RR – Povos indígenas Makuxi e Wapixana, da TI Serra da Moça, exigem a ampliação de seu território tradicional
UF: RR
Município Atingido: Boa Vista (RR)
Outros Municípios: Boa Vista (RR)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Implantação de áreas protegidas, Pecuária, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação
Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física, Violência – lesão corporal
Síntese
Desde 2003, os índios Makuxi e Wapixana da TI Serra da Moça, uma área de 11 mil hectares localizada em Boa Vista, Roraima, exigem a ampliação de seu território tradicional. Porém, os estudos necessários a este procedimento administrativo ainda não foram concluídos pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). A ampliação da área tem recebido a oposição de fazendeiros e políticos influentes no Estado.
Um dos prováveis atingidos pela ampliação é o senador da República Mozarildo Cavalcanti que, em diversas ocasiões, ameaçou acionar judicialmente a União para impedir o avanço da proposta. Ele possui uma fazenda na área adjacente aos atuais limites da TI. Outros deputados, senadores e até o governador Anchieta Júnior também já se pronunciaram publicamente contra a proposta.
Enquanto a questão territorial não é resolvida, os índios da TI têm atuado junto à Prefeitura Municipal de Boa Vista para conseguir apoio a projetos de expansão da área plantada na TI, de diversificação da lavoura e para acesso a políticas de saúde e educação. Eles têm obtido relativo sucesso nessa empreitada.
A partir de 2004, algumas famílias Makuxi, cansadas de esperar por uma definição em relação à ampliação da TI, passaram a ocupar lotes na área conhecida como Projeto de Assentamento Rural Nova Amazônia, criado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) na fronteira com a TI, em 2001. Inicialmente, a presença dos índios no local não causou maiores disputas, e eles foram recebidos amigavelmente pelos assentados, que defendiam a concessão de lotes para as famílias indígenas, que se tornariam assentados da reforma agrária como eles.
Originalmente, a área ocupada pelos Makuxi fazia parte da reserva permanente do assentamento. A FUNAI e o INCRA iniciaram conversações para regularizar a presença indígena na área. A proposta da União era a de conceder terras paras aquelas famílias, que passariam a dividi-las com os assentados.
Porém, o reassentamento de famílias oriundas das terras demarcadas como TI Raposa/Serra do Sol naquele PA provocou a deterioração das relações entre índios e assentados, que culminou com a saída das famílias do assentamento. A partir de então, os assentados passaram a resistir a qualquer proposta que envolvesse a regularização da área como território indígena.
Atualmente, ambas as demandas por terra se encontram em disputa no judiciário, desde que o Governo do Estado de Roraima moveu ação civil no Supremo Tribunal Federal (STF) para sustar seus respectivos processos administrativos e suspender os efeitos de liminares favoráveis ao retorno das famílias Makuxi ao assentamento. O mérito dessa ação ainda não foi analisado pelo colegiado do STF, mas o ministro Gilmar Mendes concedeu liminar favorável ao pleito do Estado de Roraima até que isto ocorresse. A União, a FUNAI e o INCRA também são rés nessa ação; por isso, as comunidades têm recebido apoio da Advocacia Geral da União (AGU), além do já esperado apoio da Procuradoria Geral da República (PGR) na arena judicial.
Contexto Ampliado
A Terra Indígena Serra da Moça é uma área de 11.626,7912 hectares, localizada em Boa Vista, Roraima, e homologada pela União através do decreto 258 de 29 de outubro de 1991. Ela é considerada patrimônio da União de posse e usufruto dos índios Wapixana e algumas famílias Makuxi (menos numerosas).
Desde 2002, os índios reivindicam a revisão dos limites da TI e sua ampliação. Em fevereiro de 2002, a Folha de Boa Vista divulgou que o senador Romero Jucá havia se posicionado sobre a questão, colocando-se contra a proposta. Outros políticos locais também se colocaram contra a ampliação, como o deputado federal Almir Sá, que questionou os procedimentos da atual política indigenista capitaneada pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e a legitimidade do pleito Wapixana.
O senador Mozarildo Cavalcanti, que possuía uma fazenda no entorno dos limites então estabelecidos para a TI, também se pronunciou contra a ampliação do território Wapixana e prometeu contestar judicialmente qualquer revisão de limites que incidissem sobre sua propriedade rural.
“Depois de notificado vou contratar um advogado e questionar o laudo antropológico porque naquela região onde está minha fazenda já há uma delimitação clara das áreas indígenas, principalmente da serra da Moça, com os marcos da FUNAI bem fincados afirmou a reportagem da Folha de Boa Vista na ocasião.
Dizendo-se preocupado com o bem estar dos próprios indígenas, o senador defendeu a manutenção dos marcos atuais da TI e o investimento em projetos de geração de alimentos e renda para os índios, além de propostas para a implantação de projetos de criação de peixes em cativeiro como forma de garantir a autossustentação das comunidades existentes: “Defendo a segunda etapa, que é a consolidação das comunidades dando assistência técnica para produção, transporte, educação e saúde”, sugeriu, ao dizer que essas ações eram feitas pelo Governo do Estado.
No ano seguinte, a relação ente o senador e os Wapixana não era mais tão amigável. Em 10 de julho de 2003, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) denunciou que o senador havia movido ação judicial pedindo liminar de interdito proibitório contra os índios Wapixana, pois estes, segundo o senador, estariam invadindo a Fazenda Boqueirão, uma propriedade dele vizinha a TI. Tal ação estava sendo movida com base em denúncias feitas por um funcionário da fazenda veiculadas na imprensa local. De acordo com elas, as invasões ocorreriam a partir de mobilizações organizadas pelo próprio CIR e pela Associação dos Povos Indígenas de Roraima (APIRR).
O Portal Amazônia, por exemplo, publicou um dia antes que: Nilton Pereira soube da intenção dos indígenas no último final de semana, através do índio conhecido como Erlildo, vice-tuxaua da Maloca do Morcego. As informações que me passaram é que o CIR e Apirr estariam orientando o pessoal a invadir a fazenda, afirmou o vaqueiro. Seria uma espécie de represália à atuação do parlamentar devido ao combate que trava no Senado contra a proliferação de reservas indígenas no estado.
O CIR e os Wapixana contestaram as acusações afirmando que: O tuxaua de Morcego, Jaime Pereira da Silva, assegura que a denúncia é falsa e que na região o único conflito recente foi um índio esfaqueado por um invasor.
Esta ação judicial encontrou imediata acolhida no Tribunal de Justiça do Estado de Roraima, e no mesmo dia em que foi apresentada. Na ocasião, o juiz plantonista, Ângelo Augusto Graça Mendes, deferiu o pedido de Liminar garantindo o Interdito Proibitório e imediatamente mandou citar e intimar os coordenadores do CIR, Jacir do José de Souza, e da Apirr, Telmar Mota. O juiz ainda determinou multa diária de R$ 2400,00 em caso de descumprimento da decisão.
Em nota, a CIR destacou o contraste entre a celeridade da resposta da Justiça Estadual no caso que envolvia o senador da República e casos em que as vítimas são os próprios índios. Segundo eles: A Justiça Estadual está sendo ágil em suas decisões, mas nem sempre foi assim. O caso de Ovelário Tames, indígena torturado até a morte na delegacia do município de Normandia em 1989, tramitou 10 anos, e demorou quatro anos para se publicar um edital de citação dos réus. Julgados em 2001, os réus, como em todos os outros casos, foram absolvidos.
Em 20 de agosto daquele ano, o senador protocolou junto ao Senado Federal um requerimento exigindo do então ministro da justiça, Márcio Thomaz Bastos, informações sobre se existem e quais são as fazendas e outras propriedades existentes nas terras indígenas Serra da Moça, Morcego e Truaru localizadas na Gleba Murupu. Tal proposição foi aprovada pelo plenário do Senado Federal em 19 de setembro de 2003.
Diante do impasse criado em torno da questão, e da necessidade de acesso à água para o desenvolvimento de suas atividades cotidianos que era bastante difícil na TI Serra da Moça devido ao fato de as principais fontes da região terem permanecido dentro das propriedades particulares, e um dos motivos centrais da demanda Wapixana pela ampliação da TI -, seis famílias Makuxi que moravam na TI Serra da Moça se mudaram em 2004 para a área do Assentamento Nova Amazônia, criado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 2001, no entorno da TI.
Segundo o vice-tuxaua da comunidade, Gecivaldo Aleixo Ângelo, os indígenas decidiram fixar residência na região pelo fato de a comunidade da Serra da Moça já estar sem espaço para as famílias. “Por isso buscamos outro local, para criarmos nossos bichos e nos manter”, disse.
Em novembro de 2005, após meses de negociação entre as famílias e o INCRA, o Instituto anunciou que doaria os lotes (totalizando uma área de seis mil hectares) às famílias indígenas, que já eram 12, organizadas oficialmente como Comunidade Lago da Praia, e iniciou-se a discussão a respeito de formalizar esta doação, incorporando-a a TI Serra da Moça.
A notícia, porém, não repercutiu positivamente entre os assentados, que se posicionaram contra a doação, pois a área constituía a reserva legal do assentamento e, segundo a legislação vigente, só poderia ser utilizada para o desenvolvimento de atividades sustentáveis, sendo vetada a fixação de moradias em seu interior. Além das suas famílias, os índios Makuxi iniciaram a criação de gado no local.
A partir de então, os atores sociais envolvidos – INCRA, FUNAI, organizações indígenas e dos assentados – iniciaram um longo processo de diálogo para que se chegasse a um acordo. Em fevereiro de 2007, a Central dos Assentados de Roraima (CAR) propôs, como possível solução para o impasse que permanecia até então, o assentamento formal das famílias indígenas na área do PA Nova Amazônia, a construção de uma ponte para dar acesso aos índios da TI Serra da Moça aos lagos próximos e ao rio Uraricoera e a proibição de abertura de novos corredores de servidão dentro da área do PA.
Ricardo José de Brito, presidente da CAR, em entrevista à Folha de Boa Vista, explicou que os assentados não concordavam em fazer a abertura do corredor de servidão pelo fato de a área indígena não possuir um acesso ao rio Truaru: “A FUNAI pode muito bem indenizar a área de alguma fazenda próxima e dar a eles o acesso ao rio, se for essa a questão, porque assim a FUNAI indeniza uma só pessoa”, sugeriu.
Ao comentar que existia uma proposta de construir uma ponte para dar acesso aos indígenas ao PA e aos assentados da reserva, ele afirmou: “O próprio tuxaua já levantou essa proposta junto aos assentados, e nós concordamos, para que se construa a ponte da integração ou até mesmo da amizade. Dessa forma, os índios terão acesso à vicinal sete e entrarão na vicinal 1, podendo pescar nos lagos e no rio Uraricoera, isso seria o próprio corredor de servidão. Os indígenas que estão no assentamento permanecem, fazemos a demarcação e colocaremos os assentados, assim como as pessoas que estão saindo da Raposa Serra do Sol, em lotes de até 100 hectares. E assim todos podem produzir&uot;, prosseguiu.
Apesar de afirmar que os assentados pretendem chegar num acordo com os órgãos federais para regularização da situação das famílias da comunidade Lago da Praia, Brito também admitiu existir tensões entre os assentados e os indígenas da TI Serra da Moça, havendo restrições ao trânsito dos assentados pela TI e ameaças de violência de ambas as partes: Com os indígenas assentados está tudo tranquilo. Mas quem está dentro da reserva Serra da Moça é incentivado pelo Conselho Indígena de Roraima e os protegidos pela FUNAI. Houve até uma agressão entre assentados e indígenas. Hoje existe um colchete que impede a entrada dos agricultores para ter acesso à vicinal 1, mas não tem colchete para os índios terem acesso ao rio. Eles ainda impedem os agricultores de tirarem buriti e as palhas. Não entendemos isso, porque somos trabalhadores iguais a eles.
Enquanto a permanência dos Makuxi no Lago da Praia permanecia em aberto e o processo de ampliação da TI Serra da Moça não avançava, os Wapixana e Makuxi da TI estabeleciam parcerias com a Prefeitura Municipal de Boa Vista para o financiamento da lavoura de tomate e cebola. Na safra de 2007, a previsão era de que as famílias beneficiadas pela parceria colheriam cerca de três toneladas de cebola e 63 toneladas de tomate, a serem vendidas no Mercado Municipal de Boa Vista. Naquele mesmo ano também se iniciou um projeto para financiar a cultura da melancia nas aldeias da TI.
O sucesso da implantação dessas culturas na TI foi considerado uma vitrine pela prefeitura local que, em setembro de 2008, realizou a VII Expoagro Indígena na TI Serra da Moça. Além da exposição da produção agropecuária, o evento contou com a apresentação de danças típicas, a realização de competições esportivas, rodeios e até concurso de dança.
Enquanto na TI, os indígenas começaram a obter acesso a uma série de políticas e serviços públicos, a comunidade de Lago da Praia se via cada vez mais pressionada por fazendeiros da região. Em maio de 2009, as lideranças locais encaminharam denúncia à FUNAI, Polícia Federal a ao INCRA a respeito da invasão das terras que ocupavam por proprietários de terrenos próximos, que foram concedidos pelo INCRA.
Segundo afirmou Dionito José de Sousa, líder da etnia Makuxi, à reportagem do Portal Amazônia: “Os tuxauas estão aguardando que a Polícia Federal vá até lá retirar os invasores. E não irão arredar pé até isso acontecer”. As famílias Makuxi receberam apoio das famílias das comunidades da Serra do Truaru, Morcego e Serra da Moça.
Segundo informações do CIR, veiculadas pelo portal, a reserva de Lago da Praia vem sendo invadida ilegalmente por criadores de animais e seus rebanhos. Os tuxauas informaram ao conselho que as invasões tiveram início em oito de janeiro daquele ano, lideradas pelos fazendeiros Jerônimo Cabral e Luís Teixeira. Hoje, porém, outros não índios também teriam se instalado nas terras da comunidade indígena sem autorização.
Um encontro entre representantes da comunidade e dos povos indígenas da região e dos órgãos federais envolvidos na questão (FUNAI, INCRA e MPF) ocorreu em 12 de maio de 2009, após intermediação do presidente do Tribunal Regional Federal (TRF), desembargador Jirair Meguerian, quando presidiu a realização de uma audiência sobre os conflitos existentes.
Também estiveram presentes representantes dos assentados, muitos deles antigos posseiros da TI Raposa/Serra do Sol, que temiam ser novamente reassentados com a consolidação da comunidade Lagoa da Praia como parte de uma terra indígena oficial.
Esta reunião foi tensa e sua primeira etapa teve de ser suspensa pelas autoridades presentes para que os ânimos se acalmassem. Na segunda parte da reunião, realizada na parte da tarde, o superintendente do INCRA, Titonho Beserra, reafirmou a proposta da instituição: “de rachar a região ao meio, beneficiando as partes com áreas de proporções iguais. […] Nossa ideia é tanto atender os remanescentes da Raposa Serra do Sol, como também garantir o espaço dos índios que estão lá. Depois de fechado, só trabalharemos a burocracia, para que a decisão seja tomada de forma definitiva do ponto de vista jurídico, acabando com decisões combinadas, feitas de forma verbal”.
Além disso, o INCRA se comprometeu na ocasião a dar continuidade ao reassentamento dos produtores rurais expulsos de Raposa/Serra do Sol, porém respeitando os limites da área atualmente ocupada pelas famílias da comunidade Lago da Praia.
Os presentes na reunião se polarizaram em torno de duas posições, expressas por suas lideranças à reportagem da Folha de Boa Vista:
Não estamos invadindo lote nenhum. Estamos reivindicando nossos direitos, porque os reassentados querem nos tirar daqui. Vivemos lá [no projeto de assentamento] há mais de cinco anos, estamos numa comunidade reconhecida e não vamos sair”, disse Jairo Pereira, representante da comunidade Lago da Pedra.
“Aceitamos os índios lá como reassentados, e não que aquela área seja transformada em terra indígena. Já fomos expulsos uma vez da reserva e, se não agirmos, seremos expulsos novamente. Estamos receosos de que amanhã tenhamos que arrumar nossas coisas e sairmos com aquela indenização baixa paga pela FUNAI”, protestou Edvan Silva, presidente da Associação de Remanescentes da Raposa Serra do Sol.
Apesar dos resultados, esclarecimentos e propostas resultantes da reunião, o clima na região permanecia tenso. No dia seguinte, uma equipe de técnicos do INCRA tentou chegar à comunidade Lago da Praia e foram impedidos pelos assentados e reassentados. Segundo reportagem da Folha de Boa Vista, eles bloquearam a estrada de acesso à comunidade indígena. Contrariando a proposta do INCRA de divisão da área, os manifestantes exigiam a garantia de que não seria criada uma nova terra indígena dentro dos limites do assentamento.
Segundo a imprensa boa-vistense: Um carro do INCRA, que levava um perito federal agrário para iniciar os trabalhos de colocação de marcos para demarcação de uma área de cerca de 3.200 hectares, foi proibido de entrar, mas conseguiu retornar para Boa Vista. Outro carro, desta vez da Funasa (Fundação Nacional de Saúde), com vários carotes de combustível vazios na carroceria, além de não conseguir ultrapassar, ficou retido por decisão da maioria dos assentados. Os funcionários da Funasa alegavam estar ali para identificar a comunidade Lago da Praia e georreferenciar uma área para cavar um poço artesiano.
O presidente da Associação dos Expropriados das Terras Homologadas em Roraima (Assoetherr), Edvan Silva, afirmou à Folha de Boa Vista que os assentados não aceitam a criação de nova comunidade indígena, e que o movimento vai durar até quando os órgãos federais garantirem a permanência definitiva deles no projeto de assentamento. A Assoetherr, juntamente com outras associações, vai entrar com ação para que não seja criada a área indígena.
Segundo a mesma publicação, ele afirmou também que os assentados não desacatavam o fechamento da BR-174, acesso a Pacaraima, caso permanecesse a falta de respostas positivas dos órgãos oficiais do governo Federal às suas reivindicações.
Na ocasião, os deputados estaduais Zé Reinaldo (PSDB), relator da Comissão Especial da Assembleia Legislativa de Roraima, e Ivo Som (PTN) estiveram no local para acompanhar os trabalhos do técnico do INCRA e os protestos. Eles tentaram negociar a liberação do carro da FUNASA, mas não obtiveram sucesso.
Ao final, se pronunciaram em defesa dos interesses dos assentados. Segundo a Folha de Boa Vista, o deputado Zé Reinaldo afirmou: “Parece que as coisas não pararam. Demarcaram a Raposa/Serra do Sol e agora estão dividindo esta área entre índios e brancos. O que vemos aqui são pais de famílias reivindicando direitos de ficarem sem conflitos ou que os indígenas comunguem com eles a convivência, mas como assentados.
Ivo Som lembrou que na reunião anterior os órgãos federais haviam se compromeido a ir até o assentamento conversar com os reassentados, mas que isto não havia ocorrido: “Não temos nada contra indígenas, mas que eles fiquem como reassentados, como estão todos aqui. Agora, quem vai garantir o direito legítimo dos reassentados não saírem mais daqui?”.
Em respostas às críticas, o procurador da República Leandro Antunes afirmou que a visita prevista ainda iria ocorrer: A inspeção tem que ocorrer porque ficou acordado com as duas partes que nós faríamos isso. Também para definirmos quais serão os marcos da região, ou seja, para dizermos até onde vão os assentamentos e onde fica a área pleiteada pela Funai para ampliação da reserva, evitando uma possível desintrusão como aconteceu com a Raposa Serra do Sol”. Antunes afirmou também que, após a inspeção, indígenas e reassentados deveriam firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelas autoridades para garantir os direitos de ambas as partes.
A partir desse dia, as famílias do assentamento passaram a revezar-se no bloqueio da estrada, impedindo a entrada de veículos ao local somente o ônibus escolar estava autorizado a transitar por ela. Mantendo as reivindicações do dia anterior, os assentados estavam dispostos a permanecer mobilizados por um longo tempo. Durante os protestos, eles afirmavam que, caso nenhuma decisão concreta a respeito da ampliação da Serra da Moça fosse acertada, os manifestantes iriam tomar suas próprias providências. A possibilidade de um conflito não estava descartada.
“Se não resolver pela parte da Justiça, iremos tomar as nossas próprias medidas para que essa comunidade não tome conta das nossas terras. Nossa vida está aqui. O INCRA não tem terra nem para assentar as famílias que estão sendo retiradas agora da reserva, ainda mais para colocar todas essas pessoas que vivem na região. Há a possibilidade de conflito, não vamos descartar esta possibilidade. Esperamos que as autoridades mais uma vez não deixem estas famílias serem retiradas daqui”, protestou Edivan Silva.
Segundo a Folha de Boa Vista: Diante da possibilidade de conflito entre reassentados e indígenas, Gonçalo Teixeira, administrador regional da Funai, disse que acha que não irá acontecer nenhum confronto, pois até pouco tempo todos da região viviam em harmonia.
“Até que tenha uma definição da revisão do processo demarcatório, acredito que todos devam viver pacificamente. O TAC foi assinado para os indígenas viverem lá até a decisão do Governo Federal sair. Espera-se que convivam em harmonia até que se resolva essa questão, o que não há previsão”, frisou ele em entrevista à imprensa.
Em nota publicada em 15 de maio daquele ano, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) alertava para o fato de tal bloqueio já estar provocando problemas para a comunidade Lagoa da Praia. Segundo a nota: O bloqueio feito pelos colonos na estrada que dá acesso ao Projeto de Assentamento Nova Amazônia e a comunidade indígena Lago da Praia já cortou a oferta de serviços de assistência à saúde e educação dos indígenas que vivem nesta comunidade. Os tuxauas que prestam apoio à comunidade estão sendo ameaçados e impedidos de usarem a estrada para se locomoverem, e, quando precisam sair em busca de algum serviço, são obrigados a percorrer muitos quilômetros para se verem livres dos agricultores que lhes ameaçam.
Ao final da nota ficava claro que a FUNAI não estava considerando o papel importante que os reassentados da TI Raposa/Serra do Sol passaram a exercer sobre a organização política local. Se antes havia diálogo entre os grupos existentes e as comunidades indígenas, o novo grupo, já traumatizado pelo recente processo de desintrusão e reassentamento sofrido, possuía uma postura muito mais aguerrida e intransigente quanto à garantia de sua permanência naquelas terras.
O bloqueio permanecia e, diante da crescente tensão da região, em 18 de maio de 2009, a Comissão Permanente de Terras, Colonização e Assuntos Indígenas da Assembleia Legislativa de Roraima realizou uma audiência pública com representantes de todas as partes envolvidas para discutir o impasse. A audiência contou com a presença das comunidades envolvidas, mas não do INCRA. Paralelamente à realização do evento, as famílias de reassentados realizaram um protesto na Praça do Centro Cívico exigindo o apoio do Governo do Estado e mantiveram o bloqueio na estrada.
Sem a presença do INCRA, e com a FUNAI excluída pelos próprios organizadores do evento, a reunião se resumiu, basicamente, à exposição do posicionamento dos reassentados e a discursos de deputados contrários à expansão da TI Serra da Moça e à regularização da área da comunidade Lago da Praia como parte desta TI. Para eles, a desintrusão da TI Raposa/Serra do Sol exigiria do estado uma redistribuição de terras que seria inviabilizada pela ampliação das demais terras indígenas existentes naquela região.
O único desdobramento efetivo da audiência foi o agendamento de uma reunião entre os reassentados e o governador do Estado de Roraima, Anchieta Júnior, que aconteceu no dia seguinte na sede do Instituto de Terras e Colonização de Roraima (Iteraima). Os reassentados expuseram suas reivindicações, mas ouviram do governador que, por se tratarem de terras federais, ele nada poderia fazer a respeito. Porém, segundo a Folha de Boa Vista, ele se comprometeu com os reassentados a atuar como intermediador no conflito.
O presidente da Associação dos Expropriados das Terras Homologadas de Roraima (Assoether), Edivan Silva, avaliou como positivo o encontro com as autoridades. “Eles se dispuseram em nos ajudar, dando auxílio em nossas ações. Queremos mostrar a realidade dos fatos. A Funai nunca se pronunciou com relação a nenhum pedaço de terra dentro do projeto. E agora, quando tem essas 500 famílias no local, eles estão querendo tirar nossas terras. Só queremos produzir e estamos impedidos. Tá chegando o inverno e estamos aqui tendo que brigar para permanecer na terra, em vez de estarmos produzindo”, disse.
Em 22 de maio daquele ano, durante visita do ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel ao estado, ocorreu uma reunião entre ele, o presidente do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Rolf Hackbart, representantes indígenas e a superintendência do Incra em Roraima. Segundo matéria da Folha de Boa Vista, após a reunião, foi anunciada a proposição de um acordo segundo o qual haveria reconhecimento de posse das famílias indígenas da região como assentados, excluindo assim a hipótese da formação de uma nova reserva indígena no local.
O presidente do INCRA destacou que a decisão seria tomada de maneira que viabilizasse o acesso à área, construção de estrada e proteção do meio ambiente. “Acho que tem terra para todo mundo, de maneira que não danifique o meio ambiente. Não tem motivos para brigas. A solução é para já”, frisou. Os representantes indígenas se comprometeram em avaliar a proposta do INCRA e conceder uma reposta na segunda-feira seguinte.
O anúncio do acordo foi recebido com ceticismo entre os reassentados, que se declararam surpresos por não terem sido convocados a participar da reunião e informaram que, caso o acordo viesse a ser firmado, só figurariam como parte se, segundo o presidente da ASSOETHER, as famílias indígenas fossem assentadas nos mesmos moldes que eles, com áreas de até 100 hectares.
O acordo viria em boa hora, pois aumentavam as denúncias de ambas as partes relativas à violência no PA. Em 28 de maio de 2009, uma reportagem da Folha de Boa Vista trazia a informação de que os índios da comunidade Lago da Praia haviam denunciado que os reassentados haviam destruído uma escola indígena que funcionava no local:
De acordo com o índio Macuxi Jabson Silva, que vive na comunidade Lago da Praia, o fogo que destruiu a escola estadual indígena João Gomes de Souza teve início às 3h de quarta-feira. Algumas cadeiras e livros foram retirados antes que o fogo destruísse toda a estrutura física. Cerca de20 crianças estudavam lá. Um indígena teria visto os autores do crime fugindo em uma motocicleta em direção ao bloqueio.
Os reassentados, por sua vez, acusavam os indígenas de terem matado alguns animais de criação do assentamento e de terem, eles próprios, ateado fogo à escola a fim de incriminá-los. Pelo menos um agricultor registrou boletim de ocorrência oficializando denúncia com base nesta hipótese. Segundo a Folha de Boa Vista, o titular da delegacia especializada do município de Cantá onde o boletim de ocorrência foi registrado -, Rodrigo Kulay, solicitou ao Corpo de Bombeiros que fizesse perícia no local e iniciou as investigações.
Com o aumento das tensões, os índios Macuxi passaram a contar com a presença de outros indígenas da região como forma de proteção. Informações da imprensa local davam conta de que pelo menos 200 Macuxi e Wapixana da Serra da Moça e outras TIs da região já estavam na comunidade naquela ocasião.
No fim daquele mês de maio, o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF), desembargador Jirair Meguerian, esteve no local com o apoio de agentes da Polícia Federal para negociar uma saída conciliatória para o impasse. Segundo reportagem do jornal Folha de Boa Vista, o tráfego na vicinal foi liberado após Meguerian se comprometer em auxiliar na resolução do problema.
“Prometi que iria levar ao conhecimento do ministro Ayres Britto para que ele buscasse junto ao INCRA e Funai uma solução para a questão dos indígenas que estão ocupando parte daquele assentamento, afirmou o desembargador.
Apesar da promessa de arrefecimento do conflito com o encaminhamento das reivindicações dos agricultores, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) denunciou em agosto daquele ano que o desbloqueio da estrada não pôs fim às hostilidades entre as partes. Em nota, o CIR afirmava que os agricultores do PA Nova Amazônia haviam formado uma milícia armada e estavam aterrorizando os Makuxi da comunidade Lago da Praia. Segundo a entidade, eles estariam se utilizando de técnicas de guerrilha: […] destruir a infraestrutura de comunicação, as escolas e os postos de saúde são ações para promover a desestabilização e ocupação de terras. Um ato de guerra declarado em plena terra indígena e autorizado pela omissão do Estado.
Como consequência desses atos, pelo menos um agente de saúde e o motorista que fazia o transporte escolar da comunidade já haviam sido agredidos verbalmente e espancados pelos milicianos, além disso, homens do mesmo grupo depredaram e queimaram uma casa, um posto de saúde com todos os equipamentos e remédios, uma escola e o sistema de rádio da comunidade.
Os episódios de violência já haviam sido comunicados às autoridades policiais, mas até a data daquela nota ninguém havia sido preso. Por esse motivo, os moradores da comunidade estavam com medo de novos ataques, o que os fazia manter vigilância constante na comunidade; algumas famílias, inclusive, já haviam se mudado para Boa Vista.
Uma nota do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) emitida no dia seguinte trazia mais detalhes sobre a violência ocorrida. Segundo relato do Cimi, que reproduzimos abaixo:
As intimidações começaram no final da tarde do dia 27, quando a agente de saúde, Luzia da Silva Nagelo, se dirigia da comunidade Lago da Praia para outra chamada de Serra da Moça. Ao se aproximarem de um igarapé conhecido como Banho do Amor, localizado na vicinal 1 do Projeto de Assentamento Nova Amazônia, ela e seus acompanhantes foram abordados por alguns homens, dentre eles, um chamado de Junior e outro Geovani, que em tom ameaçador, disseram que os pegariam quando voltassem porque tinham que acertar umas contas.
Na noite do mesmo dia o grupo se reuniu próximo à casa da mãe da agente de saúde. Os agressores estavam com o volume do som alto e faziam disparos de armas de fogo. As intimidações obrigaram Luzia e mais duas irmãs menores a se refugiarem em outra casa distante cerca de 200 metros dos algozes. Nesse momento, perceberam que haviam ateado fogo na casa e, ao saírem fazendo novos disparos, ainda fizeram ameaças, afirmando que as próximas casas queimadas seriam do professor da comunidade indígena do Lago da Praia, Adenildo Matos e do indígena Idinei de Oliveira.
Na mesma noite, o motorista do transporte escolar que atende a comunidade Lago da Praia, Francisco de Assis Severino, levava os alunos quando foi abordado por três homens, o primeiro se chama Geovani, o segundo Junior e o terceiro Fábio. Eles estavam à procura de três rapazes indígenas conhecidos como Jabson, Dirlei e Batoré. O motorista acendeu a luz interna do carro por temer as ameaças. Mesmo vendo que o veículo trazia somente alunas, Geovane e Fábio tentaram invadir o carro, entretanto foram impedidos por uma das estudantes. Em seguida o outro agressor, Junior, passou a agredir verbal e fisicamente o motorista do transporte escolar.
Depois ainda tentaram enforcar o motorista, mas este conseguiu se livrar do grupo de agressores, que ainda fizeram ameaças, acusando-os de serem invasores de terras. No entanto, o motorista afirmou que não tem pretensões sobre qualquer terra e somente desenvolve suas atividades profissionais na comunidade indígena.
O resultado prático do aumento das ameaças e da violência foi a expulsão das famílias Makuxi do Lago da Praia. Segundo informações da Folha de Boa Vista, em 11 de agosto daquele ano, as famílias remanescentes saíram da área do PA e foram buscar abrigo em outras comunidades.
O presidente da Associação dos Expropriados das Terras Homologadas em Roraima (Assoetherr) afirmou na ocasião que a saída dos índios teria sido voluntária e que os assentados estavam prontos para ocupar os 3200 hectares reservados pelo INCRA à comunidade indígena e requerer sua legalização junto ao órgão federal.
O superintendente regional do INCRA, Titonho Beserra frisou que o INCRA não havia participado da decisão e que, caso ela se confirmasse, a área voltaria a ser reserva legal do Projeto de Assentamento Nova Amazônia, o que vetaria as pretensões dos assentados em incorporar aquelas terras às suas propriedades.
Em novembro daquele ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, através do desembargador João Batista Gomes, suspendendo decisão do juiz da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima, Atanair Nasser Ribeiro, que deu respaldo legal à expulsão dos Makuxi do PA. Essa ação tinha sido movida pela Associação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais em Regime Familiar do Truaru (Assottrut) e fora objeto de agravo por parte da FUNAI. Após a reforma da decisão, os índios Makuxi estavam autorizados a retornar à sua comunidade, mas tal retorno foi objeto de ameaças por parte dos reassentados, que disseram à imprensa local que os impediriam.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o INCRA reiterou que era a única instância autorizada a permitir ou impedir o acesso dos indígenas àquelas terras e a Associação dos reassentados não possuía poderes para tanto. Apesar da decisão judicial, as famílias Makuxi, apoiadas pela FUNAI, decidiram não retornar imediatamente àquelas terras até que o INCRA e a Polícia Federal conseguissem retirar os não-índios do local e garantissem a segurança das famílias indígenas.
Enquanto não se definia a data do retorno das famílias à comunidade Lago da Praia, o Governo do Estado de Roraima entrou com uma ação judicial junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir o retorno dos Makuxi e simultaneamente a ampliação da TI Serra da Moça. De acordo com reportagem de Luana Lourenço para a Agência Brasil, o Governo Estadual apresentava os índios como invasores da área e conclamava o STF a impedir a sanha demarcatória do Governo Federal que, segundo ele, coloca em risco a independência e o desenvolvimento econômico de Roraima. Como o STF estava em recesso na ocasião, o caso foi entregue à decisão monocrática do ministro de plantão Gilmar Mendes.
O presidente da FUNAI, Márcio Meira, reagiu neativamente às acusações veiculadas pelo Governador Anchieta Júnior por ocasião da proposição da ação judicial e afirmou ao repórter Iberê Thenório, do Globo Amazônia: O governo de Roraima é um governo anti-indígena e já demonstrou isso várias vezes. Qualquer medida de interesse dos índios de Roraima, eles entram com uma ação contrária. Além disso, a FUNAI entendia que parte do assentamento foi criada sobre uma área que era reivindicada por índios, e estudos apontam que o local é uma terra tradicionalmente indígena.
Na ocasião, os estudos relativos à demanda indígena pela expansão da TI Serra da Moça, que poderia ocorrer incorporando ou não a área ocupada pelos Makuxi no Lago da Praia, ainda estavam em andamento, não havendo uma posição oficial da FUNAI a esse respeito.
Em nota enviada à Folha de Boa Vista, o governador rebateu as críticas de Meira afirmando: “a via democrática de discussão de litígios é do Poder Judiciário. Portanto, é estranho, para o governo de Roraima, o posicionamento da FUNAI, que considera anti-indígenas as contestações judiciais de ampliação de reservas indígenas do Estado”.
Criticando o fato de a FUNAI ter demarcado extensas áreas do estado como terras indígenas, o governador declarou: “E a instituição indigenista não quer parar por aí. Acha a quantidade de terras insuficiente e quer mais. O Governo do Estado, e não a FUNAI, é que leva estradas, energia elétrica, educação, saúde, desenvolvimento às comunidades indígenas de Roraima. Portanto, anti-indigenista é quem tem a responsabilidade legal de cuidar dos índios e os abandona à própria sorte”.
Enquanto os administradores federais e o Governo Federal debatiam a questão publicamente através da imprensa, o ministro Gilmar Mendes decidiu intimar a União, INCRA e FUNAI a se manifestar sobre o pedido de medida cautelar formulado pelo estado Roraima na Ação Cautelar (AC) 2541. Foi definido prazo de cinco dias para essa manifestação, após o qual o ministro apreciaria a questão, mesmo a revelia do posicionamento da União.
Em 29 de janeiro de 2010, o ministro Gilmar Mendes julgou procedente o pedido de liminar do Governo do Estado de Roraima e, com base no acórdão do caso relativo à demarcação da TI Raposa/Serra do Sol, ele proibiu a chegada de novos indígenas à região. A decisão, contudo, permitiu a manutenção das famílias indígenas que lá já estivessem assentadas. Mendes também suspendeu o andamento de quaisquer processos administrativos que tivessem como objetivo a ampliação da TI Serra da Moça, mantendo o status quo da região até que o plenário do STF se pronunciasse sobre o caso.
Em entrevista ao Portal Amazônia, o administrador da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) em Roraima, Gonçalo Teixeira, afirmou, dentre outras coisas, que a Fundação não tinha planos de expandir a TI Serra da Moça naquele momento. Ele declarou ainda que o pedido dos índios ainda estava em análise e que a questão da comunidade Lago da Praia não tinha oficialmente, apesar das notícias veiculadas anteriormente pela imprensa, qualquer relação com esse processo, tramitando no INCRA independentemente dele.
Enquanto na comunidade Lago da Praia a tensão aumentava, na TI Serra da Moça, já consolidada juridicamente, os indígenas conseguiam estabelecer condições mínimas para trazer algumas políticas públicas para as aldeias. Além dos já citados projetos de expansão da área plantada na comunidade, com a introdução de variedades de frutas e legumes, a comunidade conseguiu que a Prefeitura Municipal de Boa Vista levasse uma equipe itinerante de saúde ao local. Em março de 2010, uma unidade móvel de saúde equipada com consultórios médicos e odontológicos esteve na região. O atendimento aos indígenas foi realizado durante todo um dia por uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, cirurgião dentista, técnicos em enfermagem e laboratório e auxiliar de consultório dentário.
A ação cível originária decorrente da ação cautelar julgada pelo ministro Gilmar Mendes em fevereiro de 2010 ainda não teve seu mérito julgado; ela tramita lentamente no STF, enquanto os índios da região permanecem sem definição da sua situação fundiária.
Em 12 de fevereiro de 2013, mais de três anos depois da primeira decisão, a Procuradoria Geral da República (PGR) encaminhou parecer defendendo a improcedência de ações que vedam a permanência de indígenas no Assentamento Nova Amazônia e a ampliação da terra indígena Serra da Moça. Esses pareceres coadunavam com a posição já externada pela União e pela FUNAI, de contestações à decisão: preliminarmente pela ilegitimidade ativa do estado de Roraima e pela incompetência do STF; e, no mérito, pela improcedência do pedido.
Segundo nota divulgada pela PGR:
Em primeiro lugar, o MPF argumenta que, no caso em questão, não há conflito federativo que enseje a competência do STF, conforme exige a alínea f do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal. Conforme os pareceres, em decisão ao julgar agravo regimental na ação cível ordinária 1.551, o próprio STF afirmou que, para se caracterizar um conflito federativo, é necessário que exista efetivo risco de abalo ao pacto federativo, não se configurando quando a causa versa sobre questão meramente patrimonial, sem cunho institucional ou político. Além disso, a PGR entende que, por se tratar de terra cuja titularidade é da União, o Estado de Roraima não possui legitimidade para propor a ação. Nesse sentido, requer a extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do Código de Processo Civil.
Sobre o mérito, o MPF argumenta que o real objetivo do autor consiste em fazer prevalecer seus interesses na destinação econômica das áreas em disputa, através da expulsão dos grupos indígenas e do assentamento de particulares, para que seja possível a exploração de atividades lucrativas de agricultura na região. No entanto, conforme a PGR, é inconteste que as terras em questão são bens de titularidade originária da União (), portanto, a decisão acerca da sua destinação não cabe ao Estado de Roraima, mas unicamente ao INCRA e à FUNAI.
Por fim, a PGR entende que é infundado o argumento de iminente ampliação da terra indígena Serra da Moça. Conforme os pareceres, a própria FUNAI informa que não existe, até o momento, concreta intenção de aumento do território. Embora a comunidade indígena tenha feito tal requerimento em 2003, ainda sequer foi instituído grupo técnico para proceder aos estudos pertinentes.
Até o momento, nem o recurso da PGR ou o mérito da ação foram julgados.
Cronologia
29 de outubro de 1991: União homologa a TI Serra da Moça.
2002: Políticos de Roraima vão a público posicionando-se contra proposta de ampliação da TI Serra da Moça. Senador Mozarildo Cavalcanti move ação judicial para garantir manutenção dos limites previstos para a TI pelo decreto de 1991.
09 de julho de 2003: Senador Mozarildo Cavalcanti move Ação Judicial pedindo Liminar de Interdito Proibitório contra os Wapixana da Serra da Moça. Justiça Estadual concede liminar na mesma data e cita coordenadores do CIR e da APIRR, estabelecendo multa diária em caso de descumprimento da decisão.
10 de julho de 2003: CIR denuncia que a ação judicial movida pelo senador Mozarildo Cavalcanti estaria baseada em acusações levianas contra os Wapixana da Serra da Moça, a própria instituição e a APIRR. Denúncias veiculadas na imprensa local davam conta de que os Wapixana estariam invadindo propriedades do senador.
20 de agosto de 2003: Senador Mozarildo Cavalcanti protocola requerimento no Senado Federal inquirindo Ministro da Justiça a respeito de propriedades existentes nas terras indígenas da Serra da Moça.
18 de setembro de 2003: Plenário do Senado Federal aprova requerimento de informações ao Ministro da Justiça.
2004: Algumas famílias Makuxi se mudam da TI Serra da Moça para o Assentamento Nova Amazônia, em busca de melhores condições para cultiva a terra.
Novembro de 2005: INCRA propõe doação da área ocupada pelas famílias Makuxi e sua incorporação pela TI Serra da Moça. Assentados do PA Nova Amazônia se dizem contrários à doação.
Fevereiro de 2007: Central dos Assentados de Roraima (CAR) realiza proposta para fim do impasse entre índios e assentados.
Janeiro de 2009: Fazendeiros ocupam terras da comunidade Lago da Praia.
Maio de 2009: Índios Makuxi denunciam novas invasões na comunidade Lago da Praia por fazendeiros.
12 de maio de 2009: Após audiência no TRF, representantes das comunidades indígenas, dos assentados e autoridades federais entram em acordo e realizam reunião para negociação de convivência entre as partes.
13 de maio de 2009: Manifestantes bloqueiam acesso de técnicos do INCRA à área da comunidade Lagoa da Praia.
18 de maio de 2009: Comissão Permanente de Terras, Colonização e Assuntos Indígenas da Assembleia Legislativa de Roraima realiza audiência pública para discutir conflito.
19 de maio de 2009: Governador Anchieta Júnior se reúne com representantes dos reassentados.
22 de maio de 2009: Ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA) se reúne com autoridades federais e representantes dos povos indígenas da região. Um acordo é proposto.
28 de maio de 2009: Índios Macuxi denunciam destruição de escola na comunidade Lago da Praia. Reassentados acusam índios de forjarem incêndio para incriminá-los.
30 de maio de 2009: Vicinal é desbloqueada.
03 de agosto de 2009: CIR denuncia ação de terror de milícia dos agricultores contra os Makuxi.
11 de agosto de 2009: Diante do aumento da violência e das ameaças, famílias Macuxi abandonam comunidade Lago da Praia.
Novembro de 2009: TRF1 suspende liminar que impedia retorno dos índios ao assentamento. Reassentados ameaçam impedir retorno das famílias indígenas ao local.
20 de janeiro de 2010: Governo do Estado de Roraima entra com ação no STF para impedir ampliação da TI Serra da Moça e retorno das famílias Makuxi ao assentamento. Presidente da FUNAI pronuncia-se negativamente em relação à ação.
26 de janeiro de 2010: STF intima União a se pronunciar sobre a ação cautelar movida pelo Governo do Estado de Roraima.
29 de janeiro de 2010: Ministro Gilmar Mendes dá provimento a pedido de medida cautelar formulado pelo Estado de Roraima e proíbe famílias indígenas de retornar a sua comunidade até que o STF aprecie o mérito da ação.
03 de março de 2010: Em meio à polêmica sobre a expansão de seus limites e as tensões relativas ao conflito intenso na comunidade Lago da Praia, índios da TI Serra da Moça conseguem visita de unidade itinerante de saúde da Prefeitura Municipal de Boa Vista.
12 de junho de 2013: PGR encaminha pareceres defendendo a improcedência de ações que vedam a permanência de indígenas no Assentamento Nova Amazônia e a ampliação da terra indígena Serra da Moça.
Fontes
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