Famílias sem-terra de Oziel Alves lutam por direitos e subsistência

UF: GO

Município Atingido: Catalão (GO)

População: Agricultores familiares, Trabalhadores rurais sem terra

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Madeireiras, Monoculturas, Pecuária

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Favelização

Danos à Saúde: Desnutrição, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física

Síntese

Foi um processo histórico de especulação fundiária, acentuado pela construção de um trecho da Estrada de Ferro de Goiás e por uma série de investimentos em atividades agroindustriais, que fez com que a concentração de terras na mão de poucos proprietários passasse a ser uma característica de Catalão, município do sudeste do estado de Goiás.

É nesse contexto socioespacial que 200 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) estruturaram, a partir de junho de 2017, o acampamento Oziel Alves, situado nas terras da então “Fazenda São João da Cruz de Cima”, no distrito de Santo Antônio do Rio Verde, em Catalão, a cerca de 300 km da capital Goiânia. A fazenda, que possui 400 hectares improdutivos, é objeto de disputa entre o antigo proprietário e o Banco do Brasil, em função de um empréstimo nunca quitado com o banco. A João da Cruz foi colocada como garantia, e a instituição financeira passou a reivindicá-la a partir de 2010.

Neste ínterim, famílias de agricultores/as familiares passaram a produzir alimentos nas terras ociosas, tornando-se referência regional na produção de alimentos, como milho crioulo, mandioca, feijão, abóbora, hortaliças em geral e animais de pequeno porte. O Banco do Brasil aceitou negociar junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), em 2018, a venda da fazenda, mas com o governo presidencial de Jair Bolsonaro (2019-2022), as negociações ficaram emperradas devido ao desmonte da política de reforma agrária.

Atualmente, a fazenda está sendo leiloada pelo Banco do Brasil. Ações arbitrárias de reintegração de posse vêm sendo realizadas contra os/as acampados/as do Oziel Alves, colocando em xeque a subsistência e proteção das famílias e de toda a produção agrícola e criação de animais, que vêm sendo organizadas por parte dos agricultores/as sem-terra. Apesar de toda truculência acometida contra os/as acampados/as, 35 famílias sem-terra resistem e lutam pela garantia de seus direitos.

 

Contexto Ampliado

O acampamento Oziel Alves, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), está situado na Fazenda São João da Cruz de Cima, no município de Catalão, Goiás, distrito de Santo Antônio do Rio Verde, a cerca de 300 km da capital Goiânia. De acordo com a divisão administrativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a microrregião de Catalão integra-se à Mesorregião do Sul Goiano. Além de Santo Antônio do Rio Verde, Catalão também possui o distrito de Pires Belo. Contava, de acordo com o último Censo do IBGE, de 2010, com 64.347 habitantes, sendo a maior parte deles (57.606, ou cerca de 90%) residentes na área urbana.

Em termos de sua economia, Catalão foi um município que se desenvolveu a partir de uma estrutura diversificada, baseada na agropecuária, mineração, indústria, comércio e serviços, constituindo-se como um polo regional que atraiu, ao longo de décadas, investimentos públicos e privados significativos, seja através do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) ou do Programa de Incentivos à Industrialização do Governo Estadual – o Produzir, por exemplo (MENDES, 2005).

Historicamente, o processo de ocupação do município iniciou-se nos séculos XVIII e XIX, pela mineração e criação extensiva de gado, tendo sido mais recentemente inserido na lógica de expansão de agricultura modernizada, que vem incorporando áreas do Cerrado para a produção intensiva de grãos para o mercado nacional e internacional, segundo afirma Mendes (2005).

Em 1921, conforme indica Mendonça (2004), a construção da Estrada de Ferro de Goiás alterou substancialmente a dinâmica em Catalão e do Sudeste goiano de uma maneira geral, pois acabou reorganizando a produção agrícola e industrial devido a sua posição privilegiada para investimentos e logística. Catalão tornou-se o município mais populoso de Goiás, entre 1920 e 1940. Migrantes comerciantes e capitalistas industriais passaram a investir em atividades agroindustriais na cidade (charqueadas, curtumes, laticínios, cerealistas, sapatarias etc.), criando uma classe de ricos, que passaram a controlar junto com os proprietários de terra o poder na região. Por outro lado, camponeses e posseiros que não possuíam os títulos das terras foram sendo empurrados para áreas mais distantes da ferrovia, já que os valores da terra foram se elevando em decorrência da especulação fundiária.

Com as transformações do espaço agrário, o município, especialmente a partir da década de 1980, vem passando por um processo de concentração fundiária, resultado do incremento de novas técnicas e equipamentos de produção no campo, elevando a produtividade do trabalho e liberando mão de obra familiar, fazendo com que a propriedade fundiária fique concentrada na mão de poucos produtores. A expansão de soja em áreas de chapada no município e a pecuária extensiva fizeram com que as áreas de vegetação nativa fossem deterioradas. Mendes (2005) aponta ainda que carvoeiros também se instalaram nessa área de fronteira agrícola, forçando transformações abruptas nas paisagens naturais.

Em Catalão (GO), a partir da década de 1980, houve um aumento de grandes propriedades e um decréscimo de pequenas e médias propriedades em decorrência da reestruturação produtiva no campo, o que inviabilizou a permanência de camponeses na terra, forçados a se deslocar em direção ao núcleo urbano do município. Dados trazidos por Mendonça (2004) e Mendes (2005) apontam que,  em 1980, apenas 4,8% do número total de estabelecimentos agrícolas ocupavam 43% da área total. As pequenas propriedades (53,9% dos estabelecimentos) ocupavam uma área de apenas 9,6% em relação à área total. Até 1970 não havia propriedades no município acima de 5.000 há (MENDONÇA, 1998 apud MENDES, 2005). Entre 1980-1996, registrou-se a diminuição de pequenas propriedades rurais de 100 hectares e 1000 hectares, correspondendo a 21% e 13%, respectivamente, enquanto houve um aumento de 12% no número de estabelecimentos com área superior a 1000 hectares, que passaram a responder à maior parte das áreas rurais.

É nesse contexto que movimentos de luta pela terra, como o MST, ganharam força no estado de Goiás, conforme apontou Mendonça (2004). O MST chega em Goiás em 1985, período em que esteve atrelado à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e à Diocese de Goiás. Nos anos 1990, criou corpo e autonomia nos processos de luta pela terra, com a ocupação da fazenda Santa Rosa, em Itaberaí, em 1997, transformada no assentamento Che Guevara. Com a expansão do agronegócio no sudeste de Goiás, foi se criando um contexto de ação política na luta pela terra e pela Reforma Agrária. Em 2002, o MST se territorializou no leste goiano, criando acampamentos em Ipameri, Campo Alegre de Goiás, Catalão e Pires do Rio (MENDONÇA, 2004)

De acordo com o MST (2020), o acampamento Oziel Alves foi formado e organizado pelo Movimento a partir da ocupação da fazenda São João da Cruz de Cima, no distrito de Santo Antônio do Rio Verde, em Catalão. A fazenda em questão, além de improdutiva, está envolvida em processos de dívidas. Na década de 1980, o antigo proprietário da fazenda havia adquirido um empréstimo junto ao Banco do Brasil (BB) e ofereceu a propriedade como garantia. Como a dívida não foi paga, o BB adjudicou e passou a reivindicar a antiga fazenda no ano de 2010 (FERREIRA, 2020).

Em junho de 2017, 200 famílias de trabalhadores/as sem-terra passaram a ocupar os mais de 400 hectares improdutivos da fazenda São João da Cruz de Cima.  Em 2018, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) iniciou as negociações com o Banco do Brasil para adquirir a terra e destinar o latifúndio para o Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Entretanto, em 2019, com a chegada de Jair Bolsonaro (então no PL) na presidência, as tratativas entre Incra e BB foram paralisadas devido ao desmonte do processo de reforma agrária no País e às resistências ideológicas propagadas pelo ex-presidente. Com a indefinição do governo Bolsonaro, o banco colocou a fazenda a leilão em 2020.

As famílias agricultoras, fruticultoras e criadoras de animais vêm realizando a produção de alimentos, tornando-se referência na região e promovendo o abastecimento alimentar. O acampamento produz milho crioulo, mandioca, feijão, abóbora, pequenos animais, além de possuir uma extensa diversidade de hortaliças, tanto em áreas familiares quanto coletivas. Somente em 2022, em apenas um dos projetos de lavouras comunitárias de transição agroecológica, foram plantados 2 hectares de mandioca, milho e feijão caiano, além de terem sido investidos recursos em adubos naturais e sementes crioulas (COMBATE RACISMO AMBIENTAL, 2022).

Os acampados também vêm realizando ações de doação de alimentos nas periferias de Catalão, além de atuarem em outras frentes, como o plantio de árvores e organização de viveiro de mudas para reflorestamento, projetos que fazem parte do Plano Nacional Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis do Movimento, que plantará 100 milhões de árvores em dez anos – segundo apontou Edson Pintor, dirigente do MST em Goiás (FERREIRA, 2020). Além disso, as famílias sem-terra iniciaram um processo de conversão do acampamento em um “assentamento popular”, contando com o apoio de topógrafos e professores da Universidade Federal de Catalão (UFCAT), no trabalho de definição da reserva legal do espaço.

 

Produção de mandioca do Acampamento Oziel Alves. Foto: MST-GO.

Segundo informado pelo site do MST, no dia 21 de outubro de 2020, as famílias do acampamento Oziel Alves sofreram uma tentativa de despejo por parte da Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO). A PM cumpriu uma liminar que dava a posse de terra para o Banco do Brasil, contra o antigo proprietário. Os acampados, por sua vez, não tiveram conhecimento do processo e, por isso, nem puderam se defender diante da ação truculenta da polícia.

O despejo adveio de uma tentativa de reintegração de posse concedida pela 2ª Vara Cível da Comarca de Catalão, por decisão da juíza Nunziata Stefânia Paiva – conforme publicado pelo Blog do Badiinho (sic) em 2020. Uma representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Irmã Maria Inês de Oliveira, relatou que a manhã fora tumultuada no acampamento, com a presença ostensiva de policiais, de máquinas para destruição e do Oficial de Justiça que cumpria a ordem.

As famílias fizeram uma barricada para tentar conter a entrada dos equipamentos no acampamento. Durante a ação, no entanto, tratores destruíram moradias e plantações, e a polícia ainda forçou as famílias a saírem do local, ameaçando retornar no dia seguinte para finalizar a ação. Os/as acampados/as receberam apoio de pessoas e movimentos populares de Catalão e, através de negociações entre advogados e representantes dos assentados, conseguiram adiar a retirada das famílias em uma semana. Um vídeo foi gravado pelos/as acampados/as no momento em que os tratores destruíam as moradias e foi divulgado pela página do Instagram “Blog do Badiinho” em 22 de outubro de 2020: https://bit.ly/3k8eQHl.

PM utiliza força para destruir duas casas de famílias acampadas. Foto: MST-GO.

O MST lançou uma nota repudiando a arbitrariedade sofrida pelos moradores/as do acampamento e reafirmando o direito das famílias de seguirem no local produzindo alimentos saudáveis para a região. Adiante é reproduzida parte da nota, que pode ser lida na íntegra em: https://bit.ly/3vArGkb.

URGENTE – DESPEJO ILEGAL E AUTORITÁRIO EM CATALÃO – GO

Nesta quarta-feira (21), as famílias do acampamento Oziel Alves, em Catalão, Goiás, foram surpreendidas por uma criminosa e ilegal tentativa de despejo.

Desde junho de 2017, 35 famílias ocupam a fazenda João da Cruz, no distrito de Santo Antônio de Rio Verde. A fazenda é fruto de dívidas e foi arrecadada pelo Banco do Brasil, sendo que ao longo de 2018 ocorreram negociações entre o Banco e o Incra para que a área fosse destinada para a reforma agrária.

Nestes três anos, as famílias se tornaram importantes produtoras de alimentos para a região, transformando a propriedade, que antes era arrendada, em local de produção e reprodução da vida. Em 2019, o Banco do Brasil interrompeu as negociações e, em 2020, mesmo com toda a situação da pandemia, colocou a área em leilão. O MST sistematicamente procurou todos os órgãos responsáveis para garantir o direito das famílias de serem assentadas naquele imóvel.

Sem qualquer notificação legal ou aviso, as forças policiais do Estado invadiram o acampamento Oziel na tarde desta quarta-feira e, sem abertura para diálogos, iniciou a destruição de moradias com tratores. Após a mobilização das famílias, o despejo foi suspenso, sob ameaça de ser retomado na manhã desta quinta-feira, dia 22 de outubro.

Repudiamos o caráter amplamente autoritário da ação, sem respeitar nenhum direito das famílias, ao mesmo tempo em que reconhecemos essa como uma ação que violenta a segurança sanitária das pessoas, pois as colocou em risco neste período de pandemia. Reforçamos o nosso compromisso de resistir, pois defendemos nosso direito de produzir alimentos para as famílias de Catalão e região!

As famílias sem-terra pediram ainda o apoio da sociedade de maneira ampla e solicitaram que os/as apoiadores/as fizessem contato com o Fórum de Catalão, direcionando chamadas telefônicas para a juíza Nunziata Paiva, para o 18º Batalhão da Polícia Militar em Catalão e para o Oficial de Justiça responsável pela ação para cobrar que o processo de despejo violento não tivesse continuidade (MST, 2020).

Apesar das tentativas de desestruturação do acampamento, as famílias seguem plantando alimentos e exigindo que o imóvel seja destinado para a reforma agrária (MST, 2020).  O Movimento recebeu o apoio de diversas organizações parceiras, que têm auxiliado na pressão pela garantia dos direitos das famílias sem-terra, tais como: Observatório de Direitos Humanos da Universidade Federal de Catalão (ODH/UFCAT); Reitoria da UFCAT; Coletivo Magnífica Mundi da Universidade Federal de Goiás (MAG/UFG); Comissão Pastoral da Terra (CPT); Movimento Camponês Popular (MCP); mandato do vereador Professor Marcelo Mendonça (PSB); Partido dos Trabalhadores (PT); Partido Socialismo e Liberdade (PSol); Campanha Despejos Zero Goiás; Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduíno; Fórum Goiano em Defesa dos Direitos, da Democracia e Soberania.

Segundo Ferreira (2020), na página do MST, após a pressão de todas essas organizações, partidos, movimentos, universidade e do apoio de advogados populares, houve a suspensão temporária da tentativa arbitrária de remoção. Mesmo assim, a Polícia Militar afirmou que retornaria no dia 29 de outubro de 2020 para despejar as famílias restantes, ameaçando de prisão quem resistisse à ação. Os/as acampados/as denunciavam a ilegalidade da ação, que sequer foi notificada às famílias e que tem relação apenas com o antigo proprietário da fazenda, que contraiu a dívida junto ao Banco do Brasil. O processo não faz nenhuma menção às famílias que vivem no local e que, por sua vez, não deveriam arcar com as consequências do imbróglio.

O advogado popular Rawy Sena, que atuou no caso, aponta que a ação possui muitas irregularidades. Uma delas é que foi realizada no período da pandemia, deixando ainda mais vulnerabilizadas as família sem-terra, sem apoio ou assistência social. Outra questão é que as famílias não tinham ciência do processo e, ao serem incorporadas na ordem judicial, sequer tiveram a oportunidade de se defender. O processo seguiu sob a responsabilidade do juiz Fábio Cristóvão de Campos Faria, do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO).

Sem Terra protestam contra irregularidades no processo de reintegração da área. Foto: MST-GO

De acordo com a CPT Goiás, no final de outubro de 2022, em um momento próximo ao segundo turno das eleições presidenciais, a comunidade do acampamento Oziel Alves denunciou uma situação de assédio eleitoral promovido por um suposto recenseador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo os/as moradores/as, o homem, que não se identificou com crachá ou veículo institucional, entrou na comunidade, registrou números de documentos pessoais de moradores e afirmou também estar a serviço do Incra. No entanto, proferiu alguns comentários no intuito de convencer os/as acampados/as a votarem no então candidato à reeleição Jair Bolsonaro no dia 30 de outubro de 2022, indicando que com isso teriam benefícios no processo judicial envolvendo a reintegração da posse da fazenda em que se encontravam ocupando.

Os presentes, auxiliados por um agente pastoral, relataram constrangimento, incômodo e desconfiança em relação ao suposto funcionário do IBGE, e questionaram o trabalho do mesmo, que se retirou do local. A farsa foi esclarecida quando outro recenseador do IBGE, devidamente identificado, compareceu dias depois na comunidade para realizar, de fato, o Censo. A CPT Goiás manifestou preocupação em relação aos diversos casos de assédio e de coações em período eleitoral. Bem como ataques armados aos grupos mais vulnerabilizados, e se solidarizou com as famílias do acampamento Oziel Alves (CPT GOIÁS, 2022).

No dia 16 de novembro de 2022, os/as moradores/as da Comunidade Oziel Alves participaram de uma atividade nacional promovida pelo MST e efetivaram a doação de alimentos para famílias em situação de insegurança alimentar em Catalão. Segundo publicado pelo portal SD News (2022), foi doada aproximadamente meia tonelada de alimentos orgânicos para famílias do Bairro Jardim Paraíso. Dentre os alimentos doados pelo acampamento estavam arroz, feijão, banana, mandioca, couve, almeirão, caldo de cana, cheiro verde e pimenta verde. A ação beneficiou famílias de baixa renda, crianças, desempregados/as e migrantes de outros estados recém-chegados/as. A doação foi providencial, pois além de passarem dificuldades com custos financeiros do mês, as famílias haviam parado de receber doações de particulares e cestas básicas da Prefeitura.

Poucos dias depois, em 30 de novembro de 2022, as famílias do acampamento Oziel Alves foram surpreendidas mais uma vez. O Juiz da 2ª Vara Cível de Catalão deferiu liminar de reintegração de posse contra os/as agricultores/as, conforme republicado pelo Combate Racismo Ambiental em 05 de dezembro de 2022. A decisão foi tomada sem observar as condicionantes dispostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, que determinou um regime de transição para a retomada dos despejos por ação judicial em decorrência do período de pandemia de Covid-19. Uma das determinações da ADPF 828 salienta que:

Além de decisões judiciais, quaisquer medidas administrativas que resultem em remoções também devem ser avisadas previamente, e as comunidades afetadas devem ser ouvidas, com prazo razoável para a desocupação e com medidas para resguardo do direito à moradia, proibindo em qualquer situação a separação de integrantes de uma mesma família.”

De acordo com a notícia, o despacho foi enviado para a Comissão de Conflitos Fundiários criada no Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), que ficou com a incumbência de se manifestar sobre a determinação. Ressalta-se que a ação foi feita sem a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública, sem audiência de mediação ou inspeção judicial, como determina o regime de transição da ADPF 828. A ação retirou ainda das famílias seu direito à defesa, à segurança e à dignidade no processo de desocupação (COMBATE RACISMO AMBIENTAL, 2022).

 

Atualização em fevereiro de 2023

 

Cronologia

Séculos XVIII e XIX – Ocorre o processo de ocupação do município de Catalão (GO), especialmente com atividades de mineração e criação extensiva de gado.

1921 – É inaugurado o trecho da Estrada de Ferro de Goiás em Catalão, alterando a dinâmica do município e do Sudeste goiano.

1920 a 1940 – Catalão torna-se o município mais populoso do estado de Goiás.

1980 – Catalão é alvo de diversas transformações no espaço agrário e apresenta índices de concentração fundiária, forçando antigos/as camponeses/as a se deslocarem em direção ao núcleo urbano do município.

– Na década de 1980, um proprietário de terras adquire a área da Fazenda João da Cruz, no distrito de Santo Antônio do Rio Verde, em Catalão (GO).

2010 – A fazenda João da Cruz, oferecida como garantia do proprietário ao Banco do Brasil em decorrência de um empréstimo, é reivindicada pelo banco após o valor do empréstimo não ter sido quitado.

Junho de 2017 – 200 famílias de trabalhadores/as sem-terra ocupam a área da fazenda João da Cruz, com mais de 400 hectares improdutivos.

2018 – O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) inicia negociações com o Banco do Brasil no intuito de destinar a fazenda ao Programa Nacional de Reforma Agrária.

2019 – No primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), as negociações entre Incra e Banco do Brasil são paralisadas.

2020 – Com a indefinição do governo em adquirir a terra, o banco coloca a fazenda a leilão.

21 de outubro de 2020 – As famílias do acampamento Oziel Alves sofrem uma tentativa de despejo por parte da Polícia Militar do Estado de Goiás (PMGO), por ordem da 2ª Vara Cível da Comarca de Catalão.

22 de outubro de 2020 – Após a mobilização das famílias, o despejo é suspenso pela Justiça, mas a polícia ameaça retomar neste dia a reintegração de posse.

29 de outubro de 2020 – Após negociações, a PMGO estabelece novo prazo para despejar as famílias restantes.

Final de outubro de 2022 – A comunidade do acampamento Oziel Alves denuncia para a Comissão Pastoral da Terra (CPT) Goiás que foi vítima de assédio eleitoral promovido por um suposto recenseador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

16 de novembro de 2022 – Moradores/as da Comunidade Oziel Alves participam de uma atividade de doação de alimentos orgânicos no Jardim Paraíso, periferia de Catalão, promovida nacionalmente pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

30 de novembro de 2022 – As famílias do acampamento Oziel Alves são alvo de nova liminar de reintegração de posse por parte da 2ª Vara Cível de Catalão.

 

Fontes

ARTUR, Gabriel. GO: Velho Estado determina despejo ilegal contra camponeses. A Nova Democracia, 13 dez. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3Z8Iqwz. Acesso em: 20 dez. 2022.

COMUNIDADE acampada denuncia assédio eleitoral por parte de recenseador bolsonarista. CPT Goiás, 26 out. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3Cz0jeg. Acesso em: 20 dez. 2022.

DIRINO, Ana. A pandemia para os despossuídos: entre o fique em casa e as canetadas desumanas dos despejos. Favela em Pauta, 22 mai. 2021. Disponível em: https://bit.ly/3jOBbcW.  Acesso em: 20 dez. 2022.

FERREIRA, Janelson. Sem Terra sofrem ameaça de despejo, em Goiás. MST, 28 out. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3jNaUvC. Acesso em: 20 dez. 2022.

JÚNIOR, Osman Martins. Catalão: Comunidade Oziel Alves doa cerca de meia tonelada de alimentos em ação nacional do MST. SD News, 18 nov.2022. Disponível em: https://bit.ly/3Zd0LIM. Acesso em: 20 dez. 2022.

JUSTIÇA despeja ocupação. Diário da Causa Operária, 10 dez. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3VGHahb. Acesso em: 20 dez. 2022.

MARTINS JÚNIOR, Osman. Catalão: Comunidade Oziel Alves doa cerca de meia tonelada de alimentos em ação nacional do MST. SD News, 18 nov. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3Zd0LIM. Acesso em: 20 dez. 2022.

MENDES, Estevane. A Produção rural familiar em Goiás: as comunidades rurais no município de Catalão (GO). 2005. 294f. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente, 2005.

MENDONÇA, Marcelo. A urdidura espacial do capital e do trabalho no cerrado do sudeste goiano. 2004. 458f. Tese (Doutorado em Geografia). Programa de Pós Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente, 2004.

MESQUITA, Cristina de. Ordem de posse: PM cumpre ordem judicial em área de Santo Antônio do Rio Verde. Blog do Badiinho (sic), 22 out. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3GgWdbD. Acesso em: 20 dez. 2022.

MST denuncia despejo autoritário em Goiás. MST, republicado pela Associação dos Amigos da ENFF, 22 out. 2020.  Disponível em: https://bit.ly/3vArGkb. Acesso em: 20 dez. 2022.

NASCIMENTO, Batista. O jovem que ousou doar a vida por uma causa coletiva: Oziel Alves Pereira. MST, 17 abr. de 2020. Disponível em: https://bit.ly/3jS4iwd. Acesso em: 20 dez. 2022.

ORDEM de posse: PM cumpre ordem judicial em área de Santo Antônio do Rio Verde. Blog do Badiinho, 22 out. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3GgWdbD. Acesso em: 20 dez. 2022.

SEM observar condicionantes da ADPF 828, juiz decide pelo despejo de famílias agricultoras acampadas em Catalão (GO). CPT Goiás, republicado por Combate Racismo Ambiental, 05 dez. 2022. Disponível em: https://bit.ly/3IEVrZ9. Acesso em: 20 dez. 2022.

 

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