DF – Indígenas lutam por permanência e reconhecimento de santuário e território tradicional
UF: DF
Município Atingido: Brasília (DF)
Outros Municípios: Brasília (DF)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Especulação imobiliária
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas
Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – coação física, Violência – lesão corporal
Síntese
A comunidade indígena Bananal, também conhecida como Santuário dos Pajés, localiza-se na área de remanescente de cerrado na Asa Norte de Brasília. A área de 50 hectares é habitada por diferentes etnias, dentre elas os Fulni-Ô Tapuya, Tuxá, Kariri-Xocó e Guajajara. De acordo com notícia do Combate Racismo Ambiental (25/07/2012), a ocupação indígena no local iniciou-se em 1957, quando indígenas da etnia Fulni-ô, provenientes de Águas Belas-PE, se deslocaram à Brasília para trabalharem como operários na construção da capital e se refugiaram em meio às matas do cerrado para se dedicarem ao culto sagrado e manifestações religiosas ancestrais. Ao longo dos anos, alguns indígenas de outras etnias se fixaram no local.
A partir da década de 1990, o local ocupado pelos indígenas passou a ser palco de um acirrado conflito que explicita diferentes posições em disputa. De um lado, os indígenas que consideram a área sagrada e solicitaram o seu reconhecimento à Fundação Nacional do Índio (FUNAI); de outro, o Governo do Distrito Federal (GDF), a Companhia de Terras de Brasília (TERRACAP) e as empreiteiras Emplavi e Brasal, interessados em explorar a área economicamente, com o plano de expansão do Setor Noroeste.
Enquanto os estudos necessários para o reconhecimento da área como terra indígena estavam em andamento, iniciaram-se as movimentações em prol da construção do Setor Noroeste. Em 2007, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) emitiu Licença Prévia favorável à TERRACAP. Em 2009, o Plano Diretor da Cidade (PDOT) de Brasília foi alterado e a área ocupada pelos indígenas foi inserida dentro do mercado para ser vendida por meio de leilões públicos, batendo recordes de vendas.
Em 2011, o laudo antropológico foi finalizado. Apesar da posição favorável à ocupação indígena, a FUNAI contestou o estudo e não considerou a área como terra tradicional indígena. Iniciaram-se as alianças entre indígenas, estudantes e ambientalistas em prol da demarcação da área. Após muita disputa, com três casas indígenas incendiadas e protestos realizados, em 14 de novembro de 2013, a Justiça Federal decidiu a favor da permanência dos índios e reconheceu a área Santuário dos Pajés como terra indígena. O Ministério Público Federal acusou a FUNAI de ter sido negligente.
Contexto Ampliado
A comunidade indígena Bananal, também conhecida como Santuário dos Pajés, localiza-se na área de remanescente de cerrado na Asa Norte de Brasília. A área de 50 hectares é habitada por diferentes etnias, dentre elas os Fulni-Ô Tapuya, Tuxá, Kariri Xocó e Guajajara. O território tradicional situa-se próximo ao Córrego Bananal, ao Parque Ecológico Burle Marx e ao Parque Nacional de Brasília, na área de expansão urbana onde o Governo do Distrito Federal (GDF) tem o interesse em construir o bairro mais caro da cidade, o Setor Noroeste.
De acordo com notícia do Combate Racismo Ambiental (25/07/2012), a ocupação indígena no local iniciou-se em 1957, quando indígenas da etnia Fulni-ô, provenientes de Águas Belas-PE, se deslocaram à Brasília para trabalharem como operários na construção da capital e se refugiaram em meio às matas do cerrado para se dedicarem ao culto sagrado e manifestações religiosas ancestrais. A antropóloga Thais Brayner (2013) esclareceu que, inicialmente, os indígenas usavam o Santuário dos Pajés para realizar cerimônias, mas, posteriormente, passaram a se fixar no local.
O Instituto Socioambiental (s/d) informa que os Fulni-ô sofreram um processo histórico de arrendamento de suas terras em Pernambuco e muitos indígenas desta etnia se dispersaram por conta destes conflitos fundiários. O caso dos indígenas da etnia Funi-ô de Águas Belas, que ocuparam a área do Santuário dos Pajés, é um exemplo disto. De acordo com Frederico Flávio Magalhães (2009), os primeiros indígenas desta etnia que se fixaram na área foram: Antonio Inácio Severo, José Ribeiro, José Carlos Veríssimo e Eloi Lúcio. De acordo com o pesquisador, Antônio Inácio Severo se tornou conhecido entre trabalhadores da Vila Planalto como Índio Juscelino. Entre os indígenas, ele era tratado como Cacique Zumba e exercia o papel de liderança espiritual do território Santuário dos Pajés.
A partir dos anos 1960, chegaram outros índios Funi-ô, como Maria Veríssimo Machado, acompanhada de duas filhas e dois netos. Em 1969, chegaram mais dois filhos de Maria Machado; Santxiê Tapuia e Towê Fulni-Ô. O último chegou acompanhado de esposa e filhos. Ainda segundo os estudos de Magalhães, na década de 1970, os parentes Fulni-Ô de Maria Veríssimo continuaram a chegar, como os dois sobrinhos Mauro Veríssimo e Pedro Ribeiro. Com o tempo, os casamentos, o nascimento de filhos e netos, assim como a morte de líderes espirituais, fortaleceram ainda mais a relação com o território.
De acordo com a antropóloga, ainda na década de 1970, famílias Tuxá, da Bahia, também estabeleceram moradia permanente no Santuário. Neste período, mudaram-se para o local os indígenas Tuxá: Maria Conceição e seus filhos (Nelsinho Cavalcante, Edilene Conceição Cavalcante e Ednalva da Conceição Cavalcante).
Em 1986, chegaram as primeiras famílias Kariri-Xocó ao Santuário dos Pajés. A ocupação dos Kariri-Xocó se iniciou quando a indígena Ivanice Tononé se deslocou de Alagoas em busca de tratamento médico e foi acolhida temporariamente pelo pajé Funi-ô, Santixê. Ivanice permaneceu no local e, em seguida, convidou alguns parentes para morarem com ela, juntamente com alguns indígenas da etnia Tuxá. Segundo Thais Brayner (2013), a aliança entre os Kariri-Xocó e Fulni-ô são conhecidas no Nordeste, em especial em relação às alianças matrimoniais e ao ritual Ouricuri praticado por ambas as etnias. Neste caso, as alianças entre Kariri-Xocó e Fulni-ô tiveram continuidade em Brasília.
A liderança indígena Santixê informou ao pesquisador Frederico Magalhães que, em 1986, o indígena Pedro Tapuia foi esfaqueado por quatro estranhos dentro do território indígena quando tentou impedir a derrubada de árvores do cerrado para fabricação de carvão.
Entre os anos de 1995 e 1996, o pajé Santixê deu entrada a processo junto à Fundação Nacional do Índio (Processo FUNAI/BSB/1607/96) para formalizar o pedido de regularização do território da Comunidade Indígena do Bananal.
De acordo com Magalhães (2009), a FUNAI determinou o levantamento antropológico em 1996. Os estudos foram realizados pelo antropólogo Ivson José Ferreira e finalizados em 15 de maio de 1996. Nesta mesma data, a Companhia Territorial de Brasília (TERRACAP) recebeu o Ofício 336/DAF/06 para tomar conhecimento do referido processo de regularização do território indígena. O pesquisador Frederico Magalhães destacou que a agência imobiliária continuava a tratar a comunidade indígena como invasora de terras públicas.
Ainda segundo o pesquisador Frederico Magalhães, os indígenas não tiveram voz nas decisões de urbanistas e do governo sobre a área ocupada por eles antes mesmo da inauguração de Brasília, datada de 21 de abril de 1960. O pesquisador citou diversos momentos em que os indígenas foram negligenciados pelos poderes públicos, tal como a ação empreendida pela TERRACAP em 1998, quando solicitou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para validarem seus planos de ocupação urbana do Setor Noroeste. Outro exemplo citado foi o Plano de Ocupação da área da Expansão Noroeste realizado pela antiga Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH), no ano 2000.
Ainda segundo esta fonte, no ano de 2003, o Centro Integrado de Operações, Segurança Pública e Defesa Social do DF (CIOSPDS) solicitou à FUNAI a definição e a demarcação da área para garantir a proteção dos indígenas do Bananal (Relatório CIOSP 008/2002-NPO de 15.10.2002, encaminhado através do Ofício Nº1654/15.10.2002/GEPLA/CIOSPDS). Em resposta, a Diretoria de Assuntos Fundiários (DAF) da FUNAI solicitou os estudos e levantamentos realizados pela antropóloga Stella Ribeiro da Matta Machado. O Relatório do Levantamento Prévio entregue pela antropóloga, em 18 de junho de 2003, reforçou a necessidade de adoção de providências para a regularização fundiária do território da Comunidade Indígena Bananal.
Ainda no ano de 2003, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão de Índios e Minorias da Procuradoria Geral da República (PGR), do Ministério Público Federal (MPF), encaminhou à FUNAI uma Nota Técnica (185-P/2003) recomendando a realização de procedimentos administrativos para a identificação da área da comunidade como terra tradicionalmente ocupada, de acordo com os termos do Artigo 231 da Constituição Federal.
Em 2004, a empresa TC/BR Tecnologia e Consultoria Brasileira S/A apresentou o EIA/RIMA do Setor Noroeste. Contudo, segundo Magalhães (2009), os estudos sobre a presença indígena no Setor Noroeste não foram realizados de forma adequada, pois não consideraram a abordagem determinada na Constituição Federal e a legislação indigenista brasileira. Após os estudos, a empresa TC/BR indicou que a FUNAI removesse os índios da área, e os órgãos ambientais acataram a decisão.
Em 26 de maio de 2007, Magalhães relatou que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) emitiu Licença Prévia (LP nº20/2006) em favor da TERRACAP. Entretanto, a viabilização da implantação do parcelamento da área estava condicionada à resolução da questão indígena no processo de licenciamento.
No dia 15 de fevereiro de 2008, o assessor da Subsecretaria de Planejamento Urbano da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Vicente Correia Lima Neto, encaminhou à Procuradoria do Meio Ambiente, Patrimônio Urbanístico e Imobiliário alguns dados que confirmavam a versão dos indígenas sobre a história de ocupação do Santuário dos Pajés. No documento, destacou-se que: Para fins de comprovação da ocupação, foram levantadas imagens do Plano Piloto de Brasília nos anos de 1965, 1975, 1982, 1986 e 1991. Em 1965, o núcleo não pode ser observado. No entanto, as demais imagens apresentam uma ocupação, que, no decorrer dos anos, permaneceu quase que estática em termos de expansão. Por último, o assessor encaminhou cópia deste documento para a TERRACAP, por considerá-la como parte interessada na implementação do projeto do Setor de Habitações Coletivas Noroeste.
Em 2009, o Plano Diretor da Cidade (PDOT) de Brasília foi alterado e a área ocupada pelos indígenas deixou de ser considerada Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie), sendo inserida dentro do mercado para ser vendida por meio de leilões públicos. A antropóloga Thais Brayner (2013) esclareceu que os conflitos entre empreiteiras e indígenas se agravaram a partir de então, pois o Governo do Distrito Federal lançou o bairro Noroeste e a Companhia Imobiliária de Brasília (TERRACAP) bateu recordes de vendas. Segundo a antropóloga, a empresa EMPLAVI comprou lotes da TERRACAP inseridos na área em 29 de janeiro de 2009. A pesquisadora destacou que tanto a TERRACAP quanto o GDF ignoraram a presença dos indígenas e o processo de reivindicação pela terra em curso.
O pesquisador Frederico Magalhães divulgou que, no dia 16 de março de 2009, a Procuradoria da República no Distrito Federal do MPF encaminhou algumas recomendações à Superintendente Regional do IBAMA no DF e ao Presidente da FUNAI. Ao IBAMA, a Procuradoria orientou que a área técnica responsável pelo licenciamento do Setor Habitacional Noroeste avaliasse as alterações necessárias ao projeto para que o modo de ocupação da comunidade indígena fosse preservado, até que houvesse uma decisão administrativa definitiva da FUNAI sobre a demarcação da área como Terra Indígena. À FUNAI, determinou que fosse constituído o Grupo Técnico de Identificação e Delimitação do território da Comunidade Indígena do Bananal até a elaboração de relatório conclusivo.
De acordo com Thais Brayner (2013), no ano de 2009, o juiz Hamilton de Sá Dantas também solicitou à FUNAI a criação de Grupo de Trabalho para identificar e delimitar o território indígena.
Em 30 de março de 2009, ocorreu mais um incêndio no Santuário dos Pajés. Desta vez, o alvo foi a casa de Towê, irmão da liderança indígena Santxiê. De acordo com Magalhães (2009), os moradores e apoiadores desconfiaram que o incêndio fosse criminoso, com objetivo de amedrontar os indígenas e pressionar sua saída do local.
Em outubro de 2009, de acordo com o Portal Terra (14/10/2011), a empreiteira Brasal também comprou área no Setor Noroeste por meio de licitação promovida pela TERRACAP e obteve alvará para a construção.
De acordo com Luana Luizy, em matéria publicada noo blog Combate Racismo Ambiental (22/05/2012), , em setembro de 2009, a Operação Caixa de Pandora da Polícia Federal revelou que parlamentares receberam propina para aprovar o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), o qual viabilizou o início da construção do empreendimento imobiliário na área da comunidade indígena do Santuário dos Pajés.
Thais Brayner (2013) informou que, somente em 2010, a FUNAI autorizou a diligência técnica para o estudo do caso do Santuário dos Pajés, através das portarias-FUNAI nº73, de 26/01/2010 e FUNAI-DPDS nº8, de 11/06/2011).
Em setembro de 2011, o Laudo antropológico realizado pelo antropólogo Jorge Eremites foi entregue para os servidores da FUNAI em Brasília, para os antropólogos do Ministério Público Federal (MPF) e para as lideranças da comunidade indígena do Santuário dos Pajés. O antropólogo concluiu que a ocupação indígena era tradicional e sugeriu que a FUNAI constituísse o Grupo Técnico (GT), sob coordenação de um antropólogo, para proceder aos estudos necessários à identificação, delimitação e demarcação da terra indígena no local.
No dia 13 de outubro de 2011, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) entregou uma nota complementar com medições da terra indígena à Presidência da FUNAI, MPF e lideranças do Santuário dos Pajés.
No dia seguinte, 14 de outubro de 2011, o Portal Terra veiculou notícia da Agência Brasil, na qual se pontuou que, apesar do laudo antropológico favorável à comunidade Santuário dos Pajés, a FUNAI não considerava a área como Terra Indígena. Segundo o indigenista do Instituto, Mário Moura: O laudo apresentado pelo antropólogo Jorge Eremites não se sustenta, e a maioria das pessoas que vivem no local, ainda que há muito tempo, sequer são lideranças indígenas. Se fosse terra particular, eles teriam direito a usucapião, mas como é terra pública, isso não é aplicável.
Ainda segundo a reportagem, houve protestos por parte de estudantes, índios e ambientalistas contrários à construção de imóveis no Santuário dos Pajés. O Portal veiculou algumas denúncias dos manifestantes que sofreram agressões de seguranças. O estudante Augusto Dauster, de 23 anos, declarou: Viemos aqui tentar parar as máquinas que avançaram além da área permitida e invadiram as terras que são dos índios. Enquanto estávamos acorrentando uma das máquinas, apareceu outra. Ao tentarmos pará-la, o sujeito tentou nos acertar com a pá da escavadeira. Em seguida, vieram quatro seguranças para me imobilizar e tomar minha câmera.
A ação foi acompanhada por seis viaturas da Polícia Militar e 31 policiais. A PM alegou que o caso, por envolver índios, era de responsabilidade da Polícia Federal e, por isto, estaria no local apenas para garantir a segurança de todos. O procurador-geral da FUNAI, Antônio Salmeirão, também foi ao local para buscar uma negociação entre as partes. Ao final, alcançou-se o acordo pela paralisação das obras enquanto a solução não fosse encontrada. A empresa Brasal pronunciou-se afirmando que não avançaria nas obras, mas prosseguiria com a limpeza do terreno.
De acordo com Thais Brayner (2013), em 2011, os Tuxá e Kariri-Xocó fecharam acordo com a TERRACAP, que se comprometeu em doar 12 hectares na Arie Cruls, situada a 200 metros da área ocupada pelos indígenas, ignorando assim o aspecto sagrado e religioso. A antropóloga afirmou que, no ano de 2012, estes indígenas que aceitaram o acordo continuavam na área do Santuário dos Pajés.
Além disso, a pesquisadora destacou que, naquele ano, as empreiteiras, mesmo quando eram impedidas de construir, continuavam a avançar em direção à terra indígena que ainda estava sob estudo. Segundo a antropóloga, o caso de Santuário dos Pajés seria complexo por envolver diferentes grupos indígenas na área. Thais Brayer relatou que os Kariri-Xocó, liderados por Ivanice Tononé, inicialmente mantinham a postura de não sair do local, mas depois houve uma cisão entre eles e mudaram de posição. Esta situação abalou as relações dos Kariri-Xocó com os Fulni-ô.
Segundo o pajé Fulin-ôSantxiê, receber dinheiro pela terra seria inadmissível, pois se negociaria algo que não tem preço; no caso, a sacralidade da terra. A pesquisadora afirmou que estes indígenas que aceitaram o acordo da empreiteira deixaram-se convencer pelos advogados que os representavam, os quais reforçaram a possibilidade de ganhar dinheiro e terra. Thais Brayer destacou que a mídia (Correio Braziliense, Jornal da Comunidade etc) divulgou o acordo aceito pelos Kariri-Xocó para deslegitimar a demanda dos índios e fez uma larga campanha para ridicularizar a presença indígena em Brasília, apresentando os índios como oportunistas que buscavam dinheiro.
Além disso, a pesquisadora destacou que o grupo Fulni-ô não estabeleceu relações de aliança com os Guajajara, que chegaram por último e ocuparam uma parcela de terra independentemente, sem alianças com os Fulni-ô. Isso representou um ponto de tensão entre os próprios índios. Por isso, em 2012, os moradores da comunidade Tapuya Fulni-ô denunciaram os Guajajara por crime ambiental. Em resposta, a antropóloga Elaine Teixeira Amorim, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, realizou o Laudo Pericial Antropológico para estabelecer as diferenças de usos, sentidos e ocupação da terra pelos índios dos três grupos principais.
Em agosto de 2012, a casa de Olavo Wapixana e Aldenora foi incendiada. Apesar de não ter sido comprovado, os indígenas não descartaram as suspeitas de o incêndio ter sido criminoso.
Em 14 de novembro de 2013, a Justiça Federal decidiu a favor da permanência dos índios e reconheceu a áre Santuário dos Pajés como terra indígena. De acordo com o Juiz Federal Paulo Ricardo Souza Cruz, ao contrário do que os pareceres da FUNAI indicavam, os documentos reunidos nos autos comprovavam a tradicionalidade da terra, implicando a necessidade de se reconhecer o direito dos indígenas de se manterem no local. Em notícia de Felipe Lázaro e Johana Noblat, publicada no blog Combate Racismo Ambiental (12/01/2014), a decisão constrangeu a FUNAI, que foi acusada pelo Ministério Público Federal de ter sido negligente.
Cronologia
Fins da década de 1950: Início da ocupação indígena no Santuário dos Pajés por indígenas da etnia Fulni-ô, provenientes de Águas Belas-PE.
21 de abril de 1960: Inauguração de Brasília.
Década de 1970: Famílias Tuxá e Fulni-ô estabelecem moradia permanente no lugar e ali passam a constituir uma comunidade multiétnica, com fortes vínculos de tradicionalidade com a terra e participantes de uma complexa rede de relações sociais.
1986: Chegam as primeiras famílias Kariri Xocó no Santuário dos Pajés.
1995-1996: Indígenas abrem processo junto à FUNAI, sob Nº 1.607/1996, com a intenção de pedir tanto o reconhecimento da presença deles no local quanto a demarcação da terra. O processo, com importantes documentos para o esclarecimento dos fatos, inclusive procedimentos oficiais para a regularização da área, desaparece de dentro do próprio órgão indigenista.
1998: Companhia Imobiliária de Brasília (TERRACAP) solicita o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) para validarem seus planos de ocupação urbana do Setor Noroeste.
2000: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Habitação (SEDUH) realiza Plano de Ocupação da área da Expansão Noroeste.
2003: Antropóloga da FUNAI Stella Ribeiro da Matta Machado elabora relatório de levantamento prévio (processo nº 1.230/2003) que constata a presença Tuxá e Fulni-ô na área do Santuário dos Pajés.
2003: Em Nota Técnica (185-P/2003) da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, o antropólogo Marco Paulo Froes Schetino recomenda a identificação e delimitação da área do Santuário dos Pajés como terra indígena tradicionalmente ocupada.
2003: Antropóloga da FUNAI Andréia Luiza L. B. Magalhães solicita ao órgão em seu parecer (143/CGID/2003) a constituição de Grupo de Trabalho (GT) Identificação e Delimitação para a regularização fundiária do território da Comunidade Indígena Bananal.
26 de maio de 2007: Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) emite Licença Prévia (LP nº20/2006) em favor da TERRACAP como condição para a viabilização da implantação do parcelamento da área, e destaca a resolução da questão indígena no processo de licenciamento.
2008: Governo do Distrito Federal começa a licitar lotes no Noroeste.
22 de outubro de 2008: TERRACAP e a Polícia Militar-DF invadem o Santuário dos Pajés e derrubam a casa de uma família indígena.
27 de novembro de 2008: Juíza Gildete Silva Balieiro, da Vara de Registros Públicos do Distrito Federal, rejeita as ações de impugnações apresentadas por índios.
2009: Parecer histórico e antropológico sobre a área do Santuário dos Pajés é preparado por Rodrigo Thurler Nacif e, um parecer técnico, por Juliana G. Melo e Leila Burger Sotto-Maior (número 34/CGID/DAF).
16 de março de 2009: Procuradoria da República no Distrito Federal do MPF encaminha recomendações sobre o caso à Superintendente Regional do IBAMA no DF e ao Presidente da FUNAI.
2009: Juiz Hamilton de Sá Dantas solicita à FUNAI que crie um Grupo de Trabalho (GT) para o estudo do caso em questão.
2009: Plano Diretor da Cidade (PDOT) de Brasília é alterado, área ocupada pelos indígenas deixa de ser considerada Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) e é inserida dentro do mercado para ser vendida por meio de leilões públicos. O Governo lança o bairro Noroeste e bate recordes de vendas.
29 de janeiro de 2009: Empresa Emplavi compra lotes vendidos pela Terracap. Ambos ignoram a presença dos índios e o processo de reivindicação pela terra iniciado.
30 de março de 2009: Ocorre um incêndio na casa de Towê, irmão da liderança Santxiê. Os moradores e apoiadores desconfiam da possibilidade de que o incêndio seja criminoso, com intuito de amedrontar os índios e suas famílias.
26 de janeiro de 2010: FUNAI autoriza a diligência técnica (portarias-Funai nº 73, de 26/1/2010, e FUNAI DPDS nº 8, de 11/6/2011) para constituição de Grupo Técnico para estudar o caso do Santuário dos Pajés.
Setembro de 2011: Laudo antropológico de parte da área da antiga Fazenda Bananal, também conhecida como Santuário dos Pajés, é entregue a servidores da FUNAI em Brasília, a antropólogos do Ministério Público Federal (MPF) e a lideranças da comunidade indígena do Santuário dos Pajés.
2011: Antropólogo Jorge Eremites conclui o laudo. Sustenta que a ocupação indígena é tradicional e determina que FUNAI constitua GT, sob coordenação de um antropólogo, para proceder aos estudos necessários à identificação, delimitação e demarcação da terra indígena no local. No entanto, de acordo com reportagem da Agência Brasil, o funcionário da FUNAI Mário Moura informa que a instituição contesta o laudo e não considera a área como terra tradicional indígena.
16 de agosto de 2011: Indígenas denunciam invasão e destruição de parte da vegetação do território tradicional por parte do GDF e da TERRACAP.
13 de outubro de 2011: ABA entrega uma nota complementar com medições da terra indígena à Presidência da FUNAI, MPF e lideranças do Santuário dos Pajés.
14 de outubro de 2011: Realização de protestos de estudantes, índios e ambientalistas contrários à construção de imóveis no Santuário dos Pajés. A ação é acompanhada por seis viaturas da Polícia Militar e 31 policiais.
2011: Os Tuxá e Karir-Xocó fecham acordo com a TERRACAP.
2012: Moradores da comunidade Tapuya Fulni-ô denunciam os Guajajara, no que se refere a crime ambiental cometido pelos últimos. Em resposta, a antropóloga Elaine Teixeira Amorim, da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal, realiza o Laudo Pericial Antropológico para estabelecer as diferenças de usos, sentidos e ocupação da terra pelos índios dos três grupos principais.
Maio de 2012: Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) embarga obras do Setor Noroeste realizadas pela Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) pelo não cumprimento de exigências ambientais.
24 de julho de 2012: A Anistia Internacional visita o Santuário dos Pajés.
Agosto de 2012: A casa de Olavo Wapixana e Aldenora é incendiada. Apesar de não ser comprovado, os indígenas não descartam as suspeitas de o incêndio ser criminoso.
Novembro de 2013: Justiça decide a favor da permanência dos índios e reconhece a área Santuário dos Pajés como terra indígena.
Fontes
BLOG TERRA INDÍGENA SANTUÁRIO DOS PAJÉS. Nota da Comunidade Indígena Tapuya da Terra Indígena Santuário dos Pajés sobre a ação do GDF e TERRACAP no Santuário dos Pajés. Brasília, 21 ago. 2011. Disponível em: http://goo.gl/3zFM1E. Acesso em: 10 jan. 2014.
BLOG SANTUÁRIO NÃO SE MOVE. Retomando o Acampamento e as lutas em 2012!!! Brasília-DF, 02 fev. 2012. Disponível em: http://goo.gl/EvSXl7. Acesso em: 15 jan. 2014.
BRAYNER, Thais Nogueira. É terra indígena porque é sagrada: Santuário dos Pajés Brasília-DF. Dissertação (Pós-Graduação em Antropologia Social) Universidade de Brasília, Brasília-DF, 2013.
DIAS, Wilson. Estudantes, índios e ambientalistas realizam protestos no Setor Noroeste. Brasília-DF, 14 out. 2011. Disponível em: http://goo.gl/chP2ws. Acesso em: 14 jan. 2014.
INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL. Fulni-ô. A luta pela terra. S/l, s/d. Disponível em: http://goo.gl/vpkj49. Acesso em: 10 jan. 2014.
GAVINI, Fernando. Copa do Mundo de 2014 ameaça santuário indígena em Brasília. COMBATE RACISMO AMBIENTAL. Rio de Janeiro, 29 mar. 2012. Disponível em: http://goo.gl/HBdllb. Acesso em: 07 jan. 2014.
LÁZARO, Filipe Thadeu Coutinho; NUBLAT, Johanna. Santuário dos Pajés: Justiça reconhece área indígena e constrange Funai. COMBATE RACISMO AMBIENTAL. Brasília-DF, 12 jan. 2014. Disponível em: http://goo.gl/IdFDa3. Acesso em: 14 jan. 2014.
LUIZY, Luana. Embargadas obras que invadem Santuário dos Pajés, em Brasília. COMBATE RACISMO AMBIENTAL. Brasília, 22 maio 2012. Disponível em: http://goo.gl/8Y6WCr. Acesso em: 07 jan. 2014.
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MAGALHÃES, Frederico Flávio. Terra Indígena Bananal: Territorialização Tapuya, a materialização da presença indígena em Brasília. Especialização (Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável), Universidade de Brasília UNB. Brasília-DF, 2009. Disponível em: http://goo.gl/NxMr3l. Acesso em: 14 jan. 2014.
PORTAL TERRA. Funai: área em obras no DF não é terra tradicional indígena. Brasília-DF, 14 out. 2011. Disponível em: http://goo.gl/nVLhux. Acesso em: 14 jan. 2014.
TERRACAP. Noroeste TERRACAP ganha guerra contra índios e empresas. Brasília-DF, 28 nov. 2008. Disponível em: http://goo.gl/7GBHu0. Acesso em: 14 jan. 2014.
VIDAL, Lena. Uma esperada e merecida vitória! Justiça Federal do DF reconhece os direitos da comunidade pioneira Tapuya-Fulni-Ô: Santuário do Pajés é terra de ocupação tradicional indígena. COMBATE RACISMO AMBIENTAL. Brasília-DF, 06 jan. 2014. Disponível em: http://goo.gl/FkbBJG. Acesso em: 14 jan. 2014.
O que houve com a tentativa de homicídio com arma de fogo que atingiu o pai de Xua perpetrado por PM?
Como faço pra visitar a terra indígena Santuário dos Pajés? Onde ligo? Como consigo o contato? É com a FUNAI?
Qual é a injustiça? Se o indígena que veio construir Brasília tem direito à posse da terra onde decidiu morar, por que todos os demais candangos não tiveram o mesmo direito? Por que o GDF vive requerendo suas terras dos não-indígenas e tudo bem?