ES – Pescadores artesanais lutam pela sobrevivência e contra a Petrobras
UF: ES
Município Atingido: São Mateus (ES)
Outros Municípios: Conceição da Barra (ES), Linhares (ES), São Mateus (ES)
População: Caiçaras, Pescadores artesanais
Atividades Geradoras do Conflito: Petróleo e gás – transporte
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição de recurso hídrico
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida
Síntese
Depois do início da atividade petrolífera em São Mateus, norte do estado do Espírito Santo, realizada pela Petrobras Transporte S/A (Transpetro), subsidiária da Petrobras, a população urbana do município aumentou em 600%, passando de 10.680 – segundo censo IBGE, de 1970 – para 77.112 pessoas, em 2006 (Nardoto, Eliezer). Entre Conceição da Barra e São Matheus existem 11 comunidades cuja principal atividade é a pesca artesanal. Desde 2005, a partir do período de início das atividades no Terminal Norte Capixaba (TNC), a captura de pescado nessas comunidades se reduziu em 30%, segundo o Macrodiagnóstico da pesca de 2005.
O acirramento do conflito entre Petrobras e comunidades pesqueiras do município de São Mateus se deu quando moradores das comunidades e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) organizaram uma manifestação com uma semana de duração que fechou as principais vias de acesso aos terminais e interditaram as entradas das sedes. A ação se opunha principalmente à escassez das terras à beira-mar, impactos socioambientais criados pela exploração comercial de petróleo que têm alterado tanto a reprodução dos recursos naturais estuarinos como sua forma tradicional de uso. Com essa ação, vários pontos de extração e todos os pontos de armazenamento e embarque de petróleo no norte do estado foram paralisados.
O Terminal Norte Capixaba foi instalado, em 2005, na área em que se localizava a Estação Biológica de Barra Nova, extinta pela Prefeitura de São Mateus em 18 dias, sem discussão prévia ou participação popular. Somente em abril de 2010, cinco anos depois da emissão da licença de operação, é que a Transpetro elaborou um “Estudo Técnico”, com o objetivo de delimitar e definir a futura unidade de conservação ambiental a ser implementada no distrito de Barra Nova. E, mesmo sem o cumprimento integral da condicionante imposta em 2005, a licença foi novamente renovada pelo Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema).
Este estudo aconteceu após o primeiro de uma série de quatro vazamentos de petróleo bruto, em abril de 2009, no momento do abastecimento de um navio, que contaminou a água e a areia da Praia de Barra Nova, localizada em frente ao Terminal Norte Capixaba (Ciarelli e Dantas, 2013). Sete meses depois, em novembro de 2009, um novo acidente resultou num vazamento de aproximadamente dois mil litros de petróleo, a quatro quilômetros da costa. Técnicos do Iema destacaram que a empresa nem sequer tinha licença para a operação de descarregamento de petróleo. A Transpetro foi multada em R$ 6,2 milhões (Ministério Público Federal, 2012).
Uma das principais reivindicações dos manifestantes que ocuparam as instalações da Transpetro e suas principais vias de acesso era o estabelecimento de canais de diálogo com a empresa para que pudessem discutir os danos causados pela atividade na região e a melhor maneira de lidar com eles. Em 17 de dezembro de 2009, pescadores de São Mateus reuniram-se com o prefeito e representantes da empresa em Vitória.
Os riscos de vazamento são intrínsecos a essa indústria, principalmente, pela utilização de hidrocarbonetos inflamáveis e em boa parte voláteis; além disso, são utilizados insumos químicos tóxicos, explosivos, materiais radiativos, e os equipamentos e reservatórios trabalham sob pressões altas e condições mecânicas não usuais. Os rompimentos, vazamentos e derramamentos são frequentes e pouco controláveis (Fo, 2010). Desde 2009, foram quatro vazamentos sem que fosse tomada, por parte da Transpetro, qualquer ação preventiva mais incisiva. Além disso, não existem canais de diálogo com a comunidade, nem explicações acerca das condições dos danos ambiental e social ao qual estão submetidos.
Contexto Ampliado
Desde 1860, se tem notícia de exploração de petróleo no Brasil, com jazidas descobertas no estado de São Paulo. Até 1880, o mineral era destinado quase que completamente à iluminação pública.
Durante o segundo mandato de Getúlio Vargas, em 1953, foi criada a Petrobras. A partir de então, mudou o modo de exploração e principalmente cresceu o volume de investimento do governo federal, com participação dos municípios. O campo de petróleo de São Mateus foi descoberto em 1969 (Oilwatch, 2012).
A lei 2004 de 1953 determinou como sendo monopólio da União: a pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo (e outros hidrocarbonetos fluídos e gases raros) existentes nas jazidas brasileiras. Esta lei já previa uma compensação aos chamados municípios produtores. A lei estabeleceu uma política nacional petrolífera, impondo à empresa detentora do monopólio a Petrobras – o dever de pagar indenização de 5% sobre o valor do produto explorado aos Estados, territórios e municípios produtores.
A história da exploração de petróleo pela Petrobras no Espírito Santo começou em 1957, com a chegada da primeira equipe gravimétrica ao estado (Secretaria Estadual de Desenvolvimento ES). Dois anos depois, em 1959, teve início a perfuração do primeiro poço, em Conceição da Barra. Depois de algumas perfurações mal sucedidas, em 1969 foi encontrado o primeiro poço com viabilidade econômica no estado. Em São Mateus, foi perfurado, em 1968, o primeiro poço em plataforma continental do Brasil. Apesar de não ter sido encontrado petróleo na ocasião, essa experiência teve grande valor científico para a Petrobras (Silveira, 2009).
A década de 1980 foi marcada pela descoberta de vários campos terrestres no norte capixaba, o que proporcionou um crescimento da produção. Em 1984, eram produzidos 25 mil barris/dia (Secretaria Estadual de Desenvolvimento ES). Contudo, entre a segunda metade da década de 1980 e o ano de 1998, houve um processo de declínio da produção e pouco sucesso na unidade de exploração de petróleo no Espírito Santo (Silveira, 2009).
Desde 2008, a Petrobras vinha produzindo em caráter experimental no campo de Jubarte, no Espírito Santo, onde se encontra o segundo maior polo do Pré-sal brasileiro em reservas. Em 2010, a empresa fez um anúncio oficial sobre o início da exploração da camada Pré-sal do Espírito Santo em escala comercial nacional e internacional. O primeiro campo (Secretaria de Desenvolvimento) foi o de Cachalote ligado à FPSO (sigla em inglês que significa plataforma que produz, processa, armazena e escoa petróleo) Capixaba (Guaracy, 2013).
Atualmente, o Estado do Espírito Santo é o segundo maior produtor de petróleo do Brasil e deverá alcançar, até o final de 2015, segundo a Secretaria de Desenvolvimento do Estado, uma produção de cerca de 500 mil barris por dia. No contexto da cadeia produtiva de petróleo e gás, sob controle da Petrobras, as áreas do pré-sal exploradas no Espírito Santo apresentam elevado potencial com lâminas d'água que variam de 1.300 a 2.000 metros de profundidade (Secretaria de Desenvolvimento do Espírito Santo). O pré-sal é uma área de 800 quilômetros entre os Estados do Espírito Santo e Santa Catarina, localizada abaixo do leito do mar, a uma profundidade de 7.000 metros. Essa área engloba três bacias sedimentares: Espírito Santo, Campos (RJ) e Santos (SP) (Biologia na rede).
Segundo Guaracy (2013): Depois da descoberta de imensas reservas de petróleo em camadas pré-sal, a Lei n. 12.351/10 põe fim à discussão sobre o regime exploratório, estabelecendo um novo marco regulatório para a exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos nas áreas do Pré-sal, baseado na partilha da produção. Em relação às participações governamentais, a nova legislação suprimiu o pagamento pela ocupação de áreas para a implantação de estrutura para a exploração de petróleo e gás e manteve o regime de royalties.
No artigo Cercamento do litoral pelo capital petrolífero: sinais das derrotas dos pescadores e marisqueiros, o pesquisador Oswaldo Sevá Filho explicava os impactos ambientais que a atividade provoca. A perfuração põe em cena os navios-sonda, que perfuram o solo utilizando como lubrificante uma lama de argila com aditivos químicos, e jogando ao mar quase todo o cascalho retirado.
Caso sejam considerados aptos, os poços são completados com tubos metálicos e cimento; nessas etapas, sobem bolhas de gás ou grandes erupções de gás que golpeiam as linhas de tubos e às vezes as próprias embarcações, podendo romper os dutos no meio do caminho, ou chegar até o convés, provocando vazamentos e incêndios. A parte final de cada poço, a mais funda, deve ser objeto de pequenas demolições, feitas por meio de tiros de canhão para abrir espaços ocos nas rochas e forçar o fluxo do óleo (SEVÁ, 2010, pp. 5).
A indústria de exploração de petróleo não é por si geradora intensiva de empregos e precisa ser acompanhada de incentivo à utilização de recursos locais para que comece a haver algum tipo de distribuição de riquezas gerada pela atividade (Machado, 2003). As expectativas meramente financeiras – aumento na arrecadação de impostos, royalties, receita de concessões e venda de ativos – não consideram a sustentabilidade das localidades diretamente atingidas pelas instalações. O setor que explora a cadeia produtiva de petróleo e gás tem ainda como característica a elevada especialização e concentração de competências das empresas e profissionais envolvidos (Tamure, Bissoli, Miranda, 2003).
Atualmente, a atividade da Petrobras em São Mateus está localizada no Terminal Norte Capixaba (TNC). O TNC possui uma boia localizada a 3.600 metros da praia de Barra Nova e em terra, na mesma praia, possui um parque de tanques de armazenamento de petróleo. Além de armazenar, o objetivo do TNC é distribuir o petróleo extraído da bacia de Campos e do Espírito Santo, administrado pela Transpetro, empresa subsidiária da Petrobras que realiza o transporte de petróleo e seus derivados, gás natural e álcool, utilizando oleodutos, gasodutos e navios.
Para a concessão das licenças prévia e de instalação do TNC Terminal Norte Capixaba, em 2002, a Petrobras foi incumbida de elaborar um estudo técnico para subsidiar a criação pelo município de São Mateus de uma nova unidade de conservação. O TNC foi implantado com o objetivo de receber petróleo extraído em terra por oleoduto, armazená-lo e enviá-lo por meio de monoboias para navios. A capacidade de armazenamento é de 75.000 m³ e, a produtividade de carregamento esperada, de 2.000 m³/h (Plano Estratégico de Logística e de Transportes do Espírito Santo, 2009). Até hoje, a condicionante ambiental imposta para obtenção da licença de produção e operação do TNC a Unidade de Conservação de Barra Nova – não foi criada.
O Terminal Norte Capixaba foi instalado, em 2005, na área da Estação Biológica de Barra Nova, extinta pela Prefeitura de São Mateus em 18 dias, sem discussão prévia ou participação popular. Uma vez criado o terminal, a Petrobras deveria elaborar o plano de manejo. O prazo para o atendimento dessa condicionante era de 180 dias (Movimento dos Pequenos Agricultores).
Mesmo sem o cumprimento da condicionante ambiental, o Iema Instituto Estadual do Meio Ambiente – expediu licença de operação em favor da Transpetro, subsidiária da Petrobras, com condicionante que repetia exatamente a mesma obrigação imposta na época da concessão das licenças de produção e operação: atuar em conjunto com o município para criarem nova unidade de conservação.
Os riscos de vazamento são intrínsecos a essa indústria, principalmente pela utilização de hidrocarbonetos que são inflamáveis e em boa parte voláteis; além disso, são utilizados insumos químicos tóxicos, explosivos, materiais radiativos, e os equipamentos e reservatórios trabalham sob pressões altas e condições mecânicas não usuais. Os rompimentos, vazamentos e derramamentos são frequentes e pouco controláveis (SEVÁ, 2010). Desde 2009, foram quatro vaamentos sem que fosse tomada, por parte da Transpetro, qualquer ação preventiva mais incisiva. Além disso, não existem canais de diálogo com a comunidade, nem explicações acerca das condições dos danos ambiental e social ao qual estão submetidos (Tamure, Bissoli, Miranda, 2003).
Entre Conceição da Barra e São Matheus existem 11 comunidades cuja principal atividade é a pesca. Com relação à produção das comunidades pesqueiras, a APESAM – Associação de Pescadores de São Mateus – formada por cerca de 40 associados – é responsável por organizar e fazer articulações para dinamizar sua atividade. Trabalham em regime de cooperação com 164 tanques-rede no cultivo de peixes de água doce e estuarinos, mais especificamente tilápias, no rio São Mateus. Sua sede está localizada na região de São Mateus conhecida como Pedra DÁgua. Utilizam também barcos motorizados e barcos a remo para pegar robalo no rio Cricaré. Tais barcos são utilizados tanto na captura do robalo quanto de camarão da Malásia, tainha, cangoá, pitu, carapeba, judeu, crumatã, bagre africano, tilápia, tucunaré e pacumã.
A Associação tem parceria com o Sebrae do estado em ações para fortalecer o associativismo comunitário e constituir fontes alternativas de renda no âmbito da atividade pesqueira. Tem uma atuação intensa, lutando contra a falta de apoio de entidades de crédito, cursos de capacitação, local adequado para manipulação e comércio do pescado na localidade, fábrica de gelo e uma unidade de beneficiamento, todos problemas enfrentados pela comunidade (Colônia de pescadores Z-13, 2013).
A APESAM tem uma atuação voltada para a organização da pesca no município e da administração de projetos e financiamentos recebidos para a dinamização da produção artesanal. No entanto, com o apoio do Movimento dos Pequenos Agricultores, que tem uma atuação nacional, os pescadores lograram realizar uma ação que forçou o diálogo com a Petrobras, que ouviu as reivindicações dos moradores. As decisões do Ministério Público estadual em cobrar multas e suspender a licença de operação do TNC também foram importantes vitórias recentes que favoreceram o bem estar dos moradores.
As comunidades de pescadores artesanais em estuário de São Mateus utilizam técnicas e conhecimentos tradicionais, o que lhes confere relativa autonomia quanto ao modo de produção econômica. Na região, destaca-se também a atividade dos catadores de Caranguejo, atividade com grande expressão no estado, existindo até uma associação de catadores em Barra Nova que congrega cerca de 80 famílias, no município de São Mateus. Suas capturas não se restringem ao caranguejo, mas também são pescados siris e moluscos, como ostras, sururus e berbigões (Macrodiagnóstico da pesca marítima no estado do Espírito Santo, 2005).
O Espírito Santo também é o segundo maior produtor de pimenta-do-reino do Brasil, perdendo apenas para o Pará. No Estado, o município de São Mateus é o que mais produz a especiaria. São até seis mil toneladas por ano. No entanto, só é possível colhê-la duas vezes ao ano. Sendo assim, muitos moradores exercem outras atividades durante o resto do tempo. A agricultura familiar é um segmento que ainda está sendo desenvolvido em São Mateus, inclusive com apoio do poder municipal (Redes para o Desenvolvimento Sustentável, 2012).
O acirramento do conflito entre Petrobras e comunidades pesqueiras do município de São Mateus, norte do estado do Espírito Santo, se deu quando moradores das comunidades e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) organizaram uma manifestação, com uma semana de duração, que fechou as principais vias de acesso aos principais terminais, interditando as entradas das sedes. A ação se opunha principalmente à escassez de terras na costa, impacto socioambiental criado pela exploração comercial de petróleo, que alterou tanto a reprodução dos recursos naturais estuarinos como sua forma tradicional de uso.
O primeiro de uma série de quatro vazamentos de petróleo bruto aconteceu em abril de 2009, no momento do abastecimento de um navio, contaminando a água e a areia da Praia de Barra Nova, localizada em frente ao Terminal Norte Capixaba (Ciarelli e Dantas, 2013).
Sete meses depois, em novembro de 2009, um novo acidente resultou num vazamento de aproximadamente dois mil litros de petróleo, a quatro quilômetros da costa. Não se verificaram sequer tentativas de contenção dos danos, como o cercamento da mancha e recolhimento do petróleo. Uma das praias atingidas, em Linhares, é considerada de preservação permanente, já que é local de reprodução de tartarugas marinhas ameaçadas de extinção. Os técnicos do Iema Instituto Estadual do Meio Ambiente – destacaram que a empresa nem sequer tinha licença para a operação de descarregamento de petróleo. A Transpetro foi multada em R$ 6,2 milhões (Ministério Público Federal, 2012).
Na manhã do dia 9 de dezembro de 2009, o Terminal Norte Capixaba (TNC) e as Unidades SM-8 e FAL foram interditados pelo Movimento dos Pequenos Agricultores. Foram fechados também a antiga estrada do Gualter, o Posto Paulista e as 3 pistas, que ligam a BR 101 à região do dos terminais (Movimento dos Pequenos Agricultores).
Com a ação, vários pontos de extração e todos os pontos de armazenamento e embarque de petróleo no Norte ficaram paralisados. Segundo alguns trabalhadores da própria Petrobras, cerca de 800 funcionários da empresa pararam em função da mobilização.
Durante os nove dias de manifestação, camponeses e moradores locais reivindicaram soluções para os problemas causados pela atividade de extração de petróleo no norte do Estado, e cobraram do Governo Estadual e da empresa ações para dar fim aos impactos ambientais e sociais vivenciados pela população da região (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
No dia 17 de dezembro de 2009, após reunião realizada em Vitória, com a presença de 12 representantes do MPA Ministério da Pesca e da Agricultura -, da comunidade, do Vice-governador do Estado, do secretário de Estado, do gerente da Petrobras, do Prefeito de São Matheus, Amadeu Boroto, e do presidente da Câmara legislativa da cidade, a Petrobras e o Governo do estado finalmente atenderam às principais reivindicações do Movimento dos Pequenos Agricultores e da comunidade de São Mateus quanto aos problemas causados pela atuação da empresa na região. O acesso aos terminais de petróleo, fechados desde o dia 09 de dezembro, foram liberados.
Na pauta de reivindicações, entregue em reunião de negociação com representantes da empresa e da prefeitura, estavam o asfaltamento da rodovia que liga São Mateus à Barra Nova, principal via de escoamento da produção das duas comunidades tradicionais (agricultura camponesa e pesca), constantemente danificada em função do tráfego de carretas e caminhões que atendem à empresa. Outro ponto de pauta foi a contaminação dos recursos hídricos do município que abastecem os moradores. A atuação das atividades de extração e transporte de petróleo realizados pela Petrobras causaram, através de sucessivas contaminações por produto químico, a piora da qualidade da água consumida em São Mateus e criaram dificuldades de distribuição, obrigando o município a enfrentar a falta d'água frequentemente. Por fim, os moradores pediam postura mais responsável da Petrobras diante dos impactos causados por sua atividade e afirmavam que vinham sendo tratados com truculência por representantes da empresa (Medeiros, 2013).
Na reunião, os representantes do movimento formalizaram todas as denúncias sobre os crimes ambientais ocorridos em São Mateus.
Em 2010, com o intuito de elevar a oferta de gás natural brasileiro no mercado, a Petrobras inaugurou o Gasoduto Sudeste Nordeste Gasene -, de 1,4 mil quilômetros de extensão e capacidade de transporte de 20 milhões de metros cúbicos diários de gás natural. O investimento fazia parte do Plano de Antecipação da Produção de Gás da Petrobras.
No Espírito Santo, o Gasene passa por 17 municípios. A rede liga Cabiúnas (Rio de Janeiro) a Ctu (Bahia), sendo dividida em trechos diferentes: Cabiúnas-Vitória, com 300 quilômetros de extensão; Vitória-Cacimbas (Linhares), com 131 quilômetros; e Cacimbas-Catu, com 940 quilômetros. Este último, o maior trecho, atravessa cinco municípios do Norte capixaba: Linhares, São Mateus, Conceição da Barra, Pinheiros e Pedro Canário (Grandes Construções, 2012).
Na área em que foi instalado o TNC, estava localizada uma unidade de conservação ambiental, a Estação Biológica de Barra Nova. As licenças ambientais para a implantação do TNC só foram concedidas depois que o município de São Mateus extinguiu a Estação de Barra Nova. O projeto de extinção, remetido à Câmara Municipal pela prefeitura em 2002, foi aprovado em apenas 18 dias, sem qualquer discussão prévia ou participação popular (Procuradoria Geral da República, 2013). Dessa forma, uma das reivindicações dos moradores, e principalmente do Ministério Público do Espírito Santo, era que esta falta fosse recompensada com a criação de uma nova unidade de conservação (Giacomin, 2013).
A construção de uma nova reserva era uma das condicionantes ambientais, impostas em 2002, para a concessão das licenças de produção e operação do TNC. Mesmo diante do descumprimento da norma, o Iema concedeu, em 2005, a licença de operação do empreendimento até 2014.
Além disso, a Justiça Federal determinou que o Iema, o IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – e a Prefeitura de São Mateus estão proibidos de conceder quaisquer licenças e/ou autorizações para a instalação e operação de novos empreendimentos potencialmente poluidores, notadamente aqueles que dependam da elaboração de EIA (Estudo de Impacto Ambiental) e respectivo Rima – Relatório de Impacto Ambiental – no distrito de Barra Nova. A proibição vale até que a unidade de conservação seja criada e seus limites, incluindo a zona de amortecimento, sejam estabelecidos de forma definitiva.
Somente em abril de 2010, cinco anos depois da emissão da licença de operação, é que a Transpetro elaborou um Estudo Técnico, com o objetivo de delimitar e definir a futura unidade de conservação ambiental, a ser implementada no distrito de Barra Nova. E mesmo sem o cumprimento integral da condicionante imposta em 2005, a licença foi novamente renovada pelo Iema.
Em 2011, o MPF-ES propôs ação penal contra a Transpetro e o então gerente operacional do Terminal Norte Capixaba (TNC), por crime ambiental. Eles são responsabilizados por dois dos acidentes ambientais que causaram o vazamento de mais de dois mil litros de petróleo no mar ocorridos em 2009. Na ocasião, a Transpetro foi multada em R$ 200 mil pelo instituto.
Em dezembro de 2011, através de matéria veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 8, o presidente da Associação de Pescadores de Campo Grande, Litoral Norte do Espírito Santo, Adeci de Sena, denunciou um vazamento no Terminal Norte Capixaba da Transpetro ocorrido no dia anterior. O vazamento atingiu a areia da Praia de Campo Grande, no município de Linhares. Em nota, a Transpetro confirmou um vazamento de pequena proporção. O presidente da associação se mostrou irritado com a falta de orientações da estatal: Os pescadores levam seis horas para trazer a pesca que conseguiram em no máximo duas horas para evitar a área contaminada por óleo. O problema da Transpetro é não sentar com os pescadores para explicar o que vai fazer sobre vazamento. Nós dependemos da pesca para sobreviver.
Na mesma matéria, o advogado dos pescadores, Maurício Pellegrino, declarou que iria juntar as informações aos processos já existentes. Segundo ele, três ações coletivas por dano ambiental contra a Transpetro já estão em andamento na Justiça: Ocorre um vazamento a cada seis meses. Em nota, a Transpetro informou que todas as suas operações respeitam os mais rigorosos padrões de segurança e respeito ao meio ambiente.
No dia 10 de maio de 2012, o Ministério Público do Espírito Santo pediu, em caráter liminar, que a Transpetro fosse obrigada a atualizar e adequar seu Plano de Emergência Individual, já que a empresa demonstrou não ter um plano de contenção eficaz em caso de vazamento nos dutos que encaminham o petróleo extraído em terra até o TNC para abastecimento de navios (Cometti, 2013). O MP pediu ainda que, caso o novo plano não fosse apresentado em tempo hábil, a empresa fosse multada em R$ 5 milhões e tivesse sua licença de operação suspensa o que teria como consequência a paralisação dos trabalhos do TNC.
Em junho de 2013, ocorreu um novo vazamento; de acordo com a própria Transpetro, foram despejados no mar entre 500 e mil litros de petróleo. Novamente, a empresa não atuou de forma satisfatória em relação à instalação de barreiras de contenção. O Iema multou a empresa em R$ 750 mil pela recorrência na infração (Ambiente Já).
Em agosto de 2013, o Ministério Público Federal do Espírito Santo (MPF-ES) proibiu o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) de renovar a Licença de Operação (LO) do Terminal Norte Capixaba (TNC), da Transpetro, em São Mateus, norte do Estado (Giacomin, 2013).
No dia 20 de setembro de 2013, o Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES) realizou uma reunião, em São Mateus, com pescadores da região para discutir a possibilidade de eles serem coautores de uma ação contra a Transpetro. O MPF/ES defendia que a empresa fosse condenada a pagar R$ 50 milhões para compensar danos ambientais e sociais causados por sucessivos vazamentos de petróleo durante operações do TNC. Os acidentes causaram contaminação do mar e comprometeram os ambientes especialmente protegidos e o equilíbrio ambiental da região, colocando em risco espécies já ameaçadas de extinção. Os pescadores pediriam a suspensão de suas ações na Justiça Estadual para aderir às ações federais (Procuradoria Geral da União).
Foram convidados para participar desta discussão representantes da Associação de Pescadores Artesanais e Assemelhados de Campo Grande de Barra Nova (Apesca), da Associação de Catadores de Caranguejo do Nativo, Gameleira e Ponta (ACCANGAP), da Associação dos Pescadores, Moradores e Marisqueiros do Distrito de Barra Nova Sul (APMMDBNS) e das Colônias de Pescadores Z-13 e Z-6 Caboclo Bernardo (Procuradoria Geral da União).
Para o MPF/ES, o Terminal Norte Capixaba estaria sendo operado sem que os impactos ambientais fossem completamente compensados. Esses impactos incluíam a supressão da vegetação; a alteração na composição florística; o aumento de luminosidade nas áreas de vegetação, com possibilidade de instalação de espécies invasoras; diminuição de habitats de animais terrestres e marinhos; risco de mortalidade de animais e plantas; a alteração na qualidade da água; além do risco de ocupação desordenada do espaço litorâneo, entre outros (Procuradoria Geral da República).
Cronologia
1953 Um intenso debate iniciado após a segunda guerra mundial sobre a melhor maneira de explorar o petróleo no país culmina com a criação da Petrobras pelo então presidente da República Getúlio Vargas.
1953 – Promulgada a lei 2004, que determina como sendo monopólio da União: a pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo (e outros hidrocarbonetos fluídos e gases raros existentes nas jazidas brasileiras).
1957- Realizadas primeiras ações da Petrobras em terras capixabas, com a chegada da primeira equipe gravimétrica ao estado.
1959 – Inicia-se a perfuração do primeiro poço em Conceição da Barra.
1967 – Primeira ocorrência de petróleo no Estado, no município de São Mateus.
1968 – Primeiro poço perfurado na plataforma continental do Brasil, na costa do município de São Mateus. Não é encontrado petróleo, mas os trabalhos servem de base para estudos futuros.
1969 – Descoberto primeiro campo que apresenta produção comercial, no município de São Mateus.
1988 – Descoberta do campo marítimo de Cangoá, o primeiro do mar capixaba com reserva comercial.
1996 – Descoberto o camo de Fazenda Alegre, que apresenta o maior volume de óleo em terra do Estado.
1997 – Descoberta do campo marítimo de Peroá, que possui a maior reserva de gás natural do Estado.
2002 – Para a concessão das licenças prévia e de instalação do TNC, a Petrobras é incumbida de elaborar um estudo técnico para subsidiar a criação pelo município de São Mateus de uma nova unidade de conservação.
2005 Início do funcionamento do Terminal Norte Capixaba.
2009 Primeiro – de uma série de quatro – vazamento de mais de dois mil litros de petróleo bruto, contaminando a água e a areia da Praia de Barra Nova, localizada em frente ao TNC, no momento do abastecimento do navio. Na ocasião, a Transpetro é multada em R$ 200 mil pelo instituto (Iema).
Novembro de 2009 – Um novo acidente, de maiores proporções, resulta num vazamento de aproximadamente 2 mil litros de petróleo, a quatro quilômetros da costa. A praia atingida, em Linhares, é considerada de preservação permanente, já que é local de reprodução de tartarugas ameaçadas de extinção. Técnicos do Iema classificam como grande o impacto causado ao meio ambiente e destacam que a empresa nem sequer tinha licença para a operação de descarregamento de petróleo. A Transpetro é multada em R$ 6,2 milhões.
9 de dezembro de 2009 – Terminal Norte Capixaba (TNC) e as Unidades SM-8 e FAL são interditados pelo Movimento dos Pequenos Agricultores. São fechados também a antiga estrada do Gualter, o Posto Paulista e as 3 pistas, que ligam a BR 101 à região dos terminais (Movimento dos Pequenos Agricultores).
17 de dezembro de 2009 – Após reunião realizada em Vitória, Petrobras e Governo do estado finalmente atendem às principais reivindicações do Movimento dos Pequenos Agricultores e da comunidade de São Mateus quanto aos problemas causados pela atuação da empresa na região. O acesso aos terminais de petróleo, fechado desde o dia 09 de dezembro, é liberado.
15 de julho de 2010 – Ex-presidente Lula inaugura fase de produção comercial do pré-sal.
Junho de 2011 – Novo vazamento despeja no mar entre 500 e mil litros de petróleo. Iema ressalta ser a terceira vez em três anos que a Transpetro comete o mesmo tipo de infração, e multa a empresa em R$ 750 mil.
2011 – MPF-ES propõe ação penal contra a Transpetro e o então gerente operacional do Terminal Norte Capixaba (TNC), Ronaldo Rômulo Costa, por crime ambiental. Eles são responsabilizados por dois dos acidentes ambientais que causaram o vazamento de mais de dois mil litros de petróleo no mar ocorridos em 2009. No Espírito Santo e no Rio de Janeiro, estados produtores, os governos organizam marchas e manifestações contra a proposta de marco regulatório em debate no parlamento.
Dezembro de 2011 – Ocorre novo vazamento, embora em menores proporções. Novamente, a contenção não foi feita de modo satisfatório.
Agosto de 2013 – Ministério Público Federal no Estado (MPF-ES) proíbe o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) de renovar a Licença de Operação (LO) do Terminal Norte Capixaba (TNC), da Transpetro, em São Mateus, norte do Estado.
Setembro de 2013 – Pescadores das associações de São Mateus decidem unir forças ao Ministério Público Federal (MPF) como coautores nas ações contra a Transpetro.
Fontes
AMBIENTE JÁ. Ainda sem garantias da Petrobras, agricultores intensificam protesto em São Mateus (ES). Disponível em: http://goo.gl/LLodV0. Acessado em 29 de outubro de 2013.
ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA. MPF/ES: liminar proíbe Iema de renovar licença de operação do Terminal Norte Capixaba. 2013. Disponível em: http://goo.gl/2Gl7Ia. Acessado em 24 de outubro de 2013.
BRASIL. Presidência da República. Lei n 9.478 de 6 de agosto de 1997. Disponível em: http://goo.gl/mZMAoB. Acessado em 23 de outubro de 2013.
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