Comunidades rurais de Sento Sé/BA versus Tombador Iron Mineração
UF: BA
Município Atingido: Sento Sé (BA)
População: Agricultores familiares, Pescadores artesanais, Ribeirinhos
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Especulação imobiliária, Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Erosão do solo, Falta de saneamento básico, Pesca ou caça predatória, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Poluição sonora
Danos à Saúde: Acidentes, Doenças transmissíveis, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – coação física
Síntese
Na memória dos moradores e moradoras mais antigos/as de Sento Sé (BA), ainda estão nítidas as imagens de expulsão de familiares e vizinhos/as de suas casas na década de 1970, quando a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) começou a construir a barragem de Sobradinho.
A empresa, que prometera melhorar as condições de vida das populações, só deixou um rastro de destruição, alterando o modo de vida tradicional das comunidades de pequenos/as agricultores/as, fundo e fecho de pasto, ribeirinhos/as e pescadores/as artesanais no vale do rio São Francisco.
O pesadelo é retomado atualmente por parte destas comunidades rurais com a instalação do “Projeto Tombador”, uma lavra de mineração de ferro a céu aberto que está sendo tocada pela Tombador Iron Mineração, empresa de origem australiana.
O Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema) concedeu a licença de instalação (LI) do empreendimento em agosto de 2020, e várias ações já vêm sendo executadas pela empresa no município.
As populações atingidas, entretanto, não receberam, ao longo deste tempo, nenhum informe, comunicação ou consulta por parte da mineradora. O empreendimento impactará cerca de 11 comunidades ou duas mil famílias residentes nas proximidades da Serra da Bicuda, uma área considerada patrimônio natural e cultural da região semiárida com predominância de Caatinga.
Além de ser utilizada tradicionalmente pelas comunidades para a criação de animais, a serra também abriga nascentes de rios, essenciais para o abastecimento de água dos comunitários, cavernas e vestígios arqueológicos, sendo parte da história e da sobrevivência dos/as moradores/as locais.
A Tombador Iron Mineração não suspendeu seus planos sequer com a pandemia de covid-19, e avança na instalação das minas na Serra da Bicuda com o intuito de iniciar a exploração de ferro no segundo trimestre de 2021.
Se, por um lado, algumas pessoas ainda estão divididas quanto aos benefícios e os impactos do empreendimento, outras denunciam que as comunidades continuam sendo tratadas “com desrespeito e falta de informação por parte da empresa”, que já vem produzindo impactos nos territórios tradicionais, como desmatamento, erosão do solo, poluição do ar e sonora, e outras transformações no dia a dia de Sento Sé.
Contexto Ampliado
Em Sento Sé, norte da Bahia, comunidades rurais têm vivido os impactos da instalação de um empreendimento de exploração mineral que, de acordo com os moradores, vem tirando a paz do município com cerca de 50.000 habitantes, na região do vale do rio São Francisco. Trata-se da instalação da empresa Tombador Iron Mineração, que se prepara para explorar os minérios de ferro encontrados no subsolo da região.
Os/as moradores/as de Sento Sé sentem os efeitos de uma tripla expropriação, já que a cidade já sofreu historicamente com a transposição de seus habitantes. Primeiro, pela instalação de uma usina hidrelétrica (UHE); depois, pela instalação de usinas eólicas e, mais recentemente, tem se consolidado um processo de perda de direitos de territórios tradicionais em decorrência da exploração mineral.
A Tombador Iron Mineração – antes chamada Colomi Iron Mineração – tem obtido autorizações das autoridades estaduais e municipais da Bahia, que concederam licenças ambientais e autorizações de uso do solo.
Na memória social, ainda são nítidas as imagens de expulsão de familiares e vizinhos/as de suas casas na década de 1970, quando a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) começou a construir a barragem de Sobradinho. A antiga Sento Sé é resgatada na memória dos/as moradores/as mais antigos como o local de brincadeiras, de cantigas de infância, de tranquilidade e paz – conforme relembra a professora Edonilce Barros, em entrevista para a jornalista Adzamara Amaral.
Até que, no auge da Ditadura Militar, as comportas da Usina Hidrelétrica de Sobradinho se abriram e inundaram toda a área rural e urbana do município, formando o lago da usina. Ela conta também que a Chesf, na época, fez a promessa de criação de muitos postos de trabalho e de melhoria nas condições de vida dos habitantes locais, mas o que ocorreu foi justamente o oposto (OLIVEIRA, 2020).
A cidade foi surpreendida quando, sem qualquer planejamento, todos/as foram obrigados/as a desocupar suas casas, juntar seus pertences e jogá-los em caminhões rapidamente, abandonando criações de animais. Todo o patrimônio material e imaterial da cidade foi submerso pelas águas da barragem. Além de habitantes de Sento Sé, foram deslocadas cerca de 72 mil pessoas dos municípios de Pilão Arcado, Remanso e Casa Nova.
A maior parte dos/as deslocados/as era de camponeses/as que praticavam agricultura de vazante (feita às margens do rio em períodos secos) e de sequeiro (feita na época da chuva). Alimentos como milho, abóbora e melancia eram amplamente cultivados. Mas também havia aqueles/as que se dedicavam à pesca, o que foi profundamente alterado com a transformação do rio em lago, modificando os instrumentos de trabalho e diminuindo a quantidade e a diversidade de espécies de peixes.
Poucos/as foram aqueles/as que receberam lotes de terra ou indenizações, já que apenas aproximadamente 4.000 pessoas foram reassentadas na Nova Sento Sé. Houve também proliferação de doenças ocasionadas pela falta de saneamento básico – segundo conta a pesquisadora Adzamara Amaral, entrevistada por Oliveira (2020).
Nos dias de hoje, a atividade mineradora se apresenta como uma nova ameaça. O local onde a Tombador Iron Mineração está instalando a sua atividade é a Serra da Bicuda, um patrimônio natural e cultural da região de clima semiárido, cuja vegetação predominante é a caatinga. Ali, as comunidades ribeirinhas, de fundo e fecho de pasto e de pequenos agricultores mantêm criações de animais à solta, como caprinos, ovinos e bovinos.
Na formação serrana também há nascentes que abastecem os comunitários e os animais no período das chuvas. A diversidade florística é enorme, abrigando plantas medicinais e umbuzeiros em abundância. Uma das moradoras das comunidades atingidas pela mineração diz que a serra é parte da história e da vida das comunidades (OLIVEIRA, 2020).
Além da importância da Serra da Bicuda, parte do município de Sento Sé está incluída na área do Parque Nacional (PARNA) Boqueirão da Onça, criado pelo decreto federal nº 9.336, em 05 de abril de 2018, com o intuito de preservar os ecossistemas de áreas inundadas pelo barramento das águas do rio São Francisco.
O PARNA faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Boqueirão da Onça e ocupa 346.908,10 mil hectares nos municípios de Sento Sé, Juazeiro, Sobradinho e Campo Formoso. Já a APA abrange 853 mil hectares, majoritariamente ocupados pelo bioma da Caatinga, vestígios de Mata Atlântica e de Cerrado, abrangendo, além dos municípios do PARNA, áreas de Umburanas e Morro do Chapéu.
Ambas as regiões, da APA e do PARNA, foram ameaçadas pela instalação de empresas de energia eólica integrantes da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), tais como a Brennand Eólica, a Casa dos Ventos, a Eólica Tecnologia, a BioBrax, a Sany, a Energisa e a Segóia, segundo consta no Portal O Eco (2011). À época da publicação, as sete empresas realizavam estudos de viabilidade na região.
Nem todas de fato vieram a implantar projetos de geração de energia eólica, exceto a Brennand Eólica e a Casa dos Ventos. A primeira constituiu um consórcio formado pela Brennand Energia, pela Brennand Energia Eólica S.A. e pela Chesf com o objetivo de operar três parques eólicos: Pedra Branca, São Pedro do Lago e Sete Gameleiras.
As usinas compõem o Complexo Eólico Sento Sé I, com 45 aerogeradores com capacidade de 90 MW de capacidade instalada, em operação integral desde fevereiro de 2013, segundo informações da Eletrobrás (2021). A Casa dos Ventos, por sua vez, instalou um complexo eólico entre os municípios de Morro do Chapéu (BA) e Cafarnaum (BA), o Parque Eólico Morro do Chapéu Sul (QUEBEC ENGENHARIA, 2021).
Outro complexo eólico na região é o de Serra da Babilônia, de iniciativa das empresas PEC Energia e Rio Energy, com 223 kw de potência instalada e localizado entre Morro do Chapéu (BA) e Várzea Nova (BA), em operação desde novembro de 2018. Em setembro de 2020, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) liberou a operação em teste de quatro aerogeradores da usina Serra do Vento, somando 17,8 MW de capacidade instalada em Sento Sé (BA). O empreendimento é explorado pela empresa Serra do Vento Energética (CANAL ENERGIA, 2020).
Estas áreas, então, foram integradas ao Mosaico de Unidades de Conservação do Boqueirão da Onça, área de conservação que nasceu justamente em resposta à pressão de mineradoras e empresas geradoras de energia eólica. Trata-se uma das maiores áreas de proteção da caatinga e de espécies de onças, como a onça parda e a onça pintada, além de 26 mamíferos de médio e grande porte, como o tamanduá-mirim, a tatupeba, o veado-catingueiro, o gato-do-mato e a jaguatirica.
A região também apresenta valor arqueológico e espeleológico, pois os paredões rochosos apresentam pinturas rupestres e fósseis de animais pré-históricos, como a preguiça-gigante e o tigre-dente-de-sabre, abrigando a maior caverna do hemisfério sul, chamada Toca da Boa Vista. Em termos humanos, são mais de 100 comunidades no interior do Mosaico.
Dentre as comunidades atingidas especificamente pela instalação das minas da Tombador Iron Mineração estão 11 principais: Pascoal, Limoeiro, Aldeia, Tombador, Tombador de Cima, Retiro, Retiro de Baixo, Retiro de Cima, Cajuí, Volta da Serra e Ponta d’Água. No total, são cerca de duas mil famílias residentes nas proximidades da Serra da Bicuda.
Na comunidade do Retiro, por exemplo, vivem 78 famílias e, em conjunto, a população das comunidades de Retiro de Cima, Cajuí, Volta da Serra, Tombador e Ponta d’Água contabiliza 1.200 pessoas atingidas. Já as comunidades de Pascoal, Limoeiro e Aldeia, por exemplo, abrigam cerca de 2.600 moradores/as.
De acordo com o portal Preto no Branco (2020), as comunidades ribeirinhas não têm sido informadas oficialmente nem consultadas sobre as ações da empresa e sobre o projeto. Mesmo assim, a empresa já trouxe máquinas e funcionários para o local, o que contrasta com uma população que vive de pesca e das plantações de víveres, como banana, cebola, milho, melancia e outros alimentos.
As pesquisas para exploração mineral em Sento Sé começaram em dezembro de 2003, como indica Oliveira (2020), quando a primeira empresa, a Serabi Mineração – subsidiária brasileira da mineradora inglesa Serabi Gold – juntamente com o advogado, geólogo e então presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas Minerais (ABPM), Luís Maurício Ferraouli Azevedo, e com Paulo Roberto Oliva – sócio-administrador da empresa Proliva Geologia e Mineração LTDA. -, tiveram autorização para fazer as primeiras incursões no município.
Após as pesquisas, a Serabi Mineração optou por realizar exploração de ouro no Pará, transferindo os direitos minerários de Sento Sé para outra empresa, a Colomi Iron Mineração. A sociedade da Colomi era composta pela Colomi Singapore PTE Ltda e por um homem de confiança da Serabi Gold, o australiano William Macrae Clough, que foi diretor da mineradora inglesa entre 2004 e 2011. Gabriel da Cunha Oliva foi nomeado representante da Colomi Iron Mineração, executivo de negócios sênior do grupo no País. Coube à Colomi dar continuidade às pesquisas na região – informações a partir do relato de Oliveira (2020).
Cabe destacar que, em 2009, a empresa Bahia Mineral Exploration (Bahmex) lançou um site anunciando que possuía um conjunto de áreas autorizadas para pesquisa mineral na Bahia e em Minas Gerais. Dentre elas, constava o projeto da Colomi para exploração de minério de ferro em Sento Sé e Casa Nova, que estava em processo de sondagem.
A Bahmex tinha como sócio o ex-presidente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e ex-presidente da Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM), responsável pelo mapeamento geológico do Estado, Umberto Raimundo Costa. Além disso, a empresa tinha parceria com a Brasil Exploração Mineral S.A (Bemisa), empresa do Grupo Opportunity, do banqueiro baiano Daniel Dantas (OLIVEIRA, 2020).
Quando a empresa Colomi Iron Mineração entregou os relatórios finais das pesquisas minerais para a Agência Nacional de Mineração (ANM), não obteve aprovação por três ocasiões: em 2011, 2014 e 2018. O motivo alegado pela ANM foi “sobrestamento da decisão”, quando, segundo o Código Minerário, ocorre uma impossibilidade temporária de execução técnica e econômica da lavra.
Fatores como a inexistência de tecnologia adequada para o aproveitamento econômico do mineral ou mesmo ausência de demanda no mercado interno ou externo para o produto contribuem para este tipo de decisão.
Mesmo com a reprovação dos relatórios, a Colomi continuou insistindo no projeto, resolvendo as pendências e buscando investidores. O licenciamento se iniciou no ano de 2014 junto ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), do Estado da Bahia. A Licença Prévia (LP) foi emitida em 2015.
A Prefeitura Municipal de Sento Sé, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, concedeu o direito de uso do solo à mineradora em 2017, o que resultou nos primeiros movimentos da empresa em Sento Sé. Apenas em fevereiro de 2020 houve aprovação do relatório de pesquisa da Colomi por parte da ANM.
Logo após este ato, a Colomi Iron Mineração abriu um processo de requerimento de lavra com transferência de direito mineral para a empresa Tombador Iron Mineração – criada pela sociedade formada por Gabriel Oliva, por Paulo Roberto Oliva (já mencionados acima) e pela empresa Tombador Iron Singapore (TIS).
A Tombador Iron Mineração adquiriu os direitos minerários pela ANM em 04 de junho de 2020. No mesmo mês, o grupo australiano Resa Furey fechou um acordo vinculativo com a TIS, e o projeto de exploração da Serra da Bicuda foi finalmente batizado com o nome de “Projeto Tombador”. Investidores emitiram 400 milhões de dólares em ações com o intuito de arrecadar 11 bilhões de dólares para aplicar no investimento (INSTITUTO MINERE, 2019).
Conforme o site da Tombador Iron, há no município quatro depósitos de hematita com aproximadamente 67% de concentração de ferro, além de outros compostos, como dióxido de silício e óxido de alumínio, em menores concentrações. É sabido que, em geral, quanto menor a concentração de ferro, maior a utilização de água no processo de sua extração, sendo necessária a construção de barragens de rejeitos, como aquelas rompidas em Brumadinho e em Mariana, Minas Gerais, gerando inúmeras vítimas fatais (OLIVEIRA, 2020).
Porém, de acordo com a empresa, a água não será utilizada no processo de beneficiamento, apenas técnicas de britagem e classificação, como numa pedreira, a partir de processos a seco, o que evitaria a construção de barragens de rejeitos, o que é possível com produto mineral com alto teor de ferro (FILLIPH, 2020).
A empresa pretende escoar o minério por meio de caminhões que percorrerão por rodovia cerca de 500km até o porto de Aracaju (SE), ou aproximadamente 700km até o Porto de Aratu, em Salvador (BA).
Mas, de acordo com estudo produzido em 2018, em parceria entre o antigo Ministério dos Transportes, Portos e Aviação civil (MTPA), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Laboratório de Transportes e Logística (LABTRANS), há um projeto de melhoria dos modais de transporte do ferro até o Complexo Portuário de Salvador e Aratu-Candeias, que se daria futuramente por meio de uma ferrovia.
Para isso, um ramal ferroviário seria construído entre Sento Sé e a malha da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), em Senhor do Bonfim (BA) e, a partir dali, seguiria até o Complexo Portuário.
Entre 2019 e 2020, moradores/as das comunidades de Pascoal, Limoeiro e Aldeia passaram a se queixar de uma maior movimentação de carros e funcionários da empresa. Com a chegada da Tombador Iron Mineração houve também maior demanda por serviços e habitação na região.
Segundo lideranças locais, ela se aproveitou da pandemia de covid-19 e do isolamento da população ocorrido a partir de março de 2020 para acelerar os trabalhos de instalação na Serra da Bicuda. Representantes de cooperativas foram coagidos a assinar documentos para a empresa sem saber do que se tratavam (OLIVEIRA, 2020).
Algumas ações já estão sendo realizadas, como desmatamentos, escavações, perfurações de poços, apreensão de animais silvestres, explosões que geram poluição do ar (fumaça e pó) e poluição sonora, tudo sem nenhuma comunicação, reunião ou respeito às comunidades.
De acordo com o blog Combate Racismo Ambiental (2019), como efeito da retirada de mata nativa, as chuvas subsequentes geraram a erosão do solo e destruíram uma estrada vicinal, que cedeu com a pressão das águas. Em junho de 2020, um posto de gasolina começou a ser construído perto da entrada de algumas comunidades.
Após várias mudanças no cotidiano das comunidades, um funcionário da Prefeitura Municipal de Sento Sé informou aos moradores de Pascoal, Limoeiro e Aldeia que uma mina seria construída até o final de 2020 no município. Lideranças comunitárias solicitaram ao Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia (Inema/BA) informações sobre o que estava ocorrendo, mas não obtiveram resposta.
A indignação dos/as moradores/as em relação à falta de informações do projeto pode ser vista no vídeo a seguir: https://bit.ly/3sCgSif. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra da Bahia – CPT/BA (2020), a portaria nº 21.199 do Inema, de 04 de agosto de 2020, concedeu a Colomi Iron Mineração a Licença de Instalação (LI) para a lavra a céu aberto de minério de ferro.
Segundo Oliveira (2020), em 16 de setembro de 2020, os/as comunitários/as tomaram conhecimento de que o Inema havia concedido licença para a instalação da mineradora. De acordo com lideranças locais mencionadas por Oliveira (2020), as pessoas estão divididas quanto aos benefícios e impactos do empreendimento.
Enquanto alguns pensam na possibilidade de criação de empregos e comerciantes imaginam maiores lucros com maior demanda por mercadorias e serviços, outros temem os efeitos da poluição do ar, do lençol freático e do rio São Francisco, além de outros danos ambientais e humanos, como o aumento dos índices de criminalidade e a perda da tranquilidade na zona rural do município.
Algumas lideranças comunitárias começaram a fazer uma intensa mobilização, concedendo entrevistas e recolhendo assinaturas para um abaixo-assinado contrário à instalação da mina a céu aberto da Tombador Iron Mineração. Após a pressão popular, a empresa se dirigiu pela primeira vez às comunidades por meio de uma nota oficial informando que, no período de 06 a 10 de outubro de 2020, enviaria um sociólogo para conversar e tirar dúvidas.
O portal de informações “Meus Sertões” aproveitou a oportunidade para acionar assessorias de imprensa do Governo do Estado da Bahia, da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico (SDE/BA), do Inema, da Prefeitura Municipal de Sento Sé e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em busca de maior detalhamento do processo de licenciamento e dos impactos do empreendimento junto às populações ribeirinhas.
A prefeitura de Sento Sé respondeu que, conforme informações da diretoria da Tombador Iron, o empreendimento seria de baixo impacto ambiental e que, neste caso, não era necessário realizar audiências públicas com as comunidades. Esta informação, entretanto, não condiz com a classificação dada ao Projeto Tombador pelo Inema.
Segundo o órgão, o projeto é de classe 5, empreendimento de grande porte com médio impacto ambiental em uma escala de risco que vai de 1 a 6. Por esta razão, tem a obrigação de apresentar Estudo de Médio Impacto (EMI), além de realizar informes às comunidades. A ausência de reuniões, segundo a prefeitura, foi justificada pela pandemia e pela dificuldade técnica de realizar videoconferências.
Além disso, a assessoria da prefeitura mencionou que a desqualificação do empreendimento seria uma intriga da oposição política da prefeita em exercício Ana Passos (PSD) para prejudicar sua imagem pública, já que ela foi candidata à reeleição em 2020, segundo aponta Oliveira (2020).
Em 14 de outubro de 2020, durante reunião entre vereadores do município e funcionários da Tombador Iron Mineração, representantes de povoados ribeirinhos adentraram a Câmara Municipal de Sento Sé e realizaram uma manifestação contra a mineradora.
Um representante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) ressaltou que os aspectos sociais, climáticos, históricos, naturais e culturais do município estavam sendo desprestigiados em relação aos lucros econômicos da empresa. Outra ribeirinha ressaltou que, na região, as comunidades se dedicavam à agroecologia, e exigiu a realização de audiência pública com a presença das comunidades para que tomassem conhecimento dos impactos às suas atividades.
O vereador Jamerson Santos Santiago (PSDB), que também é pescador e morador de uma comunidade no entorno da Serra da Bicuda, posicionou-se contra o empreendimento devido aos seus potenciais impactos. O sociólogo e pesquisador de Estudos e Projetos Socioambientais da Colomi Iron, Alan Francisco de Carvalho, foi interrompido pelos manifestantes durante sua fala e a audiência foi encerrada pelos vereadores apenas 10 minutos após seu início.
A empresa lançou uma nota lamentando a interrupção e ratificando a posição de que o empreendimento dispensa audiências públicas pelo seu porte, conforme apontou o portal Zabele (2020). O protesto dos/as ribeirinhos/as pode ser conferido no vídeo postado pela Comissão Pastoral da Terra – Bahia: https://bit.ly/3bBDQ1V.
No dia 02 de dezembro de 2020, o bispo da Diocese de Juazeiro (BA), Dom Beto Breis, lançou uma mensagem em defesa das populações atingidas e ameaçadas por mineradoras na região. Nela, ele recordou os crimes ambientais ocorridos em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, e reafirmou os vínculos e a dependência das comunidades da Serra da Bicuda com a natureza e as águas do rio São Francisco.
Os detalhes do crime da Vale em Brumadinho podem ser vistos neste Mapa, no link: https://bit.ly/3htywRc. O outro desastre-crime mencionado, ocorrido em Mariana (MG) em novembro de 2015, envolvendo a mineradora Samarco, também está registrado no Mapa: https://bit.ly/3honjRS.
O bispo relembrou ainda o drama vivido na década de 1970 com a barragem de Sobradinho, e enfatizou que os/as principais afetados/as pelos impactos nunca foram ouvidos pela mineradora e órgãos competentes, gerando expectativas e promessas que nunca foram ou são cumpridas.
De acordo com a assessoria de comunicação da CPT-BA (2021), apesar dos protestos e denúncias das comunidades tradicionais residentes em Sento Sé, o projeto de implantação da mineradora avança, violando direitos e promovendo impactos nos territórios. No início de fevereiro de 2021, a Tombador Iron Mineração divulgou na imprensa que tinha o objetivo de iniciar a extração mineral no segundo trimestre de 2021, com capacidade de produção de 400 toneladas de ferro por hora.
Em notícias veiculadas pelo portal “Notícias de mineração Brasil” (2021), em 03 de fevereiro de 2021, a Tombador Iron fez o comissionamento da planta de britagem e peneiramento. Tendo concluído a construção da operação, a empresa aguarda apenas a concessão de lavra pela ANM e a licença de operação (LO) pelo Inema.
Em nota divulgada em 12 de abril de 2021, a Tombador Iron informou ter fechado dois contratos para escoar minério de ferro produzido em Sento Sé. Um deles foi fechado com a VLI Multimodal, controlada pela Vale. A empresa oferece soluções logísticas para atendimento de seus clientes, integrando portos, ferroviais e terminais, facilitando o transporte e o armazenamento de insumos siderúrgicos. A intenção da Tombador Iron é iniciar a produção comercial nos próximos meses.
Atualizado em 08/03/2021
Cronologia
Década de 1970: A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) começa a construir a barragem de Sobradinho, cujo lago inunda grande parcela de alguns municípios da região do vale do Rio São Francisco, dentre eles, Sento Sé (BA).
Dezembro de 2003: São iniciados os processos de busca e análise de possibilidades de exploração de riquezas minerais em Sento Sé (BA). A empresa Serabi Mineração, em associação com profissionais da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas Minerais, obtém autorização para realizar pesquisas na região.
2009: É criado o site da empresa Bahia Mineral Exploration (Bahmex), que anuncia a posse de um conjunto de áreas com autorização de pesquisa mineral na Bahia e em Minas Gerais, dentre as quais consta o Projeto Colomi (atual Projeto Tombador).
2011: Relatórios finais da empresa entregues à Agência Nacional de Mineração (ANM) não são aprovados por “sobrestamento da decisão”, o que demonstra a impossibilidade temporária de execução técnico-econômica da lavra devido a fatores conjunturais como ausência de tecnologia adequada para o aproveitamento do mineral ou ausência de mercado interno ou externo para o produto.
2014: Novamente, os relatórios de pesquisa são reprovados pela ANM pelo mesmo motivo anteriormente apontado.
2015: A Licença Prévia (LP) é emitida pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), em 2015, para o empreendimento da Tombador Iron Mineração.
2017: A prefeita de Sento Sé, Ana Passos (PSD), concede o direito de uso do solo à mineradora por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
2018: Pela terceira vez, a empresa obtém resposta negativa na avaliação da ANM para a abertura de lavra mineral.
05 de abril de 2018: É criado, por meio do Decreto Federal nº 9.336, o Parque Nacional Boqueirão da Onça, na região de Sento Sé e municípios adjacentes.
21 de março de 2019: O executivo sênior da companhia Colomi Iron Mineração anuncia que a mineradora investirá R$11 bilhões de dólares em seu projeto de produção e exportação de minério de ferro no norte da Bahia, em Sento Sé.
Fevereiro de 2020: O relatório de pesquisa minerária realizado pela Colomi Iron Mineração é, enfim, aprovado pela ANM e, em seguida, a empresa dá entrada no processo de requerimento de lavra, pedindo transferência de direito mineral para a Tombador Iron Mineração.
04 de junho de 2020: A cessão dos direitos minerários para a empresa Tombador Iron Mineração é aceita pela Agência Nacional de Mineração (ANM).
13 de junho de 2020: O grupo australiano Resa celebra acordo vinculativo para adquirir todo o capital da Tombador Iron Singapore (TIS), dona da empresa que detém o direito de explorar minério em Sento Sé. Com isso, há alteração do nome da companhia, que passa a se chamar Tombador Iron Mineração, e da mina na Serra da Bicuda, denominada a partir de então como Projeto Tombador.
Junho de 2020: Um posto de gasolina começa a ser construído próximo à entrada de algumas comunidades atingidas pela mineradora Tombador Iron.
04 de agosto de 2020: O Inema concede à empresa Colomi Iron Mineração LTDA (transformada em Tombador Iron Mineração), a licença de instalação (LI) para mineração de ferro em Sento Sé (BA), a partir da publicação da portaria nº 21.199.
20 de agosto de 2020: É publicada no Diário Oficial do Estado da Bahia a concessão da licença de instalação (LI) para a mineradora Tombador Iron Mineração, por parte do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).
Setembro de 2020: Após tomarem conhecimento da concessão de LI pelo Inema, líderes comunitários concedem entrevistas e iniciam a coleta de assinaturas para um abaixo-assinado contrário à instalação da mina a céu aberto.
Outubro de 2020: No início do mês, a Tombador Iron envia um funcionário, Alan Francisco de Carvalho, para atender às comunidades e prestar esclarecimentos.
14 de outubro de 2020: Representantes de comunidades tradicionais ribeirinhas e de fundo de pasto realizam um protesto na Câmara de Vereadores de Sento Sé (BA), durante reunião entre os vereadores e a Tombador Iron Mineração, exigindo a realização de uma audiência pública com as comunidades da Serra da Bicuda.
02 de dezembro de 2020: O bispo da Diocese de Juazeiro (BA), Dom Beto Breis, publica mensagem em defesa das populações atingidas e ameaçadas pela mineração na região.
Fevereiro de 2021: A Tombador Iron Mineração divulga na imprensa que tem o objetivo de iniciar a extração mineral no segundo trimestre de 2021, com capacidade de produção de 400 toneladas de ferro por hora.
Fontes
BISPO da Diocese de Juazeiro/BA publica Mensagem em defesa das populações atingidas e ameaçadas por mineradoras na região. Diocese de Juazeiro (BA), 2 de dezembro de 2020. Disponível em: https://bit.ly/3b73QDv. Acesso em: 28 fev. 2021.
BRASIL. Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA). Universidade Federal De Santa Catarina (UFSC). Laboratório de Transportes e Logística (Labtrans). Complexo Portuário de Salvador e Aratu-Candeias. Plano Mestre, Volume 1, dezembro de 2018. 360p.
CALHEIROS, Celso. Boqueirão da Onça: o parque que virou mosaico. Portal O Eco, 21 de junho de 2011. Disponível em: https://bit.ly/3ejDEap. Acesso em: 28 fev. 2021.
CASA DOS VENTOS. Projetos. (2021). Disponível em: https://bit.ly/3jKu0R3. Acesso em: 06 jul. 2021.
COMISSÃO PASTORAL DA TERRA BAHIA. Comunidades de Sento Sé exigem audiência pública sobre mineração. Combate Racismo Ambiental, 15 de outubro de 2020. Disponível em: https://bit.ly/3kk6wjM. Acesso em: 24 fev. 2021.
______. Ribeirinhos/as de Sento Sé exigem informações sobre mineração de ferro na Serra da Bicuda. Facebook: Página da CPT-BA, outubro de 2020 (3min19s). Disponível em: https://bit.ly/3sCgSif. Acesso em: 24 fev. 2021.
______. Comunidades de Sento Sé exigem audiência pública sobre mineração. Youtube: Canal da CPT-BA, 14 de outubro de 2020 (1min49s). Disponível em: https://bit.ly/3bBDQ1V. Acesso em: 24 fev. 2021.
COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO PASTORAL DA TERRA JUAZEIRO. “Nós vamos ficar com a morte e a doença”: Em Sento Sé (BA), comunidades ribeirinhas temem empreendimento de mineração. Combate Racismo Ambiental, 03 de junho de 2019. Disponível em: https://bit.ly/3ki3GvX. Acesso em: 24 fev. 2021.
______. Comunidades de Sento Sé relatam problemas provocados pela instalação da Tombador Iron Mineração. Combate Racismo Ambiental, 15 de fevereiro de 2021. Disponível em: https://bit.ly/2ZKbwF9. Acesso em: 24 fev. 2021.
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como eu posso citar esse texto de vocês?
BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública. Núcleo Ecologias, Encontro de Saberes e Promoção Emancipatória da Saúde – Neepes. “Comunidades rurais de Sento Sé/BA versus Tombador Iron Mineração”. In: Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil. Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://mapadeconflitos.ensp.fiocruz.br/conflito/comunidades-rurais-de-sento-se-ba-e-tombador-iron-mineracao. Acesso em: 27 fev. 2024.