PE – Reação a pistoleiros resulta em mortes. Autoridades investigam atuação policial em milícias armadas e conflito fundiário continua em São Joaquim do Monte
UF: PE
Município Atingido: São Joaquim do Monte (PE)
Outros Municípios: São Joaquim do Monte (PE)
População: Agricultores familiares
Atividades Geradoras do Conflito: Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – coação física
Síntese
A violência no campo quando praticada pelo Estado, seja por atuação de policiais, seja pela omissão de órgãos competentes, é o sintoma mais visível de que a reforma agrária está longe de ser resolvida no Brasil. Ao mesmo tempo, revela que o acesso à terra é uma ferramenta política das mais poderosas para uma sociedade considerada mais justa e democrática, o que contraria os interessados na manutenção do latifúndio. O caso a ser relatado aconteceu no município de São Joaquim do Monte, em Pernambuco, e não é particular desta região, mas exemplo do que acontece secularmente no país e emblema dentre outros casos sem maiores divulgações.
Contexto Ampliado
De acordo com dados da Ouvidoria Agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Pernambuco foi o Estado com o maior número de ocupações de terras ? 31 de um total de 164 registradas ? no levantamento feito de janeiro a agosto de 2005. Apesar da tensão pelo grande número de acampamentos, assentamentos e ocupações, o Estado não costuma entretanto figurar na lista daqueles com maior número de mortes por conta de conflitos agrários.
No município de São Joaquim do Monte, em março de 2003, cerca de 30 famílias de trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra ocuparam pela primeira vez a fazenda Jabuticaba. A fazenda pertence a Estemilton Guedes e é propriedade improdutiva, em região de profunda desigualdade social. O caso aqui relatado tem como principal fonte documento Denúncia sobre a formação e atuação de milícias privadas no Estado de Pernambuco, elaborado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e as organizações Terra de Direitos, Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e Justiça Global.
Em 19 de fevereiro de 2009, as famílias que ali ocupavam a fazenda Jabuticaba foram despejadas, através de cumprimento de mandado de reintegração de posse. Dois dias depois, ao se prepararem para reocupar a área, cinco seguranças da fazenda chegaram ao local onde se encontravam os trabalhadores, segundo depoimentos prestados, a fim de intimidá-los e evitar a reocupação.
Os seguranças João Arnaldo da Silva, José Wedson da Silva, Rafael Erasmo da Silva, Wagner Luiz da Silva e Donizete de Oliveira Souza estavam armados e um deles teria desferido contra o trabalhador rural José Roberto da Silva uma coronhada de espingarda calibre doze, cuja pancada o deixou desacordado por alguns minutos, segundo se faria constar no Termo de Declarações prestadas pelo trabalhador na Delegacia de Polícia de São Joaquim do Monte. Nesse instante, enquanto os pistoleiros armados discutiam com o trabalhador Aluciano, a trabalhadora rural Ana, conhecida como ?Ana de Agrestina?, conseguiu fotografar os seguranças armados.
Aluciano conseguiu entrar em contato com a polícia, que enviou viaturas para o local do confronto inicial, porém, nesse instante, e mais uma vez de acordo com os depoimentos prestados, João Arnaldo da Silva, conhecido como João Mototaxi, recolheu as armas dos outros pistoleiros e as trocou por pedaços de madeira, motivo pelo qual, ao ser realizada a revista, os policiais não localizaram nenhuma arma de fogo com os capangas. O confronto culminou com a morte de quatro dos cinco pistoleiros ou ?seguranças?.
Segundo informações relatadas à época, o fazendeiro Estemilton Guedes costumava contratar pessoas para fazer a segurança de sua fazenda. Donizete de Oliveira, único sobrevivente do confronto com os sem-terra, chegou a afirmar que os ?serviços de segurança? costumavam ser pagos pelo próprio Estemilton Guedes, herdeiro da propriedade, e, segundo também informaria, João Arnaldo da Silva havia fornecido as armas de fogo que seriam utilizadas a intervenção do grupo de seguranças, no dia previsto para nova ocupação dos trabalhadores,
O próprio fazendeiro admitiu em entrevista ao Jornal do Commércio que os pistoleiros trabalhavam armados: ?Ninguém vai defender a propriedade com palito de dente?. E negou a ação de pistoleiros, acusando Jaime Amorim, coordenador regional do MST, de estar ?incitando a violência na região. Jaime diz à imprensa que contratei pistoleiros. Não contratamos pistoleiros para matar ninguém. Contratamos seguranças para proteger nossa propriedade. Estou escondido e sem poder trabalhar na fazenda. Eu vivo disso. Tive que retirar o gado da propriedade e colocar em fazendas vizinhas.?
A inequívoca presença da pistolagem nas fazendas Jabuticaba e Consulta, bem como a conivência e participação de um policial militar, de nome Gercino, nas ingerências feitas pelo grupo armado, foi também demonstrada no depoimento prestado por Donizete Oliveira, segundo o qual, após terem ido à fazenda Jabuticaba, João Mototáxi teria telefonado para o PM Gercino, que se encontrava fazendo a segurança da fazenda Consulta.
No telefonema, João Mototáxi teria perguntado se uma mulher com uma cicatriz (referia-se a Ana de Agrestina) havia chegado à fazenda Consulta, pois pretendia ir buscar a câmera fotográfica que havia registrado os pistoleiros armados. Ao se dirigirem à fazenda, os pistoleiros pressionaram Aluciano acerca da câmera, e como não a encontraram, deu-se início a discussão. Segundo depoimento de Donizete de Oliveira, João Mototáxi e Rafael Erasmo da Silva portavam armas.
Em fevereiro de 2009, o jornal Folha de São Paulo noticiou a denúncia do MST sobre a ação de milícias policiais protegendo fazendas de Pernambuco, apesar das negativas da PM.
Após os conflitos ocorridos nas Fazendas Jabuticaba e Consulta, foi realizada Audiência Pública, requerida por Gercino José, ouvidor agrário nacional. Até então, os advogados dos trabalhadores não obtiveram acesso ao inquérito, bem como nenhuma das testemunhas dos trabalhadores tinha sido ouvida. Foi requisitada, também, pelo coordenador regional do MST, Jaime Amorim, a instauração de inquérito para apurar o possível envolvimento de policiais na segurança das fazendas Jabuticaba e Consulta. Posteriormente, o comandante de policiamento do agreste de Caruaru, tenente-coronel Sillas Braz Carlini Charamba, teria determinado a abertura de procedimento para apurar a possível atuação do PM Gercino no conflito das fazendas Jabuticaba e Consulta.
Abaixo, alguns trechos da Ata da audiência com a Ouvidoria Agrária Nacional:
O herdeiro da fazenda Jabuticaba José Solano d?Oliveira Azevedo Guedes autoriza o Incra [Instituto Nacvional de Colonização e Reforma Agrária] a medir a sua propriedade rural, desde que os trabalhadores rurais sem-terras a desocupem pacificamente e assumam o compromisso de não reocupá-la, caso seja inferior a 525 hectares. [Consoante encaminhamento decorrente de reunião da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, realizada em 03/03/2009, na sede da Procuradoria-Geral de Justiça em Recife, os trabalhadores sem-terra desocuparam pacificamente a fazenda Jabuticaba na data seguinte à reunião, fato presenciado por membros da própria comissão.]
O superintendente regional do Incra, Abelardo Siqueira, esclareceu que iniciará o processo de medição da fazenda Jabuticaba no dia 09 de março de 2009, medição esta que será acompanhada por uma comissão com representantes do MST, da Policia Militar, dos herdeiros da mencionada fazenda, da Policia Federal, da Secretaria-Executiva de Justiça e Direitos Humanos e um representante da Comissão de Mediação, Prevenção e Resolução de Conflitos Agrários do Estado de Pernambuco.
[O Incra iniciou de fato o levantamento na data informada.]
A representante da Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco, Maria Gorette Vasconcelos Aquino, afirmou que abriria processo discriminatório administrativo para verificar se as áreas rurais da região de São Joaquim do Monte foram legalmente destacadas do patrimônio público para o particular, inclusive as áreas das fazendas Consulta e Jabuticaba.
Já no que diz respeito mais especificamente à atuação de milícias privadas no local do conflito, a advogada da Terra de Direitos, Luciana Pivato, pediu que o sistema de segurança pública instaurasse inquérito administrativo para apurar a atuação destes grupos na zona rural de Pernambuco.
Na Audiência restou resolvido que seria realizada nova medição nas áreas do conflito, e o movimento deveria se retirar do local para essa realização. Até o momento da publicação do relatório no qual se baseia este relato, os trabalhadores rurais Aluciano Ferreira da Silva, Paulo Alves Cursino e Severino Alves da Silva estão presos, sem que restassem provados os indícios de autoria.
Em 13 de março de 2009, o MST respondeu a matéria publicada na Folha de Pernambuco, intitulada ?O MTS acabou com a gente?, desmentindo e esclarecendo aspectos relatados na reportagem. Sobre a produtividade das fazendas ocupadas, o MST informou que os proprietários não possuíam ?nenhuma produção na área, o que foi comprovado na visita da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo (…). A única produção existente na fazenda [Jabuticaba] são as lavouras das famílias que estavam acampadas na área?. Outro desmentido referiu-se à afirmativa dos proprietários de que ?os seguranças da fazenda Jabuticaba 'trabalhavam desarmados'. No próprio dia do conflito o MST divulgou amplamente fotos datadas comprovando que os seguranças estavam fortemente armados e inclusive apontando as armas para os acampados. Essas fotos constam do inquérito policial…?
Em 10 de Julho de 2009, a fazenda Jabuticaba foi reocupada, sob a alegação de inoperância do Incra, além do cansaço das famílias à espera por uma solução ? os ocupantes que haviam deixado a área, imediatamente após o acordo com a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, estavam há meses em local inapropriado, sem água e sem luz.
De acordo com o promotor agrário estadual, Édson Guerra, que integra a Comissão Estadual de Resolução, Prevenção e Medição de Conflitos Agrários, a fazenda passou por nova medição, sendo identificada a área de 237 hectares. Porém, ao reunir os documentos para a vistoria, o Incra não teria encontrado a certidão de domínio de propriedade em nome dos atuais donos. O caso foi encaminhado para a Fundação de Terra de Pernambuco (Funtepe), que investiga a situação jurídica da propriedade.
Fontes
1. A Nova Democracia. A luta pela terra não é crime! Disponível em http://www.anovademocracia.com.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=2103 Acesso em 04/06/2009
2. Globo.com.Chacina em São Joaquim do Monte deixa quatro mortos. Disponível em http://pe360graus.globo.com/noticias/policia/chacina/2009/02/21/NWS,486057,8,154,NOTICIAS,766-CHACINA-JOAQUIM-MONTE-MORTOS.aspx . Acesso em 21/05/2009
3. Terra de direitos. Organizações de direitos humanos entregam ao Min. Vanucchi relatório sobre milícias privadas em PE. Disponível em http://terradedireitos.org.br/2009/03/20/organizacoes-de-direitos-humanos-entregam-ao-min-vanucchi-relatorio-sobre-milicias-privadas-em-pe/ . Acesso em 04/06/2009
4. MST. Denúncia sobre a formação e atuação de milícias privadas no estado de Pernambuco. Disponível em http://www.mst.org.br/mst/documentos/relatorio.milicias.doc
5. Repórter Brasil. Sem-terra são alvo de violência em PE. CPT culpa latifúndio. Disponível em http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=441 . Acesso em 06/06/2009
6. Tribuna do Norte. MST repudia em nota violência no campo Disponível em. http://tribunadonorte.com.br/noticias/102138.html . Acesso em 05/06/2009
7. Conglomerados de violência em Pernambuco (2005). http://journal.paho.org/?a_ID=194
8. RESPOSTA DO MST À MATÉRIA DA FOLHA DE PERNAMBUCO. Disponível em. http://lists.indymedia.org/pipermail/cmi-recife/2009-March/0314-q7.html .