MG – Agricultores familiares e moradores da Serra do Gandarela lutam contra instalação de mina da Vale
UF: MG
Município Atingido: Rio Acima (MG)
Outros Municípios: Barão de Cocais (MG), Caeté (MG), Itabirito (MG), Mariana (MG), Nova Lima (MG), Ouro Preto (MG), Raposos (MG), Rio Acima (MG), Santa Bárbara (MG)
População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas
Atividades Geradoras do Conflito: Mineração, garimpo e siderurgia
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desmatamento e/ou queimada, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida
Síntese
O presente conflito decorre do projeto de instalação da mina Apolo pela mineradora Vale na Serra do Gandarela, localizada na região do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. Visando proteger a área dos impactos socioambientais da mineração, movimentos locais e estaduais têm se articulado para resistir à instalação do projeto e para proteger a região por meio da criação de um Parque Nacional e de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável na região.
Os moradores do entorno da Serra do Gandarela, incluindo-se aí algumas sedes de pequenos municípios e povoados rurais, resistem à mina Apolo por conta dos riscos de poluição e contaminação da água, dos impactos sobre a vegetação nativa da região e a fauna, sobre a infraestrutura urbana das pequenas sedes municipais, sobre o eco turismo praticado na região, e sobre o próprio estilo de vida dos povoados rurais do entorno da Serra.
Ao longo deste processo de resistência, destaca-se o trabalho sistemático do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela. Apesar das pressões exercidas pelos movimentos sociais e dos órgãos ambientais, o Parque Nacional da Serra do Gandarela foi decretado em outubro de 2014 com uma área menor que a proposta submetida pelo ICMBio, e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável não foi criada.
Contexto Ampliado
O presente conflito decorrente do projeto de instalação da mina Apolo pela mineradora Vale na Serra do Gandarela, localizada na região do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. Visando proteger a área dos impactos socioambientais da mineração, movimentos locais e estaduais têm se articulado para resistir à instalação do projeto e para proteger a região por meio da criação de Unidades de Conservação.
Os moradores do entorno da Serra do Gandarela, incluindo-se aí algumas sedes de pequenos municípios e povoados rurais, resistem à mina Apolo por conta dos riscos de poluição e contaminação da água, dos impactos sobre a vegetação nativa da região e a fauna, sobre a infraestrutura urbana das pequenas sedes municipais, sobre o eco turismo praticado na região, e sobre o próprio estilo de vida dos povoados rurais do entorno da Serra.
Ao longo deste processo, destaca-se o trabalho sistemático do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, formado no bojo da resistência à mineração na área, que funciona como uma rede de diversas pessoas e instituições locais e estaduais, tendo à frente de suas ações alguns ativistas ambientais residentes nos municípios abrangidos pela Serra da Gandarela.
A Serra da Gandarela é uma área localizada na região conhecida como Quadrilátero Ferrífero, na porção central de Minas Gerais, próxima à capital estadual, Belo Horizonte, englobando a área de 25 municípios, entre os quais Sabará, Santa Bárbara, Mariana, Congonhas, Ouro Preto, João Monlevade, Rio Piracicaba, Itaúna, Itabira, Caeté, Barão de Cocais e outros. O Quadrilátero Ferrífero é assim chamado por sua enorme produção mineral, com destaque para o minério de ferro. Desde o século XVII, com a extração de ouro, até os dias atuais, os minérios da região vêm sendo explorados economicamente.
Segundo Marrent e colaboradores (2011), atualmente, além de abrigar grandes minerações de ferro e ouro, estão presentes vários empreendimentos de mineração que exploram jazidas de outros tipos de rochas e minerais como, por exemplo, topázio e bauxita.
Por outro lado, as mesmas características naturais que conferem à região o enorme potencial para a mineração também a tornam de grande relevância ecológica (e com grande potencial turístico) por conta da coincidência entre as formações ferríferas e as águas subterrâneas, o que tem gerado um histórico de conflitos socioambientais no Quadrilátero Ferrífero. Como exemplos temos o embate ocorrido em torno do Monumento Natural da Serra da Piedade, que durante anos foi palco de discussões entre proteção ambiental e mineração, pois seus limites definidos por lei não estavam sendo respeitados. Em 2007, houve a tentativa de redução da área do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça por pressão de empreendimentos de mineração e imobiliários.
Mesmo com a grande extração mineral que vem ocorrendo historicamente no Quadrilátero Ferrífero, algumas áreas ainda se encontram em condições ambientais de notável conservação, com pouca ou quase nenhuma atividade humana, sendo uma destas a Serra do Gandarela. Pelo fato de a região ser considerada um dos principais mananciais de água de qualidade em Minas Gerais, ambientalistas e militantes contra os impactos da mineração cunharam o termo Quadrilátero Aquífero para contrapor-se à ideia de uma vocação regional voltada para a mineração, destacando assim a alta importância da água como uma característica marcante da área.
Deste ponto de vista, a região exige ainda mais proteção, uma vez que é uma das principais fontes de abastecimento de água para a Região Metropolitana de Belo Horizonte. Em termos de proteção ambiental, o Quadrilátero Ferrífero possui algumas Unidades de Conservação próximas à Serra do Gandarela, estabelecendo de certa forma um corredor ecológico na área. As mais próximas são a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça, a Área de Proteção Ambiental (APA) Cachoeira das Andorinhas, a Floresta Estadual do Uaimii e área de Proteção Ambiental Sul, a qual abrange uma parte da Gandarela. Recentemente, foi criado o Parque Nacional da Serra do Gandarela.
A Serra do Gandarela abrange parte dos territórios de seis municípios mineiros: Barão de Cocais, Caeté, Itabirito, Raposos, Rio Acima e Santa Bárbara. Apresenta uma rica diversidade geológica e de relevo, com diversas quedas dágua e cachoeiras. Outra característica marcante na área é a inúmera quantidade de nascentes que alimentam duas bacias de vital importância em Minas Gerais: a bacia do rio das Velhas e a do rio Doce. A bacia do Rio das Velhas recebe as águas do Ribeirão da Prata. Já a sub-bacia do Rio São João do Socorro e Rio Conceição são afluentes da bacia do Rio Piracicaba, inserida na bacia do Rio Doce.
Nas porções mais elevadas da Serra há diversas lagoas que se situam em torno dos 980 aos 1.150m de altitude, algumas inclusive com vista para o Maciço do Caraça. Além das formações geológicas e aquáticas, a Serra do Gandarela se destaca por apresentar diferentes formações vegetais em bom estado de conservação. Uma parte da área é coberta por uma vegetação campestre muito diversificada (campo limpo, campo sujo e campo rupestre) e a maior parte correspondente à Mata Atlântica.
Nas porções mais elevadas do relevo ocorrem os campos rupestres e as chamadas canga e itabiritos, tipos específicos de cobertura vegetal, os quais estão diretamente associados à presença de formações ferríferas, com alta concentração de minério de ferro (LAMOUNIER et. al. 2008).
Quanto a intervenções humanas, são observadas na Serra atividades de mineração de pequeno e médio porte, plantio de eucalipto, pastagem, pequena apicultura e agricultura, praticadas por moradores de povoados de seu entorno. Porém, segundo estudos realizados em 2008 por Lamounier, o que mais marca a área não são as atividades agrossilvipastoris e minerárias e sim seu alto grau de conservação, representado pela abundante cobertura vegetal natural. Como mencionado acima, boa parte da Serra do Gandarela está abrangida pela APA Sul. No entanto, esta não tem garantido efetivamente a proteção ambiental.
Mesmo com problemas de gestão e efetividade nas Unidades de Conservação do entorno da Serra do Gandarela, a região apresenta um elevado grau de conservação e se configura como importante área de nascentes. Assim, os ambientalistas e estudiosos da região entendem que é importante não deixar que essas UC se tornem fragmentos isolados, o que poderia comprometer sua biodiversidade e seu potencial hídrico.
A formação de corredores ecológicos tem sido defendida como a solução mais adequada para o que ainda resta de biodiversidade. No caso da Serra do Gandarela, foi proposta a criação de um Parque Nacional e uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável; no entanto, somente o Parque veio a ser criado, e ainda assim com seus limites diminuídos da proposta original, como veremos adiante.
O Relatório de Impacto Ambiental para o Projeto Apolo, da mineradora Vale, a ser instalado na Serra do Gandarela, prevê que o empreendimento irá abranger áreas dos municípios de Caeté, Santa Bárbara, Rio Acima e Raposos, a cerca de 40 km de Belo Horizonte, abrangendo uma área projetada de 1.700 ha aproximadamente. É estimada uma produção de 24 milhões de toneladas de minério de ferro/ano ao longo de 17 anos de vida útil da mina. Para a Vale, a importância desta mina se dá em virtude de substituir a produção de outras minas em fase final de operação (Gongo Soco, localizada em Barão dos Cocais; Cauê, localizada em Itabira; e Córrego do Meio, localizada em Sabará).
De acordo com o RIMA, publicado em 2009 (analisado aqui a partir de Marrent e colaboradores, 2011), o projeto seria realizado em quatro etapas: planejamento, implantação, operação e fechamento. Conforme resumido por Marrent e colaboradores (2011), a fase de planejamento consiste basicamente de estudos técnicos, econômicos e ambientais (fase atual). A fase de implantação consiste nas obras de infraestrutura e de proteção e controle ambiental, com uração prevista de 33 meses. A fase de operação compreende o início das atividades de extração do minério de ferro. E a fase de desativação, que ocorre após a exaustão da mina, compreende as ações de recuperação das áreas degradadas pelo projeto.
Segundo o Movimento Águas do Gandarela, a percepção dos moradores do entorno da Serra sobre o projeto de mineração Apolo, e também dos pesquisadores aqui mencionados, é de que este vai alterar em muito a dinâmica do meio físico e socioeconômico dos municípios afetados pela Mina, caso seja instalado.
Diante dos riscos socioambientais associados às atividades produtivas na região, diversas associações civis locais e estaduais, órgãos governamentais e universidades (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, Sociedade Amigos do Tabuleiro, Instituto Estadual de Florestas, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis, Fundação Estadual de Meio Ambiente, Instituto Mineiro de Gestão das Águas, Fundação Biodiversitas, Instituto Arapoty, Associação Civil Caminhos da Serra, Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro, Associação Civil PROTE-Rio, Universidade Federal de Minas Gerais e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) realizaram um esforço conjunto para elaborar a proposta de criação da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, a qual foi aprovada em junho de 2005 pela UNESCO/Programa o Homem e a Biosfera.
A Serra do Gandarela foi incluída nos limites da Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço, o que já colocou a região numa situação favorável para políticas públicas efetivas de proteção ambiental, como, por exemplo, a criação de Unidade de Conservação.
Porém, apesar desta tentativa da sociedade civil e de setores do Estado em proteger os ecossistemas da região, desde o final de 2006 notícias sobre um novo empreendimento minerário na Serra do Gandarela começaram a circular e, a partir de 2007, a mineradora Vale passa a incluir em seus estudos a possibilidade da instalação de uma mina na área da referida serra, mas ainda sem um projeto definido. Neste mesmo ano, foi realizado um levantamento do patrimônio natural da Serra do Gandarela por Lamounier, que veio a ser publicado em 2009. A partir da análise ambiental da região, o pesquisador reúne subsídio para a criação de uma unidade de conservação (no caso, um Parque Nacional) para área.
Em 2008, AMDA (Associação Mineira de Defesa do Ambiente) e o IEF (Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais) lançaram o documento Identificação de áreas prioritárias para implantação de Áreas Protegidas e Corredores Ecológicos do setor Sul da RMBH (citado na página eletrônica do Movimento pela Preservação da Serra da Gandarela). Este documento identificou a Serra do Gandarela como uma área em bom estado de conservação, com indicação prioritária para que houvesse a criação de Unidades de Conservação e Corredores Ecológicos na região.
De acordo com trabalho publicado por Hauber & Soares (2009) e analisado por Lamounier e outros (2011), a Vale tentou em 2008 fazer o licenciamento ambiental da mina Apolo de forma fragmentada, como se o empreendimento fosse de tipo Classe 1, numa escala de potencial de poluição e degradação ambiental, o que traria muito menos exigência para a mineradora no processo, eximindo-a da realização de estudos de impacto ambiental e da realização de consultas públicas.
Pressões sociais e institucionais da gestão da APA Sul e do Ministério Público foram feitas e o empreendimento foi classificado como Classe 6, demandando assim o licenciamento ambiental completo, com a realização de audiência públicas, Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Enquanto correram as etapas do licenciamento, os movimentos e atores pró-preservação da Serra do Gandarela articularam iniciativas para demandar ao poder público a criação de um Parque Nacional na área.
Assim, em 2009, moradores e ativistas ambientais dos municípios de Caeté, Raposos, Santa Bárbara, Rio Acima e Belo Horizonte fundaram o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela, com o objetivo de evitar a instalação da mina Apolo e, ao mesmo tempo, proteger os recursos naturais por meio da criação do Parque Nacional.
Após articulações entre o então fundado Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a Secretaria de Meio Ambiente estadual (Semad), foi sendo construída uma proposta de criação para um Parque Nacional da Serra do Gandarela. Como forma de apoio à movimentação pela criação do Parque, em outubro de 2009 mais de 25 entidades, incluindo-se o Projeto Manuelzão/UFMG (projeto de extensão da UFMG que busca a revitalização da bacia do rio das Velhas, o maior afluente do rio São Francisco, englobando parcerias com 51 municípios e com o governo de Minas) enviaram ofício ao ICMBio, solicitando a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.
Neste mesmo ano, foi finalizado e publicado o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) como parte do processo de licenciamento do empreendimento da Mina Apolo. Ao menos um dos municípios afetados pelo empreendimento, Rio Acima, emite carta de conformidade para o projeto Apolo da Vale.
Em setembro de 2010, o ICMBio lança oficialmente uma proposta de Criação do Parque abrangendo os municípios de Caeté, Santa Bárbara, Rio Acima, Raposos, Nova Lima, Barão de Cocais, Itabirito e Ouro Preto. Com uma área total de 38.210 hectares, a proposta apreciada tecnicamente pelo ICMBio atestava ser incompatível o Projeto Apolo com o Parque proposto. Nesta proposta, o Parque englobaria uma grande parte dos mananciais de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte, protegendo a maior área de cangas ferruginosas da região central de MG, sendo assim o a primeira Unidade de Conservação Integral a proteger este tipo de geossistema. Além disso, a proposta protegeria a segunda maior área contínua de Mata Atlântica de Minas Gerais.
Segundo o ICMBio, a proposta apresentada pelo estudo passou a ser discutida em várias instâncias, tendo ocorrido reuniões com o Governo Estadual, com todas as Prefeituras envolvidas, com empresas e representantes da população local, buscando o aprimoramento da proposta.
Assim, ao final de 2011 foi instituído pelo Governo do Estado um Grupo de Trabalho (GT) que buscou viabilizar a proposta original do PARNA, contudo, sem inviabilizar empreendimentos de mineração projetados para a região, que já estavam em licenciamento. Dessas negociações resultou uma proposta que conciliou a criação do Parque Nacional com quase todos os empreendimentos de mineração que estavam em licenciamento quando a proposta do Parque ficou pronta: Mundo Minerals (Rio Acima), Ferro Puro (Santa Bárbara), MSOL (Itabirito) e Pedreira Um (Santa Bárbara).
Nesta nova proposta, 1.700 hectares seriam subtraídos do desenho da primeira proposta para o PARNA, a fim de viabilizar a mina Apolo. Ainda assim, o pleito da Vale seria de uma área ainda maior, com 5.300 hectares, já prevendo uma futura expansão das instalações do empreendimento. Apesar do Movimento pela Preservação da Serra da Gandarela ter se posicionado contra esta alteração, a proposta seguiu adiante.
Durante este processo de discussão sobre a criação do Parque Nacional, moradores das comunidades rurais de Santa Bárbara e Barão de Cocais tiveram receios quanto a esta categoria de Unidade de Conservação, pois praticavam algumas atividades agrícolas e extrativistas na área (pequena agricultura, cultivo de eucalipto, apicultura, exploração da Candeia, entre outras), o que não seria permitido dentro de um Parque.
Diante disso, foram realizadas algumas reuniões entre os técnicos do ICMBio e a população, com o intuito de entender as preocupações, dúvidas e necessidades dos moradores. Assim, no início de 2012 foi surgindo a ideia da criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável que englobasse as áreas cultivadas e exploradas tadicionalmente pelas comunidades rurais do entorno da Serra do Gandarela, sobretudo as comunidades André do Mato Dentro e Cruz do Peixoto, em Santa Bárbara, e comunidade Socorro, em Barão dos Cocais.
A então idealizada Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Nascentes do Rio São João seria contígua ao Parque Nacional (Parna) da Serra da Gandarela, em sua porção norte. Outras comunidades do entorno do futuro Parque também passaram a se mobilizar em favor da criação de RDS, como Galego, Conceição do Rio Acima, Vigário da Vara e São Gonçalo do Rio Acima.
Até se chegar a esta proposta de Parque Nacional e RDS, foram realizadas pelo ICMBio seis consultas públicas em maio de 2012, nos municípios de Belo Horizonte, Rio Acima, Raposos, Caeté, Ouro Preto e Santa Bárbara, tendo participado ao todo 1.975 pessoas. Esta proposta de criação de duas Unidades de Conservação foi contrária aos interesses da Vale pois, nos limites propostos a partir das reuniões entre ICMBio e comunidades, uma outra reserva de minério objeto de futuras intenções da Vale estaria localizada dentro da RDS reivindicada.
Como forma de fortalecer a pressão política pela aprovação do PARNA e da RDS, o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela fez uma campanha em seu site estimulando os interessados a enviarem cartas à Presidência da República, reivindicando a criação das áreas para a efetiva proteção ambiental da região.
Na proposta finalmente submetida ao MMA, segundo explicou o então presidente do ICMBio ao jornal Diário do Comércio, no início de 2013, o Parque Nacional da Serra do Gandarela seria criado com uma área de 26,6 mil hectares, reajustando assim a primeira proposta, que era de 38 mil hectares. Dos 38 mil hectares da proposta original, cerca de 9 mil foram recategorizados como RDS e o restante foi a parte subtraída para conciliar a proposta com os interesses das mineradoras.
Segundo o jornal O Gandarela, número 4, passaram-se alguns meses sem que a Vale tivesse se pronunciado sobre a proposta de criação de PARNA e RDS nas Consultas Públicas realizadas pelo ICMBio. Por outro lado, solicitou Licença de Operação de Pesquisa Mineral (LOP) para fazer 227 praças de sondagem geotécnica (5×5 metros/cada) e 26,20 km de acessos complementares (4 e 6 metros de largura) para a infraestrutura da Mina Apolo, desconsiderando assim o processo já existente de criação de Unidades de Conservação na área.
Entre o final de 2013 e o início de 2014, o Movimento pela Preservação das Águas do Gandarela reuniu-se com Ministério Público Estadual (MPE-MG) e Ministério Público Federal (MPF) e participou de Audiências Públicas na Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa da Minas Gerais (CDH/ALMG), solicitando apoio junto ao Ministério do Meio Ambiente (MMA) para que a proposta de criação de Parque e RDS fosse efetivada, a despeito das pressões contrárias da Vale. Além disso, o Movimento enviou diversos ofícios ao MMA e à Presidência da República defendendo a criação das duas áreas.
Em fevereiro de 2014, revendo sua posição anterior, compreendendo que os impactos negativos trazidos pela instalação da Mina Apolo seriam muito maiores que os benefícios econômicos à região, a prefeitura de Rio Acima revogou a Carta de Conformidade que havia emitido em 2009 para a Vale, uma anuência obrigatória para que o empreendimento seja licenciado. Ao mesmo tempo, a prefeitura deu início a um processo de tombamento de seu patrimônio histórico e natural, como forma de fazer frente contra a instalação da mina.
Em maio de 2014 foi criada uma petição online no site Avaaz (comunidade virtual de mobilização coletiva), intitulada Presidente Dilma: salve a Serra do Gandarela, na qual é argumentado a favor da criação do Parque Nacional e da Reserva de Desenvolvimento Sustentável na Serra Gandarela, sem concessões a mais para a mineração, sob risco de graves problemas de abastecimento de água para os municípios do entorno e da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Apesar das pressões exercidas pelos movimentos sociais e dos órgãos ambientais, o Parque Nacional da Serra do Gandarela foi decretado em outubro de 2014, com uma área de 31,2 mil hectares, e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável não foi criada. Logo em seguida, o Movimento Gandarela e outras entidades publicam a carta Parque Nacional Criado não protege a Serra e as Águas da Gandarela, contestando os limites do Parque Nacional criado pelo governo federal.
No texto, assinado pelo Comitê Mineiro em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, pede-se a correção dos limites do parque para que haja a proteção real dos aquíferos e da maior parte da serra, retirada da proposta inicial, além da criação da chamada Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) – uma área destinada aos moradores da região para exploração de recursos da natureza dentro da lógica de consumo de subsistência.
Ainda, a carta critica o fato de que as partes removidas pelo governo da proposta de PARNA e RDS coincidem com minas de interesse das empresas Vale e Ferro Puro Mineração, especialmente na parte norte da Serra da Gandarela, conhecida como Serra do Piacó. Ainda segundo o documento, o MMA não respeitou todo o processo de discussão com a sociedade civil realizado acerca dos limites das áreas, negociando paralelamente com a Vale, sem a participação dos movimentos sociais nestas negociações.
Desde então, o movimento continua questionando o empreendimento da Vale na Serra do Gandarela e somando esforços com outros movimentos de resistência a empreendimentos mineradores de alto impacto em outros locais do Brasil, através do compartilhamento de denúncias e reportagens sobre outros casos de conflitos socioambientais e de contínua propaganda e mobilização pela revisão do decreto de criação do Parque, de modo que seja respeitada a proposta submetida pelo ICMbio ao MMA. Pois, caso o Projeto Apolo continue seu processo de implantação e venha de fato a ser executado, uma série de injustiças ambientais e impactos negativos sobre a saúde da população da área poderão ocorrer, segundo apontamentos e estudos divulgados pela página eletrônica do Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela.
Por exemplo: moradores dos distritos e povoados do entorno da Serra preocupam-se com o destino da região e de suas próprias vidas, pois entendem que a água que abastece suas casas seria prejudicada com a instalação da mina. Além de prejuízos na oferta de água, outros impactos, tanto ambientais quanto sociais, são temidos.
No período de preparação e construção da infraestrutura para a mina deverá ocorrer a chegada de um grande contingente de trabalhadores, em comparação com as pequenas populações das localidades do entorno. Tem-se a previsão de que, na fase de implantação da mina, haverá na região um pico de 4.100 trabalhadores, chegando ao final do 33° mês com menos de 200 (RIMA, 2009), o que deve gerar efeitos negativos sobre a infraestrutura urbana, o preço dos serviços e aluguel de imóveis, entre outros.
Segundo projeções do próprio RIMA e do estudo realizado por Marrent e colaboradores (2011), o distrito de Morro Vermelho (Caeté) e os povoados de André do Mato Dentro e Cruz dos Peixotos (Santa Bárbara) serão os mais afetados pelo empreendimento, em virtude de sua proximidade com a mina e por serem os menos estruturados (RIMA, 2009). Mesmo que metade do contingente da mão-de-obra (2.000) fique sediada em alojamentos do projeto, nada impede que ela se desloque para as sedes municipais, nem que a outra metade, que deverá ficar alojada nos centros urbanos, venha a impactar o nível socioeconômico destes municípios.
Como o próprio RIMA (2009) aponta, deve-se considerar o fluxo migratório para as cidades sob influência do empreendimento (Mina Apolo), as pressões associadas a ocupações irregulares, serviços de saúde, educação e saneamento. Além disso, pode haver alterações nos padrões de segurança, preço dos serviços, alugueis e na cultura local. Estas trasformações podem se traduzir em perda da qualidade de vida para as populações e vir a se tornar um ônus para o poder público.
Uma questão de relevância com relação à instalação da mina na área da Serra do Gandarela é a existência de um grande número de cavidades, ou cavernas, exatamente na área onde será aberta a mina. Para se determinar os limites da cava e das estruturas da mina, deve-se levar em consideração a presença de cavidades naturais classificadas como de relevância alta. É importante preservar a distância entre a mina e estas cavidades pois, na exploração do minério de ferro, são geradas vibrações pela detonação de explosivos.
No RIMA, foram levantadas 74 cavernas na área de cava, sendo 44 já estudadas e 30 em fase de estudos. Em termos de dimensões, não ultrapassam normalmente os 100 m, são cavernas pouco profundas, o que favorece o colapso do teto. Segundo a avaliação do ICMBio feita em 2010 (citada por Marrent e outros, 2011), das 74 cavidades já catalogadas, pelos menos quatro possuem características para serem classificadas como de relevância máxima. E existem diversas outras cavidades que ainda não foram classificadas.
Nos estudos da Vale, somente três foram classificadas como de alta importância. A grande diferença entre as duas avaliações é que a classificação do RIMA (relevância alta) permite que a cavidades sofram impactos e a do ICMBio (relevância máxima) assegura sua preservação. Em caso de colapso do teto das cavidades por conta das atividades na mina, poderão ser destruídas feições raras do relevo que levaram milhões de anos para se formar. Além disso, tais cavidades são locais onde se desenvolve fauna e flora muito específica. Os locais onde se desenvolvem as cavidades são justamente onde se encontram as formações ferríferas, nos pontos mais elevados da paisagem. Por outro lado, é também o ambiente de ocorrência dos campos rupestres sobre a canga, paisagem de difícil mensuração do seu valor econômico.
Além das cavidades, foi identificada, exatamente na área onde será aberta a mina, uma paleotoca, que é uma toca de animais extintos, como os tatus gigantes, que viveram na América do Sul por milhões de anos, até́ cerca de 10 mil anos atrás. Segundo o Jornal o Gandarela, número 4: a descoberta da paleotoca na Serra do Gandarela, junto com novos estudos que revelam a importância das cavidades ferruginosas para a preservação de espécies zoológicas muito raras, algumas das quais sequer descritas pela ciência, amplia mais ainda a importância da criação do Parque Nacional e da RDS. Sítios raros como este, de relevante valor científico, precisam ser estudados por paleontólogos, biólogos e pesquisadores interessados em desvendar as nossas origens, assim como das espécies que nos precederam.
Outro ponto sensível é a da salvaguarda dos recursos hídricos. Segundo o RIMA (2009), com a mina, haverá uma redução da disponibilidade hídrica na Serra do Gandarela, na qual a grande maioria dos cursos dágua em geral apresenta parâmetros acima dos limites legais. De acordo com levantamento por sensoriamento remoto feito pelo ICMBio em 2010, foram indicadas mais de mil nascentes dentro da área original proposta para o Parque.
Os principais cursos fluviais da Serra do Gandarela são enquadrados na Classe Especial e Classe 1, conforme a resolução CONAMA 357/2005. De acordo com as análises feitas por Lamounier, os cursos fluviais com Classe Especial podem ser destinados ao abastecimento para o consumo humano, com desinfecção; a preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas; e a preservação dos ambientes aquáticos em unidades de conservação de proteção integral.
De acordo com o então presidente do ICMBio, em entrevista ao Diário do Comércio, uma das preocupações com as instalações da Vale seria com o risco de impacto sobre o ribeirão da Prata, que fica muito próximo à área onde seriam construídas as barragens de rejeito e uma futura ampliação da cava.
Além dos impactos sobre a infraestrutura e qualidade de vida dos moradores e sobre a água, a rica diversidade de flora e de fauna presentes da área também poderá ser impactada. O RIMA identificou na área onde a mina será instalada a ocorrência de algumas espécies em ameaça de extinção, tais como: Phanaeus dejeani, uma espécie de inseto; as espécies de anfíbios Ischnocema izecksohni e Scinax curicica; 15 espécies de aves como o gavião-pombo, gavião-de-penacho, gavião-pega-macaco, entre outros; 12 espécies de mamíferos como a onça parda, jaguatirica, lontra, anta, lobo-guará, entre outros. Além disso, foram identificadas espécies endêmicas de aves na região como beija-flor-de-gravata-verde, tapaculo, rabo-mole-da-serra, pinto-do-mato, dentre outras.
Cronologia
Junho de 2005 A Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço é criada pela UNESCO/Programa o Homem e a Biosfera. A Serra do Gandarela faz parte da Reserva.
2008 A Associação Mineira de Defesa do Ambiente e o Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais lançam o documento Identificação de áreas prioritárias para implantação de Áreas Protegidas e Corredores Ecológicos do setor Sul da RMBH, onde a Serra do Gandarela é classificada como prioritária para criação de unidades de conservação.
2009 Moradores dos municípios de Caeté, Raposos, Santa Bárbara, Rio Acima e Belo Horizonte fundam o Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela.
2009 Vale publica o RIMA do Projeto Apolo.
Outubro de 2009 O Projeto Manuelzão/UFMG e mais 25 entidades enviam ofício ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) solicitando estudos para criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.
Setembro de 2010 – ICMBio lança a primeira proposta de criação do Parque abrangendo os municípios de Caeté, Santa Bárbara, Rio Acima, Raposos, Nova Lima, Barão de Cocais, Itabirito e Ouro Preto. Com uma área total de 38.210 hectares, a proposta é incompatível com a área pleiteada pela Vale para o Projeto Apolo.
2011 Instituído pelo Governo do Estado um Grupo de Trabalho (GT) que busca adaptar a proposta original do Parque sem inviabilizar empreendimentos mineradores projetados para a região, já em licenciamento. Dessas negociações resulta proposta que concilia a criação do Parque Nacional com quase todos os empreendimentos de mineração em licenciamento.
Maio de 2012 A partir de demandas dos moradores do entorno da Serra, o ICMBio promove seis consultas públicas a partir das quais é construída uma proposta de criação de Reserva de Desenvolvimento Sustentável que englobe as áreas cultivadas e exploradas tradicionalmente pelas comunidades rurais do entorno. A RDS proposta teria seus limites contíguos aos do Parque.
Fevereiro de 2014 – A Prefeitura de Rio Acima revoga a carta de anuência anteriormente concedida à Vale a respeito do Projeto Apolo, compreendendo que os impactos seriam muito maiores que os benefícios econômicos à região. Ao mesmo tempo, a prefeitura inicia processo de tombamento do patrimônio natural da área.
Outubro de 2014 O parque Nacional da Serra do Gandarela é decretado pela Presidência da República, porém com uma área menor que a da proposta submetida, garantindo assim a viabilidade do Projeto Apolo. A RDS não é criada.
2014/2015 O Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela envia cartas à Presidência da República contestando a não criação da RDS e defendendo o tamanho original proposto para o Parque Nacional, em prol da preservação da área.
Fontes
CARTA Parque Nacional criado não protege a Serra e as águas da Gandarela. Disponível em: http://goo.gl/Re000T. Acessado em 24 de maio de 2015.
DIÁRIO DO COMÉRCIO. Definida área de preservação na Serra do Gandarela. Disponível em: http://goo.gl/dfLGed. Acessado em 20 de maio de 2015.
JORNAL HOJE EM DIA. Rio Acima tomba Serra do Gandarela e barra Projeto Apolo. Disponível em: http://goo.gl/UEG3nr. Acesso em 07 de maio de 2015.
JORNAL O GANDARELA. Disponível em: http://www.aguasdogandarela.org. Acesso em 07 de maio de 2015.
LAMOUNIER, W. M. Patrimônio natural da Serra do Gandarela e seu entorno: análise ambiental como subsídio para a criação de unidades de conservação no Quadrilátero Ferrífero Minas Gerais. Dissertação (UFMG), 148 p. 2009.
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