocupação, com a vinda de migrantes de outras regiões, principalmente de nordestinos fugindo das constantes secas e incentivados pelo governo imperial. Gonçalves (1989) comenta que a escassez de mão-de-obra na Amazônia devido ao massacre indígena da Amazônia, junto com a seca nordestina, ensejará uma política por parte do governo imperial de estimular o fluxo migratório, resolvendo, do ponto de vista das classes dominantes, o problema de mão-de-obra para a borracha e deixando intacta a estrutura fundiária do Nordeste”.

O Programa de Integração Nacional (PIN) executado em 1970, no governo do ditador general Emílio Garrastazu Médici, representou na opinião de Coy e Rabello (1988; 2004 apud SCHRÖDER, 2008) um ponto de partida da ocupação atual do espaço rondoniano, pois sua prioridade, em uma primeira etapa, foi constituída pela construção de estradas e a reserva das laterais das rodovias para a colonização e reforma agrária.

De acordo com as pesquisas dos referidos autores, a escolha de Rondônia como região prioritária para a colonização se deu devido:

“a) a localização da região na continuidade da direção do movimentos das frentes pioneiras do Centro-Oeste rumo ao Norte; b) a existência da estrada Cuiabá – Porto Velho mantendo esta extensão da frente pioneira; c) a situação jurídica das terras de Rondônia facilitando a colonização oficial pela existência de uma porcentagem relativamente elevada de terras públicas e; d) pela existência de terras mais férteis do que dentro da média da região amazônica” (COY, 1988, p.175 apud SCHRODER, 2008, p. 22).

Esse breve relato tem por objetivo demonstrar que a região, que atualmente compreende o estado de Rondônia, foi fruto de um longo processo de colonização e ocupação territorial e, por consequência, de desterritorialização dos povos originários. Esse movimento foi fortemente incentivado pelos governos militares e gerou impactos sobre as populações indígenas daquela região. Para conhecer uma análise detalhada do processo de ocupação do território de Rondônia, recomenda-se a pesquisa do geógrafo Paulo Henrique Schröder (2008), disponível aqui: https://shre.ink/aUbn

Na visão do historiador Iremar Antonio Ferreira, que atua desde 1988 na defesa dos direitos dos povos indígenas em Rondônia e foi membro do Conselho Indigenista Missionário (Cimi/RO), de 1992 a 1998, o contexto de ocupação incentivada pelos ditadores militares trouxe impactos severos aos povos indígenas de Rondônia:

“Dos mais de 80 mil nesse chão, no início da década de 1980 eram pouco mais de 2 mil indígenas. Um grande genocídio e um etnocídio foi cometido contra esses povos e não há qualquer ação judicial de reparo aos sobreviventes desse grande massacre. Um único caso de julgamento de um genocídio no Brasil, com condenação dos mandantes e executante, ocorreu em Rondônia na década de 1990, no município de Guajará-Mirim, do caso conhecido como ‘Massacres dos Oro Win’, motivados por garimpo de ouro em território ocupado pelos Oro Win no alto do rio São Luiz, afluente do rio Pacaás Novos, afluente do rio Mamoré” (FERREIRA, 2017).

É nesse território rondoniano que se situa a Terra Indígena (TI) Tubarão Latundê. O território indígena fica no sudeste de Rondônia, dentro da cidade de Chupinguaia e conectado com as cidades de Vilhena e Pimenta Bueno, a cerca de 150 km de rodovia asfaltada na R0-391 e BR-364 (Ministério do Turismo, 2021).

Segundo dados do site Terras Indígenas no Brasil do Instituto Socioambiental (ISA), a TI Tubarão Latundê possui uma área de 117 mil hectares e tem cerca de 200 indígenas de três etnias: Aikanã, Kwazá e Nambikwara. Já o relatório publicado em 1987 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai, então Fundação Nacional do Índio), identifica que a TI Tubarão Latundê era composta por indígenas Sabanê, Latundê e Aikanã. A figura abaixo demonstra a localização da TI Tubarão Latundê.

 

Localização da TI Tubarão Latundê (RO). Fonte: AIKANÂ e GOMIDE (2015, p. 47). Disponível em: https://shre.ink/aUV2

No artigo publicado em 2015 por Carlos Aikanã, graduado em Licenciatura em Educação Intercultural pela Universidade Federal de Rondônia (Unir) e Maria Lucia Cereda Gomide, professora do Departamento de Educação Intercultural da Unir, as informações são de que nessa TI vivem as seguintes etnias: Aikanã, Kwazá, Sabanê, Latundê e Mamaindês, o que leva a crer que existem divergências e uma profusão de nomes que geram certa controvérsia sobre esse território indígena. No entanto, o que se constata é que se trata de um território onde vivem remanescentes de vários povos indígenas, conferindo-lhe o caráter multicultural.

Dados mais recentes publicados em 2021 pelo Ministério do Turismo (Secretaria Especial da Cultura, Departamento do Patrimônio Imaterial Divisão Técnica de Diversidade Linguística), retratam que na TI Tubarão Latundê vivem povos indígenas que são tradicionalmente da região:

“Os Aikanã, Kwazá, Latundê e Salamãi. Além deles, imigraram membros de outros povos, principalmente os Sabanê, cuja maioria mora no Estado de Mato Grosso, grupos das etnias Mamaindê, Manduca, Negarotê e Tawandê, também do Mato Grosso, Terenas vindo do Estado de Mato Grosso do Sul, além dos Sakurabiat e Tuparí, vindos de outras terras indígenas de Rondônia”.

Sobre os Nambikwara (segundo o ISA, uma etnia também identificada na TI Tubarão Latundê), o site Povos Indígenas no Brasil (s/d) explica que esse etnônimo pode ser grafado de outras formas: Nambiquara, Nambicuara e Nhambicuara. Assim, desde o início do século XX, esse termo é usado para designar os diversos grupos que ocupavam a região que compreende o noroeste do estado do Mato Grosso e as adjacências do estado de Rondônia, entre os afluentes dos rios Juruena e Guaporé até as cabeceiras dos rios Ji-Paraná e Roosevelt. O nome “Nambiquara” é uma designação genérica dos povos que habitam a Chapada dos Parecis, o Vale do Guaporé e a região mais ao norte.

Há, por outro lado, uma profusão de nomes utilizados para designar os subgrupos Nambiquara. Ainda de acordo com a mesma fonte do ISA, entre os Nambiquara do norte existem os Da’wandê, Da’wendê, Âlapmintê, Yâlãkuntê (Latundê), Yalakalorê, Mamaindê e os Negarotê. Entre os Nambiquara do sul, estão os Halotésu, Kithaulhu, Sawentésu, Wakalitesu e Alakatesu. E entre os Nambiquara do vale do Guaporé, encontramos os Wasusu, Sararé, Alãntesu, Waikisu e Hahãitesu.

De acordo com a classificação de David Price (1972) divulgada pelo ISA (s/d), a família linguística Nambiquara pode ser dividida em três grandes grupos de línguas faladas em diferentes regiões do território Nambiquara: Sabanê, Nambiquara do Norte e Nambiquara do sul. Os grupos falantes da língua Nambiquara do Norte habitavam os vales do rio Roosevelt e do rio Tenente Marques, bem como a região mais a noroeste, que inclui a área banhada pelos rios Cabixi e Piolho.

Segundo informações do artigo de Aikanã e Gomide (2015, p. 15) publicado pela Unir, as famílias da TI Tubarão Latundê estão distribuídas em três aldeias: Tubarão, Rio do Ouro e Latundê. Porém, existe outra aldeia na mesma área, chamada Felipe Camarão, onde vivem somente indígenas Sabanê. Cabe destacar que Carlos Aikanã, autor do artigo, é nascido na TI Tubarão Latundê.

No documento do Ministério do Turismo publicado em 2021, que teve como foco dissertar sobre a língua aikanã, são relatadas diversas situações de risco para as comunidades indígenas que vivem na TI Tubarão Latundê:

“Desintegração da sociedade devido a pressões culturais e ecológicas da sociedade não-indígena, principalmente pela extração ilegal de madeira, que prejudica o meio ambiente, divide as comunidades, traz ou consolida o alcoolismo, uso de drogas, doenças de vários tipos e conflitos internos graves. Em certas situações, o proselitismo cristão/evangélico tem contribuído para divisões sociais e desaparecimento de certas tradições como a música indígena e a pajelança. (…) Outros fatores ecológicos que prejudicam a comunidade e as suas línguas são o avanço de desmatamento e o uso de agrotóxicos nessas áreas desmatadas limítrofes às terras indígenas”.

De acordo com o acervo Documentação de Línguas Ameaçadas (Dobes), que faz parte do programa Dokumentation Bedrohter Sprachen da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), já no início do século XX, antropólogos identificaram vários complexos culturais em Rondônia. Um deles foi Claude Lévi-Strauss (1948), que categorizou os povos da margem direita do rio Guaporé como membros da “área cultural do Guaporé”, que se divide numa sub-área Txapakura ao oeste e numa sub-área Tupi ao leste.

Essa classificação foi reexaminada por Denise Maldi, que realiza pesquisa etno-histórica na parte ocidental de Rondônia e em Mato Grosso desde a década de 1980. Maldi (1991) redefine uma parte da área Tupi de Lévi-Strauss como “O complexo cultural do marico”. Esse complexo cultural inclui não somente as culturas dos povos que falavam línguas tupi na região, mas também falantes das línguas jabutí (Macro-Jê) e das línguas isoladas aikanã e kwazá.

Os Aikanã, que chamam sua língua pelo mesmo nome, são encontrados na literatura por vários nomes: MassakáKassupáHuaríCorumbiaraMondé e Tubarão. No entanto, eles se autodenominam Aikanã. O acervo Dobes revela que:

“Os Aikanã foram mencionados pela primeira vez em 1913 com o nome Uapurutá (reconhecido pelos Aikanã como Waikurutá) num mapa feito a mão pela Comissão Rondon durante sua visita ao povo Kepkiriwat (cf. Rondon & Faria 1948). Os Aikanã hoje confirmam que Waikurutá era o nome de um dos subgrupos da sua tribo. Aparentemente, Rondon considerou eles como um subgrupo dos Kepkiriwat, igual aos Charamein (Salamãi), devido ao relacionamento amistoso que mantiveram com os outros povos e o fato de eles terem culturas semelhantes” (Acervo Dobes, s/d).

Segundo o ISA (2011), os Cassupá ou Kassupá também pertencem à família linguística Aikanã e possuem aproximadamente 210 membros. A maioria dos Cassupá habita uma aldeia formada em área do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa, em Porto Velho-RO), juntamente com alguns representantes da etnia Salamãi.

Esses indígenas convivem com a insegurança jurídica e conflitos por terra, pois diversas vezes foram notificados para deixarem seu território. Um caso de conflito envolvendo povos indígenas Cassupá encontra-se disponível neste Mapa de Conflitos: https://shre.ink/aMma

Ainda de acordo com o portal Dobes, a primeira testemunha ocular do povo Aikanã, com descrições, fotografias e uma amostra da sua língua, foi dada em 1914 pelo etnógrafo e barão sueco Erland Nordenskiöld. Um trecho do acervo descreve que:

“Os Aikanã provavelmente já estavam em contato com a sociedade ocidental antes da visita do Nordenskiöld, mas as grandes mudanças culturais chegaram logo depois com a entrada do empresário de borracha Américo Casara, que empregou eles na extração de caucho, ipecacuanha e outros produtos nativos da região. Há muitos indicadores que os Aikanã se davam bem com os não-indígenas. Eles forneceram serviços valiosos para as expedições da Comissão Rondon na primeira década do século XX, a Expedição Urucumacuan de 1940s, a construção da BR-364 em 1960s, e outras iniciativas governamentais” (Acervo Dobes, s/d).

Ainda sobre os povos da etnia Aikanã, dados do ISA (s/d) revelam que, segundo o antropólogo e pesquisador Price (1981), em 1940 o Serviço de Proteção aos Índios (SPI) abriu um posto de atendimento em Igarapé Cascata, um afluente do rio Pimenta Bueno, e para lá foram levados vários grupos indígenas, dentre eles os Aikanã. Doenças contagiosas para as quais os indígenas não possuíam resistência imunológica causaram a morte de muitos indivíduos Aikanã. Tais fatos foram confirmados pelos Aikanã mais antigos, segundo dados do site Terras Indígenas no Brasil do ISA.

Importa ressaltar, segundo Gomide e Aikanã, que no início da década de 1970 a colonização avançava ao longo da BR-364, mas as áreas de cerrados ao sul do estado de Rondônia permaneciam fora desse processo por serem consideradas pobres para agricultura. Entretanto, a frente migratória avançava e atingia seu desenvolvimento a partir da cidade de Pimenta Bueno, ou seja, onde começa a transição do cerrado para a floresta amazônica (THERY, 2010, p. 184 apud GOMIDE e AIKANÃ, 2020, p. 239).

Os autores destacam que os cerrados rondonienses estão em parte localizados nas terras indígenas e que essas áreas passam a ser sucessivamente convertidas em cultivos de grãos (monoculturas), destacando-se a expansão do agronegócio da soja.

Para entender a expansão dos cultivos da soja no estado de Rondônia e os impactos sobre as terras indígenas, recomenda-se a leitura de Gomide e Aikanã (2020), disponível em: https://shre.ink/aUiY.

Segundo a documentação do acervo Dobes, desde a década de 1970, a maioria dos Aikanã já morava na região onde atualmente está a TI Tubarão Latundê. A documentação do Dobes retrata que:

“Em 1975 eles [Aikanã] contataram uma família Aikanã isolada, liderada pelo Capitão Arui Uhune’i, que tinha se afastado dos outros Aikanã nos anos 1940 e morava numa parte remota da reserva. Com o reestabelecimento de contato com essa família, o conhecimento das práticas xamânicas para curar doenças foi reintroduzido na comunidade, junto com novos candidatos para casamentos. Em 1976, os Aikanã contataram um grupo desconhecido de povos Nambikwara Setentrional, os Latundê, numa área remota de serrado no interior do leste da reserva. Hoje os Aikanã moram nessa reserva juntos com membros do povo Kwaza, uma semi-falante de Salamãi e os últimos Latundê. Falantes da língua Aikanã também moram na Terra Indígena rio São Pedro em cidades vizinhas como Chupinguaia e Vilhena, e na capital estadual, Porto Velho”.

Sobre os Kwazá que vivem na TI Tubarão Latundê, o site Terras Indígenas no Brasil do ISA (s/d) descreve que os Kwazá foram expulsos de suas terras por fazendeiros após a abertura da rodovia Cuiabá – Porto Velho (BR-364), na década de 1960. Atualmente, os Kwazá vivem com os Aikanã na TI Tubarão Latundê e uma parte dos Kwazá se reconhece como Aikanã.

Existe também uma família mista de Kwazá e Aikanã que vive em outra terra indígena na região do igarapé São Pedro, município de Parecis (RO). Trata-se da TI Kwazá do Rio São Pedro, demarcada em junho de 2000 e homologada pelo Decreto s/n de 11 de fevereiro de 2003.

Ainda de acordo com a publicação do ISA, os Kwazá também são referidos como ‘Koaiá, Koaya, Coaiá ou Quaia’. Os Kwazá não reconhecem esses nomes e consideram-nos errados. Explicam que o nome certo é Kwazá, mas não atribuem nenhum sentido a ele. É provável que as denominações ‘Kwazá’ ou ‘Koaiá’ venham de denominações que lhes foram dadas por povos vizinhos. Estudos sobre essa etnia classificam a língua kwazá, dentre várias outras do estado de Rondônia, como isolada.

Segundo relatos do ISA:

“Isto quer dizer que o Kwazá não se relaciona com outras línguas ou famílias lingüísticas conhecidas. Estudos histórico-comparativos indicam que com relação ao sistema de sons, à formação de palavras e frases e ao léxico, Kwazá é muito diferente de outras línguas. As esparsas semelhanças que existem entre Kwazá e as línguas isoladas Aikanã e Kanoê e as línguas dos troncos Tupí, Nambikwára, Txapakúra e Macro-Jê, se devem provavelmente a uma história milenar de contatos ou à coincidência”.

Seguindo pistas deixadas no documento do ISA (s/d), a primeira menção aos Kwazá se deu num mapa manuscrito pelo general Rondon de 1913 (publicado em 1948), que os localizou nas margens do igarapé São Pedro (RO). Poucos anos depois, a expedição mineralógica ‘Urucumacuan’, sob o comando do Dr. Victor Dequech, percorreu Rondônia e encontrou os Kwazá na beira do rio Pimenta Bueno e do São Pedro. O primeiro reconhecimento dos Kwazá pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI) se deu em 1942, quando o tenente Estanislau Zack os mencionou no seu relatório.

De acordo com o portal Dobes, Claude Lévi-Strauss e Luiz de Castro Faria tiveram algum contato com os Kwazá no ano de 1938, o que resultou num conjunto de fotografias e um relato sobre a língua originária dessa etnia. O acervo Dobes registra:

“Durante a visita do Lévi-Strauss, os Kwazá provavelmente já estavam dizimados por doenças exógenas e, segundo os Aikanã, por guerra. Apesar de sua língua mostrar muitos traços que vieram de contato com outros grupos e de ter uma cultura que nitidamente pertence ao complexo cultural do marico, os Kwazá aparentemente não mantinham relações amistosas com seus vizinhos durante o século XX. Nos anos 1960, a tribo toda estava formada por uma ou duas famílias morando na foz do Rio Tanarú, e em 1973, eles se juntaram com os Aikanã para morar na Terra Indígena Tubarão-Latundê”.

Segundo Gomide e Aikanã (2020, p. 246), os Aikanã, assim como os demais povos que vivem nessa terra, foram transferidos de seus territórios historicamente ocupados. De acordo com informações dos mais velhos (AIKANÃ, 2015), esse povo habitava terras mais ricas próximas ao rio Tanaru, a oeste do rio Pimenta Bueno. Os Aikanã, antes de serem transferidos, trabalhavam nos seringais em troca de mercadorias (VASCONCELOS, 2005 apud GOMIDE e AIKANÃ, 2020).

Conforme já citado, na década de 1940 o SPI mantinha um posto próximo ao rio Pimenta Bueno, onde vários povos indígenas foram aldeados. Na época, segundo Carlos Aikanã (GOMIDE e AIKANÃ, 2020, p. 246): “[…] os Aikanã desconheciam a existência do SPI, assim como de seus direitos sobre a terra, por esta razão não reivindicaram seu território”.

A partir dessa contextualização, o que se percebe é que existem poucos estudos sobre esses povos que vivem na TI Tubarão Latundê e as pesquisas feitas são na maioria realizadas por linguistas. Mas o que se verifica é que a TI Tubarão Latundê abriga diversas etnias indígenas, constituindo-se um território multicultural, e os indígenas que ali vivem passaram por situações de desterritorialização, violências e conflitos históricos.

Apesar de sua homologação ter ocorrido em 1990, a TI Tubarão Latundê foi demarcada para os Aikanã em 1973, a partir da escolha de uma área localizada no Setor 11 da Gleba Corumbiara do então Território Federal de Rondônia por conta do Projeto Fundiário Corumbiara, depois de terem sido desalojados da região do rio Tanaru (RELATÓRIO DA FUNAI, s/d, p. 18 apud MINISTÉRIO DO TURISMO, 2022, p. 04).

Após dois anos da demarcação da TI Tubarão Latundê (1975), os Latundê foram avistados pelos Aikanã. Segundo Parecer Técnico do Ministério do Turismo (2022), pode-se deduzir que essa região é de ocupação tradicional dos Latundê. Ainda de acordo com a mesma fonte, o contato pela equipe da Funai com esse povo foi iniciado entre 1976 e 1977, e o nome dado à terra indígena deveu-se a um equívoco na denominação dos povos que habitavam o local:

No Processo FUNAI/BSB/3503/76, os ‘índios do campo’ são muitas vezes chamados de Massacá. A nosso ver a Portaria de Interdição do Setor 11 reflete a confusão com relação às reais denominações dos grupos Aikaná e Latundê. Tudo indica que à época da Portaria denominava-se Tubarão aos Aikaná e Massacá aos Latundê. Acreditamos que nossa Portaria para eleição da área seja fruto desse equívoco. (…) Segundo depoimentos dos índios ‘na língua nosso nome é Aikaná’, mas quando um índio chamado Massacá foi Capitão a tribo ficou conhecida como Massacá, o mesmo acontecendo quando um índio de nome Tubarão foi capitão.” (RELATÓRIO DA FUNAI, s/d, p. 16 apud MINISTÉRIO DO TURISMO, 2022, p. 04).

De acordo com notícia publicada no dia 10 de janeiro de 1980 pelo jornal O Estado de São Paulo, a 8ª Delegacia da Funai impetrou uma ação de manutenção de posse contra pretendentes de uma área do projeto fundiário “Corumbiara”, que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estava implantando no município de Pimenta Bueno. Trecho da nota diz que a Funai reconhecia a área como “reserva dos índios tubarões”. Segundo o sertanista Apoena Meireles, da Funai, tais terras eram “cobiçadas por médios fazendeiros, que estão entrando na região e causando uma série de problemas a tribo dos tubarões” (ESTADO DE SÃO PAULO, 1980).

Outra notícia, publicada em março de 1982 pelo Jornal do Brasil (08/03/1982), dizia que o sertanista Apoena Meireles anunciou na época que a maioria das reservas indígenas de Rondônia já estavam demarcadas e que o “o problema da invasão das terras foi resolvido graças a uma ação conjunta do Governo do Estado, com o Incra e a Funai”. No entanto, a notícia também destacou que a região onde viviam os “índios Tubarão e Macurapes necessita de uma demarcação”.

No mesmo ano de 1982, houve a publicação da Portaria Declaratória 1.420, de 17 de setembro de 1982, no qual a Funai declara como de posse permanente dos grupos indígenas Aikanã, Latundê e Sabanê uma área com superfície aproximada de 118.000 mil hectares (Funai, 1982), a TI Tubarão Latundê.

A partir do Decreto N° 99.170, de 13 de março de 1990, houve a homologação da TI Tubarão Latundê pelo presidente da República da época, José Sarney (MDB). De acordo com o decreto, o território foi caracterizado como “de ocupação tradicional e permanente indígena, habitada pelos grupos tribais Sabanê, Aikanã e Latundê, com superfície de 116.613,3671 hectares e perímetro de 177.380,98 metros”.

Segundo o Ministério do Turismo (2022), durante alguns anos (até o final da década de 1990), os indígenas dessa TI participaram da extração e da venda de castanha-do-Pará e palmito e, nos tempos atuais, a extração de madeira representa uma fonte de renda significativa para a comunidade. Ainda de acordo com o Parecer Técnico do Ministério do Turismo (2022), nas últimas décadas, mesmo com a manutenção da caça e da plantação de roça como importantes fontes de subsistência, alguns Latundê foram levados a exercer funções públicas dentro de suas aldeias, como agentes comunitários de saúde ou professores; e os jovens, em sua grande maioria, vão à procura de empregos formais ou informais na cidade para assegurar sua subsistência e a compra de bens de consumo diversos.

Alguns anos após a homologação da TI, o Ministério Público Federal (MPF) recebeu denúncia feita pelo administrador regional da Funai em Vilhena (RO) sobre a invasão de madeireiros na TI Tubarão Latundê. Por meio de um ofício datado em 03 de agosto de 1994, republicado na biblioteca digital do MPF, o administrador Antônio Pedroso de Assis denunciou:

“A Área Indígena Tubarão Latundê, no Estado de Rondônia vem sendo delapidada por madeireiros da região de Colorado do O´este, Chupinguaia e Vilhena. Como de costume estes madeireiros buscam aliciar membros da Comunidade Indígena, sendo as primeiras vítimas os mais jovens. Em troca de roupas, gêneros alimentícios e veículos usados, os índios acabam por ceder, deixando que estes adentrem na Área Indígena, retirando metros e mais metros cúbicos de madeiras ou palanques de Itaúbas, indiferentes as represálias de equipes da FUNAI. Aliciam de tal forma os índios que estes se voltam contra os servidores que buscam proteger suas terras, chegando a proibir os servidores de irem até suas aldeias, sua área de modo geral”.

Diante dos fatos expostos, a administração regional da Funai em Vilhena enviou pedido à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, que trata dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, solicitando apoio para que a presidência da Funai tomasse providências sobre a denúncia. Após uma série de ofícios enviados pelo MPF para o presidente da Funai, na época, Dinarte Nobre de Madeiro, a resposta foi emitida por meio de outro ofício datado em 05 de janeiro de 1995, quando o presidente da Funai disse:

“Foi realizada uma Operação de Desintrusão na Terra Indígena Tubarão Latundê, nos dias 10 e 11 de novembro passado próximo. Esta Operação teve como objetivo apurar denúncia de invasão de madeireiros no lado leste da reserva, local onde estariam roubando a espécie Itaúba. No entanto, não foi constatado em nenhum local vestígios de invasão de madeireiros. Embora havendo um ‘comércio’ entre índios e madeireiros e relativo lucro por parte de alguns índios, que ficam com todo o valor da venda, a grande maioria encontra-se insatisfeita com o negócio, mesmo assim cedem a pressão de alguns índios mais ‘poderosos’”.

Diante da referida operação realizada pela Funai e a conclusão de que nada havia sido constatado, o MPF, em despacho realizado no dia 02 de fevereiro de 1995 e assinado pelo Subprocurador-Geral da República, Haroldo Ferraz da Nóbrega, recomendou o arquivamento da investigação; “uma vez que a FUNAI/BSB não constatou em nenhum local vestígios de invasão de madereiros (sic)” (MPF, 1995). Os ofícios citados estão disponíveis para acesso aqui: https://shre.ink/aUkF

Indígenas da TI Tubarão Latundê criaram em 1996 a Associação Massaká dos Povos Indígenas Aikanã, Latundê e Kuazá (Massaka). De acordo com seu estatuto, a Associação tem como objetivos:

“I – Promover a formação e informação dos povos Aikanã, Latundê e Kuazá no sentido da construção da autonomia; II – Lutar pela demarcação e garantia dos territórios indígenas; III – Estimular e preservar as tradições e cultura dos povos indígenas Aikanã, Latundê e Kuazá; IV – Buscar articulações com lideranças. Comunidades e organizações indígenas nacionais e internacionais para o reconhecimento dos direitos indígenas; V – Estimular, promover e executar projetos na área de educação e saúde, preservando a medicina tradicional”.

Percebe-se que no estatuto da Associação, o nome ‘Kwazá’ é escrito ‘Kuazá’. Como já explicitado pelo ISA, os Kwazá são referidos por outros nomes, tal como ‘Koaiá, Koaya, Coaiá ou Quaia’. Além dessas variações, conforme visto no estatuto, ainda existe a denominação ‘Kuazá’.

Além das ameaças e impactos dos madeireiros aos territórios indígenas de Rondônia, empreendimentos de geração de energia também causam impactos na TI Tubarão Latundê. Em fevereiro de 2006, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por meio da Resolução Nº 441, autorizou a Hidroelétrica Chupinguaia Ltda. a estabelecer-se como Produtor Independente de Energia Elétrica, mediante a implantação e exploração da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Cascata Chupinguaia, nos municípios de Chupinguaia e Corumbiara (RO).

Cabe ressaltar que, segundo a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 001/1986, as Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) não necessitam obrigatoriamente de estudos de impacto ambiental por serem consideradas atividades de baixo impacto. Uma visão diferente da que os indígenas possuem desse tipo de atividade, pois membros da TI Tubarão Latundê denunciaram, em carta divulgada pelo Cimi (11/04/2013), que a PCH Cascata havia sido construída em cima de cemitérios indígenas.

Projetos de segurança alimentar e geração de renda para comunidades indígenas foram foco de diálogos ocorridos entre funcionários da Funai e indígenas, no mês de abril de 2010. De acordo com a publicação da Funai (16/04/2010), para o exercício de 2010, estavam previstos novos recursos para a Coordenação Geral de Promoção ao Etnodesenvolvimento (CGEtno/Funai), além de verbas de emendas parlamentares, totalizando cerca de R$1,8 milhão. Em reunião ocorrida na cidade de Ji-Paraná (RO), servidores e indígenas discutiram prioridades para esses recursos.

A deliberação foi quanto à distribuição de forma equitativa entre as Coordenações Técnicas Locais (CTL) da Funai no estado de RO, incluindo a CTL de Vilhena, visando atender indígenas Aikanã da TI Tubarão Latundê. Algumas propostas surgiram nesse encontro, tais como o uso dos recursos em projetos de cultivo nas roças, criações de animais, atividades extrativistas não-madeireiras, unidades de beneficiamento de produtos, apoio em transporte e comercialização da produção.

No mesmo ano em que a Funai trouxe possibilidades para projetos de segurança alimentar e geração de renda na TI Tubarão Latundê, os indígenas protestavam por seus direitos à saúde. De acordo com nota do Diário da Amazônia (03/05/2010), cerca de 70 indígenas da TI fizeram um protesto na sede da Fundação Nacional de Saúde em Vilhena (Funasa) para reivindicar melhorias nos serviços de saúde na aldeia. Além dos protestos, rituais ancestrais das culturas indígenas foram feitos na ocasião.

Segundo a mesma notícia veiculada com base no depoimento de alguns indígenas, no ano de 2010 nove indígenas da TI Tubarão Latundê morreram por falta de cuidados médicos. O vice-cacique Manoel Aikanã disse que há anos os indígenas solicitavam apoio da Funasa, mas não eram atendidos. Foi formada uma comissão indígena por membros Aikanã, Mamaindê, Terena, Sabanê e Tawandê, que encaminharam uma carta de reivindicações à coordenadora da Funasa em Vilhena, na época, Fernanda Pelizza.

Entre as reivindicações, os indígenas pediram reformas na Casa de Saúde Indígena (Casai), o conserto de veículos da Funasa para ajudar no transporte de pacientes e a contratação de enfermeiros e médicos para melhor assistência à saúde indígena. Qualquer possível resposta da Funasa não foi encontrada.

Em julho de 2012 foi realizada uma operação pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Polícia Federal (PF), Funai e Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) visando atender denúncias de corte ilegal de árvores dentro da TI Tubarão Latundê. Segundo o portal Rondônia Dinâmica (31/07/2012), a operação resultou na apreensão de um veículo, motosserras, toras de itaúba (madeira nobre e de alto valor de mercado), na prisão de quatro pessoas e aplicação de multas no valor de R$32 mil por crimes ambientais. Os nomes dos presos não foram revelados.

Uma nota da Comissão Pastoral da Terra (CPT – 02/08/2012) também tratou desse episódio. Segundo a CPT, a apreensão aconteceu na TI Tubarão Latundê, numa região próxima à Fazenda Dois Pinguins da família Caramelo, onde a exploração também acontecia. As denúncias vinham sendo feitas por trabalhadores rurais desde outubro de 2011 às polícias militar e civil de Rondônia (PMRO e PCRO, respectivamente), mas somente após a denúncia feita para a FNSP é que obtiveram êxito.

De acordo com Adilson Alves, da CPT: “Somente depois que orientamos os trabalhadores a denunciarem aos órgãos nacionais é que a área foi fiscalizada com eficiência”.

O protesto feito pelos indígenas da TI Tubarão Latundê na sede da Funasa parece, em parte, ter gerado resultados. Em dezembro de 2012, o MPF emitiu recomendação ao Distrito Sanitário Especial Indígena de Vilhena (DSei) para que indígenas recebessem melhor assistência à saúde. Segundo nota do próprio órgão (10/12/2012), a unidade do MPF em Ji-Paraná emitiu quatro recomendações para melhoria da saúde indígena e uma delas dizia respeito às condições de atendimento à saúde na TI Tubarão Latundê.

Recomendou-se o levantamento e cadastro dos indígenas da TI que apresentassem sintomas de leishmaniose, bem como a oferta de serviços odontológicos. Além disso, o DSei deveria apresentar ao MPF o cronograma, referente ao ano de 2013, das atividades de capacitação dos agentes indígenas de saúde e saneamento. O procurador da República Leandro Fernandes deu prazo de 15 dias para que o DSei informasse as providências adotadas.

Entre os dias 09 e 11 de abril de 2013, com o tema “O grito dos povos indígenas pela garantia dos direitos constitucionais”, foi realizado o “Abril Indígena Regional”, em Porto Velho (RO). O evento reuniu representantes dos povos Aikanã, Arara, Gavião, Karitiana, Kanoé, Latundê, Mamaindê, Kwazá, Wayoro, Puruborá, Sakyrabiar, Guarassugwe, Sabanê, Oro Waram, Oro Mon e Zoró, além de representantes do Cimi, da Pastoral Indigenista de Ji-Paraná, do Conselho de Missão entre os Índios (Comin), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e do Instituto Madeira Vivo (IMV).

De acordo com nota do Cimi (11/04/2013), ao final do encontro foi produzida uma carta de reivindicações e denúncias, entre as quais se destacaram os temas saúde, educação, terra, grandes projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), violência e projetos legislativos do Congresso Nacional.

Tratando especificamente da TI Tubarão Latundê, a carta destacou os impactos das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH) construídas ao longo da bacia do rio Branco, alertando que PCH Cascata, situada no rio Pimenta Bueno, impacta a TI Tubarão Latundê por ter sido construída em cima de cemitérios antigos do território. A carta de reivindicações está disponível na íntegra aqui: https://shre.ink/acLS

Ainda sobre o “Abril Indígena” de 2013, nesse mesmo período o MPF se mobilizou para atender agendas com pautas indígenas. De acordo com nota do órgão (18/04/2013), apenas em Rondônia o MPF possuía (naquele período) 16 inquéritos civis públicos sobre questões relativas aos territórios indígenas. Dentre eles, havia um inquérito sobre o acompanhamento de um pedido de revisão de demarcação feito pelos povos da TI Tubarão Latundê.

Segundo a nota, a reivindicação dos indígenas era de que territórios tradicionais de seus povos haviam sido deixados de fora dos limites da demarcação, necessitando que houvesse revisão e ampliação das terras. Na época, os procuradores da República que atuavam na defesa dos povos indígenas em Rondônia eram Walquíria Imamura Picoli, Leandro Zedes Lares Fernandes e Reginaldo Trindade. Outras informações sobre esse inquérito não foram encontradas.

No mês de março de 2014, o então deputado estadual Luizinho Goebel, do Partido Verde (PV), se reuniu em Chupinguaia com lideranças e membros da TI Tubarão Latundê. Segundo publicação do site Gente de Opinião, republicada pelo ISA (10/03/2014), os indígenas solicitaram melhorias no transporte escolar, pois havia cerca de 10 jovens que deveriam estar no ensino médio e que não estavam cursando-o por não haver transporte.

Outra reivindicação da comunidade indígena foi por melhorias nas estradas: “Além da falta de transporte para os alunos também convivemos com a estrada em péssimas condições de tráfego para o deslocamento, seja em busca das nossas necessidades, bem como para tratamento de saúde” – relatou a liderança Luzeu Aikanã. Segundo a nota, o deputado se comprometeu a buscar soluções junto ao governo do estado.

Em 2014, o Cimi lançou o relatório “Empreendimentos que impactam Terras Indígenas” com objetivo de ser um instrumento informativo e analítico sobre os impactos causados por grandes empreendimentos sobre territórios dos povos originários do país. Especificamente sobre a TI Tubarão Latundê, o relatório destacou dois empreendimentos que causam impactos nesse território, a saber: a PCH Cascata e a Linha de Transmissão (LT) 230 kv – Samuel/RO – Jauru/MT.

Sobre a Linha de Transmissão (LT) 230 kv – Samuel/RO – Jauru/MT, apesar de ser um empreendimento pelo qual é exigido na legislação vigente (Resolução Conama 237/1997) o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório (EIA-Rima), informações mais específicas sobre os impactos na TI não foram encontradas, assim como o Rima não está disponível em fácil acesso.

Já no Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, com dados de 2015, também organizado pelo Cimi, a TI Tubarão Latundê foi destacada por ter sido registrado o crescimento de invasões por parte de grupos econômicos e madeireiros. O Cimi alertou que, mesmo quando informadas, as autoridades não tomaram as devidas providências, o que aumentou ainda mais a pressão interna nas comunidades. Segundo o relatório, as fontes de informação foram as próprias lideranças locais da TI, além de dados do Cimi Regional Rondônia.

Especialmente na TI Tubarão Latundê, os conflitos no território prejudicam a integridade das comunidades indígenas e têm levado ao lento processo de abandono da língua aikanã. Essa é uma das conclusões do Parecer Técnico da Divisão Técnica de Diversidade Linguística do Departamento do Patrimônio Imaterial do Ministério do Turismo (2021), que buscou a inclusão da língua indígena aikanã no Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).

Para essa inclusão, houve um levantamento demográfico realizado em 2015 pelo pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, Dr. Hendrikus Van der Voort, em cooperação com a comunidade Aikanã, tendo como escopo um inventário amplo sobre a língua aikanã. Foi apresentado um diagnóstico sociolinguístico com informações sobre os usos da língua, bem como as atitudes linguísticas da comunidade.

Nesse item é informado que a comunidade tem a língua como um valor sociocultural e gostaria de vê-la sendo transmitida para as novas gerações. Importa lembrar que, no território Tubarão Latundê, há uma grande diversidade étnica, o que o torna, consequentemente, um território multilíngue.

A figura abaixo, fornecida pelo pesquisador e divulgada no documento do Ministério do Turismo (2021), possibilita visualizar a diversidade linguística presente na TI Tubarão Latundê:

Levantamento linguístico na TI Tubarão Latundê (RO). Fonte: Ministério do Turismo (2021). Disponível em: https://shre.ink/aVRW.

O autor definiu como comunidade de referência todos os membros da etnia Aikanã, somando-se os falantes do aikanã como primeira língua e os falantes do aikanã como segunda língua (mesmo pertencendo a outras etnias). Por fim, é apresentado no documento um diagnóstico sobre a vitalidade da língua aikanã na TI Tubarão Latundê, no qual a língua é considerada severamente ameaçada.

O pesquisador Van der Voort destaca que:

“Apesar da transmissão da língua e a manutenção dos domínios de uso parecem estáveis, são estáveis em uma comunidade de referência onde menos de 65% falam a língua fluentemente. Além disso, a transmissão e os domínios de uso não são garantidos no futuro iminente, quando as possibilidades de se casar dentro da comunidade de referência se esgotam e os últimos falantes e sabedores idosos falecerem. Em adição a esses fatores de ameaça iminente há ainda a falta de material educacional para a sobrevivência da língua dentro de uma cultura que está cada vez mais adaptada ao meio escrito e a falta de recursos financeiros e humanos para criar tal material. Finalmente acesso às terras originárias é um fator importante. Infelizmente vivemos em um período onde a integridade fundiária até das terras de origem está sendo ameaçada no nível político estadual e federal, e a sua integridade ecológica está sendo ameaçada pela sociedade envolvente (madeireiros, garimpagem, pesca ilegal, desmatamento)” (VAN DER VOORT, 2015 apud MINISTÉRIO DO TURISMO, 2021).

Com o objetivo de analisar a conjuntura política do Brasil e avaliar políticas públicas destinadas aos povos indígenas, representantes de 26 povos se reuniram entre os dias 12 e 14 de junho de 2017, em Porto Velho (RO), na III Assembleia Geral da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, norte do Mato Grosso do Sul e sul do Amazonas (Opiroma). De acordo com o blog Combate Racismo Ambiental (19/06/2017), os participantes debateram mortes de indígenas por conta da construção de hidrelétricas, invasão de territórios indígenas por garimpeiros e madeireiros, além de temas sobre os impactos socioambientais causados pelas ferrovias e hidrovias.

O evento teve participação do deputado estadual Ezequiel Junior (Partido Republicanos), e o documento final da Assembleia dizia: “Pedimos que façam imediata retirada dos invasores, de madeireiros, garimpeiros e grileiros das Terras Indígenas Uru eu Wau Wau, Paiter/Suruí, Karitiana, Karipuna, Rio Negro Ocaia, Lage Novo, Ricardo Franco-Guaporé, Sotéreo-Mamoré, Mequém e Tubarão Latundê”.

Para Laura Vicuña Pereira Manso, da coordenação do Cimi Rondônia que esteve no evento, os projetos de manejo florestal favorecem a invasão dos territórios indígenas: “Esses projetos no entorno das comunidades indígenas têm a finalidade de esquentar as madeiras que são roubadas dos territórios indígenas por essas pessoas que assaltam as florestas”.

Estiveram presentes no encontro lideranças dos povos Aruá, Apurinã, Cinta larga, Uru Eu Wau Wau, Jiahui, Tupari, Suruí, Gavião, Sakirabyat, Sabanê, Makurap, Kampé, Migueleno, Oro Mom, Oro Waram Xijem, Karitiana, Puruborá, Guarasugwe, Kaxarari, Parintintin, Karipuna, Kujubim, Tenharin, Kassupá e Salamã.

Em nota publicada no dia 29 de junho de 2017, o Cimi denunciou os graves conflitos vividos por etnias indígenas nos estados de Rondônia, Mato Grosso e Amazonas, além de manifestar solidariedade ao povo Kaxarari por conta do assassinato de Manoel Quintino da Silva Kaxarari.

De acordo com a nota:

“O cenário indigenista vivido no estado de Rondônia, no noroeste do Mato Grosso e no sul do Amazonas é desolador. (…) Territórios indígenas são saqueados por grupos econômicos inescrupulosos, que segundo o site Rondônia ao Vivo, são denominados como ‘máfia de madeireiros’, que exploram ilegalmente as terras indígenas e na maioria das vezes esquentam a ilegalidade com Planos de Manejos no entorno de Unidades de Conservação e Terras Indígenas. (…) Lideranças são ameaçadas de morte e as comunidades vivem o terror de ver estes grupos agirem nas portas de suas casas, roubando as riquezas de seus filhos/as. (…) A falta de medidas eficazes na fiscalização e proteção das Terras Indígenas tem servido para insuflar a prática de novas invasões de madeireiros, garimpeiros, grileiros, loteamentos e apossamentos ilegais de Terras Indígenas já demarcadas” (CIMI, 2017).

Um mapeamento da exploração madeireira em Rondônia, divulgado pelo Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), revelou que entre agosto de 2019 e julho de 2020 um total de 69.794 hectares de floresta tiveram exploração de madeira no estado de Rondônia. Desse valor, pelo menos 5.814 hectares ocorreram de forma não autorizada em áreas públicas como Unidades de Conservação de Proteção Integral e Terras Indígenas.

O estudo foi realizado pela Rede Simex, integrada por quatro organizações ambientais: Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), as organizações não governamentais (ONGs), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Instituto Centro de Vida (ICV).

De acordo com a publicação do Imazon, a TI Tubarão Latundê foi a terra indígena mais afetada, concentrando 68% das explorações madeireiras em terras indígenas de Rondônia. No local, foram explorados 2.242 hectares, o equivalente a mais de dois mil campos de futebol. O infográfico com resumo desse mapeamento está disponível abaixo.

Mapeamento da exploração madeireira em Rondônia – agosto 2019 a julho 2020. Fonte: Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex). Disponível em: https://shre.ink/UDT8

É possível que esse mapeamento tenha contribuído para as investigações de órgãos de fiscalização de Rondônia. Em julho de 2020, de acordo com notícia publicada pelo site Tudo Rondônia (09/07/2020), a Polícia Federal, juntamente com a Polícia Militar de Rondônia (PMRO), Ibama e Funai, realizou uma etapa da Operação Êxodo para conter o desmatamento ilegal nas áreas de preservação ambiental e de terras indígenas no estado de Rondônia.

Essa fase da operação, ocorrida em julho de 2020, visou desarticular uma organização criminosa dedicada à exploração ilegal de madeiras na TI Tubarão Latundê. A PF começou a investigação depois da prisão em flagrante de sete suspeitos de extrair madeira ilegal da TI.

Segundo a nota, a PF localizou dentro da TI áreas de desmatamento e grande quantidade de madeira em tora e serrada. Identificou-se no local uma madeireira portátil, acampamentos, tratores e dois caminhões utilizados para transporte do bem natural furtado. Agentes da PF apreenderam e inutilizaram os equipamentos usados na extração ilegal de madeira. A nota informou que durante a operação um indígena foi preso por ter uma espingarda na sua residência. Não foram encontradas outras informações sobre ele.

Na segunda fase da Operação Êxodo, ocorrida em novembro de 2020, 12 madeireiras tiveram suas atividades suspensas e R$ 114 milhões, oriundos da extração de madeira em terras indígenas, foram bloqueados pela 3ª Vara da Justiça Federal. De acordo com a agência Ambiente Brasil (26/11/2020), além dos bloqueios e suspensão das atividades de empresas madeireiras, o judiciário autorizou a prisão preventiva de um dos comerciantes investigados.

Conforme divulgado pela PF, o montante bloqueado foi de cerca de R$ 6 milhões para cada uma das 12 empresas e para sete das pessoas físicas investigadas. Os nomes das empresas e pessoas físicas foram mantidos em sigilo. O objetivo da segunda fase da Operação Êxodo era desarticular uma organização criminosa que atuava na extração ilegal de madeira em terras indígenas de Rondônia, em especial da TI Tubarão-Latundê.

Com base nas pesquisas realizadas por Hendrikus Van der Voort (citado anteriormente), a Divisão Técnica de Diversidade Linguística do Departamento do Patrimônio Imaterial do Ministério do Turismo, por meio do documento datado em 29 de outubro de 2021, deu parecer favorável para que a língua indígena Aikanã fosse incluída no Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).

Constatou-se no Parecer Técnico que: “a língua Aikanã é uma língua genealogicamente isolada, falada (e/ou entendida) por aproximadamente 250 indivíduos em uma população de aproximadamente 400 nas TIs Tubarão-Latundê, na Kwazá do Rio São Pedro, na pequena reserva do subgrupo Cassupá em Porto Velho e em algumas cidades de Rondônia”.

Apesar disso, o documento revela que o grau de transmissão da língua está em crise, sendo considerada severamente ameaçada. Um trecho do parecer de Thaís Borges S. P. Werneck, técnica em assuntos culturais do Ministério do Turismo, reforça que:

Considerando o estado de severa ameaça à língua Aikanã apresentada pelo levantamento sociolinguístico realizado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e sintetizado neste parecer, bem como todo o processo relatado de violência, aculturação e ameaça ao qual esse povo foi e continua sendo submetido ao longo de sua história, recomendo fortemente a inclusão da Língua Aikanã no INDL. A inclusão da língua no INDL servirá não somente para destacar a relevância da língua para a memória, história e identidade do povo Aikanã e do povo brasileiro, mas também justificará a implementação de ações voltadas à salvaguarda da língua, conforme previsto pelo Art. 5 do decreto 7387/2010, ‘que as línguas inventariadas farão jus a ações de valorização e promoção por parte do poder público’. Por fim, a inclusão da língua Aikanã no INDL também se configurará como iniciativa voltada a um processo de reparação histórica e promoção do direito humano à diversidade linguística.”

Esse movimento de proteção das línguas originárias ganhou escala ampliada junto aos povos que vivem na TI Tubarão Latundê. Além das medidas em andamento de proteção da língua aikanã, no mês de março de 2022, o Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG) deu entrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com pedido de proteção da língua kwazá.

De acordo com publicação no site Farofafá (04/02/2022), os Kwazá eram aproximadamente 150 indivíduos em 1998, mas, no fim daquela década, só havia 25 falantes do kwazá entre os indivíduos restantes, metade deles crianças. A pesquisa realizada pelo Museu Goeldi classificou a língua kwazá como genealogicamente isolada. Cabe lembrar que povo Kwazá vive na TI Tubarão Latundê, bem como na TI Kwazá do Rio São Pedro e em algumas outras cidades do estado de Rondônia.

No dia 22 de junho de 2022, o Iphan comunicou, por meio de publicação no Diário Oficial da União (DOU), a inclusão da língua indígena do povo Latundê no INDL e o reconhecimento do idioma como “Referência Cultural Brasileira”. Conforme esclarecido no site do Iphan (23/06/2022), por meio de um formulário eletrônico, abriu-se a possibilidade de a sociedade se manifestar sobre a proposta de inclusão da língua no INDL até 21 de julho de 2022.

Finalizado o prazo para manifestação da sociedade, o processo de inclusão da língua Latundê no INDL seria submetido à Comissão Técnica do Inventário Nacional de Diversidade Linguística (CTINL), que é a instância interministerial responsável pela análise e deliberação sobre o reconhecimento de línguas como Referência Cultural Brasileira. A conclusão da CTINL não foi encontrada, sugerindo que o processo de análise continua em andamento. Já o Parecer do Iphan está disponível na íntegra aqui: https://shre.ink/axVE

A publicação do Iphan no DOU também esclarece alguns aspectos atualizados da TI Tubarão-Latundê (22/06/2022):

“Hoje, o povo Latundê está concentrado em duas localidades da Tribo Indígena (T.I.) Tubarão-Latundê: a aldeia Latundê (também chamada de Barroso) e a aldeia Gleba, sendo que na última aldeia os Kwazá e os Latundê estão em número reduzido, comparando-se com a população Aikanã. Dentro dessa T.I., os Latundê perfazem um total de 32 (trinta e dois) indivíduos, sendo 19 (dezenove) falantes da língua materna, em convivência com os povos Aikanã, Kwazá, Mamaindê, Manduca, Negarotê, Tawandê, Salamãi e Tuparí.”

A Operação Êxodo, citada anteriormente, também foi registrada pelo Cimi no Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, referente aos dados de 2022. Segundo trecho do relatório que destacou os conflitos na TI Tubarão Latundê, a Operação Êxodo começou por conta de uma investigação sobre a extração ilegal de recursos naturais dentro da TI. Os agentes da PF descobriram um esquema em que os criminosos retiravam madeira ilegalmente e a transportavam para fora da área indígena. As investigações seguiam sob encargo da delegacia da PF em Vilhena.

A PF em Rondônia, em parceria com o Ibama, deflagrou outra operação para combater crimes ambientais praticados no interior da TI Tubarão Latundê, nos dias 1 e 2 de julho de 2023: a Operação Obsidium. De acordo com publicação do blog Combate Racismo Ambiental (05/07/2023), a ação foi desenvolvida a fim de identificar pessoas envolvidas na extração ilegal de madeira do interior da TI, bem como a inutilização de acampamentos, maquinários, ferramentas, instrumentos, veículos e toda estrutura utilizada para a prática criminosa.

Em 13 de julho de 2023, a PF realizou a segunda fase da Operação Obsidium visando dar continuidade às atividades de combate aos crimes ambientais praticados no interior da TI Tubarão Latundê. Segundo nota do Combate Racismo Ambiental (14/07/2023), durante as ações 12 policiais federais e um agente do Ibama destruíram um acampamento e inutilizaram um trator. O nome Obsidium deriva do latim e faz referência à palavra portuguesa “cerco”, em alusão ao modo de ação adotado na operação, pois a PF cercou todas as saídas da TI com objetivo de realizar flagrantes.

 

Atualização: outubro 2023

 

Cronologia

Século XVII – A descoberta de ouro nas águas do rio Corumbiara gera movimentos de ocupação colonial do território que hoje compreende o estado de Rondônia.

Século XIX – A região de Rondônia vive o ciclo da borracha.

Início do século XX – Antropólogos identificam vários complexos culturais na região que atualmente compreende o estado de Rondônia.

1913 – Os Aikanã e os Kwazá são mencionados pela primeira vez num mapa feito pela Comissão Rondon.

1914 – Etnógrafo e barão sueco Erland Nordenskiöld registra fotografias e amostras da língua do povo Aikanã.

1940 – O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) abre um posto de atendimento em Igarapé Cascata e leva grupos indígenas para essa região, dentre eles os Aikanã. Doenças contagiosas causam a morte de indivíduos aikanã.

1942 – O SPI, por meio do tenente Estanislau Zack, menciona os Kwazá no seu relatório.

1943 – O Decreto-lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943, cria o Território Federal do Guaporé, com partes desmembradas dos estados do Amazonas e do Mato Grosso.

1956 – A Lei de 17 de fevereiro de 1956 cria o Território Federal de Rondônia, em homenagem ao marechal Cândido Rondon.

Década de 1960 – Os Kwazá são expulsos de suas terras por fazendeiros após a abertura da rodovia Cuiabá – Porto Velho (BR-364).

1970 – O Programa de Integração Nacional (PIN) estimula a ocupação do espaço rondoniano, e colonização avança ao longo da BR-364.

Década de 1970 – Primeiros contatos da Fundação Nacional dos Índios (Funai) com povos da etnia Latundê.

1973 – A TI Tubarão Latundê é demarcada para os Aikanã a partir da escolha de uma área localizada no Setor 11 da Gleba Corumbiara por conta do Projeto Fundiário Corumbiara.

1980 – A 8ª Delegacia da Funai entra com ação de manutenção de posse contra pretendentes de área reconhecida como “reserva dos índios tubarões”.

1981 – Território Federal de Rondônia é elevado à categoria de estado da federação.

1982 – Portaria 1.420 declara como de posse permanente dos grupos indígenas Aikanã, Latundê e Sabanê uma área com superfície aproximada de 118.000 mil hectares, a TI Tubarão Latundê.

1990 – TI Tubarão Latundê é homologada por meio do Decreto N° 99.170.

Agosto de 1994 – O administrador regional de Vilhena (RO) da Funai, Antônio Pedroso de Assis, denuncia ao Ministério Público Federal (MPF) invasão de madeireiros na TI Tubarão Latundê, e cobra ação da presidência da Funai.

Janeiro de 1995 – Após operação no local, presidente da Funai diz que não havia sido constatado nenhum vestígio da invasão de madeireiros na TI.

Fevereiro de 1995 – MPF arquiva investigação sobre a invasão de madeireiros na TI.

1996 – É criada a Associação Massaká dos Povos Indígenas Aikanã, Latundê e Kwazá (Massaka).

Junho de 2000 – TI Kwazá do Rio São Pedro é demarcada.

2003 – TI Kwazá do Rio São Pedro é homologada pelo Decreto s/n de 11 de fevereiro de 2003.

Fevereiro de 2006 – Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autoriza a implantação da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Cascata Chupinguaia. Indígenas denunciam impactos negativos desse empreendimento.

Abril de 2010 – Funai anuncia possibilidade de verbas para projetos de segurança alimentar e geração de renda em terras indígenas em Rondônia e na TI Tubarão Latundê.

Maio de 2010 – Cerca de 70 indígenas da TI Tubarão Latundê fazem protesto na sede da Fundação Nacional de Saúde em Vilhena (Funasa), reivindicando melhorias nos serviços de saúde.

Julho de 2012 – É realizada operação formada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Polícia Federal (PF), Funai e Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), visando atender a denúncias de corte ilegal de árvores dentro da TI Tubarão Latundê.

Dezembro de 2012 – MPF emite recomendação ao Distrito Sanitário Especial Indígena de Vilhena (DSEI) para que indígenas recebam melhor assistência na TI Tubarão Latundê.

09 e 11 de abril de 2013 – É realizado evento Abril Indígena Regional, em Porto Velho (RO), e carta de reivindicações é produzida pelos indígenas. Membros da TI Tubarão Latundê denunciam impactos negativos da PCH Cascata na TI. MPF acompanha demandas dos povos indígenas de Rondônia.

Março de 2014 – Lideranças da TI se reúnem com o deputado estadual Luizinho Goebel, do Partido Verde (PV), e cobram melhorias no transporte escolar e estradas da região.

2014 – Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lança relatório “Empreendimentos que Impactam Terras Indígenas” e destaca dois empreendimentos que causam impactos na TI Tubarão Latundê: PCH Cascata e a Linha de Transmissão (LT) 230 kv – Samuel/RO – Jauru/MT.

2015 – Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil divulga aumento de invasões por parte de grupos econômicos e madeireiros na TI Tubarão Latundê.

2015 – Pesquisador do Museu Paraense Emílio Goedi (MPEG), Dr. Hendrikus Van der Voort, em cooperação com a comunidade Aikanã, faz diagnóstico sociolinguístico na TI sobre a língua aikanã.

12 e 14 de junho de 2017 – Representante de 26 povos se reúnem na III Assembleia Geral da Organização dos Povos Indígenas de Rondônia, norte do Mato Grosso do Sul e sul do Amazonas (Opiroma).

Junho de 2017 – Cimi denuncia graves conflitos vividos por etnias indígenas nos estados de Rondônia, Mato Grosso e Amazonas. A TI Tubarão Latundê é citada como uma das terras mais impactadas.

Agosto de 2019 e julho de 2020 – Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex) revela dados de exploração ilegal de madeira em Rondônia. TI Tubarão Latundê é a região mais afetada das terras indígenas.

Julho de 2020 – Polícia Federal, Polícia Militar do Estado de Rondônia (PMRO), Ibama e Funai realizam etapa da Operação Êxodo na TI Tubarão Latundê para conter o desmatamento ilegal.

Novembro de 2020 – Ocorre a segunda fase da Operação Êxodo e 12 madeireiras têm suas atividades suspensas; R$ 114 milhões, oriundos da extração de madeira em terras indígenas, são bloqueados pela 3ª Vara da Justiça Federal.

Outubro de 2021 – Divisão Técnica de Diversidade Linguística do Departamento do Patrimônio Imaterial do Ministério do Turismo (DPI/MTur) dá parecer favorável para que a língua indígena aikanã seja incluída no Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL).

Março de 2022 – Museu Paraense Emilio Goeldi dá entrada no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com pedido de proteção da língua kwazá.

22 de junho de 2022 – Iphan comunica a inclusão da língua indígena latundê no INDL e seu reconhecimento como “Referência Cultural Brasileira”.

2022 – Cimi, no Relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, destaca conflitos na TI Tubarão Latudê, em especial sobre a extração ilegal de recursos naturais dentro do território.

Julho de 2023 – Polícia Federal deflagra operação para combater crimes ambientais na TI Tubarão Latundê, a Operação Obsidium. Agentes da PF e Ibama destroem materiais utilizados na extração ilegal de madeira do interior da TI.

 

Fontes

12 SERRARIAS de RO têm atividades suspensas e R$ 114 milhões de investigados por extração de madeira são bloqueados. Ambiente Brasil, 26 nov. 2020. Disponível em: https://shre.ink/axSA. Acesso em: 04 ago. 2023.

ABRIL Indígena em Rondônia e Mato Grosso foca nos direitos constitucionais indígenas. Conselho Indigenista Missionário – Regional Rondônia, 11 abr. 2013. Disponível em: https://shre.ink/acLS. Acesso em: 03 ago. 2023.

ASSOCIAÇÃO MASSAKÁ DOS POVOS INDÍGENAS AIKANÃ, LATUNDÊ E KUAZÁ – MASSAKA. Estatuto. Acervo Instituto Socioambiental, 23 dez. 1996. Disponível em: https://shre.ink/axzk. Acesso em: 19 jul. 2023.

BRASIL. Ministério do Interior. Fundação Nacional do Índio – Funai. PORTARIA n. 1.420/E de 17/09/82. Fundação Nacional do Índio, republicado por Instituto Socioambiental (Acervo), 1982. Disponível em: https://shre.ink/aDQu. Acesso em: 03 ago. 2023.

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