SP – Eucalipto no Vale do Paraíba, região leste do Estado de São Paulo, está causando graves danos ambientais e êxodo rural

UF: SP

Município Atingido: Taubaté (SP)

Outros Municípios: Cruzeiro (SP), Guaratinguetá (SP), Jacareí (SP), Lorena (SP), Pindamonhangaba (SP), São José dos Campos (SP), São Luís do Paraitinga (SP), Taubaté (SP)

População: Agricultores familiares

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Erosão do solo, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Síntese

O plantio extensivo de eucalipto no Vale do Paraíba, região leste do Estado de São Paulo, está causando graves danos ambientais e êxodo rural. Recursos hídricos, animais e pessoas foram contaminados por agrotóxicos e diversos trabalhadores rurais ficaram desempregados.


Organizações sociais, trabalhadores rurais e pequenos produtores rurais estão se mobilizando para deter a expansão do deserto verde. Paradoxalmente, os oligopólios poderosos da indústria de celulose têm obtido financiamentos do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Contexto Ampliado

É no Vale do Paraíba, situado entre a Serra da Mantiqueira e a Serra do Mar, que começa a se formar a bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul. O rio Paraíba do Sul e seus afluentes banham o leste do Estado de São Paulo e oeste do Estado do Rio de Janeiro. O Vale do Paraíba paulista, formado por 27 municípios agrupados em seis microrregiões, é uma das quinze mesorregiões do Estado de São Paulo.


A região tem um parque industrial altamente desenvolvido com indústrias automobilística, aeroespacial/aeronáutico, bélica, metal-mecânica e siderúrgica. O Vale do Paraíba nas suas porções paulista e fluminense concentra uma parcela considerável do PIB do Brasil.


A história da economia agropecuária do Vale do Paraíba está intimamente ligada à ascensão e decadência da cultura do café. O período de opulência deu prestígio e poder político à região. A expansão dos cafezais e a geração de energia para atender a demanda ainda insipiente da indústria paulista, foram determinantes para o desmatamento maciço da Mata Atlântica naquela região.


A decadência do café, ocorrida a partir da crise econômica mundial de 1929, mudou não apenas o perfil da produção agropecuária no Vale do Paraíba, mas também modificou a estrutura fundiária da região. As grandes fazendas de café passaram a ser divididas em partilhas e heranças familiares. Esse processo se multiplicou à medida que as gerações foram se sucedendo, o que resultou numa região pontuada por pequenas propriedades e produção agropecuária com produção de leite e cultivo de arroz marcadamente familiar.


Atualmente, o Vale do Paraíba é o segundo maior polo produtor de leite do país. A pesar da queda internacional dos preços do leite, essa produção ainda sustenta boa parte da população rural.


A expansão das plantações de eucalipto mudaria notavelmente esse cenário, pois muitos proprietários ? seduzidos pelas ofertas das empresas produtoras de celulose ? estão substituindo as atividades agrícolas tradicionais pela cultura do eucalipto. Esses produtores rurais são os chamados ?fomentados? que celebram uma espécie de contrato de fidelidade com as empresas, recebendo adiantamento em dinheiro e assistência técnica para cultivar mudas fornecidas pelas próprias companhias.


Os territórios expropriados pela monocultura do eucalipto descarta grande parte da mão de obra ocupada na produção de leite ou na agricultura familiar. O plantio em áreas que antes eram ocupadas pela atividade da pecuária leiteira, além de expulsar os trabalhadores do campo, inibe a manutenção dos costumes típicos do Vale do Paraíba, ameaça de contaminação pelo uso dos agrotóxicos os lençóis freáticos, nascentes e animais.


Segundo o Defensor Público Wagner Giron de La Torre, que já propôs duas ações civis públicas (ACP) após denúncias de movimentos sociais de preservação do meio ambiente, a empresa Nobrecel S.A. utiliza o herbicida Scout-NA, fabricado pela Monsanto, desde novembro de 2004 na região. Há relatos de diversas pessoas, incluindo ex-trabalhadores da empresa, afetadas pelo herbicida. Os problemas vão desde a diminuição dos glóbulos brancos, tonturas, náuseas, desmaios, perda de visão até o enrijecimento dos membros.


Além dos danos à saúde de pessoas, todo o ecossistema da região foi contaminado após a utilização do herbicida. Com a contaminação da água e de nascentes, criação de peixes, porcos e bois de pequenos proprietários rurais, que fazem divisa com fazendas de plantação de eucalipto, foi afetada. Moradores denunciam ainda que a utilização dos produtos químicos provocou a morte de várias espécies de pássaros silvestres, de anfíbios e de insetos, e também de centenas de árvores frutíferas.


Em abril de 2007, representantes de vários movimentos sociais e entidades como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Associação de Favelas de São José dos Campos, a Convergência dos Movimentos Populares da América Latina (Compal) e o Movimento em Defesa dos Pequenos Agricultores (MDPA) realizaram uma marcha em São Luís do Paraitinga. Nesse município, localizado a uns 180 km da cidade de São Paulo, 20% do território está ocupado pelas plantações de eucalipto. Os manifestantes denunciaram a expansão da monocultura de eucalipto em toda a região e exigiram a intervenção do Ministério Público para que esse plantio seja suspenso e proibido na região.


Os movimentos reivindicam também punições para empresas Votorantim Celulose e Papel S.A. (VCP), a Suzano de Papel e Celulose S.A., e a Nobrecel Celulose e Papel S.A. por danos sociais e ambientais decorrentes do modelo agrícola baseado na monocultura e no latifúndio, com desrespeito à legislação trabalhista, diminuição da produção de alimentos e uso de agrotóxicos.


Em novembro de 2007 ? Foi ajuizada a Ação Civil Pública contra Votorantim e Suzano, proposta pelo defensor público Wagner Giron de La Torre, da regional de Taubaté. Ele denunciou os graves danos ambientais, êxodo rural, contaminação com agrotóxico, desaparecimento de rios e nascentes.


Em março de 2008 ? Foi concedida decisão judicial favorável, no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP), proferida pelo desembargador Samuel Júnior, da 1ª Câmara de Direito Ambiental, no recurso de agravo de instrumento contra decisão do juiz de São Luiz do Paraitinga, que indefirira a liminar. Desde então, para novos plantios no município, é necessária a realização prévia de um estudo de impacto ambiental/relatório de impacto ambiental (EIA/Rima).


É importante frisar que o julgamento final dos problemas apontados na ACP ainda vai levar alguns anos, e que as empresas não foram condenadas. Porém, se ao término do processo ficarem comprovadas as irregularidades, e se os pedidos contidos na ação forem acolhidos integralmente, elas serão obrigadas a destinar a quantia de 5 mil salários mínimos a um fundo público de proteção e recomposição do meio ambiente. A ACP também determina que os órgãos competentes municipais e estaduais intensifiquem as atividades de fiscalização, sob pena de multa. Como esse imbróglio vai se arrastar por um bom tempo, a liminar concedida pelo TJ/SP foi considerada por ambientalistas uma vitória, ao barrar em caráter emergencial a expansão do eucalipto em São Luiz do Paraitinga. De acordo com o defensor público atuante ?Ao se impor uma monocultura, queira ou não, ocorre impacto ambiental. Que se faça, então, um EIA/Rima com audiências públicas, para discutir com a população local?.


No distrito de Catuçaba, moradores recolhem assinaturas para um abaixo-assinado que visa impedir que a VCP transporte toras extraídas de fazenda vizinha pelas vias do bairro. Uma lei municipal limita a circulação de caminhões com no máximo três eixos pelo interior de Catuçaba. Porém, mesmo que o limite seja respeitado, os moradores temem que o trânsito de caminhões abarrotados de árvores acabe danificando a estrutura das simples moradias do local.


Em Setembro de 2009 – a Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Taubaté obteve a decisão liminar na Justiça que impede a empresa Votorantim Celulose e Papel S.A (VCP) de realizar o corte de eucalipto na Fazenda Sertãozinho II (316 hectares em área de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Mar) e em outras situadas no entorno do histórico Distrito de Catuçaba, localizado na cidade de São Luiz do Paraitinga, onde há 500 casas. Pela liminar, a empresa também está impedida de fazer o transporte das árvores pela via principal ou adjacências de Caçuaba até a realização de estudo de impacto ambiental e social e consulta pública, sob pena de multa diária de 15 mil reais. O transporte de eucalipto é feito por caminhões conjugados com duas ou três carrocerias engatadas que chegam a pesar até 90 toneladas e vão trafegar pelo distrito por 24 horas ininterruptas.

A ação civil pública foi proposta após representação da sociedade civil, que encaminhou à Defensoria um abaixo-assinado com 160 assinaturas de moradores da comunidade local. O corte das árvores clonadas está programado para o começo do ano que vem. A decisão judicial obriga ainda o Estado e o Município pela ?construção e manutenção das vias públicas, para que efetivamente fiscalizem o cumprimento da ordem judicial, e coíbam o transporte de cargas de eucaliptos pelas ruas internas de Catuçaba e pela Rodovia Abílio Monteiro de Campos?, também sob pena de multa diária de 15 mil reais. A ação está em andamento na Vara Cível de São Luiz do Paraitinga. A medida da Justiça contra o corte e transporte de eucaliptos na região reforça ainda decisão judicial do Tribunal de Justiça de São Paulo que suspendeu liminarmente, em março de 2008, novos plantios e replantios de eucalipto no município de São Luiz do Paraitinga em ação civil pública (ACP), também proposta pela Defensoria.

A Defensoria Pública do Estado em Taubaté (SP) ajuizou, no final de setembro de 2009, uma ação civil pública para que seja suspenso o corte e transporte de eucalipto no município de Piquete, no Vale do Paraíba. De acordo com a ação, é necessária a realização de estudos de impacto ambiental e audiências públicas, que avaliem a expansão da monocultura de eucalipto na região.

A ação também busca impedir a utilização de potente herbicida no plantio e conservação de mudas de eucalipto, responsabilizando a Nobrecel S.A. e a Monsanto do Brasil pela contaminação de pessoas e do meio ambiente. A ação pede a condenação dessa empresas a indenizarem por danos morais, no valor de 500 salários mínimos, cada vítima que foi lesada pelos herbicidas. Também requer que as empresas paguem, cada uma, o valor equivalente a 5 mil salários mínimos pelos danos ambientais causados, valor que deverá ser depositado em um fundo municipal para ser aplicado na recomposição ambiental no próprio município de Piquete. Além do pedido de indenização, a ação busca a condenação do Estado de São Paulo e Prefeitura de Piquete na fiscalização da expansão da monocultura do eucalipto na região e que futuras licenças ambientais sejam condicionadas a realização do Estudo de Impacto Ambiental pelas empresas.

O eucalipto é uma espécie de árvore que cresce muito rápido em diversos tipos de solo e clima. Porém, foi necessário desenvolver tecnologia apropriada para produzir papel de qualidade com suas fibras curtas. O aproveitamento do eucalipto permitiu uma notável expansão do mercado da celulose. Isto foi acompanhado por um alto grau de concentração empresarial, mesmo mantendo muito diversificado o processamento desta pasta em diferentes produtos de papel.

No Vale do Paraíba, as principais empresas atuantes são: Votorantim Celulose e Papel S.A. (VCP), Suzano Papel e Celulose S.A. e Nobrecel S.A. A VCP detém o predomínio do cultivo de eucalipto na região, concentrando aproximadamente 80% das plantações na bacia do rio Paraíba do Sul.

A VCP é uma das maiores produtoras de celulose e papel do Brasil, com ativos totais de R$ 11 bilhões. Sua receita operacional bruta totalizou R$ 3 bilhões em 2007 (60% originada no mercado doméstico), e o lucro líquido atingiu R$ 838 milhões. Porém, a expetativa de lucro da VCP mudou notavelmente em 2008, ano em que passou a dividir com o Grupo Safra com o controle da Aracruz Celulose. Finalmente, em janeiro de 2009, o grupo Votorantim anunciou a compra, por R$ 5,4 bilhões, do controle da Aracruz Celulose, que será incorporada pela VCP para formar a maior fabricante mundial de celulose de fibra curta, ou seja, obtida a partir do eucalipto. A transação só foi fechada graças a uma pesada participação do BNDES (ou seja, dinheiro público), que fará um aporte que corresponde a mais de 40% do valor do negócio.

No Brasil, a produção de celulose, a qual se destina principalmente para o mercado externo, é fortemente apoiada pelo governo, tanto no político quanto no financeiro. Mesmo com importantes avanços conquistados no âmbito judicial, a capacidade dos movimentos sociais para deter o avanço da monocultura de eucalipto no Brasil está muito complicada.


Por um lado, as organizações sociais que tem desenvolvido estratégias de ação direta tem sido perseguidas e criminalizadas, enquanto que aquelas que buscam o debate sócio-ambiental em termos técnicos se deparam com a assimetria da máquina propagandística disponível para as grandes corporações, incluindo especialistas de universidades públicas que trabalham para esse tipo de interesses concentrados.


Cabe destacar que as principais empresas que atuam na Região possuem o selo FSC (Forest Stewardship Council), a qual se supõe garantir que a produção florestal certificada está sendo desenvolvida em forma economicamente viável, ambientalmente correta e socialmente justa. Os problemas denunciados pelos trabalhadores rurais do Vale do Paraíba questionam seriamente qual a real função deste tipo de certificações internacionais.

Última atualização em: 25 de fevereiro de 2010

Fontes

Brasil: na luta contra a monocultura do eucalipto – Entrevista especial com Wagner Giron de La Torre. Defensor público. Disponível em LINK

Corrêa Lima, Luiz Eduardo – A Questão da Monocultura do Eucalipto no Vale do Paraíba Disponível em LINK

Cultivo de eucalipto destinado à produção de celulose avança e ameaça São Luiz do Paraitinga ? Disponível em LINK

Defensor Público em SP ajuíza Ação Civil Pública para conter expansão da monocultura de eucalipto ? Disponível em LINK

Defensoria questiona plantação de eucaliptos em SP – LINK

Deserto verde ? SINAP ? Sindicato Nacional dos Papeleiros ? Disponível em LINK

Eucalipto avança em São Luiz do Paraitinga e gera reações ? Disponível em LINK

Gomes Vianna, L. G., Mululo Sato, A., Coelho Netto A.L. – Expansão do eucalipto no vale do rio Paraíba do Sul: subsídios aos estudos hidrológicos de bacias – Laboratório de Geo-Hidroecologia ? Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Disponível emLINK

Grupo Suzano ? Disponível em LINK

Jeronymo, Guilherme – No Vale do Paraíba, uma cidade entre o turismo e o eucalipto ? Disponível em LINK

MST participa de marcha contra eucalipto no Vale do Paraíba ? Disponível em LINK

Nobrecel Celulose e Papel S.A. ? Disponível em LINK

Plantio de eucalipto em Paraitinga é suspenso a pedido da Defensoria ? Disponível em LINK

Schütz, Gabriel E – La insoportable levedad del papel: Conflicto socioambiental y salud en torno de la producción de celulosa en el Cono Sur latinoamericano. Tese de Doutorado ENSP / FIOCRUZ, 2008

VCP é impedida de realizar corte de eucaliptos ? Disponível emLINK

VCP ? Grupo Votorantim ? Disponível em LINK

Votorantim e Safra fecham acordo na Aracruz ? Disponível em LINK

Votorantim leva Aracruz ? Disponível em LINK

Um comentário

  1. Olá VCP

    Sou proprietária de uma área onde há muitos eucaliptos na região de SJC / Monteito Lobato (SP 50).

    Como herdei essa propriedade, mas não tenho intenção em manter os eucaliptos lá, gostaria de verificar se vocês tem interesse em ficar com eles?

    Não quero dinheiro nenhum, só preciso que deixem a área limpa. Tem interesse?

    Aguardo contato.

    Grata, Vivian Alves.

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