RS – Avanço da ocupação territorial no Sul do Brasil e nos vizinhos Paraguai, Uruguai e Argentina começa a inviabilizar a cultura nômade e a prática de acampamentos dos Mbyá Guarani em locais tradicionais da etnia.
UF: RS
Município Atingido: Passo Fundo (RS)
Outros Municípios: Passo Fundo (RS)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público
Impactos Socioambientais: Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação
Danos à Saúde: Violência – ameaça
Síntese
Importante lembrança para entender a relação dos povos Mbya Guarani com os espaços por eles ocupados relaciona-se aos mitos ancestrais que os motivam a migrar de vários pontos do Brasil e de outros países limítrofes. Muitos dos espaços tradicionais da etnia, inclusive aqueles utilizados para os acampamentos em viagens, estão hoje protegidos enquanto unidades de conservação (UCs). A presença ocasional destes indígenas em migração tem causado conflitos com as administrações de tais áreas, especialmente aquelas litorâneas dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná (Diegues, 2004).
Os Mbyá-Guarani formam um grupo de mil índios espalhados no Rio Grande do Sul. Esses índios, caracterizados como nômades, não possuem nenhuma área demarcada. Eles seguem um circuito de andanças onde visitam outras comunidades Guarani, em Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e nos países do Paraguai, Argentina e Uruguai. Acampados à beira de estradas, os Mbya-Guarani não podem mais caçar e tampouco pescar. Enfrentam dificuldades para transmitir sua cultura e religiosidade aos mais jovens e têm se tornado cada vez mais vulneráveis a doenças.
Contexto Ampliado
A formação territorial dos estados contemporâneos dificulta a reprodução social de populações que se caracterizam pelo modo de vida nômade. Acampados em beiras de estradas, os Mbyá Guarani sofrem diversas limitações.
No município de Barata Ribeiro, um grupo de 75 Mbyá habita pequenas áreas à margem da BR-116. Basicamente, se sustentam com dificuldade, e sua sobrevivência econômica é baseada na comercialização do artesanato. José Cirilo Morinico, liderança Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul, ilustrou a situação na reportagem da Rádio Bandeirantes de 1998: às vezes, não se vende nada. Aí, sofrem as crianças sem alimentação porque ninguém nos ajuda. Se algum vende 5 ou 10 reais, compramos alimento pras crianças.
Relatos de mortes por atropelamentos tornavam o deslocamento de um acampamento para outro um risco: [Foram] sete atropelamentos aqui na beira da estrada só esse ano. Faleceram duas pessoas. E também agora essas crianças estão passando perigo. (…) É por isso que nós queremos a demarcação da terra pro Guarani ficar fora de perigo (José Cirilo).
A reportagem da Rádio Bandeirantes constatou que, dos 75 índios, 25 eram crianças com idade até oito anos. As condições de saúde então constatadas eram mínimas. A reportagem de Alexandra Fiori recebeu menção especial no XV Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo no Rio Grande do Sul.
As reclamações sobre a precariedade de saúde decorrem de casos de diarreia, e suspeita-se de consumo de água contaminada com agrotóxicos. José Cirilo comentou: quando tem doença nós procuramos o hospital de Barra do Ribeiro. O posto de saúde. Nós mesmos pagamos passagem. Não vem ninguém aqui pra controlar como é que está a situação Guarani. E agora que tem as crianças de um ano. Estão internadas no Hospital Santo Antonio.
Segundo a reportagem da Rádio Bandeirantes, os Mbyá-Guarani encaminharam à Fundação Nacional do Índio (Funai), o levantamento de uma área de 100 hectares na região de Barra do Ribeiro. Apesar da disposição do proprietário de vender as terras, o caso não teria encontrado solução no órgão indigenista. São 100 hectares que pra nós é bom. Já fizemos uma pesquisa e tudo. Não queremos morar mais aqui na beira da estrada (José Cirilo Morinico).
E continuava a reportagem:
Até agora o povo Mbyá-Guarani do Rio Grande do Sul espera a publicação do resumo do relatório da Funai, sobre as áreas do Cantagalo, em Porto Alegre, Capivari e a Varzinha de Torres. Está em reestudo uma área no Taim e outra em Irapuá. Um dos integrantes do Departamento de Identificação Fundiária da Funai, Carlos Alexandre dos Santos, reconhece as dificuldades para as demarcações:
O artigo da Constituição, o 231, fala sobre tradicionalidade e permanência de um grupo no local. Aí sim a FUNAI identifica. Como não é o caso dos Guaranis que estão nesse processo de imigração, vindos da Argentina, Paraguai ou mesmo de área do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, estão indo para o litoral, fica difícil caracterizar uma área como tradicional Mbyá-Guarani. A última hipótese seria a compra de terra. Mas hoje em dia os Guaranis estão se fixando, porque eles estão vendo que os espaços que foram designados para eles, pelo Ianderú que é o seu deus, estão se acabando.
O antropólogo Rodrigo Venzon, que já atuou em organizações não governamentais de apoio ao índio e junto a entidades ligadas à igreja, assistiu como voluntário aos Mbyá no Rio Grande do Sul. Ele reclamou da legislação que afastou o povo indígena de suas terras para serem criadas reservas ambientais:
Eu acho importante a existência das áreas de preservação ecológica, só que a sobreposição desses espaços em cima dos territórios de ocupação tradicional indígena é bastante complicada. Tem o caso do Parque de Itapuã, por exemplo, onde parte dessa área de preservação se encontra em cima de um território Guarani, onde os índios estavam vivendo até a criação do parque. Eu acho que a gente tem que procurar a questão do desenvolvimento sustentável, a harmonização do uso da terra entre as populações tradicionais e o meio ambiente.
O Fórum Permanente Intermunicipal para questões indígenas preparou um trabalho para apresentar à FUNAI em Brasília. O objetivo era adiantar para, ao menos, o primeiro semestre daquele ano [1998], o início do reconhecimento de terras levantadas pelos índios no Estado. Enquanto isso, o povo Mbyá reclamava:
Funai não tem nada que estar se preocupando pra comprar terra, Funai tem que cobrar do governo federal, Ministério da Justiça, de que como eles venderam para a população não índio na intenção de cobrar imposto, que o governo pague pra esse proprietário pra devolver pro índio. Que ponto nós chegamos. Nossos antepassados sobreviveram aqui, nós continuamos aqui… Chegar a esse ponto do índio comprar terra pra ele. Que história é essa? (Manoel Lima, Mbyá-Guarani/SP).
E sonham com a terra do Sem-males. Um lugar além do mar, no qual, segundo a tradição cultural, não há maldade, fome ou doença.
Essa terra nós sabemos que existe. Só que é muito difícil chegar. Só sabemos que simplesmente se chega lá. Tem que passar ainda muitos anos pra poder fazer contato com o Deus que é sagrado, pra poder alcançar (Santiago Franco, Mbyá-Guarani/RS).
Passados 11 anos da reportagem acima reproduzida, a situação dos Mbyá Guarani parece não ter mudado. O site do Cimi reproduziu, em matéria de 2009, depoimento de Maurício da Silva Gonçalves, coordenador do Conselho de Articulação do Povo Guarani Mbya (CAPG):
Temos uma articulação grande que se chama Comissão Nacional de Terra Yvy Rupa, e faz 15 anos que estamos lutando pela nossa terra porque os Mbyá são esquecidos pelo governo. A FUNAI esqueceu que existe o povo Mbyá. Agora estamos lutando pela recuperação de nossas terras e aqui em RS temos 22 aldeias que precisam ser reconhecidas e demarcadas.
A mesma notícia relata de forma mais precisa o momento, a disposição de luta dos Mbyá diante dos impactos irreversíveis da obra de duplicação da BR 116:
Uma importante reunião de articulação, luta e resistência das comunidades Mbyá-Guarani foi realizada de 05 a 07 de outubro [de 2009] na aldeia Coxilha da Cruz, município da Barra do Ribeiro, Rio Grande do Sul, para decidir sobre programas de compensações e mitigações decorrentes da duplicação da BR-116 que atingirá 12 comunidades. O momento foi aproveitado também para falar da campanha Povo Guarani, Grande Povo.
Os símbolos de resistência Mbyá, que se estendem num trecho de 60 quilômetros aproximadamente, na BR 116, estão representados em primeiro lugar pelas cores e belezas extraordinárias do artesanato desse povo. Os produtos que são expostos para a venda na beira da estrada representam a mais importante fonte de renda e subsistência das aldeias e acampamentos. O projeto de duplicação da BR 116, desde Guaíba até Pelotas, atingirá diretamente não só os acampamentos senão as aldeias, o território reivindicado, a vida e o futuro das famílias Mbyá que estão nessa região, distante cerca de uma hora de Porto Alegre.
As terras tradicionais desse povo Guarani estão impactadas pelas fazendas de gado, a monocultura do eucalipto e plantações de arroz.
Além destes investimentos do capital e do agronegócio agropecuários, que, junto ao latifúndio degradaram para sempre a exuberância dos antigos tekoha guasu (territórios tradicionais) dos Mbyá, os avanços de novos empreendimentos que serão implementados com o PAC (Programa de aceleração do Crescimento), como no caso da duplicação da BR 116, empurram ainda mais os verdadeiros donos dessas terras a uma situação de extrema gravidade.
Aproximadamente 2.500 Mbyá-Guarani sobrevivem penosamente no Rio Grande do Sul, e uma grande quantidade de famílias resiste em acampamentos nas beiras da BR como um modo silencioso de um grito ancestral, pedindo a restituição de direitos consuetudinários e constitucionais.
Na aldeia Tekoha Porã (Coxilha da Cruz), se reuniram representantes das comunidadescomo Jataitý (Cantagalo), Nhundy (Estiva), Arasaty (Petim), NhuPoty (Passo grande 1); Varzinha; Lami; Agua Grande; Anhetenguá (Lomba do Pinheiro), Irapuã, Pacheca e Passo Grande 2. O objetivo da reunião foi analisar uma proposta de programa de articulação de lideranças e organizações Mbya-Guarani para decidir a forma de resistência e luta dos nativos perante os impactos que já são uma realidade.
O empreendedor responsável pela duplicação da rodovia é o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT). Participaram também da reunião representantes da FUNAI e setores que apóiam os indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e o Ministério Público Federal (MPF). O encontro foi um passo importante para a vida dos Mbyá, pois, inicialmente, não se tinha considerado os custos sociais e ambientais da obra nas áreas de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, e estes tampouco haviam sido consultados.
A luta pela terra e a organização dos nativos buscam evitar um impacto maior e irreversível, para eles e o meio ambiente, com a mencionada obra do PAC. O empreendimento está em fase de licença, porém já constitui um impacto direto, tendo em conta que a FUNAI e o DNIT não garantem para as comunidades respostas concretas que satisfaçam as reivindicações de terra. Os indígenas propõem uma política de compra de terra neste caso particular, como uma das formas para compensar e mitigar o impacto social e ambiental que a duplicação da BR vai causar às aldeias Mbyá. Porém, não querem menos de 100 hectares para cada comunidade.
O DNIT se mostra contrário a essa reivindicação. Por outro lado, um Grupo Técnico de Trabalho (GT) faz estudos antropológicos visando a demarcação do território Guarani. Supostamente, não se poderia comprar terra em território tradicional indígena que estiver sendo objeto de identificação. A organização Mbyá quer uma resposta definitiva à questão fundiária e decidiu não permitir o avanço da obra na faixa de 60 quilômetros da BR 116, onde há presença de acampamento e aldeias indígenas, sem que seja resolvida a restituição territorial.
Indígenas de todo o continente se reuniram em Assunção, no Paraguai, em novembro de 2010, para o III Encontro Continental do povo Guarani. A questão territorial foi um dos principais temas de discussão no evento. Relato de Cleymenne Cerqueira e Paul Waters afirmava que o principal propósito do encontro era uma melhor articulação a nível continental. Os Mbyá do sul do Brasil enviaram uma delegação. Durante o evento, eles denunciaram que: As terras tradicionais do povo Guarani têm suscitado a ganância de grandes empresários e latifundiários. Os primeiros invasores foram os que se apropriaram destas terras e utilizaram os Guarani como mão de obra barata. O território Guarani, hoje, está quase totalmente destruído pelas grandes plantações de soja, cana de açúcar e eucalipto. Esses territórios também estão ameaçados por grandes obras, como centrais hidrelétricas.
Em 19 de abril de 2011, Maurício da Silva Gonçalves, liderança Guarani do Rio Grande do Sul, publicou uma ampla crítica à política ambiental e indigenista brasileira, na qual ele expressava a revolta de seu povo com a destruição de seu antigo território e a falta de vontade política do Governo Federal para garantir parcelas mínimas de suas vastas terras ancestrais.
Afirma Gonçalves: Mas é neste contexto, onde as visões de mundo são diferentes, que nós os Guarani e os demais povos indígenas lutamos por direito e dignidade. Lutamos por respeito à cultura, à terra e ao futuro. Nós ainda acreditamos que é possível reverter esta realidade. E os nossos líderes religiosos sempre dizem que, embora os Juruá insistam em destruir a terra, ela existirá enquanto os Guarani existirem. Destruindo os Guarani, destruirão a última esperança de vida no planeta. Faço essa referência sobre os líderes do meu povo, mas já ouvi outros líderes indígenas, como o Davi Yanomami, falar a mesma coisa, ou seja, se destruírem os filhos da terra, destruirão em definitivo a terra inteira.
Nosso povo luta e continuará a lutar pela terra. De nosso modo, com paciência, mas com a força sagrada de nossos velhos, nossos Karaí, as KunhãKaraí, que nos ensinam a viver, nos aconselham a sermos bons com todas as pessoas, a tratar todos com igualdade. E seguiremos andando, procurando por nossa terra, construindo nosso bem viver e exigindo das autoridades que cumpram com seu dever de demarcar as terras que as leis dos brancos, escritas pelos brancos, determinam que esse nosso direito deve ser assegurado.
Aproveito a oportunidade para apresentar as reivindicações dos Guarani, na expectativa de que elas sejam devidamente atendidas, uma vez que aqui nesta audiência se encontram representantes dos governos estadual e federal:
Que o governo federal, em articulação com o governo do estado do Rio Grande do Sul, busque resolver um dos graves problemas que impede a ocupação e o usufruto de nossas terras, aquelas já demarcadas, que são os pagamentos das indenizações aos ocupantes não-indígenas de nossas terras. Esta é uma obrigação da FUNAI, pois cabe a ela buscar soluções para as questões relativas aos problemas fundiários. Pedimos, mais uma vez, entendimentos entre os governos federal e estadual no que se refere ao pagamento dos não-indígenas pelas terras que no passado foram loteadas e tituladas pelo governo do Estado e que estão sendo demarcadas como terras indígenas. Com isso, se pode acelerar os processos e diminuir os conflitos.
As terras reivindicadas pelos Guarani, principalmente territórios Mbyá, foram as seguintes:
(1) TI Coxilha da Cruz: O território indígena foi homologado, mas apenas parcialmente entregue à etnia, e os antigos posseiros ainda não haviam sido completamente indenizados;
(2) TI Cantagalo: já homologada, mas ainda não realizada a indenização dos posseiros e a desintrusão da TI;
(3) TI Águas Brancas: A portaria declaratória havia sido publicada pela FUNAI em 2001; porém, até então, o processo não havia avançado no Ministério da Justiça;
(4) TI Mato Preto e TI Irapuã: o relatório de identificação e delimitação da TI já havia sido publicado, mas o processo demarcatório permanecia paralisado;
(5) TIs Capivari, Lomba do Pinheiro, Estiva e Lami: o relatório de identificação e delimitação destas terras indígenas já havia sido concluído e entregue à FUNAI pelo GT correspondente, porém ainda não havia sido publicado;
(6) TI Estrada Velha: havia um GT constituído para elaboração do relatório de identificação e delimitação desde 2008; até aquele momento, inconcluso;
(7) TI Mata São Lourenço, Esquina Ezequiel, Capivari, Lomba do Pinheiro, Estiva e Lami: terras em que sequer havia GT constituído para elaboração dos estudos de identificação e delimitação.
(8) Acampamento de Santa Maria: comunidade de Santa Maria habitava uma pequena faixa de terra à beira da estrada, sem qualquer perspectiva de aquisição de terras e correndo diversos riscos inerentes a esse tipo de vida.
Apesar da lentidão do processo de demarcação de suas terras, os Guarani-Mbyá têm obtido algumas vitórias parciais no que concerne ao atendimento de suas necessidades específicas de saúde. Segundo Daniel Cassol, em São Miguel, por exemplo, o hospital municipal, que os atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS), reservou um espaço em suas instalações para que, paralelamente ao atendimento médico convencional, os índios possam receber os cuidados de seus líderes espirituais durante o período de internação.
Enquanto em São Miguel, os Mbyá conquistavam um pouco de dignidade, no Acampamento Santa Maria, no mês seguinte, uma indígena deu à luz uma criança que veio a falecer dois dias depois. De acordo com relatos do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas de Santa Maria, a mãe e a criança viviam em condições precárias no acampamento na beira da estrada, e a índia já sofria com um quadro de pneumonia durante a gravidez. O parto, que foi precoce, acoteceu enquanto ela estava sozinha, debaixo de um barraco de lona preta, em uma das noites mais frias do ano, sem água, sem luz, sem médico, sem parteira, com pneumonia, com febre, sem nunca ter acesso a atendimento ou qualquer outro serviço médico. A mãe permaneceu em estado grave em tratamento intensivo nos dias seguintes.
De acordo com o GAPIN: E essa população continua sem as mínimas condições humanas de viver no local onde vive, continua tendo o seu acesso aos direitos universais mais elementares, como educação, saúde, água, luz, moradia etc, dificultado e, na maioria das vezes, negado pela sociedade local que os considera invisíveis.
Enquanto isso, o Ministério Público, que era quem, por força constitucional, deveria estar protegendo essa comunidade, apenas solicita informações, protela as decisões que deveriam ser tomadas, preocupa-se em desqualificar grupos como o GAPIN, centra sua ação em torno de discussões vazias, como as que faz em relação ao que é artesanato indígena, se eles podem vender bijuteria no centro etc.
A Prefeitura Municipal, a FUNAI, a SESAI, o Governo do Estado etc e etc, além de soluções paliativas, apenas discutem de quem são as responsabilidades ou cobram informações uns dos outros e não se entendem; não têm uma política, não possuem um planejamento de suas ações e sequer possuem um cadastro atualizado da população que mora no local.
A recém-nascida não foi a única criança a sucumbir à pneumonia naquele inverno. Em outro acampamento Mbyá, dessa vez em Capivari, Amilta, uma criança de quatro anos, também faleceu após contrair a doença no acampamento à beira da estrada onde morava com os pais. Além do fato gravíssimo de sua morte devido às péssimas condições de vida a que essas comunidades indígenas estão submetidas, outro fato que veio a agravar a dor da família é que não havia no acampamento velas nem fumo, necessários para a realização dos rituais fúnebres adequados. Por isso, o corpo permaneceu insepulto por pelo menos um dia até que a sua família conseguisse a doação do material necessário para a realização dos rituais que deveriam, segundo a cultura de seu povo, preceder ao enterro.
De acordo com relato de Antonio Liebgott, no acampamento onde a criança vivia, moram outras 10 famílias: Não dispõem de água potável, energia elétrica, muito menos saneamento básico. Raramente recebem visita de equipes de saúde da?Sesai (Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena). Alegam falta de recursos e de combustível para prestar atendimento à comunidade. O acampamento situa-se a menos de 80 km de?Porto Alegre?(capital do estado onde está localizada a sede da?Sesai). Apesar da facilidade de acesso e geograficamente bem localizada, a comunidade é totalmente esquecido pelos órgãos de assistência.
A fazenda de gado e arroz existente nas proximidades do acampamento já foi identificada por diversos estudos como de ocupação tradicional dos Mbyá, sem que o processo de demarcação avance no órgão indigenista.
Ao final daquele mês, lideranças Mbyá de diversas comunidades do Estado, organizados em torno do Conselho de Articulação do Povo Guarani (CAPG), estiveram reunidos no Conselho Estadual dos Povos Indígenas (CEPI) para discutir os problemas que as comunidades enfrentam, bem como para reivindicar que a FUNAI cumpra com sua obrigação e demarque as terras Mbyá.
Em nota divulgada no dia 26 de julho, a CAPG externava a preocupação dos Mbyá quanto à questão fundiária e suas consequências: Estamos bastante preocupados com a demora nos estudos de identificação e delimitações das terras de Itapuã, Ponta da Formiga e Morro do Coco; estamos preocupados com a demora na conclusão do GT (Grupo de Trabalho da Funai) do Petim, Passo Grande e Arroio Divisa. Queremos que a Funai nos informe corretamente como estão sendo feitos estes estudos e porque tanta demora.
Estamos preocupados com as duplicações das BRs 116 e 290. Comunidades e acampamentos serão atingidos por este empreendimento e os acordos feitos com o DNIT até hoje não foram cumpridos. Também sobre essas questões nossas comunidades não receberam nenhuma informação da FUNAI.
(…)
As comunidades do Lami, Capivari, Estiva e Lomba do Pinheiro apresentaram para a FUNAI reivindicação pela criação do GT destas áreas. Faz muitos anos que aguardamos pelo referido GT e a FUNAI nada faz. Exigimos providências imediatas porque a situação destas comunidades é muito grave, especialmente do Lami e Capivari, porque nossas famílias estão acampadas na beira da estrada e em condições precárias, sem moradia, sem espaço para plantar, sem água e sem assistência.
Em outubro de 2011, os Mbyá visualizaram na visita do presidente da FUNAI, Márcio Meira, uma oportunidade de quebrar o silêncio da FUNAI e mantiveram o presidente do órgão indigenista e uma delegação de 14 pessoas detidas na aldeia por nove horas. Na aldeia, 33 famílias que reivindicavam a demarcação da área, reconhecendo-a como território tradicional Mbyá.
Depois que todos entraram fechamos as portas. Colocamos os membros da?FUNAI sentados. Algumas mulheres se assustaram e quiseram sair, mas as tranquilizamos de que só queríamos ser ouvidos e não machucaríamos ninguém, contou o cacique.
Após várias horas de negociação, foi firmado um acordo que garantiu aos índios uma reunião com a presidência do órgão, que foi realizada no dia seguinte em Brasília com a presença de dez caciques.
Os Mbyá do acampamento de Santa Maria também obtiveram uma vitória importante em abril de 2012. Segundo o blog de Luís Nassif: Concedendo antecipação de tutela a uma ação do Ministério Público Federal, a Justiça Federal de Santa Maria determinou a imediata imissão de posse para a comunidade indígena do acampamento Mbyá Guarani, possibilitando que eles ocupem uma área de 77 hectares de propriedade do Estado do Rio Grande do Sul, no Distrito Industrial da cidade. A ação civil pública foi ajuizada pelo procurador da República Rafael Brum Miron, contra a União, a Funai e o DNIT. Na decisão, a juíza federal de Santa Maria Simone Barbisan Fortes determinou que os réus no processo devem providenciar remoção do acampamento indígena para a nova área, conforme acerto ocorrido durante a inspeção judicial entre o Estado do Rio Grande do Sul, Funai e Município de Santa Maria. Com essa medida, a comunidade pôde abandonar o acampamento na rodovia onde vivia Amilta. A aldeia foi inaugurada na área em junho de 2012.
Em agosto, foi a vez dos Mbyá do Acampamento Mato Preto irem a público denunciar as péssimas condições em que viviam há nove meses nas margens da linha férrea entre Getúlio Vargas e Erebango. Entre os problemas por eles enfrentados, estavam:
1 – falta de moradia, pois os nossos barracos são de lonas pretas, pois não temos as mínimas condições de? vivermos com nossas crianças;
2 – falta de saneamento básico, pois não temos sequer lugar adequado para fazer nossas necessidades;
3 – falta de água potável, as nossas crianças sofrem quase que frequentemente com diarreia e vômito? por? falta de água boa;
4 – às vezes, com a falta de alimentos e também com a falta de atendimento e descaso na saúde;
5 – além? disso,? a? nossa? grande? preocupação com? a? saúde? de? nossas? crianças? é ?pela quantidade? de? agrotóxicos? espalhada? ao redor ?de? nosso? acampamento ?pelos? agricultores ?na ?época? do? plantio;
6 – e também? frequentemente? sofremos? ameaças? e? agressões? verbais? pelas? pessoas? que? transitam? em? veículos? pela? estrada.
O processo de demarcação da TI Mato Preto, que poderia pôr fim àquela situação, já havia sido enviado para o Ministério da Justiça, que ainda não havia assinado a portaria declaratória, pois, segundo nota dos próprios indígenas, estava sendo condicionado a uma autorização do então governador do Estado Tarso Genro. Este procedimento é completamente ilegal, já que o governador não tem competência para decidir sobre o Patrimônio da União. Tais denúncias foram apresentadas à Comissão de Direitos Humnos da Câmara dos Deputados.
Após as denúncias, os Mbyá conseguiram mais uma vitória. Em 22 de setembro de 2012, o Ministério da Justiça publicou portaria declaratória reconhecendo 4,2 mil hectares como parte da Terra Indígena Mato Preto. A bancada ruralista na Câmara dos Deputados, porém, reagiu rapidamente ao decreto. Em 10 de outubro de 2012, o deputado federal Alceu Moreira apresentou um projeto de decreto legislativo que pretendia sustar a portaria. O projeto foi aprovado na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) e atualmente se encontra na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).
Enquanto as famílias Mbyá da TI Mato Preto aguardavam a continuidade do processo de demarcação de suas terras, sob ataque dos parlamentares ruralistas, em Guaíba, a comunidade Mbyá de Arroio do Conde cansou de esperar pela tramitação do processo na FUNAI e, em março de 2013, retomou parte do seu antigo território tradicional. O procedimento administrativo de demarcação deste território foi iniciado na FUNAI em agosto de 2009 e até o momento sequer os estudos de identificação foram divulgados.
As famílias de Arroio do Conde, lideradas pelo cacique José de Souza, vivem, segundo relato do CIMI, há décadas acampadas nas margens da BR-116 no município de Guaíba, onde lutam incansavelmente pela demarcação de suas terras; no entanto, os poderes públicos, especialmente a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) agem com negligência e morosidade. Em função do descaso dos órgãos governamentais, centenas de famílias são obrigadas a conviver diariamente com a falta de condições básicas e com a insegurança em acampamentos provisórios.
Em 25 de julho de 2013, os Mbyá que acampavam nas margens da BR-290, entre os municípios de Caçapava do Sul e Cachoeira do Sul, retomaram parte de uma área de 222 hectares já identificada pela FUNAI, desde janeiro de 2011, como parte da TI Irapuã. A área é considerada importante para a memória coletiva dos Mbyá e suas práticas, segundo a repórter Patrícia Bonilha, pelo fato de que ali moraram inúmeros caraí (caciques), pajés e guerreiros considerados muito importantes na história dos Guarani Mbyá. Além disso, é na terra que os Guarani podem exercer o nhandereko (o modo de ser e viver dos Guarani).
Ainda segundo Bonilha: As contestações feitas por fazendeiros da área não foram aceitas, mesmo assim o processo está parado no Ministério da Justiça. Diferente de outras áreas reivindicadas, não há pequenos agricultores, nem benfeitorias de fazendas nesta terra. No entanto, três fazendeiros reivindicam, mesmo sem escritura ou qualquer documentação, o uso dela para a criação de gado e plantação de soja e trigo. Segundo os indígenas, um deles, José Denemídio Almeida, que contestou o processo demarcatório da FUNAI, é dono de várias propriedades agrárias e tem bastante influência política na região.
Em 28 de julho, os Mbyá foram expulsos das terras violentamente. Segundo denúncia de Santiago Franco e Maurício da Silva Gonçalves, líderes Guarani, os barracos dos Mbyá foram incendiados e os indígenas têm sido perseguidos e discriminados pela população local.
Em primeiro de agosto, os Mbyá, Kaingang e quilombolas do Rio Grande do Sul estiveram em uma reunião com o governador Tarso Genro, o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo e a presidenta da FUNAI, Maria Augusta Assiratti. Segundo reportagem de Antonio Liebgott, para o Cimi, a questão territorial e a violência contra os povos foram os principais temas da reunião.
Líderes Kaingang e Guarani manifestaram apreensão com relação à paralisação das demarcações das terras e as violências que são praticadas contra lideranças e comunidades. Foram entregues ao Ministro da Justiça documentos onde são apontadas as terras indígenas a serem regularizadas neste ano, pois dependem basicamente de portarias declaratórias, decretos de homologação, além do pagamento das indenizações aos agricultores afetados por demarcações e que são possuidores de benfeitorias de boa-fé e títulos de propriedade legalmente adquiridos.
A violência em Irapuã também foi tema da reunião. Segundo Liebgott:
O procurador da República de Cachoeira do Sul, Pedro Nicolau Moura Sacco, antes de solicitar à Polícia Federal abertura de inquérito para investigar a queima de quatro barracos de lona dos Guarani, quis se reunir com fazendeiros que se dizem proprietários da área indígena (ou com seus advogados) para informar o procedimento demarcatório em curso e buscar esclarecimentos acerca do fato de os Guarani terem encontrado seus barracos de lona incendiados. A reunião ocorreu nesta quinta-feira, dia 1º. No entanto, não houve possibilidade de diálogo por conta da desmedida irritação dos advogados contra os indígenas e aqueles que defendem seus direitos.
Agentes da Polícia Federal, que se dirigiram para a região do conflito e especificamente para o local onde os barracos dos indígenas foram incendiados, acabaram sendo cercados por fazendeiros, que exigiram dos agentes federais identificações. Os fazendeiros foram até o acampamento indígena para intimidar a representante da FUNAI, presente no local para averiguar a situação. Disseram que o órgão não tem legitimidade, porque está a serviço de ONGs. Insistiram que não aceitam a demarcação de terras e prometem inclusive agir de forma violenta caso a demarcação ocorra. De acordo com as lideranças da comunidade, as ameaças foram proferidas por Benídio Almeida, Almelia da Silva Almeida e Cesar Augusto da Silva Ortiz.
Cronologia:
1998: Rádio Bandeirante denuncia que, em Barata Ribeiro/RS, cerca de 75 Guarani-Mbyá, 1/3 deles crianças, vivem em acampamentos a beira das estradas, dependendo da venda do artesanato para sobreviver. Fome e atropelamentos são riscos constantes.
2009: Povo Guarani-Mbyá denuncia que índios do Rio Grande do Sul permanecem desassistidos pela FUNAI.
Outubro de 2009: Lançada a Campanha Povo Guarani, Grande Povo de apoio as comunidades Guarani do Rio Grande do Sul. Comunidades da etnia se articulam para debater impactos das obras de duplicação da BR-116.
Novembro de 2010: Povo Guarani realiza III Encontro Continental em Assunção, Paraguai.
Abril de 2011: Liderança Guarani divulga documento expondo a ineficácia da política indigenista do Governo Federal, demonstrando que diversas áreas tradicionais Guarani esperam por avanços no processo de demarcação há décadas.
Maio de 2011: Mbyás conquistam direito a cuidados de seus líderes religiosos no Hospital Municipal de São Miguel.
Junho de 2011: Bebê recém-nascido da etnia Mbyá morre em consequência da pneumonia que contraiu da mãe, acampada na beira de uma estrada de Santa Maria sem qualquer tipo de assistência médica durante a gravidez e o parto.
Julho de 2011: Criança de quatro meses morre de pneumonia em acampamento situado na estrada que corta o município de Capivari.
26 de julho de 2011: CAPG divulga nota externando insatisfação de lideranças Mbyá reunidas no CEPI com a ineficácia da ação da FUNAI no estado.
Outubro de 2011: Povo Mbyá mantém presidente da FUNAI detido na aldeia Estiva por nove horas. Com a ação, eles conseguem reunião com a presidência do órgão em Brasília no dia seguinte para expor suas reivindicações.
Abril de 2012: Justiça Federal determina imissão de posse para índios Mbyá do acampamento em Santa Maria, forçando FUNAI a realizar o assentamento da comunidade em um terreno de 77 hectares do Estado do Rio Grande do Sul.
Junho de 2012: Aldeia Mbyá é concluída em terreno de Santa Maria, pondo fim a acampamento.
Agosto de 2012: Índios Mbyá do acampamento Mato Preto encaminham documento à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados externando as péssimas condições de vida de sua comunidade e denunciando irregularidades na condução do processo de demarcação de sua TI.
21 de setembro de 2012: MJ publica decreto 2222 declarando 4,2 mil hectares como TI Mato Preto de usufruto dos Guarani-Mbyá.
Outubro d 2012: Deputado Federal Alceu Moreira apresenta projeto de decreto legislativo para sustar efeitos da portaria declaratória do MJ sobre a TI Mato Preto.
Março de 2013: Famílias Mbyá da comunidade de Arroio do Conde retomam parte de suas terras.
25 de julho de 2013: Famílias Mbyá retomam parte das terras identificadas como TI Irapuã em Caçapava do Sul.
1º de agosto de 2013: Indígenas Guarani-Mbyá, Kaingang e quilombolas se reúnem com o Ministro da Justiça, o governador do Rio Grande do Sul e a presidenta da FUNAI para denunciar violência e cobrar andamento de demarcações e titulações de territórios tradicionais.
Última atualização em: 219 de agosto de 2013.
Fontes
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