MG – Quilombolas de Saco Barreiro sofrem com dificuldade de acesso ao seu território, superexploração do trabalho nas fazendas, ameaças, racismo, coação por parte dos fazendeiros e prejuízos na saúde por conta da aplicação de agrotóxicos e maturadores nas plantações
UF: MG
Município Atingido: Pompéu (MG)
Outros Municípios: Pompéu (MG)
População: Quilombolas
Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas, Pecuária, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Precarização/riscos no ambiente de trabalho
Danos à Saúde: Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato, Violência – coação física
Síntese
Na mesorregião Central do estado de Minas Gerais (MG), no município de Pompéu, reside a comunidade quilombola de Saco Barreiro. Ela se encontra imersa em uma série de conflitos em decorrência da forte presença da monocultura de cana-de-açúcar. A comunidade encontra-se cercada e encurralada em um pequeno espaço de terras, próximo ao Córrego Pari, onde predominam Áreas de Proteção Ambiental (APPs). Enquanto isso, no entorno, o cenário é dominado pelas plantações da Agropéu S/A, empresa do ramo do agronegócio que tem sob sua posse uma destilaria e diversas fazendas na região, sendo que apenas uma delas ainda não está cultivada com canaviais. Desde a sua instalação na década de 1980, a empresa tem sido responsável por uma série de expropriações das famílias quilombolas, além de impactos socioambientais e transtornos ocasionados pela presença da mesma na área. Além disso, na região também constam monocultivos de eucaliptos e pastos. Apesar da comunidade ter sido reconhecida pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em 2008, pouco foi feito para a titulação das terras dos remanescentes quilombolas.
A área em que o quilombo se formou teria sido um retiro de Dona Joaquina de Pompéu, grande proprietária de terras e de escravos da região entre o final do século XVIII e o início do século XX. Saco Barreiro está fixado na zona rural de Pompéu, a aproximadamente 20 quilômetros da sede do município e é composto por cerca de 50 famílias, das quais 17 residem atualmente no local. Devido à falta de terras, muitos familiares passaram a abandonar a comunidade durante a semana, recorrendo às zonas urbanas próximas para trabalhar. A comunidade é formada por pessoas de baixa renda, com alta vulnerabilidade social e apresenta uma população infantil com carências nutricionais.
Além disso, devido à dificuldade do acesso ao seu território pela interferência de fazendeiros locais e da Agropéu, a comunidade reduziu substancialmente a produção para subsistência, o que expôs os moradores, em alguns momentos passados, a momentos de precariedade e até mesmo a fome. As famílias hoje residentes no Quilombo Saco Barreiro obtém seu sustento, em geral, no trabalho nas próprias fazendas vizinhas, tirando leite das vacas, tratando o gado, capinando ou aplicando agrotóxico nas plantações da Agropéu. Porém, os moradores do quilombo são acometidos por uma série de problemas, como a superexploração do trabalho nas fazendas, ameaças, racismo, coação por parte dos fazendeiros e prejuízos na saúde por conta da aplicação de agrotóxicos e maturadores nas plantações.
Contexto Ampliado
A comunidade quilombola de Saco Barreiro, localizada no município de Pompéu, a 160 km da capital Belo Horizonte, na mesorregião central do estado de Minas Gerais (MG), encontra-se imersa em uma série de conflitos em decorrência da presença da monocultura de cana-de-açúcar no seu entorno. A comunidade encontra-se cercada por plantações da Agropéu S/A, do ramo do agronegócio, que tem sob sua posse uma destilaria e diversas fazendas na região, sendo que apenas uma delas ainda não está cultivada com canaviais. Desde a sua instalação na década de 1980, a empresa tem sido responsável por uma série de expropriações das famílias quilombolas, que são acometidas por impactos socioambientais e transtornos ocasionados pela presença da mesma na área.
Conforme indica Carvalho (2014) – referência amplamente utilizada neste relato pela riqueza de detalhes que apresenta -, o quilombo de Saco Barreiro está fixado na zona rural de Pompéu, a aproximadamente 20 quilômetros da sede do município. É composto por cerca de 50 famílias, das quais 17 residem atualmente no local. Devido à falta de terras, muitos familiares passaram a abandonar a comunidade durante a semana, recorrendo às zonas urbanas próximas para trabalhar. Apesar disso, estas pessoas continuam visitando constantemente o local nos fins de semana, sonhando um dia poderem retornar, de preferência quando houver a titulação definitiva das terras do quilombo. A comunidade é formada por pessoas de baixa renda, com alta vulnerabilidade social e apresenta uma população infantil com carências nutricionais.
Como o próprio nome da comunidade indica, Barreiro remete a uma das atividades tradicionais do quilombo, o uso da argila branca para a construção de casas, fornalhas e demais utensílios. A argila é extraída da beira do Córrego Pari, um dos principais córregos da área, às margens do qual a comunidade está atualmente situada. A área em que o quilombo se formou teria sido um retiro de Dona Joaquina de Pompéu, grande proprietária de terras e de escravos da região entre o final do século XVIII e o início do século XX, e a tradição da retirada do barro remonta aos primeiros momentos da formação do quilombo. Outro aspecto tradicional são os festejos em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, que ocorrem todos os anos no dia 12 de outubro.
Segundo informações retiradas do site do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), a população quilombola em Minas Gerais é, em grande parte, oriunda do povo Bantu, já que todos os dialetos identificados no estado são provenientes desta matriz linguística africana. Estima-se que a população total do estado seja de aproximadamente 100 mil a 110 mil indivíduos, sendo o maior agrupamento, com cerca de 7 mil pessoas, o dos quilombolas Gurutubanos, na região do município de Porteirinhas. A história de resistência deste quilombo já está registrada no Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil.
Apesar de apresentar uma grande população quilombola, o CEDEFES indica que a realidade das comunidades em Minas é bastante problemática. Os quilombolas se deparam com a deficiência de políticas públicas ou até mesmo com o desconhecimento de projetos de governo que podem beneficiá-los, já que muitas vezes não têm os meios para acessá-los. A economia das comunidades, em geral, se baseia nos seguintes meios: jornadas de trabalho em fazendas vizinhas; pequena produção agrícola para subsistência e comercialização em feiras e mercados próximos; migrações sazonais para estados como São Paulo, Paraná e mesmo o sul de Minas para trabalhar com o café ou no corte da cana; trabalho em empresas de mineração ou reflorestamento de eucalipto na vizinhança da comunidade; e trabalhos informais nos centros urbanos.
Pela diversidade de formas de apropriação da terra em decorrência de projetos com práticas distintas daquelas praticadas pelos quilombolas, a violência em relação a terra é um dos principais problemas no estado, visto que a maior parte das comunidades teve seu território usurpado a partir da grilagem de terras. Este processo origina-se pela demanda de territórios quilombolas por diferentes vias, como a especulação imobiliária, a instalação de fazendas, empresas, barragens, mineração ou outro empreendimento com lógicas territoriais conflitantes. Este contexto tem provocado a migração, a expulsão de suas terras, a queda de produção e a redução da autoestima das comunidades.
O CEDEFES aponta ainda que a maioria das comunidades quilombolas está localizada em áreas rurais, mas, em algumas regiões, como a região central do estado, a urbanização no século XVIII e a localização da antiga e da nova capital de Minas Gerais resultaram no desenvolvimento de grandes centros de atração populacional e, com isso, houve a formação de quilombos em áreas urbanas e circunvizinhas. Apesar de estar situado na região Central de Minas, o Quilombo de Saco Barreiro se insere na zona rural do município de Pompéu. A região Central de Minas Gerais é emblemática, pois seu povoamento, desde o século XVIII, se deu a partir da exploração aurífera, quando houve a migração de portugueses, mestiços, escravos indígenas, africanos, afro-brasileiros e outros, tornando a região a principal província do reino português no mundo.
De acordo com Carvalho (2014), a região que compreende os municípios de Pitangui, Martinho Campos e Pompéu passou a ser efetivamente povoada por volta do século XVIII com a descoberta do ouro por sertanistas paulistas nas áreas dos rios Paraopeba e Pará, onde hoje está Pitangui. Em 1715, o então arraial do Pitangui elevou-se à condição de vila, quando foram concedidas as primeiras sesmarias aos moradores do distrito. Porém, segundo indica Santos (2003), citada por Carvalho (2014), as primeiras minas ali encontradas eram infrutíferas, e a expansão da ocupação se deu, de fato, em decorrência do declínio da produção do ouro e da fuga da mineração, o que favoreceu atividades econômicas como a agricultura e a criação de animais, fator que contribuiu para a fixação populacional nas áreas do interior os sertões.
Muitas sesmarias foram concedidas no local para atividades de criação de gado e engenho, como as Sesmarias da Porteira, Bom Jardim, Passagem de Monserrate, Morrinho e Pompéo, que, após, passarem por vários donos, foram compradas por Manuel Gomes da Cruz e, em seguida, pelo Capitão Inácio de Oliveira Campos, esposo de Dona Joaquina de Pompéu. O casal passou a ser dono das fazendas Pompéu (hoje Pompéu Velho), Passagem do Choro, Rocinha, Mato Grosso, Retiro do Mato Grosso, Quati, Santa Rosa e Diamante.
Dona Joaquina nasceu em Mariana (1752) e mudou-se com a família para Pitangui em 1762, onde conheceu o Capitão Inácio. Os dois se casaram em 1764, quando ela tinha apenas 12 anos. Inácio foi designado em 1771 para missões de apresamento de indígenas e negros fugidos pelos sertões do oeste da capitania de Minas e, por isso, recebeu várias sesmarias como recompensa; também herdou terras do seu pai em Paracatu. Porém, além das terras que já possuíam, Carvalho (2014) aponta que Inácio e Joaquina compraram de Manuel Gomes da Cruz todas as sesmarias anteriormente mencionadas, e, na de Pompéo, se estabeleceram com seus 10 filhos.
Santos (2003) destaca que as atividades agrícolas adquiriram relevância regional diante da mineração, e culturas como a da cana e do algodão foram notáveis no início do século XIX. Fora estas atividades, a agropecuária cumpriu importante papel na economia colonial do Alto São Francisco, quando fazendas da região de Pitangui forneciam carne para vilas e povoados próximos, favorecendo ainda mais o povoamento naquele período.
Com a morte de Inácio em 1804, os negócios e o latifúndio do capitão passaram para o controle de Dona Joaquina. Ela veio a falecer em 1825, deixando 74 netos, 15 bisnetos, 11 fazendas, 40 mil cabeças de gado, tesouros e objetos valiosos em seu testamento e algumas centenas de escravos que trabalhavam em suas fazendas. Assim, as fazendas que se formaram na região praticamente não foram comradas, mas se constituíram a partir da herança das terras de Dona Joaquina (CARVALHO, 2014).
Segundo a liderança comunitária e presidente da Associação da Comunidade de Saco Barreiro (ASTRAC), Wilton de Almeida, mencionado na pesquisa de Carvalho (2014), todos os membros da comunidade são descendentes da família Almeida, possuindo este sobrenome. Alguns, por terem se casado com pessoas da região, às vezes tem o sobrenome Silva ou Silva Almeida, mas a predominância é de Almeida, visto que a maioria dos casamentos em Saco Barreiro ocorreram entre primos.
De acordo com um morador da comunidade, a família Almeida residia no quilombo da Vereda, que se localiza próximo ao Córrego Curralinho. Porém, a autora indica que as histórias em relação ao quilombo da Vereda e a sua formação não ficaram claras durante sua pesquisa, não permitindo afirmar o contexto da ocupação da família na área mencionada; não se sabe exatamente se ocorreu por meio de fuga, de doação, de compra ou apossamento. Conforme apontou o pesquisador Alexandre Coelho (2013), também citado por Carvalho (2014), o bisavô de Wilton (liderança na comunidade) teria sido escravo de Dona Joaquina e trabalhava ordenhando vacas e fazendo roças. De acordo com Coelho (2013), os quilombolas teriam recebido de um fazendeiro chamado Bolívar, possível herdeiro da matriarca, as terras já ocupadas por eles anteriormente, porém não possuíam documentos que comprovassem tal recebimento.
Carvalho (2014) menciona que, em boa parte dos relatos orais dos moradores, a figura do fazendeiro e de seus domínios se faz presente, indicando a possibilidade do grupo ter se constituído ao longo do tempo dentro das fazendas que antes pertenciam à Dona Joaquina de Pompéu. O romance A dama do sertão, de Antônio Campos Guimarães, de 1985, que aborda a relação de Dona Joaquina com os escravos, traz ainda a versão de que teriam sido ordens da própria Joaquina que os escravos se estabelecessem em ranchos espalhados às margens dos córregos ou na orla das matas e dos cerrados. Apesar do viés romantizado do livro, para Carvalho (2014), tais descrições apresentam indícios dos processos de ocupação da área pelos escravos e seus descendentes, em especial, levando-se em consideração o estabelecimento da família Almeida às margens do córrego Curralinho, primeiramente, e do Córrego Pari, posteriormente.
Conforme apontou Wilton, a comunidade veio sendo expropriada ao longo do território, até virem parar na beira do Córrego Pari, local em que se concentram as casas e onde vivem encurralados, com poucas terras para plantar e cercados por fazendas. Existem ainda outras pessoas mais dispersas pelo território, inseridas em fazendas nas quais a maior parte trabalhou ou trabalha. Moradores relataram para Carvalho (2014) que grande parte da área era composta de cerradão, e que foram eles próprios que prepararam o local para a criação de gado e outras culturas, na medida em que havia um processo de coerção dos fazendeiros, que se apropriavam das terras limpas pelos quilombolas e ofereciam terras adiante. Neste processo cíclico, a comunidade sempre preparava novas áreas para plantar roça e, quando convinha, os fazendeiros as tomavam mais uma vez.
Com a carência de terras para plantar, muitos quilombolas de Saco Barreiro passaram a trabalhar no sistema de meia: daquilo que produziam, metade era direcionada para os fazendeiros que tinham se apropriado das terras. Os fazendeiros, por sua vez, emprestavam sementes e artefatos para o trabalho, mas estes empréstimos também eram pagos com a produção. Esta situação, segundo Carvalho (2014), expôs o grupo a momentos de precariedade e fome. Os comunitários trabalhavam muitas horas por dia, muitas vezes acordavam de madrugada para fazer as tarefas e muitos deles, desde pequenos, já trabalhavam nas fazendas.
Além da superexploração, há relatos de que os fazendeiros também os ameaçavam, forçavam a população a votar em partidos impostos por eles, sendo inclusive levado nos carros dos mesmos; também sofriam racismo, pois eram chamados de negros/negrada de Saco Barreiro. Ademais, ainda houve um processo de proibição do trabalho nas meias por parte dos filhos dos primeiros fazendeiros que expropriaram o grupo de suas terras. As dificuldades para produzir e garantir a subsistência com o trabalho na terra forçou muitos quilombolas a migrarem para as cidades em busca de trabalho.
Na medida em que o tempo passava e muitos quilombolas mais velhos iam falecendo, passou a ser comum os fazendeiros expulsarem os filhos dos quilombolas, muitas vezes utilizando-se de armas. Isto ocorreu mais intensamente durante o período da Ditadura Militar (1964 – 1984) e com a chegada da agroindústria na região, a partir da instalação da Agropéu em 1981, que se deu durante a segunda fase do Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL).
Mesmo hoje, alguns quilombolas ainda trabalham nas fazendas de gado, saem de casa muito cedo, trabalham mais de 12 horas por dia, ganham pouco e não têm direito a comida ou café durante o serviço. A relação conflituosa entre fazendeiros e quilombolas gerou alguns processos na justiça por parte do último grupo, que reivindica seus direitos trabalhistas e como posseiros das terras. Como aponta Carvalho (2014), até hoje a região se evidencia como um cenário de conflito, violência e morte, marcada pela desigualdade de poder e pelo confronto entre os tempos históricos distintos dos grupos e sujeitos existentes na fronteira.
De acordo com Carvalho (2014), o acesso à saúde, educação e transporte são precários na comunidade. Os moradores apontam que há falta de médicos na zona rural, pois não é mais permitido que os profissionais atendam as pessoas em casa, sendo necessária a construção de algum cômodo para o atendimento. Atualmente, os médicos atendem nos assentamentos, mas os quilombolas de Saco Barreiro precisam se dirigir constantemente ao centro de Pompéu, o que também é dificultado pela precariedade do serviço de transporte público no local. Se antes existia uma escola na comunidade onde estudavam os habitantes do Córrego Pari e da Boiada, hoje essa escola está coberta pelos canaviais da Agropéu, sendo possível ver resquícios da construção no meio das plantações.
As famílias hoje residentes na comunidade obtém seu sustento, em geral, no trabalho nas próprias fazendas vizinhas, tirando leite das vacas, tratando o gado, capinando ou aplicando agrotóxico nas plantações. Poucas são as famílias, como a de Wilton, que trabalham nas feiras municipais, comercializando parte da produção do quilombo. Apesar disso, a maior parte das casas tem hortas e criações de animais para o consumo próprio.
Além dos quilombolas, a região de Saco Barreiro está próxima a uma área ocupada anteriormente pelos indígenas da etnia Caxixó, com os quais mantêm uma relação amigável. Também existem assentamentos da Reforma Agrária na vizinhança, como o Assentamento Paulista, o Assentamento Pompéu Velho e o Assentamento 26 de Outubro. Neste último, habitam alguns quilombolas de Saco Barreiro; já Pompéu Velho é conhecido localmente como Quilombo do Cruzeiro, pois se trata de uma comunidade quilombola que iniciou o processo de Reforma Agrária tradicional antes de tomar conhecimento da reivindicação de direitos a partir do reconhecimento étnico.
Há tempos atrás, os quilombolas apontam que a diversidade e o uso da natureza eram características da região. Animais como veados, gaieros e emas, ou árvores frutíferas como jatobás, guarirobas, bananeiras, laranjeiras, pitangueiras e cajueiros, eram comuns no local. Além disso, a comunidade podia pegar lenha quando necessitava e a abundância de chuvas permitia que o Córrego Pari sempre estivesse cheio, possibilitando o início das plantações no mês de setembro. Atualmente, além de ser tomada por plantações de cana que abastecem a destilaria da Agropéu, a região também está coberta por monocultivos de eucaliptos e pastos.
O que antes era composto por áreas de cerrado foi quase totalmente devastado; poucas são as áreas remaescentes do bioma e as que ainda existem são, geralmente, áreas de Reserva Legal ou Áreas de Preservação Permanente (APPs). O fato de estarem muito próximos de APPs, como as margens do Córrego Pari, por exemplo, os impede de cultivarem roças ou retirarem lenha. Devido a esta questão, a Agropéu coage os quilombolas a venderem suas terras; segundo relato de moradores indicados por Carvalho (2014), até mesmo o agrônomo da empresa já agiu de má fé, autorizando a comunidade a plantar na beira do córrego, mesmo que seja proibido pela legislação ambiental. Moradores também declararam que há diferenças no tratamento prestado pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) em relação às infrações ambientais cometidas pelos quilombolas e a Agropéu.
Um dos casos apontados por Carvalho (2014) é o corte de árvores por parte de fazendeiros, que muitas vezes não são penalizados pelos fiscais. Na Fazenda Salgado, supostamente arrendada pela Agropéu para o cultivo de cana, a empresa vem criando estratégias para desmatar a área. Uma delas é aplicar veneno nas árvores (como, por exemplo, nos pequizeiros) fazendo com que elas morram e seja possível arrancá-las. Para isso, funcionários da empresa vão fazendo marcações em vermelho nas árvores que já receberam veneno. Outra estratégia é realizar o corte e o soterramento durante a noite.
Em relação aos córregos e nascentes, os moradores relatam, na pesquisa de Carvalho (2014), que estão impressionados com a baixa vazão de água e até mesmo com a seca destas fontes, o que causa também a escassez de peixes. Muitos comunitários atribuem a falta em decorrência da estocagem de água pela empresa para utilizar nas plantações. Segundo eles, a Agropéu tem um açude do qual bombeia água de maneira ilegal. Outros fatores que comprometem a utilização da água são: a descarga de dejetos de uma pedreira (Micapel Slate) no córrego Pompéu Velho, que deságua no Pari; a prática de eliminação de dejetos das ordenhas e de iodo nos córregos por parte dos fazendeiros; ou a contaminação por agrotóxicos da Agropéu.
Sobre os aditivos químicos nas plantações, os moradores se queixam que a empresa aplica agrotóxicos com o uso de tratores e maturadores com o uso de aviões apesar de que, no último caso, a dispersão deste tipo de produto por vias aéreas não é regulamentada por uma legislação específica. O uso destas substâncias tem repercutido na contaminação das águas, do solo e dos alimentos utilizados pelos moradores e pelos animais, o que vem provocando impactos na saúde. Para se ter ideia, uma vaca de um dos moradores passou a produzir um leite com gosto amargo em função da ingestão do agrotóxico; houve também emagrecimento e até mesmo morte de animais por conta do pasto próximo aos canaviais.
Entre os moradores e trabalhadores da Agropéu foram registrados, no trabalho de Carvalho (2014), casos de epilepsia, convulsões, intoxicações no fígado e no sangue, alergias, irritação e inchaço nos olhos, dores no peito, problemas respiratórios e até mesmo câncer de próstata. Um outro problema foi a proliferação de mosquitos, utilizados pela empresa no combate às pragas da cana. Além do incômodo gerado pelos insetos, eles se alimentam das folhas das plantações de feijão dos quilombolas, prejudicando a produção.
Como se não bastasse todo o contexto problemático na relação entre a comunidade quilombola e a Agropéu, no dia 27 de junho de 2002, o ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais no Assentamento 26 de Outubro, Ivo de Castro Machado, foi assassinado. Ivo era uma figura importante na luta de Saco Barreiro, dos Caxixó e em prol da Reforma Agrária. O site Povos Indígenas no Brasil (2002), indicado por Carvalho (2014), trouxe indícios apontando para o fato do assassinato ter sido causado por um pequeno desentendimento entre Ivo e um assentado, mas há suspeitas de que tenha sido provocado pelo envolvimento dele na luta pela terra na região. Além de Ivo, os quilombolas relatam que ainda hoje são recorrentes as ameaças contra os Caxixós e os moradores de Saco Barreiro.
No dia 04 de agosto de 2008 foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 60, de 29 de julho de 2008, da Fundação Cultural Palmares (FCP). A Portaria foi responsável por certificar, conforme declarações de autoidentificação, uma série de comunidades remanescentes de quilombo. Dentre elas, estava a Comunidade de Saco Barreiro, certificada sob o Registro nº 1.052, fl. 68.
Em referência à existência do processo administrativo nº 54170.000077/2009-01, que trata da regularização fundiária do território da comunidade de Saco Barreiro, em trâmite no Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), o Ministério Público Federal (MPF), por meio do Procurador da República, Bruno Nominato de Oliveira, instaurou um Inquérito Civil Público visando acompanhar o processo. Para tal, foi publicada no Diário da Justiça a Portaria nº 27, de 15 de julho de 2010. Dentre as determinações, o Procurador exigiu que o INCRA fosse oficiado no prazo de 30 dias para prestar informações sobre as medidas adotadas para o andamento do processo. Além disso, foi enviada mensagem eletrônica à 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF para que também houvesse acompanhamento do procedimento por parte da mesma.
No Portal de Convênios do Governo Federal foi publicada, em 06 de dezembro de 2010, a Proposta 35928/2010, com duração entre dezembro de 2010 e julho de 2011. Este convênio foi selado com o intuito de promover a inclusão produtiva dos quilombolas de Saco Barreiro a partir da aquisição de um veículo utilitário para o escoamento da produção agrícola, visando garantir a comercialização da produção, geração de trabalho e o incremento de renda das famílias. Tal convênio teve a proposta e o plano de trabalho aprovados no valor global de R$ 112.245,00, sendo, deste total, R$ 110.000,00 repassados pela União.
Entre os dias 30 de novembro e 02 de dezembro de 2012, o Combate Racismo Ambiental noticiou que ocorreu o V Encontro Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais, na cidade de Itabira. No encontro, se reuniram agricultores e agricultoras familiares, população negra, representantes dos Povos e Comunidades Tradicionais Quilombolas de Minas Gerais, representantes de Organizações da Sociedade Civil, Universidade e outras entidades. Estiveram presentes lideranças de 79 comunidades quilombolas do estado, dentre elas membros do Saco Barreiro. O encontro teve o objetivo de reafirmar a luta, as estratégias e celebrar as conquistas visando a continuidade da mobilização e integração do Movimento Quilombola do Estado de Minas Gerais. Foram compartilhados também testemunhos de várias comunidades ameaçadas de expulsão de suas terras por interesses do agro e do hidronegócio. Juntamente com a Carta Política do Evento, foi feita uma moção de apoio à Comunidade de Brejo dos Crioulos, situada na região norte de Minas e que convive há mais de 12 anos com injustiças e conflitos, os quais podem ser acessados em registros deste Mapa. Os quilombolas de Saco Barreiro também assinaram a moção de apoio, juntamente com o CEDEFES.
No dia 16 de fevereiro de 2015, o Portal G1 noticiou que criminosos fizeram reféns cinco pessoas de uma família da comunidade Saco Barreiro, durante roubo a uma fazenda. Elas foram colocadas em um quarto durante algumas horas na noite do dia 15. Enquanto isso, foram efetuados disparos para o alto no sentido de intimidar as pessoas. Não houve ferimentos e, ao final, o grupo fugiu levando um veículo e uma televisão.
No dia 29 de abril de 2015, foi aprovado pela Câmara Municipal de Pompéu o Projeto de Lei nº 031/2015, declarando de Utilidade Pública a Associação da Comunidade Saco Barreiro (ASTRAC). A entidade, com a publicação da lei, teve que apresentar ao órgão competente da Prefeitura um relatório circunstanciado dos serviços prestados à coletividade no ano anterior (2014).
Cronologia
Século XVIII Início do povoamento da região Central de Minas Gerais, inclusive do entorno do município de ompéu, a partir da exploração aurífera, quando ocorre a migração de portugueses, mestiços, escravos indígenas, africanos, afro-brasileiros e outros.
1715 – O então arraial do Pitangui eleva-se à condição de vila, quando são concedidas as primeiras sesmarias aos moradores do distrito.
1762 – Dona Joaquina de Pompéu muda-se com a família para Pitangui, onde conhece o Capitão Inácio de Oliveira Campos.
1764 – Os dois se casam, quando Joaquina tem apenas 12 anos.
1771 Capitão Inácio é designado para as missões de apresamento de indígenas e negros fugidos pelos sertões do oeste da capitania de Minas e, por isso, recebe várias sesmarias como recompensa.
Início do século XIX – As atividades agrícolas adquirem relevância regional diante da mineração, e culturas como a da cana e do algodão e a agropecuária passam a se notabilizar.
1804 – Com a morte de Inácio, os negócios e o latifúndio do capitão passam para o controle de Dona Joaquina.
1825 Ano de falecimento de Joaquina.
1964 1984 – Durante o período da Ditadura Militar, passa a ser comum a expulsão dos filhos dos quilombolas pelos fazendeiros, muitas vezes com o uso de armas.
1981 Com a chegada da agroindústria na região, a partir da instalação da Agropéu durante a segunda fase do Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL), as expulsões se acirram.
27 de junho de 2002 – O ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais no Assentamento 26 de Outubro, Ivo de Castro Machado, é assassinado.
04 de agosto de 2008 Publica-se, no Diário Oficial da União, a Portaria nº 60, de 29 de julho de 2008, da Fundação Cultural Palmares (FCP), que certifica uma série de comunidades remanescentes de quilombo, inclusive a Comunidade de Saco Barreiro.
15 de julho de 2010 – O Ministério Público Federal (MPF), por meio do Procurador da República, Bruno Nominato de Oliveira, instaura, através da Portaria nº 27, um Inquérito Civil Público visando acompanhar o processo de regularização fundiária do quilombo.
06 de dezembro de 2010 – No Portal de Convênios do Governo Federal é publicada a Proposta 35928/2010, que visa a aquisição de um veículo utilitário para o escoamento da produção agrícola para Saco Barreiro.
30 de novembro e 02 de dezembro de 2012 Ocorre o V Encontro Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais, na cidade de Itabira, onde se fazem presentes lideranças de 79 comunidades quilombolas do estado, dentre elas membros do Saco Barreiro.
16 de fevereiro de 2015 Durante roubo a uma das fazendas da região, criminosos fazem reféns cinco pessoas de uma família da comunidade Saco Barreiro.
29 de abril de 2015 – É aprovado, pela Câmara Municipal de Pompéu, o Projeto de Lei nº 031/2015, que declara de Utilidade Pública a Associação da Comunidade Saco Barreiro (ASTRAC).
Fontes
CÂMARA MUNICIPAL DE POMPÉU. Projeto de Lei nº 031/2015. Pompéu, 29 de abril de 2015. Disponível em: http://goo.gl/iYtRmo. Acesso em: 20 de junho de 2015.
CARVALHO, Maria Letícia de Alvarenga. Trajetórias na fronteira: Desigualdades, resistências e lutas por direito na Comunidade Quilombola de Saco Barreiro MG. 2014, 80p. Monografia (Graduação em Ciências Sociais) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014.
CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva. Quilombos de Minas Gerais no século XXI, sem data. Disponível em: http://goo.gl/c8QCSX. Acesso em: 20 de junho de 2015.
COMUNIDADE Saco Barreiro pede socorro. 307. Disponível em: https://goo.gl/pMmV0G. Acesso em: 20 de junho de 2015.
CRIMINOSOS fazem família refém durante roubo em fazenda de Pompéu. G1, 16 de fevereiro de 2015. Disponível em: http://goo.gl/9OZ6JC. Acesso em: 20 de junho de 2015.
ESTUDANTES da PUC MG fazem intercâmbio em Quilombola de Pompéu. 454. Disponível em: https://goo.gl/S5cXbd. Acesso em: 20 de junho de 2015.
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Portaria Nº 60, de 29 de julho de 2008. Diário Oficial da União, seção 1, nº 148 4 de agosto de 2008.
MOÇÃO de apoio à Comunidade Quilombola de Brejo dos Crioulos aprovada no V Encontro das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais. Combate Racismo Ambiental, 10 de dezembro de 2012. Disponível em: http://goo.gl/OQyfM1. Acesso em: 20 de junho de 2015.
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