MG – Barragem de Berizal prejudica comunidades tradicionais da bacia do Rio Pardo, no norte de Minas Gerais

UF: MG

Município Atingido: Berizal (MG)

Outros Municípios: Berizal (MG)

População: Agricultores familiares, Geraizeiros, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental

Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

Cerca de 700 famílias de ribeirinhos e agricultores familiares estão ameaçadas de ser expulsas de suas terras de modo arbitrário pela construção da barragem de Berizal, no rio Pardo, norte de Minas Gerais. A obra tem sido realizada sem a elaboração de Estudo Prévio e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), apesar de ser classificada como da mais alta categoria quanto ao impacto ambiental.

A obra é de iniciativa do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS, órgão do Ministério da Integração Nacional) e tem como objetivo a “perenização” do rio Pardo. Em razão dessa finalidade, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) considerou que seria suficiente a elaboração de um estudo simplificado utilizado para empreendimentos menores, denominado Relatório de Controle Ambiental. Com isso, os empreendedores evitaram a realização de audiências públicas e a consulta aberta à população.

A barragem causará o alagamento de 3.630 hectares de matas de cipó, consideradas as melhores terras da região, em uma área de intensa biodiversidade.

Contexto Ampliado

A barragem de Berizal foi iniciada em 1999 pelo DNOCS, mas suspensa em 2002 por irregularidades em seu licenciamento ambiental, especialmente devido à fragilidade dos estudos ambientais então realizados.

Em 2008, o DNOCS iniciou novo processo de licenciamento da obra, apresentando pedido à Superintendência Regional de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas Gerais (Supram NM, órgão ligado ao Sistema Estadual de Meio Ambiente/Sisema). O órgão aceitou o pedido mediante a apresentação do Relatório de Controle Ambiental (RCA) e sem a necessidade de audiências públicas.

Segundo a CPT, o Rio Pardo poderia beneficiar as comunidades locais se passasse por um processo de revitalização socioambiental, ao invés de ser explorado mediante grandes obras que servem aos interesses de latifundiários e grandes empresas que atuam na região, que historicamente foram responsáveis por sua degradação ambiental (monoculturas de eucalipto, grandes irrigações e o Pró Várzea).

Por exemplo, desde 2011 o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) discute com os atingidos pela barragem de Berizal a execução de um programa de Produção Camponesa de Alimentos Saudáveis, com o objetivo de estimular práticas sustentáveis e a distribuição justa dos benefícios da produção agrícola. Tal programa faz um contraponto à política agrícola hegemônica no País, baseada na produção em grande escala voltada para a exportação, monocultivos e uso intensivo de agrotóxicos, agroquímicos e água. De acordo com o MAB, esta iniciativa propiciará aos agricultores ameaçados pelas barragens a possibilidade de escoar sua produção através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), fornecendo alimentos saudáveis à merenda escolar na rede pública de educação ao mesmo tempo que garantem condições mais estáveis e com maior qualidade de vida para suas famílias. Tal proposta é potencializada por programas para a construção de estufas para a produção de hortaliças e de cisternas no semiárido mineiro. Estamos fortalecendo a produção dos atingidos na escolha de como, o que e quanto plantar e para onde vender, de modo que o projeto que propomos é totalmente contrário ao do capital, que se concretiza nas ações do agronegócio, fazendo dos alimentos uma mercadoria, usando altíssimas quantidades de venenos sem qualquer tipo de preocupação com o solo, rios, vegetação, animais e principalmente com a vida dos agricultores, conta Cauê Melo em nota veiculada na página do movimento.

Segundo o MAB, até junho de 2011 os atingidos pela Barragem de Berizal já haviam construído 178 cisternas em suas próprias terras. Para tanto, todo o trabalho foi feito coletivamente com o apoio de pedreiros da própria comunidade, capacitados pelo movimento social. Dessa forma, uma das frentes de luta dos atingidos tem sido conseguir viabilizar sua autonomia econômica a fim de reduzir a própria vulnerabilidade socioambiental.

Cerca de um ano depois, em junho de 2012, durante a semana do meio ambiente, os atingidos de Berizal e pelos projetos Gorutuba e Jequitaí (os conflitos referentes a ambos projetos estão disponíveis neste Mapa) reuniram cerca de 200 pessoas em Montes Claros para protestar em frente em DNOCS. Eles exigiam o embargo da barragem de Berizal, garantia de revitalização da bacia do rio Pardo e disponibilidade de recursos hídricos. Quanto ao projeto Gorutuba, eles exigiam o reassentamento e a titulação de terras para as 300 famílias cadastradas pelo MAB. Ao serem recebidos pelo coordenador regional do DNOCS, eles solicitaram a realização de uma audiência pública com a presença de representantes do Ministério da Integração Nacional e da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) para discutir tal pauta.

Enquanto os atingidos buscavam formas de discutir publicamente os impactos da construção da barragem sobre seu modo de vida e territorialidade, os prefeitos da região do Alto Rio Pardo divulgaram, em 07 de julho de 2013, uma petição pública em que exigiam que o Ministério da Integração Nacional concluísse a construção da barragem. No texto da petição, eles argumentavam que o projeto seria essencial para garantir o abastecimento de água e irrigação nos municípios da região.

No mês seguinte, o jornal O Estado de Minas publicou uma notícia informando que, após reunião entre o secretário de Estado de Desenvolvimento dos Vales do Jequitinhonha, Mucuri e Norte de Minas, Gil Pereira, e os deputados da região com o Ministério da Integração Nacional (MIN), foi proposta a criação de um grupo de trabalho junto com a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais para agilizar o desembargo das obras. Segundo a publicação, naquele momento as obras ainda possuíam 27 condicionantes pendentes. Segundo estimativas do MIN, seriam necessários cerca de R$ 180 milhões para retomar a obra e reassentar as famílias atingidas.

Também presente na reunião, o coordenador estadual do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, Marco Antônio Graça, afirmou na ocasião que 45% da barragem está pronta e até hoje foram gastos R$ 26 milhões. Segundo ele, os principais entraves seriam os condicionantes ambientais; diante disso, a Subsecretaria de Regularização Ambiental manifestou disponibilidade para ajudar a resolver a questão.

Com os avanços da negociação entre políticos mineiros e o MIN, o movimento geraizeiro mineiro aproveitou a comemoração do dia do Cerrado daquele ano, em 11 de setembro, para apresentar sua pauta em defesa do bioma e dos povos que dependem dele. Nesta pauta constavam reivindicações diversas, que iam desde a suspensão de todos os projetos de mineração e barramento que podem impactar o bioma até o arquivamento de projetos específicos, como a Barragem de Berizal, passando pela titulação e demarcação do território tradicional de diversas comunidades que nele vivem, em sua maioria, através da criação de Projetos de Assentamentos Extrativistas (PAEs) e Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDSs), além da recategorização de diversos parques e outras unidades de conservação de proteção integral que inviabilizam a continuidade do modo de vida dos povos e comunidades tradicionais que neles vivem.

As disputas e pressões em torno das obras da barragem continuaram no ano seguinte. Enquanto os geraizeiros pressionavam por sua suspensão, os municípios continuavam sua campanha pela continuidade das obras. Em fevereiro de 2014, a Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene (AMAMS) se reuniu com o recém-empossado coordenador do DNOCS em Minas Gerais, Gustavo Xavier, para pressionar pela construção da barragem.

Na ocasião, Xavier afirmou que um edital de licitação seria publicado em 30 dias e a ordem de serviço para execução da obra estava prevista para 60 dias a partir daquela data. Além de Berizal, estava prevista também o início das obras da barragem de Congonhas, entre os municípios de Grão Mogol e Itacambira. De acordo com informação publicada pelo portal Hoje em Dia no mês seguinte, o orçamento para o conjunto destas obras seria de R$ 800 milhões; somente Berizal custaria entre R$ 380 e 400 milhões.

A reação dos potenciais atingidos pela barragem veio no mês seguinte. Berizal voltou a pauta do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) durante uma jornada nacional de protestos realizada no dia 14 de março, Dia Internacional de Lutas Contra as Barragens, pelos Rios, pelas Águas e pela Vida. Em Minas Gerais os atos ocorreram simultaneamente em Indaiabira, Montes Claros e Nova Porteirinha. Em Montes Claros, os manifestantes ocuparam o prédio do DNOCS exigindo ações prometidas para garantia do abastecimento de água da população e a abertura de canais de discussão sobre a barragem de Berizal, principalmente no tocante à negociação do reassentamento da população. Com o mesmo objetivo, cerca de 120 pessoas ocuparam a sede da Prefeitura de Indaiabira no mesmo dia. Já em Nova Porteirinha, os atingidos reivindicavam direitos junto a CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco), COPASA (Companhia de Saneamento de Minas) e à prefeitura do mnicípio devido a impactos das obras para construção da barragem Bico da Pedra.

Apesar dos constantes protestos do MAB, a posição política hegemônica ainda era de viabilização da construção da barragem. Em junho de 2015, os executivo mineiro e federal realizaram uma reunião conjunta para discutir o assunto em Brasília. Na ocasião, o secretário de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais, Paulo Guedes, se reuniu com o ministro da Integração Nacional Gilberto Occhi para reivindicar a inclusão da obra no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O licenciamento ambiental continuava a ser o maior empecilho ao avanço desta proposta. Para tanto, o Governo Estadual se comprometeu a arcar com parte das compensações ambientais necessárias. Todo processo estava sendo conduzido como parte de planos emergenciais de obras contra a seca, sendo uma resposta à comoção pública e aos impactos econômicos provocados na região por causa da prolongada estiagem.

Como parte desse processo, em setembro de 2015 a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) da Câmara dos Deputados (CD) realizou uma reunião para discutir o assunto. Foram convocados para a reunião diversos políticos mineiros e do MIN, representantes e órgãos técnicos e ambientais, como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais, Fundação Rural Mineira (Ruralminas), Agência Nacional de Águas (ANA) e o DNOCS, além de representantes de organizações da sociedade civil pró-barragem, como a Associação Comercial e Empresarial de Taiobeiras, ONG Amigos das Águas de Taiobeiras, Instituto Vidas Áridas de Montes Claro e a Associação dos Municípios da Microrregião do Alto Rio Pardo. O MAB foi o único movimento contra barragem a ser convidado a participar.

Segundo a Ata da referida reunião, com a ausência do representante do MAB, a maior parte das falas na ocasião foi no sentido de legitimar a construção da barragem e de pressionar o executivo a tomar as medidas necessárias à sua concretização. Por diversas vezes a obra foi colocada como estratégica para garantir a segurança hídrica de toda a região do Alto Rio Pardo e Norte de Minas. Essa posição parece ter sido consensual na reunião.

Em 24 de novembro de 2015, o Conselho de Política Ambiental do Norte de Minas aprovou a concessão de licença de instalação para a barragem. De acordo com matéria da Gazeta Norte Mineira, técnicos do conselho ambiental emitiram parecer pela não-concessão da licença, já que as condicionantes ambientais não haviam sido cumpridas ou cumpridas apenas parcialmente. Porém, a seção que aprovou o licenciamento foi ocupada por manifestantes da região, muito ligados à Associação dos Municípios da Área Mineira da Sudene. Diante da pressão popular, os conselheiros optaram por atender as reivindicações de parte da população em detrimento do posicionamento técnico da Superintendência Regional de Meio Ambiente do Norte de Minas (SUPRAM-NM).

Cronologia:

1999: DNOCS inicia obras da Barragem de Berizal.

2002: Obras são suspensas por irregularidades no licenciamento ambiental.

2008: DNOCS inicia novo processo de licenciamento ambiental.

2011: MAB e atingidos por Berizal desenvolvem programa de apoio à agricultura camponesa na região.

Junho de 2012: Atingidos protestam em frete a sede do DNOCS em Montes Claros.

Julho de 2013: Prefeitos da região do Alto Rio Pardo divulgam petição exigindo que MIN retome as obras da barragem.

Agosto de 2013: Ministro da Integração Nacional recebe políticos mineiros e promete recursos humanos e financeiros para solucionar condicionantes ambientais que embargavam a obra e garantir sua continuidade.

11 de setembro de 2011: Suspensão da Barragem de Berizal integra pauta de reinvindicação do Movimento Geraizeiro no dia do Cerrado.

Fevereiro de 2014: DNOCS anuncia início das obras da Barragem de Berizal dentro de um prazo de 60 dias.

14 de março de 2014: MAB realiza protestos simultâneos em Minas Gerais para pressionar por negociações quanto aos impactos das barragens de Berizal e Bico de Pedra sobre comunidades camponesas e geraizeiros.

Junho de 2015: SEDINOR e MIN realizam reunião para discutir inclusão da obra da barragem no PAC.

22 de setembro de 2015: Câmara dos Deputados realiza audiência pública para discutir barragem de Berizal.

24 de novembro de 2015: SUPRAM-NM aprova licença de instalação da barragem.

Última atualização em: 09 dez. 2015.

Fontes

ABAIXO Assinado em prol da construção da barragem de Berizal. Petição Pública, 07 jul. 2013. Disponível em: http://goo.gl/XTYb3k. Acesso em: 19 nov. 2015.

ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DA ÁREA MINEIRA DA SUDENE. Amams cobra barragens de Berizal e Congonhas ao DNOCS. 19 mar. 2014. Disponível em: http://goo.gl/w5fHrn. Acesso em: 19 nov. 2015.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de agricultura, pecuária, abastecimento e desenvolvimento rural. Ata da quinquagésima terceira reunião ordinária (audiência pública) realizada em 22 de setembro de 2015. Disponível em: http://goo.gl/WgRM7x. Acesso em: 19 nov. 2015.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. A farsa do Licenciamento Ambiental em Minas Gerais: Barragem de Berizal. 25 jul. 2008. Disponível em: http://goo.gl/hg8csr. Acesso em: 17 nov. 2008.

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ESTADO e União unem forças para tirar barragem de Berizal do Papel. Jornal Montes Claros, 18 jun. 2015. Disponível em: http://goo.gl/relrSz. Acesso em: 19 nov. 2015.

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GUSSEN, Ana Flávia. Governo promete retomar obras de Berizal e Congonhas. Hoje em Dia, 03 mar. 2014. Disponível em: http://goo.gl/yCitjb. Acesso em: 19 nov. 2015.

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______. Atingidos realizam atos simultâneos no norte de Minas Gerais. 13 mar. 2014. Disponível em: http://goo.gl/It4qmL. Acesso em: 19 nov. 2015.

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SOUZA, Priscila Souza e CRUZ, Daniel. Atingidos cobram direitos no norte de Minas. Disponível em: http://goo.gl/dPr5UF. Acesso em: 19 nov. 2015.

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