AM – Intromissão do tráfico de cocaína na vida dos povos indígenas do Sudoeste Amazonense – inoperância dos governos federal e estadual facilita a atividade dos narcotraficantes e deixa os jovens indígenas em situação de enorme vulnerabilidade
UF: AM
Município Atingido: Tonantins (AM)
Outros Municípios: Amaturá (AM), Barcelos (AM), Benjamin Constant (AM), Japurá (AM), Santa Isabel do Rio Negro (AM), Santo Antônio do Içá (AM), São Gabriel da Cachoeira (AM), São Paulo de Olivença (AM), Tabatinga (AM), Tonantins (AM)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Narcotráfico, Políticas públicas e legislação ambiental
Danos à Saúde: Alcoolismo, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida, Suicídio, Violência – lesão corporal
Síntese
Desde 2007 a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Administração Regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Tabatinga, região Sudoeste Amazonense, próxima às fronteiras com o Peru e Colômbia, denunciam o aumento do tráfico de drogas na região, bem como o uso de indígenas no transporte de entorpecentes por grupos ligados às Forças Revolucionárias da Colômbia (Farc). Essa situação tem ocorrido especialmente no município de Tabatinga, mas também pode ser verificada em São Gabriel da Cachoeira, Barcelos, Santa Izabel do Rio Negro, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, São Antonio do Içá, Japurá e Tonantins. Segundo autoridades locais a falta de ações de combate ao tráfico por parte da Polícia Federal e a falta de ações sociais por parte do governo federal, vêm contribuindo para a intensificação do tráfico e do consumo de drogas entre as comunidades indígenas da região. Com as drogas também tem aumentado os casos de prostituição infantil, pedofilia, alcoolismo, suicídios, estupros, gravidez precoce e violência doméstica.
Contexto Ampliado
O Alto Solimões é considerado uma das áreas estratégicas para o combate ao tráfico de entorpecentes e controle de fronteiras no Brasil. Localizada no Sudoeste Amazonense e se estendendo por uma longa área de fronteira entre o Brasil, Peru e Colômbia, a região é alvo de ações de grupos ligados ás Forças Revolucionárias da Colômbia e aos narcotraficantes colombianos, que atuam especialmente pela fronteira com a cidade colombiana de Letícia.
Tal localização e a vulnerabilidade das fronteiras amazônicas brasileiras tem contribuído para a expansão do tráfico e consumo de drogas entre os povos indígenas dos municípios da região, especialmente nos municípios de Tabatinga, Barcelos e Santa Izabel do Rio Negro, mas também em São Gabriel da Cachoeira, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença, Amaturá, São Antonio do Içá, Japurá e Tonantins. Espalhados por cerca de 230 comunidades, os cerca de 50 mil indígenas, de diversas etnias, são alvos da ação dos traficantes, que além do fornecimento de para os mais jovens, os vem utilizando como mulas (transportadores) de entorpecentes para as sedes dos municípios.
A questão tem sido acompanhada de perto pela Coiab e pela Funai em Tabatinga. A ausência de ações da Polícia Federal,e inoperância do governo federal na implementação de políticas voltadas para o combate ao tráfico de drogas nessas comunidades tem propiciado os efeitos avassaladores das drogas sobre a organização social indígena e sobre os jovens dessas comunidades (principais consumidores dos entorpecentes).
Segundo denúncia da Coiab, em novembro de 2007, cerca de 200 adolescentes indígenas, entre 12 e 18 anos, de 43 etnias dos municípios de Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira, já teriam sido identificados como usuários de drogas e estariam sendo usados como transportadores pelos traficantes. Segundo a entidade, além de consumir maconha e cocaína, esses jovens estariam inalando cola de sapateiro e até gasolina. Na ocasião a entidade, em parceria com Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), estava realizando um levantamento para determinar as áreas de maior incidência e tentar influenciar nas políticas públicas (basicamente inexistentes) voltadas para essa questão.
Apesar das constantes denúncias da Coiab, o problema tem persistido,motivando outros atores locais irem a público reiterar as denúncias. É o caso do cacique Manoel Nery Tikuna, liderança da aldeia Umariaçu 2, em Tabatinga, que no dia 20 de março de 2008, denunciou pela imprensa a atual situação de deterioração das comunidades da região. Segundo ele, além dos efeitos da cocaína e do álcool, a falta de empregos e de perspectivas tem levado muitos indígenas da região a cometerem o suicídio. Somente entre 2001 e 2006 teriam ocorrido 36 suicídios por jovens de sua aldeia. Para tanto estaria sendo usada uma mistura de Coca-Cola, cocaína e cachaça.
A repercussão desta declaração, corroborada pela Administração Regional da Funai em Tabatinga, encontrou uma Polícia Federal surpresa. Segundo o delegado da PF em Tabatinga Giovani Vicente Fontes Lopes, uma investigação seria iniciada. Apesar de ter se mostrado informado da atuação de grupos do tráfico na região e ter afirmado realizar operações de combate aos mesmos, o delegado se mostrou alheio ao que ocorria entre os povos indígenas. Tal situação ilustrou bem a importância que a PF local estaria dando à questão.
Contudo, foi em Brasília que a notícia repercutiu de forma mais contundente. No dia 25 de março de 2008, o vice-presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, deputado federal Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), defendeu o envio de uma força-tarefa para a região do Alto Solimões, no Amazonas, para combater o tráfico e o consumo de drogas entre os indígenas.
Segundo ele, em entrevista à Agência Brasil, o objetivo da operação seria a eliminação das plantações que foram identificadas e combater com rigor o tráfico que acontece na fronteira e que tende a prosperar com o vácuo de poder. (…) As forças de segurança têm que trabalhar em conjunto e de forma articulada, assim como acontece no combate ao crime organizado nas grandes cidades – completou.
Aparentemente a força-tarefa permaneceu no âmbito dos discursos e das possibilidades. Pois, em agosto de 2008, o administrador regional da Funai David Félix Cecílio denunciou novamente a situação dos índios da região: Estou pedindo socorro para tirar os nossos jovens indígenas do vício da cocaína e do álcool. São crianças entre 10 e 16 anos. Isso é preocupante porque começamos a registrar casos de crimes entre índios e alguns casos de suicídio.
A administração da Funai propõe uma solução menos belicosa para o combate ao tráfico nas comunidades indígenas, baseando as ações em projetos sociais. Nas palavras de seu representante, temos de ocupar o tempo da nossa juventude com estudo. Uma proposta que julgo ser interessante é a capacitação profissional do jovem indígena. Só assim ele vai ficar distante da abordagem de traficantes.
Entre projetos e interesses se passaram dois meses até o surgimento de nova denúncia, em outubro de 2008, dessa vez pelo presidente da Comissão de Assuntos Indígenas da Assembléia Legislativa do Amazonas, deputado José Lôbo (PCdoB), que seguiu para a região para realizar um levantamento da situação. Segundo ele, baseado em relatório elaborado no seminário O futuro da Amazônia, realizado em Tabatinga em janeiro do mesmo ano, os índios da região tríplice fronteira cheiram cocaína, gasolina, cola de sapateiro, fumam maconha e meninos e meninas têm sido vítimas de abuso sexual (estupro, incesto, pedofilia). Ocorre também nas aldeias da área um elevado índice de suicídios, gravidez precoce e indesejada, aborto e agressão doméstica. Segundo a fonte da notícia, seria comum também a prática do turismo sexual e a relação de adultos, inclusive não-índios com índias menores de idade.
Como é possível verificar, a situação tem sido alvo de atenção e denúncias de entidades e lideranças ligadas às comunidades indígenas e de autoridades locais. Contudo, a ciência da gravidade e da profundidade dos impactos do tráfico de drogas entre esses povos não tem garantido a eles uma ação efetiva por parte do Estado brasileiro no combate a esse estado de coisas. Seja a nível federal ou estadual, as ações das autoridades responsáveis pelas políticas indigenistas e de segurança tem se limitado à fase das denúncias e diagnósticos, sem que isso signifique ações que abram uma perspectiva de mudança na atitude governamental e na contenção e eficaz repressão à intromissão do narcotráfico na região.
Última atualização em: 14 de outubro de 2009
Fontes
AGÊNCIA AMAZÔNIA DE NOTÍCIAS. Agência Amazônia de Notícias. Disponível em: http://www.agenciaamazonia.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=2917&Itemid=364. Acesso em: 12 dez. 2008.
AGÊNCIA BRASIL. Índios da região de Tabatinga são vítimas do tráfico, afirma Coiab. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/03/18/materia.2008-03-18.3350340984/view. Acesso em: 12 dez. 2008.
____________. Deputado pede força-tarefa para combater cocaína entre índios da Amazônia. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/03/25/materia.2008-03-25.8842461476/view. Acesso em: 12 dez. 2008.
____________. Polícia Federal determina investigação sobre uso de cocaína em aldeias do Amazonas . Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/03/20/materia.2008-03-20.2400376224/view. Acesso em: 12 dez. 2008.
____________. Drogas levam jovens indígenas em Tabatinga ao suicídio, denuncia cacique. Disponível em: http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/03/20/materia.2008-03-20.2376345125/view. Acesso em: 12 dez. 2008.
O ESTADO DE SÃO PAULO. Mais de 200 índios podem estar ligados ao tráfico no AM. Disponível em: http://www.estadao.com.br/geral/not_ger80011,0.htm. Acesso em: 12 dez. 2008.
PORTAL G1. Funai de Tabatinga pede ajuda para tirar índios das drogas e do álcool. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL355121-5598,00-FUNAI+DE+TABATINGA+PEDE+AJUDA+PARA+TIRAR+INDIOS+DAS+DROGAS+E+DO+ALCOOL.html. Acesso em: 12 dez. 2008.