AL – MST enfrente violência e ocupa estradas e órgãos públicos para vencer as elites rurais, cobrar justiça e conquistar infra-estrutura e serviços básicos para os assentamentos do Alto Sertão de Alagoas
UF: AL
Município Atingido: São Brás (AL)
Outros Municípios: Água Branca (AL), Atalaia (AL), Delmiro Gouveia (AL), Inhapi (AL), Maragogi (AL), Olho D’Água do Casado (AL), Piranhas (AL), São Brás (AL)
População: Agricultores familiares, Trabalhadores rurais assalariados, Trabalhadores rurais sem terra
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional
Danos à Saúde: Acidentes, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato
Síntese
A região dos municípios de Delmiro Gouveia, Olho D?Água dos Casados, Piranhas, Inhapi e Água Branca, no sertão alagoano, é foco de intensos conflitos fundiários. Além de conflitos envolvendo a demarcação de terras de comunidades tradicionais, como índios e quilombolas, a região tem sido palco de ocupações e protestos promovidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e outras organizações de luta pela reforma agrária ? Movimento Terra, Trabalho e Liberdade (MTL), Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) e Comissão Pastoral da Terra (CPT).
A região é dominada política e socialmente por grandes proprietários rurais, latifundiários e fazendeiros monocultores, acostumados a manter seus domínios, sob o jugo do emprego da força, ameaças e assassinatos. Os episódios de violência, com significativo saldo de mortos e feridos entre militantes dos movimentos sociais, são frequentes e se conjugam com ações arbitrárias das autoridades locais e a impunidade dos autores e mandatários dos atentados.
Apesar disso, o MST tem logrado relativo sucesso em suas ações. Novos assentamentos estão sendo criados na região e a entidade tem conseguido mobilizar permanentemente os trabalhadores rurais, assentados e sem-terras ligados ao movimento. As principais ações têm sido em prol da continuidade da reforma agrária no Estado e da melhoria das condições de vida nos assentamentos já existentes. Frequentemente, tais assentamentos são criados em terras que não possuem qualquer tipo de infra-estrutura, o que obriga os assentados a promoverem ocupações e protestos a fim de reivindicar condições mínimas de sobrevivência. A conquista da terra é apenas o primeiro passo nesse tipo de conflito.
A violência e a arbitrariedade de um lado e, de outro, a precariedade dos assentamentos acabam por criar condições para a propagação de doenças que impactam diretamente sobre a saúde dos trabalhadores rurais e respectivas famílias. Eles vivem em acampamentos à beira de estradas e fazendas ou em assentamentos rurais sem saneamento básico, luz elétrica ou água potável. Permanecem expostos às enfermidades que poderiam ser facilmente combatidas se contassem com as mínimas condições de habitação, saneamento básico e acesso aos serviços de saúde pública.
Apesar de os principais conflitos se concentrarem no sertão alagoano, a mobilização do MST não se restringe a essa região. As ações do movimento são frequentemente coordenadas de forma a ocorrerem simultaneamente em diferentes regiões do Estado.
Contexto Ampliado
A atuação do MST em Alagoas remonta à década de 1980, quando o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Inhapi se integrou ao movimento. As primeiras ocupações só ocorreriam em 1987, quando 66 famílias ocuparam a Fazenda Peba, em Delmiro Gouveia, exigindo a inclusão do imóvel no programa de reforma agrária.
Diversos episódios de luta pela terra e de violência contra os militantes da luta pela reforma agrária podem ser verificados desde seu princípio. Este relato atém-se a fatos ocorridos entre 2003 e 2008.
A ação do MST em Alagoas não tem se restringido à ocupação de terras particulares, a ocupação de prédios e fazendas ligadas a órgãos públicos tem se revelado uma tática importante para pressionar os diversos níveis de governo a negociar com a organização. O ano de 2003 foi rico em exemplos ? em pelos menos duas ocasiões, o MST adotou a mesma tática. Em fevereiro de 2003, cerca de 500 trabalhadores rurais sem-terra ligados ao MST fecharam um trecho da rodovia AL-220, entre os municípios de Olho D´Água do Casado e Delmiro Gouveia, mantendo o secretário estadual de Agricultura de Alagoas, Reinaldo Falcão detido no bloqueio. O protesto tinha por objetivo agilizar processos de desapropriação para fins de reforma agrária de diversas áreas da região e exigir esclarecimentos a respeito de desvio de R$ 1 milhão que seria utilizado em projeto de irrigação do assentamento Nova Esperança, que fica em Olho d´Água dos Casados. Os sem-terra bloquearam a rodovia com pedras e troncos e ainda impediram que o secretário seguisse viagem para Delmiro Gouveia. Segundo a imprensa local, ?a rodovia só foi desobstruída por volta das 15 horas depois da chegada de 100 homens da polícia militar. Os sem-terra aceitaram desobstruir a rodovia, contanto que fossem atendidos por representantes do governo do Estado e da superintendência do Incra em Alagoas?. Oficiais da Comissão de Direitos Humanos da PM teriam intermediado a negociação.
Em agosto do mesmo ano, cerca de 700 agricultores ligados ao MST bloquearam a BR-423 nas proximidades de Delmiro Gouveia e ocuparam um escritório da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), que funciona no mesmo município. Nessa ocasião, os trabalhadores rurais só desocuparam o prédio depois de conseguirem que a companhia lhes fornecesse cestas básicas. Os jornais locais chegaram a noticiar que os militantes do MST teriam fechado a estrada a fim de saquear caminhões de alimentos, o que foi negado por dirigentes do movimento.
Esses episódios exemplificam como a ocupação de áreas públicas, e a interrupção do trânsito em importantes vias rodoviárias do Estado, passaram a ser utilizadas pelo MST como formas alternativas de forçar a negociação com órgãos públicos e estatais. O governo de Alagoas é ainda fortemente dominado pelas oligarquias agrárias tradicionais. Isso tem significado uma negociação relutante e tendendo a ignorar as demandas dos movimentos sociais, incutida a idéia da manutenção da estrutura fundiária vigente entre negociadores e tomadores de decisão a cargo do governo estadual.
O MST, com estas ações, tem conseguido romper com a inércia da estrutura política alagoana, obtendo respostas a algumas de suas demandas mais urgentes. As ocupações forçam tomadas de decisão que interferem no jogo político e nos pactos de lealdade construídos no ambiente oligárquico, abrindo espaço para outros interesses, pontos de vista e agentes com potencial inserção na política local.
O governo federal, embora pressionado pelos aliados conservadores da governabilidade, tem atuado de forma mais consistente na realização da reforma agrária em Alagoas. No final de dezembro de 2004, a superintendência regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) anunciou a criação de quatro projetos de assentamento da reforma agrária no sertão do Estado: Xingozinho, em Delmiro Gouveia, Samambaia e Lagoa das Pedras, em Piranhas, e Cobra, em Água Branca. Segundo o Incra, estes assentamentos atenderiam a cerca de 140 famílias e abrangeriam uma área de 2050 hectares. Dos quatro assentamentos, três receberiam famílias ligadas ao MST, enquanto o assentamento Cobra, em Água Branca era uma antiga reivindicação de famílias ligadas à Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Em fevereiro de 2005, o MST ocupou sede do Incra em Maceió. A sede foi desocupada em março, após negociação de acordo com o presidente do órgão Rolf Hackbart. Porém, em abril, o MST, juntamente com os índios Wassu-Cocal, fechou rodovias em cinco municípios alagoanos, em protesto pelo não cumprimento do acordo celebrado com o presidente do Incra no mês anterior.
Entre 2005 e 2006 o MST alagoano sofreu duas importantes perdas. Em 29 de novembro de 2005, o militante Jaelson Melquíades foi assassinado. E em 1º de abril de 2006, Elânio Alves dos Santos foi detido por determinação da Justiça Estadual, por ter participado de ocupações da Fazenda Capim, no município de Inhapi. Uma mobilização do MST em frente ao Fórum de Delmiro Gouveia, em maio de 2006, cobraria agilidade no julgamento de Elânio. Em setembro estradas foram fechadas em três municípios, em protesto contra a prisão de Elânio. Os episódios retratam a conjugação da violência e da criminalização dos movimentos sociais para conter e desestruturar sua atuação política e para dar recado aos seus militantes. O assassinato e a arbitrariedade são práticas corriqueiras das elites agrárias brasileiras, bem representadas na burocracia do Estado, nos órgãos policiais e na própria justiça.
Em março e novembro de 2007, o MST organizou marchas no sertão alagoano. Na maior delas, em 14 de novembro, cerca de 750 famílias do MST percorreram os três quilômetros da BR-220 que separam a entrada do povoado Peba e o município de Delmiro Gouveia. Eles se dirigiam à prefeitura municipal para exigir o cumprimento de uma pauta de reivindicações apresentada em maio.
O assassinato de Jaelson Melquíades não foi a última tentativa de pôr fim às ocupações de terras por meio da violência. Em agosto de 2007, o sem terra Iranildo Manoel, conhecido como Nininho, 37 anos, foi baleado com cinco tiros quando se aproximava de um assentamento na cidade de Delmiro Gouveia.
Em 29 de novembro de 2007, data dos dois anos do assassinato de Jaelson, quatro mil trabalhadores sem terra se mobilizaram em Alagoas para exigir justiça. Cerca de três meses depois, em fevereiro de 2008, nove militantes dos MST saíram gravemente feridos de um confronto com homens armados a serviço do proprietário da Fazenda Lagoa Comprida, em Piranhas, durante uma tentativa de ocupação do imóvel. Na ocasião, doze homens armados invadiram o acampamento José Faustino e deixaram dezesseis pessoas feridas. O caso foi encaminhado para a delegacia de polícia de Delmiro Gouveia.
No dia seguinte, 28 de fevereiro de 2008, o MST, o Movimento Terra, Trabalho e Liberdade e o Movimento de Libertação dos Sem Terra bloquearam estradas em cinco municípios alagoanos em protesto contra violência ocorrida em Piranhas. Os protestos alcançaram municípios distantes da área de conflito, como União dos Palmares, Joaquim Gomes, Lino Novo ou Paripueira. No mesmo dia, o juiz-substituto da Comarca de Piranhas, John Silas da Silva, expediu mandados de busca e apreensão e autorizou a Polícia Civil a fazer uma devassa em fazendas, acampamentos e assentamentos de sem-terra à procura de armas na região.
Em comum há sempre a certeza da impunidade na ação dos proprietários rurais que, na maioria das vezes não são punidos. O assassinato de Jaelson Melquíades até hoje não foi devidamente esclarecido e não se percebe maior empenho das autoridades policiais em fazê-lo.
A falta de infra-estrutura dos assentamentos criados também tem sido alvo de frequentes protestos por parte dos assentados alagoanos. Em 2007, 1600 trabalhadores rurais assentados em Olho d?Água dos Casados, Delmiro Gouveia e Piranhas foram prejudicados pela interrupção da obra de instalação de uma adutora de uso múltiplo que levaria água potável para os respectivos assentamentos. O MST denunciou a Construtora Gautama, pela suspensão da obra. A empresa estava sendo investigada e caiu nas malhas da Operação Navalha, da Polícia Federal, por envolvimento em irregularidades em obras em diversos estados. Mais uma vez, interesses particulares, mancomunados com a corrupção de dirigentes e funcionários do Estado, trouxeram prejuízos aos trabalhadores rurais alagoanos.
Em 2008, por duas vezes, os assentados ligados ao MST ocuparam instalações públicas de estatais estaduais para exigir a regularização de instalações de água e luz nos assentamentos. Em 6 de maio, cerca de 200 famílias assentadas no alto sertão alagoano ocuparam a sede da Companhia Energética de Alagoas (Ceal), em Delmiro Gouveia. Eles exigiam o cumprimento de acordo que visava o início e conclusão das obras de instalação de energia elétrica nos assentamentos Maria Cristina e José Elenilson, no município de Delmiro Gouveia, e Patativa do Assaré e Gastone Beltrão, em Olho D´Água do Casado. Em 12 de novembro, cerca de 300 assentados da mesma região ocuparam a Central de Abastecimento e Saneamento de Alagoas (Casal), também em Delmiro Gouveia, exigindo a regularização do abastecimento de água para os assentamentos da região.
Última atualização em: 14 de janeiro de 2010
Fontes
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___________. Conflito entre integrantes do MST e seguranças de uma fazenda deixa 16 feridos em Alagoas. Disponível em: LINK. Acesso em: 5 mar. 2009.
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___________. Trabalhadores se mobilizam em Alagoas contra a violência e a impunidade. Disponível em: LINK. Acesso em: 5 mar. 2009.
___________. Assentados ocupam companhia de energia em Alagoas. Disponível em: LINK. Acesso em: 5 mar. 2009.
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PORTAL G1. Oito ficam feridos em confronto entre MST e seguranças de fazenda. Disponível em: LINK. Acesso em: 5 mar. 2009.
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ÚLTIMO SEGUNDO. Juiz manda polícia desarmar fazendeiros e MST em AL. Disponível em: LINK. Acesso em: 5 mar. 2009.