SC – Poder arraigado da mineração carbonífera em Santa Catarina é empecilho à recuperação ambiental de áreas degradadas e cursos de água que sofrem os efeitos da acidificação. Crescimento da usinas termoelétricas é novo foco de poluição e consumo de carvão mineral.
UF: SC
Município Atingido: Criciúma (SC)
Outros Municípios: Criciúma (SC)
População: Agricultores familiares, Moradores de aterros e/ou terrenos contaminados, Moradores de bairros atingidos por acidentes ambientais
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Mineração, garimpo e siderurgia, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Assoreamento de recurso hídrico, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida
Síntese
O sul de Santa Catarina é palco de exploração carbonífera desde meados do século XIX. Com uma mineração incipiente até a década de 1930, a indústria carbonífera catarinense se fortaleceu através da intervenção estatal, principalmente através do desenvolvimentismo nacionalista que caracterizou a chamada Era Vargas e o Estado Novo. A criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, e a obrigatoriedade do uso do carvão nacional deram origem à chamada era de ouro do carvão catarinense. Apesar de corresponder a apenas 30% do carvão consumido pela nascente indústria pesada brasileira e ser considerado de baixa qualidade (com baixo potencial calorífero e alto teor de cinzas), o carvão catarinense fez florescer e prosperar diversos municípios e criou uma poderosa elite política e econômica.
Com a ascensão dos militares ao poder com o golpe de 1964, o carvão-mineral catarinense foi alçado à categoria de recurso estratégico e os mineradores agraciados com políticas de incentivo, subsídios e órgão especialmente constituídos para garantir a compra do carvão catarinense pela industrial nacional e estabelecer uma política de preços e compras governamentais. Essa política perduraria até meados da década de 1980, quando o carvão catarinense perdeu seus subsídios e foi paulatinamente substituído por equivalentes importados e por derivados de petróleo em diversas indústrias. A partir de então, a reabertura política, a redemocratização e ascensão de grupos liberais ao poder conduziram à desregulamentação da política nacional sobre o carvão mineral brasileiro, nesta incluídas o fim da obrigatoriedade de compra do carvão nacional e a liberação das indústrias estatais para aquisição de carvão nos mercados internacionais. O golpe na economia das já combalidas empresas carboníferas foi duro. Elas já vinham amargando sucessivos prejuízos desde a crise da década de 1980 e as primeiras medidas liberalizantes.
Paralelamente ao enfraquecimento econômico da indústria carbonífera, os municípios do sul catarinense verificaram dois fenômenos paralelos, a diversificação do parque industrial e a instalação de indústrias (especialmente dos ramos cerâmico e metalúrgico), a criação e consolidação de entidades de cunho ambientalista e o aumento da consciência ecológica da população local. Pois, se a indústria carbonífera gerou, durante décadas, riqueza e desenvolvimento para os municípios onde estava instalada, também acumulou enormes passivos ambientais e significativos impactos na saúde dos trabalhadores das minas e da população em geral.
Os principais impactos ambientais estão relacionados com a ausência de medidas de controle dos resíduos gerados, à baixa tecnologia empregada na mineração e à ausência de qualquer tipo de fiscalização por parte do poder público durante décadas. O poder político e econômico dos mineradores lhes permitiu agir impunemente durante todo o século XX e enfrentar as poucas frentes de oposição à atividade, que não conquistou vitórias significativas para conter os danos ambientais causados pela atividade.
Encravados entre a serra e o litoral, rodeados pela exuberante faixa de transição entre a Mata Atlântica e as florestas subtropicais da região Sul do Brasil, os municípios do sul de Santa Catarina são até hoje o principal foco de degradação ambiental da zona litorânea do Estado, quiçá, de todo o Estado. A principal origem de degradação está na mineração e no estoque de resíduos decorrentes da exploração e lavagem do mineral para separação entre carvão mineral e rochas. Essa atividade gera pilhas de detritos que muitas vezes chega a dezenas de metros de altura, sendo normalmente armazenadas, sem qualquer tipo de cuidado, às margens de córregos, rios e encostas.
As pilhas de detritos contêm material piritoso. Para entendermos o significado da chamada pirita carbonosa, o próprio site do governo catarinense informa que ?a oxidação do material piritoso gera significativa carga de acidez com o consequente abaixamento do pH das águas, ocasionando s solubilização de uma ampla gama de metais pesados afetando o ecossistema de toda a região carbonífera?.
Milioli, Pompêo, Alexandre e Citadini-Zanette lembram que os ?rejeitos contendo ?pirita carbonosa?, em contato com a água e o oxigênio, liberam ao meio ambiente gases sulfurosos, compostos de ferro e ácido sulfúrico, causando degradação em extensas áreas?, e ?ao contrário da maioria das indústrias, o fechamento das minas não encerra o processo poluidor, que continua enquanto e onde houver material piritoso exposto à oxidação, durante décadas.
Em 1977, o sistema hidrográfico da região carbonífera compreendido pelas bacias dos rios Tubarão, Urussanga e Araranguá, estava comprometido em 1/3 de sua extensão, devido ao lançamento de mais de 300 mil metros cúbicos diários de despejos ácidos gerados pela indústria do setor carbonífero, os quais enriquecidos com a drenagem de água das minas subterrâneas representavam um equivalente populacional de 9 milhões de habitantes ? para uma produção final de 1.100.000 t/ano de carvão metalúrgico (cm) e 1.260.000 t/ano de carvão-vapor (cv) ? enquanto a população local era de apenas 620 mil habitantes. O volume global de água captada e utilizada pelas indústrias de mineração apresentou, no ano de 1977, um consumo equivalente a 1.400.000 habitantes
Atualmente o comprometimento do sistema hidrográfico da bacia carbonífera é estimado em 2/3 de sua extensão. As bacias dos rios Tubarão, Urussanga e Araranguá diariamente 3.370 ton. sólidos totais, 127 ton. acidez, 320 ton. sulfato e 35,5 ton. ferro total. Com relação aos padrões de qualidade da água, as concentrações de poluentes ultrapassam em muito os parâmetros estabelecidos na legislação ambiental vigente. Além disso, o constante assoreamento dos rios eleva acentuadamente a turbidez e aumenta os efeitos dos transbordamentos, causando prejuízos incalculáveis ao setor agrícola.?
Assim, vejamos o que alcançam os efeitos das mudanças climáticas sobre Santa Catarina, com os vendavais e recentes furacões. Para além dos desastres como deslizamentos e destruição de áreas urbanas e moradias, as pilhas de estéril da mineração de carvão lavadas por enxurradas provocam reações que acabam por aumentar a acidez dos corpos d?água e das águas subterrâneas, provocando reações que podem alterar todo o ecossistema local. O aumento da acidez dos rios e do solo é acompanhado por emissões gasosas altamente poluentes e pode provocar a chamada chuva ácida. Esse ciclo de águas ácidas provoca danos à vegetação e às atividades agrícolas, podendo tornar a terra totalmente improdutiva. Além disso, uma série de indústrias altamente poluentes se organizaram em torno das minas de carvão, como é o caso das indústrias siderúrgicas e de transformação, que utilizam o carvão para a geração direta de energia (calor) nos seus alto fornos, e também são abastecidas pela energia gerada pela usina termoelétrica localizada no município de Tubarão, consumidora do mesmo carvão.
A utilização do carvão mineral como alternativa energética tem sido a salvação da decadente indústria carbonífera catarinense. Como forma de aumentar a sobrevida do setor e manter a exploração das minas remanescentes, muitos empresários do setor têm defendido publicamente o uso desse carvão em usinas termoelétricas. As Carboníferas Criciúma e Metropolitana já apresentaram projeto de construir uma usina desse tipo em Treviso. Segundo as empresas, o projeto atual seria feito de modo a neutralizar a maior parte dos resíduos tóxicos expelidos por vias aéreas, e também os resíduos ácidos. Outro argumento é o de que o projeto seria ecológico, ao promover o consumo de parte dos resíduos que hoje se acumulam na região e poder utilizar seus subprodutos para a recuperação de áreas já degradadas e na agricultura, pela fabricação de fertilizantes.
Entretanto, não se divulga os fatos de que esta ?menor parte dos resíduos? a ser irremediavelmente lançada no meio ambiente é suficiente para agravar os problemas ambientais já existentes, e de que a usina termoelétrica consome grande quantidade de água no seu processo de produção. Este último aspecto tem peso ainda maior, se considerarmos que os estoques de água potável na região se encontram escassos para o uso da própria população, sendo também demandados pela agricultura e outras atividades econômicas existentes.
Esses motivos fazem que entidades ambientalistas e movimentos sociais enfrentem a indústria carbonífera e combatam todos os projetos criados para aumentar sua sobrevida no território catarinense. Entre essas entidades destacam-se a ong Sócios da Natureza, a Pastoral da Ecologia, o Movimento Ecológico de Siderópolis (MES) e o Movimento Ecológico Tubaronense (Movet), que desde meados da década de 1980 vêm lutando contra as nefastas consequências da atividade.
O próprio Ministério Público Federal (MPF) tem agido em defesa dos direitos coletivos da população e dos trabalhadores, especialmente no que diz respeito à preservação de um meio ambiente equilibrado e na defesa da saúde coletiva. O MPF moveu uma ação civil pública contra diversas empresas carboníferas e conseguiu, em 2000, estabelecer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) a fim de que as empresas realizem projetos de mitigação dos danos ambientais que provocaram. O cumprimento do TAC tem sido um processo marcado por algumas conquistas e muitos revezes, o que acabou por provocar o embargo das atividades de muitas dessas empresas por descumprimento dos termos acordados.
São na realidade pequenos progressos, frente à degradação e às perspectivas longínquas de a população catarinense vir a viver em meio ambiente saudável, sem sofrer as consequências até aqui inevitáveis para a saúde humana ? a exemplo da incidência de doenças respiratórias e infecciosas na região. Lembremos, além disso, o quadro elevado de pneumocose entre os trabalhadores das minas e seus familiares. A doença decorre dos anos de exposição direta à sílica e a outros minerais nas minas, e no manuseio de roupas e ferramentas impregnadas dos mesmos. As comunidades que estão localizadas no entorno das minas e plantas de lavagem do minério são as mais atingidas por esse tipo de doença.
Por esses motivos, o conflito socioambiental em relação ao carvão mineral de Santa Catarina é um dos mais graves existentes no Brasil atual. A amplitude e gravidade dos impactos e injustiças que acarreta são de tal ordem que não se vislumbra solução definitiva em futuro próximo. O movimento social que resiste à injustiça ambiental poderá, pela sua atividade e trabalho de conscientização social, construir um protagonismo cidadão e político que altere definitivamente este quadro no futuro. Até lá, a população catarinense continuará a pagar com sua saúde o preço de um desenvolvimento predatório e insustentável.
Contexto Ampliado
No Brasil, as jazidas de carvão-mineral ocorrem em todos os estados da região sul e têm no Rio Grande do Sul o maior produtor desse minério. Em Santa Catarina, as primeiras tentativas de exploração desse recurso se deram no século XIX, quando o Visconde de Taunay obteve uma concessão de exploração no atual município de Lauro Muller. A produção carbonífera recebeu grande impulso em 1884, com a conclusão do ramal da Estrada de Ferro ?Dona Tereza Cristina?, ligando as minas de Lauro Muller ao porto de Imbituba.
Já no século XX, iniciou-se a mineração do carvão em Criciúma, que posteriormente viria a ficar conhecida como a ?Capital do Carvão?. Em 1913, a Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá iniciou a exploração do carvão em Criciúma. Em 1922, a Companhia Carbonífera Urussanga (CCU) criou a primeira usina de beneficiamento de carvão em sua mina no município de mesmo nome. Contudo, apesar dos esforços para tornar o carvão uma atividade lucrativa, a produção permaneceria incipiente, isto é, feita em pequena escala até meados da década de 1940, quando o governo do presidente Getúlio Vargas instalou a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda/RJ e passou a utilizar o carvão catarinense nos respectivos alto-fornos. A CSN implantaria, para tanto, um complexo siderúrgico no sul de Santa Catarina, constituído por minas de carvão em Siderópolis e Criciúma, usina de beneficiamento em Capivari de Baixo e usina termoelétrica emTubarão.
Segundo a historiadora Juliana Vamerlati Santos (2008), a utilização do carvão catarinense na CSN foi apenas mais um passo, ainda que fundamental, da política de Vargas de ?defesa de um padrão de desenvolvimento de base nacionalista? em associação com a indústria nacional. O primeiro passo nesse sentido foi dado em 1931, pela edição do decreto n 20.089, que estabeleceu a criação artificial de um mercado interno para o carvão catarinense e regulou as condições para o aproveitamento do carvão nacional. Com este decreto, ficava o governo federal comprometido com a compra de toda a produção do carvão nacional. Segundo Santos esta garantia ?foi vital para a sustentabilidade da atividade carbonífera?.
A própria criação do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) estaria ligada a este projeto de fortalecimento da indústria nacional. Entre suas principais atribuições estaria a ?avaliação sobre os recursos nacionais em carvão e estudo do seu beneficiamento?. Diversos outros órgãos foram criados para gerir os interesses da indústria carbonífera nacional, entre eles a Comissão Executiva do Plano do Carvão Nacional (Cepcan), em 1953, substituída pela Comissão do Plano de Carvão Nacional (CPCAN) em 1960. A CPCAN teve a finalidade de incentivar e amparar a atividade carbonífera nacional, desde as atividades de pesquisa, lavra, beneficiamento, transporte, distribuição até o consumo do combustível nacional.
Apesar de favorecidos pela política econômica do Estado Novo, os mineradores catarinenses souberam se adaptar às mudanças políticas ocorridas na década de 1960. A deposição do então presidente João Goulart, pelo golpe militar de março de 1964, não puseram fim à parceria existente entre as elites econômicas do sul catarinense e o governo central. O rápido crescimento econômico da região nas décadas anteriores propiciou aos empresários catarinenses os recursos e condições necessárias para diversificar sua produção e investir em outros setores tão ou mais lucrativos que a indústria carbonífera. Essa diversificação provocou o enfraquecimento ou perda do monopólio político local dos chamados Barões do Carvão, ao passo que também abriu caminho para muitos empresários se libertarem das influências e mando político e econômico do setor. Além disso, a diversificação propiciou meios para que muitos grupos empresariais superassem a crise do setor, nos anos 1980 e 1990.
Ainda segundo Santos, ?a crise mundial causada pelo aumento do preço do petróleo, no início dos anos [19]70, trouxe novos incentivos ao setor carbonífero. A política nacional para o carvão mineral passou a ser determinada pelo CNP ? Conselho Nacional do Petróleo, que fixava preços,estabelecia quotas de produção, autorizava importações e concedia benefícios?. Foi nesse contexto que ?o Estado de Santa Catarina, na década de 1970, alcançou o auge de sua participação na produção nacional do carvão bruto?. Em 1975, o governo federal criou a Companhia Auxiliar de Energia Elétrica Brasileira (Caeeb), voltada para a comercialização do carvão energético, incentivando o seu uso em substituição ao óleo combustível em diversas indústrias.
Santos afirma que: ?o objetivo era substituir os 17 mil barris de petróleo/dia por cinco milhões de toneladas de carvão nacional. Nesse sentido, os militares estimularam a produção do carvão e, como consequência, ocorreu um amplo processo de mecanização das minas. Com o plano, o governo criou um mercado integral, pois fixou o preço e a cota de carvão a ser consumido, tornando-se o único comprador de toda a produção nacional e assumindo, ainda, a responsabilidade pelo transporte e beneficiamento do mineral?.
Na década de 1980, a lucrativa parceria entre a indústria carbonífera e o governo federal começou a dar sinais de enfraquecimento. Nesse período, o governo retirou os subsídios que concedia a essa indústria, extinguiu o CNP e a Caeeb e foram liberados os preços e importações do carvão mineral. Dependente que era da política econômica protecionista dos governos militares, a indústria carbonífera nacional entrou em crise com o fim dos recursos federais e a concorrência do produto internacional. Essa situação foi agravada pelo governo do presidente Fernando Collor que decretou ?a desregulamentação da atividade carbonífera, estabelecendo o fim da obrigatoriedade da compra do carvão nacional, a liberação dos preços do carvão metalúrgico e energético e a decisão de importar todo o carvão consumido pela CSN, retirando a estatal das atividades ligadas ao carvão?. Essas sucessivas crises geraram um grande número de desempregados e o fechamento de diversas minas.
Contudo, a liberalização da economia e o fim do protecionismo estatal não foram suficientes para pôr fim à indústria carbonífera catarinense. Operando num ritmo menor e com margens de lucro mais reduzidas, muitas dessas empresas ainda sobrevivem e operam nos municípios do sul do Estado.
Mais de um século depois do início da exploração carbonífera, o que se verifica hoje nesses municípios são paisagens lunares, montanhas de resíduos tóxicos e águas ácidas por todo o ecossistema.
Segundo o engenheiro Oswaldo Sevá, a mecanização da mineração do carvão gerou: ?grandes volumes de rejeito ? a maior parte bem piritoso, com teor importante de enxofre e metais ? começaram a ser montados nos pátios e as pirâmides de rejeitos, (…) [c]omo em todas as pilhas ao ar livre, as camadas mais rasas de pirita entram em combustão espontânea, conforme a luz, e a umidade, os ventos, e emana do chão a conhecida fumacinha de gases sulfurosos e sulfetos?.
Sevá também afirma que em todos os municípios onde a mineração funcionou de forma mecanizada (em Siderópolis tornou-se famosa a escavadeira Marion, que com sua pá colossal revolvia centenas de toneladas de minério e criava enormes montanhas cônicas de detritos) ?restaram os pátios pavimentados, as pirâmides e taludes de rejeitos piritosos da ?lavagem?. (…) Entre pilhas e pirâmides, tentam passar os ex-riozinhos, espremidos ou bloqueados de vez, e acabam engolidos por grandes cavas com muitos metros de fundura, formando-se novos açudes e alagados cheios de águas bem ácidas?. Com o ciclo da água e conexão desses riachos e lagos com os demais rios da região e os mananciais subterrâneos, essa água ácida acaba por se espalhar por toda região, levando os impactos da mineração para municípios distantes das áreas da atividade mineradora.
As bacias dos rios Tubarão, Urussanga e Araranguá são hoje consideradas as mais degradadas da região. Não é a toa que em 1980, o sul de santa Catarina foi reconhecido como a 14ª Área Crítica Nacional em termos de controle da poluição ambiental.
A degradação ambiental não se limita aos cursos d?água. Segundo Sevá, ?além das fumacinhas da combustão da pirita, queima-se o minério nas coquerias, várias bem rudimentares, e as descargas das chaminés desta coqueificação são bastante nocivas, incluindo- se hidrocarbonetos aromáticos, mais gás sulfuroso e mais fumaças e fuligens?. Esses resíduos são despejados diretamente no ar, sem controle adequado e contribuem para a poluição atmosférica e o aumento da degradação ambiental. A grande quantidade de material particulado suspenso no ar também contribui para o agravamento de doenças respiratórias na população local.
A mineração do carvão e sua queima na indústria não é a única fonte de degradação ambiental existente num complexo carbonífero. A geração de energia por usinas termoelétricas também tem contribuído para a degradação dos ecossistemas do sul do Estado de Santa Catarina. Localizado em Capivari de Baixo, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda tem capacidade para produzir até 857 MW de energia, é de propriedade da Tracbel Energia (que integrou a Eletrosul, mas foi privatizada) e ?queima, em suas sete caldeiras algumas centenas de toneladas de carvão a cada hora, algumas centenas de milhares de toneladas mensais?. Essa queima, segundo Sevá, faz da usina: ?um dos maiores focos fixos de emissões, em todo o país, de gases sulfurosos (SO2 e SO3, que formarão ácido sulfúrico quando em contato com a umidade do ar e nas nuvens ), além de ser também um grande foco de gases carbônicos CO2 e CO, e nitrogenados (formados pela oxidação de parte do N2 do ar, dentro das caldeiras, e que influem na acidez da atmosférica, e em todo o ciclo de formação de gás ozônio em baixa altitude, respirável)?.
Essa poluição deverá ser agravada com a implantação, em Treviso, da Usina Termelétrica Sul Catarinense (Usitesc) pelas empresas Carbonífera Criciúma e Carbonífera Metropolitana. Projetada para gerar 440 MW e consumir 70% de carvão ROM (bruto) e 30% de rejeitos já existentes, produzidos por beneficiamentos anteriores, esta usina é apresentada como uma alternativa energética e solução para o problema dos depósitos de resíduos existentes. Contudo, poderá agravar ainda mais o problema da poluição atmosférica e do aumento da acidez do solo e das águas (na medida em que não poderá neutralizar completamente todo o resíduo e fumaça que irá produzir), além de se constituir um grande consumidor de água numa região que já enfrenta a escassez para consumo humano, atividades agrícolas e industriais.
Todos esses fatores e projetos concorrem para intensificar os conflitos já existentes e aumentar a degradação ambiental do sul de Santa Catarina.
Desde meados da década de 1980, uma parcela da população local começou a se organizar integrando movimentos e organizações ambientalistas, a fim de combater as consequências nefastas da exploração carbonífera, impedir o avanço dessa indústria sobre áreas ainda preservadas e garantir a continuidade da atividade agrícola, impactada pelo aumento da acidez dos solos e na água da região. Apenas ocasionalmente, este ativismo social recebeu o apoio e reconhecimento do poder público, bem como de parte da população. Apesar da evidente decadência, a atividade carbonífera ainda gera empregos nas localidades em que atua. Utilizando-se de mão-de-obra local, as empresas mineradoras obtêm o apoio de sindicatos e trabalhadores, dificultando, nos municípios sede destas atividades, a performance, repercussão das denúncias e o trabalho de sensibilização da sociedade civil pelos movimentos ambientalistas ? formados por estudantes, agricultores e profissionais preocupados com os impactos da extração e uso do carvão mineral.
A atuação do poder público municipal ainda não superou o âmbito retórico do apoio às ações e manifestações promovidas pelas entidades ambientalistas. É quase total a inadimplência das políticas públicas no combate ao avanço da degradação ambiental. O governo de Santa Catarina permanece comprometido com o modelo de desenvolvimento predatório e concentrador de renda que desde sempre caracterizou a economia do Estado. No âmbito estadual, a gestão Luiz Henrique (PMDB) é dotada da mesma ambiguidade e ?desenvolvimentismo? (de curto prazo) que têm caracterizado a política ambiental do governo Lula (PT). Ao mesmo tempo em que anuncia investimentos da ordem de R$ 1,3 milhões para a recuperação da área degradada da Bacia Carbonífera de Santa Catarina (valor repassado em novembro de 2008, pelo Ministério do Meio Ambiente à Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais /CPRM do Ministério de Minas e Energia) , o governo estadual, assim como o federal, continuam a incentivar o pretenso desenvolvimento do Estado, mediante repasse e financiamento de projetos poluentes. Tais projetos, a exemplo da concessão realizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para instalação da Usitesc em Treviso, movimentam valores bem maiores do que aqueles distribuídos para projetos de sustentabilidade e recuperação ambiental.
O Ministério Público Federal é um dos poucos órgãos públicos que têm mantido uma coerente política de ação contra a degradação ambiental provocada pela indústria carbonífera catarinense. Desde 1993, tem movido sucessivas ações civis públicas a fim de obrigar as empresas a promover a reconstituição do meio ambiente afetado pela mineração e a garantir a não-continuidade do processo de degradação. Também tem atuado no sentido de impedir que a Fundação de Amparo à Tecnologia e ao Meio Ambiente (Fatma) continue licenciando projetos de exploração carbonífera, sem a devida análise dos Estudos e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) por equipes multidisciplinares qualificadas e isentas para analisar os diferentes aspectos envolvidos na atividade.
Dessas ações, já resultaram duas decisões favoráveis na justiça federal. Em janeiro de 2000, a justiça federal considerou procedente a ação civil pública de abril de 1993 ? que visava à reconstituição do meio ambiente afetado pela mineração e a não-continuidade do processo de degradação ambiental. Nessa ação figuravam como rés, além de 22 mineradoras, seus sócios-gerentes e sucessores, a União e o Estado de Santa Catarina. Em 2007, a justiça determinou prazos para o cumprimento das ações de compensação ambiental programadas desde 2000 pelas empresas carboníferas. Essa decisão gerou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que foi assinado por representantes das empresas rés, MPF, MPE/SC, Ibama, Fatma e DNPM. Nesse acordo, ficou estabelecida a constituição de uma Comissão Técnica de Assessoramento, para vistoriar o cumprimento do TAC, e as empresas ficaram responsáveis pela apresentação de projetos de recuperação ambiental de 191 áreas degradadas. Tal acordo nunca foi plenamente cumprido pelas empresas. Até 2007, apenas 68 projetos foram apresentados, a maior parte deles sendo considerada insuficiente pela Comissão Técnica. Segundo laudo elaborado pela comissão, esses projetos ?não seguiram as normas técnicas aplicáveis, não apresentaram planos de monitoramento da eficácia da recuperação, nem abarcaram todas as áreas degradadas. Os projetos apresentados também não contemplam as bocas de minas abandonadas?.
Além disso, muitas empresas sequer cumpriram as medidas de segurança para garantir que a atividade não continuaria degradando o meio ambiente. Entre essas medidas estariam a drenagem de águas de minas e a implantação de sistema de gestão ambiental. Em novembro de 2006, a Comin & CIA Ltda e a Mineração São Domingos Ltda tiveram suas atividades embargadas por descumprimento do TAC. Outras empresas, como a Gabriella Mineração Ltda, foram obrigadas a firmar TACs individuais, a fim de garantir tanto o cumprimento das medidas, quanto a continuidade de suas atividades.
Paralelamente, o MPF enfrentou a Fatma em outra ação civil pública, a fim de obrigar a entidade a suspender novos licenciamentos ambientais de mineração até que conseguisse compor equipe multidisciplinar para análise do licenciamento ambiental desse tipo de empreendimento. Proposta em abril de 2004, essa ação conseguiu decisão favorável na justiça federal, em 2 de março de 2009, depois de cinco anos de processo e algumas malfadadas tentativas de acordo entre as partes. O juiz federal Germano Alberton Jr publicou a decisão final a respeito do mérito da ação civil pública, dando ganho de causa parcial ao MPF. De acordo com a decisão, foi determinado à Fatma que se abstenha de conceder licenças ambientais (Prévia, de Implantação e de Operação) para exploração, beneficiamento e transporte de carvão mineral, sem que os estudos ambientais sejam apreciados por equipe multidisciplinar, composta por profissionais habilitados tecnicamente em cada uma das áreas passíveis de sofrerem efeitos da atividade econômica. Além disso, o juiz fixou multa de R$ 100.000 reais para cada empreendimento licenciado sem o cumprimento da sentença. Em liminar anterior (março/2007) à mesma ACP/MPF, o juiz Alberton Junior, obrigou, a Fatma a somente conceder licenças ambientais para novos empreendimentos de mineração de carvão, na região de Criciúma, se a licença estivesse lastreada em parecer técnico subscrito por engenheiro químico industrial, biólogo, engenheiro agrimensor, engenheiro civil, engenheiro agrônomo, engenheiro sanitarista, geólogo e engenheiro de minas.
Apesar dos constantes retrocessos, as ações do MPF e a posição das entidades ambientalistas conseguiram provocar mudanças na atitude de algumas empresas. Seja por conta da pressão social, seja por cumprimento dos termos do acordo ou para melhorar sua imagem através do marketing verde, o fato é que, em 2007, a Carbonífera Criciúma inaugurou, com o apoio do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Estação Experimental Juliano Peres Barbosa, a fim de ?monitorar e reduzir os efeitos no meio ambiente da drenagem ácida provocada pelos rejeitos do carvão mineral?. Segundo a empresa, ?os resultados obtidos a partir da estação permitirão formular recomendações quanto à melhor maneira de cobrir os rejeitos, para que gerem menos drenagem ácida, e servirão de referência ambiental para outras mineradoras da região?.
Fica claro que a recuperação do meio ambiente do sul catarinense ainda é uma questão em aberto. A maior parte das conquistas alcançadas pelos movimentos sociais é seguida de recuos ou adiamentos que minimizam sua efetividade. Um exemplo disso foi a criação em Siderópolis da Área de Proteção Ambiental dos Mananciais dos rios Sangão, Santana, Albina e Outros, em junho de 1995. Depois de anos de mobilização popular contra a mineração na área, em 1995 a Câmara dos Vereadores local aprovou o projeto de criação de APA, vedando o local para a mineração. No entanto, bastou que a pressão das empresas e sindicatos ligados à indústria carbonífera se intensificasse, para que, em outubro de 2006, a extensão da APA fosse reduzida e a mineração liberada na área. Outros exemplos poderiam ser citados, mas tudo o que foi relatado aponta para a necessidade urgente da fixação de medidas efetivas para conter o avanço da degradação provocada pela indústria carbonífera ao ?paraíso de águas e matas? do sul catarinense, sob pena de restar às futuras gerações apenas degradação e desolação em meio à fumaça e dificuldade de respirar.
Última atualização em: 15 de dezembro de 2009
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