PI – Agricultores familiares e comunidades quilombolas de São Raimundo Nonato lutam contra instalação de empresas de mineração e carvoarias em seu território

UF: PI

Município Atingido: São Raimundo Nonato (PI)

Outros Municípios: Anísio de Abreu (PI), Bonfim do Piauí (PI), Brejo do Piauí (PI), Canto do Buriti (PI), Caracol (PI), Fartura do Piauí (PI), Guaribas (PI), Jurema (PI), São Braz do Piauí (PI), São Lourenço (MG), São Raimundo Nonato (PI), Tamboril do Piauí (PI), Várzea Branca (PI)

População: Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Mineração, garimpo e siderurgia

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desertificação, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Incêndios e/ou queimadas, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

“Somos reconhecidos como comunidade quilombola, mas título que é bom, não temos. De repente a gente vê essas terras sendo invadidas por grandes empresas, que a gente não sabe da onde vem… E olha só como essas terras estão! Isso é um pedaço da gente, um pedaço da comunidade. É o sonho da gente indo embora!” – Nailde, Quilombo Lagoas.

No município de São Raimundo Nonato e arredores, integrantes do Semiárido Piauiense, populações tradicionais quilombolas e agricultores familiares estão sendo ameaçados de expulsão de suas terras pelas investidas de empresas de mineração e carvoaria.

A região abriga um dos maiores territórios quilombolas do país, o Quilombo Lagoas, que foi reconhecido pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em 2009, mas que até 2015 ainda não obteve a titulação definitiva de suas terras. Além disso, desde 2005, é uma área de preservação ambiental integrante do Corredor Ecológico que liga os Parques Nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões.

Desde 2009 há registros de atividades da empresa mineradora São Camilo nas comunidades do entorno do Morro do Mel sem que haja nenhuma comunicação ou consulta à população local e quilombola.

Há registros ainda de falhas ou ausência de licenciamento ambiental desta empresa e de outras junto ao órgão ambiental estadual. As empresas de mineração e carvoaria estão derrubando árvores nobres e promovendo queimadas em áreas ambientais e sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para regularização fundiária.

Desta forma, ameaçam a vida dos habitantes tradicionais do semiárido, que estão tendo seus meios de vida impossibilitados pelo avanço das atividades que, supostamente, trazem desenvolvimento para a região.

Os moradores estão se organizando e indo de encontro a um modelo econômico que quer explorar minérios e transformar a mata nativa em carvão, para evitar que sejam expulsos de seus territórios rurais e sejam obrigados a viver nas periferias dos centros urbanos.

Contexto Ampliado

A gente está no semiárido e a gente tem que viver nessa região como nossos antepassados sempre viveram. As futuras gerações também precisam viver desse semiárido. Então isso é uma preocupação, se a gente não achar uma solução, se as autoridades não olharem pra isso, e vierem evitar essas devastações, não sei como vai ser o futuro – Claudio Teófilo, Quilombo Lagoas.

A região de São Raimundo Nonato está localizada no semiárido piauense, no sudoeste do Estado do Piauí, próxima à fronteira com Bahia e Pernambuco. Esta região integra o bioma caatinga e tem sua economia baseada na agricultura, pecuária e serviços.

Além disso, a região abriga dois Parques Nacionais, o da Serra da Capivara e o da Serra das Confusões, bem como o Corredor Ecológico Capivara-Confusões, criado em 2005, que conecta as duas unidades de conservação e corta o território de nove municípios: São Raimundo Nonato, Canto do Buriti, Tamboril do Piauí, Brejo do Piauí, São Braz, Anísio de Abreu, Jurema, Caracol e Guaribas.

Na área de mais de 400 mil hectares do corredor ecológico residem muitas famílias de pequenos agricultores e se encontra um dos maiores territórios quilombolas do país, o Território Quilombola de Lagoas. De acordo com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o mosaico de unidades de conservação que contempla os dois parques unidos pelo corredor ocupa um total de 1.363.000 hectares, onde ocorre a presença de atividades de caça, desmatamento e produção ilegal de carvão.

É justamente sobre este último ponto, da produção ilegal de carvão e o avanço das empresas de mineração sobre os territórios tradicionalmente ocupados por famílias de agricultores e quilombolas, que trataremos aqui.

De acordo com reportagem do Imirante, durante o ano de 2008, grandes e médias mineradoras internacionais e nacionais realizaram investimentos no Piauí, da ordem de R$ 800 milhões, em pesquisa e exploração. A Vale do Rio Doce, por exemplo, investiu em pesquisa para constatação de ouro, ferro e manganês no município de São Raimundo Nonato.

O Estado do Piauí, segundo o Imirante, é rico em minério de ferro, que existe em quase toda sua extensão territorial. Segundo, Reinaldo Batista, Chefe de Fiscalização do 210 – Distrito do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) no Piauí, este foi um dos motivos para que ao longo de 40 anos tenham sido concedidos em torno de 700 títulos de pesquisa e exploração, e que em um período de apenas três anos, entre 2005 e 2008, tenham sido concedidos 1.400 novos títulos.

Como mencionado acima, a região da grande São Raimundo Nonato e do corredor ecológico Capivara-Confusões abriga inúmeras famílias quilombolas. No ano de 2009 a comunidade Lagoas foi certificada pela Fundação Palmares e teve início o processo de identificação inicial, com a realização de audiências públicas para identificação do território reivindicado pelas famílias. Neste mesmo ano, foi criada a Associação representativa das famílias do Território do Quilombo Lagoas.

Já em 2009, se encontram registros do conflito entre a mineradora São Camilo, de Minas Gerais, e a os agricultores de São Raimundo Nonato e arredores. No dia 25 de setembro deste ano, o Sr. Raimundo Nunes Ribeiro Junior registrou um Boletim de Ocorrência junto à Polícia Civil em São Raimundo Nonato contra a dita mineradora, que o havia acusado de roubo e furto de pedras, para comércio, em um terreno de propriedade da empresa, na localidade de Lagoa do Nascimento, próximo ao Morro do Mel.

A acusação foi feita verbalmente por um homem de nome Dalmo, que se dizia representante da Mineradora São Camilo. De fato foram retiradas cinco carreadas de pedra para alicerce, que foram vendidas para a obra no CEFET de São Raimundo Nonato. O Sr. Raimundo Junior contesta a acusação, afirmando que a área explorada é uma propriedade particular e pertence à sua família e demais moradores locais.

Segundo reportagem do São Raimundo.com, que disponibiliza o boletim de ocorrência, o declarante, Raimundo Junior, afirma ter conhecimento de que a empresa adquiriu uma propriedade na região do Morro do Mel de tamanho aproximado de 460 hectares, mas que o Sr. Dalmo afirma que a Mineradora São Camilo tem o direito de exploração de uma área de 12.000 hectares. No entanto, nenhum proprietário de terra naquele local conhece tais direitos e como eles foram adquiridos, questionou Raimundo Junior.

A situação foi agravada pelo fato de que o Sr. Dalmo esteve presente no escritório da empresa que realiza a obra para contestar a negociação, causando pressão psicológica e mal estar ao Sr. Raimundo. De acordo com o texto do boletim, toda a acusação se dera dentro do escritório da empresa para quem o noticiante havia vendido as pedras, o que causou muito mal, pois além de prejudicar o trabalho do noticiante deixou para o representante da empresa uma grande dúvida quanto à legalidade das pedras que ele havia comprado, levando este inclusive a recomendar que o noticiante levasse as pedras de volta.

Depois deste ocorrido, Raimundo Junior procurou o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), do qual recebeu a informação de que a referida mineradora não possui licença para exploração nem nos 460 hectares que comprou.

Sobre o processo de licenciamento destas atividades, o documentário O Semiárido Grita, produzido por alunos do Instituto Comrádio do Brasil, traz algumas informações. Hildebrando Pires, coordenador da Cáritas de São Raimundo Nonato, informa em sua fala que:

A SEMAR concede licença para plano de manejo de uma empresa de um ano de 2013 a julho de 2014. O plano de manejo está quebrado, conforme foi visto em uma visita in loco, há corte de árvores nobres como Aroeira, umburana e angico e há uma devastação daquele espaço que deveria ser raleamento para manejo ambiental. […] Um outro elemento que não entendemos é que chegou também um outro grupo de pessoas construindo uma carvoaria com 60 fornos. Nós nunca vimos o projeto do plano de manejo. A Associação do Quilombo nunca viu, as entidades de apoio também nunca viram.

Seu Manoel Aragão, da comunidade de Lagoa dos Prazeres, mostra no documentário uma árvore derrubada e diz: Isso aqui é uma Umburana, Umburana essa que nós, trabalhadores e agricultores, somos proibidos de tirar para fazer uma porta para nossas casas. Aí vem uma grande empresa, que nem sabemos da onde é, e vai e leva, sem nenhuma combinação com os moradores. Isso que a gente acha uma irregularidade.

Ana Estela, Diretora do escritório do Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional – PI (IPHAN-PI), em seu depoimento para o documentário se diz assombrada. Para ela, há a Fundação Palmares acima de tudo, sendo o Quilombo Lagoas reconhecido por ela: Até nós do IPHAN, que é governo federal, não podemos entrar na área quilombola e fazer nenhuma intervenção; não podemos fazer nada, nem escavar um sitio arqueológico, se não tiver autorização deles. Então me estranha muito uma situação em que isto esteja acontecendo, instalando carvoaria naquela região. Eu acho isso uma coisa gravíssima.

A diretora também afirmou que o IPHAN tem recebido denúncias de moradores preocupados com a entrada de carros, com pessoas desconhecidas, e que foi muito difícil para o órgão descobrir quem eram, se representantes de que empresas seriam, e que a maioria não fez o trabalho devido de prospecção arqueológica.

Em janeiro de 2011 a Superintendência Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Piauí deu início ao processo de regularização fundiária de terras do Quilombo Lagoas. Em 07 de janeiro, foi publicado o Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação (RTDI). De acordo com o órgão, a comunidade remanescente de quilombo Lagoas se localiza em áreas de seis municípios: São Raimundo Nonato, Fartura, Bonfim, Várzea Branca, Dirceu Arcoverde e São Lourenço, e é composta por 1498 famílias, totalizando mais de cinco milpessoas, que habitam 119 comunidades diferentes em um território identificado e delimitado de 62 mil hectares.

Segundo o site do Projeto Dom Helder Câmara, que presta assistência técnica na região, os proprietários de imóveis na área do quilombo foram notificados, em maio de 2012, do processo de desocupação das áreas para fins de regularização fundiária. Estas áreas passaram a ser de propriedade coletiva a serem administradas pela associação representativa das famílias. Para Antônio Bispo, liderança do movimento Quilombola no Piauí, a mobilização da comunidade foi fundamental nesse processo de regularização: As famílias já viviam um processo, já estavam mobilizadas; isso facilitou em muito o trabalho da equipe.

O andamento do processo de regularização fundiária é importante para a garantia dos direitos dos quilombolas, mas não impede que a pressão da mineradora avance sobre diferentes comunidades do território Lagoas. As investidas da Mineradora São Camilo atinge também o povoado de Lagoa Nova, no município de Várzea Grande, que integra a região da Grande São Raimundo Nonato. Segundo reportagem do Jornal de Luzilândia, desde 2011 a mineradora está colocando em funcionamento 32 pontos de carvoarias e desmatando uma grande área ocupada pelas comunidades quilombolas.

Em maio de 2011, o Bispo Diocesano de São Raimundo Nonato, D. João Santos Cardoso, convocou lideranças e representações de suas paróquias e dos setores das pastorais e demais organismos da Diocese para discutir as consequências da seca na região do Semiárido do Piauí. Neste encontro, o coletivo produziu um documento de demandas que foi encaminhado a diferentes secretarias estaduais, bem como ao governador. Como não houve resposta o movimento se ampliou, ganhando força com a aproximação de organizações como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), e tomando formato de denúncia da ausência de ações sociais e políticas públicas para o semiárido.

Desta organização nasceu o Grito do Semiárido, uma iniciativa de luta popular de agricultores/agricultoras familiares em vista de uma política pública permanente no semiárido. O I Grito consistiu em uma audiência pública em São Raimundo Nonato que contou com mais de mil participantes, incluindo agricultores, quilombolas e representantes do poder público.

Já neste momento as inquietações acerca do avanço das mineradoras na região começavam a crescer. Em mensagem de correio eletrônico de novembro 2011 para o grupo da Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, Hildebrando Pires, membro da organização, expressa sua preocupação com as ofensivas da mineradora São Camilo contra a comunidade do entorno do Morro do Mel. Segundo Hildebrando, a mineradora tem agido por todos os meios para se instalar no local, estando a parte documental dos processos já concluídas, com o salvamento arqueológico feito pala Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM), uma das responsáveis pela gestão do corredor ecológico Capivara-Confusões.

Em seu relato, Hildebrando afirma que mais de 100 famílias da região não querem abrir mão de suas terras para a empresa e o encarregado das negociações deixou de dialogar e agora faz pressões psicológicas e outras. Reafirmando que, mesmo após dois anos, ainda se repetem situações como a da família de Sr. Raimundo Nunes Ribeiro.

Para Antônio Euzébio de Souza, coordenador da CPT no Piauí, que falou ao Meio Norte, A mineração vai atingir as populações locais de forma impactante, tanto ambiental como social. A mineração é desenvolvida de forma muito degradadora e impactante e não é possível conciliar com a preservação do meio ambiente e da forma como vivem hoje os agricultores familiares. Por isso, a organização optou por apoiar a luta para que as comunidades não sejam expulsas de suas terras.

Em 2012, outras instituições reforçaram o movimento de construção do Grito do Semiárido, como o Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido. O II Grito foi realizado na cidade de Picos em 2012. Em 2013, o III Grito aconteceu em São Raimundo Nonato e, diante da preocupação com o avanço das pesquisas de empresas do setor de mineração naquele território, este foi o tema do encontro: Política Pública para o Semiárido e a intervenção da mineração.

Com o intuito de reforçar as demandas das comunidades e de organizar o IV Grito do Semiárido, no dia 08 de setembro de 2014, um oficio assinado conjuntamente pela Associação Territorial do Quilombo Lagoas, Associação das Comunidades Pé do Morro e Morro do Mel, Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETAG/Polo Sindical de São Raimundo Nonato), Centro Popular Educacional e Cultural do Sertão Piauiense, Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato e CPT foi encaminhado à Promotoria Regional Ambiental de São Raimundo Nonato, solicitando a participação do Promotor na audiência pública do IV Grito do Semiárido, a ser realizada no mês seguinte.

No ano de 2014, as instituições envolvidas na organização do Grito optaram por uma metodologia de mais proximidade com as famílias residentes nas áreas de pesquisa de mineração no Território da Serra da Capivara. A fim de fortalecer as lutas das comunidades, elas foram visitadas para ouvir seus testemunhos e também para mobilizá-las.

Assim, no dia 16 de setembro de 2014 foram visitadas as comunidades Nascimento, Gameleira, Pé do Morro e Lagoa do Meio, localizadas no entorno do Morro do Mel. A região é composta de terras particulares, devolutas do estados e assentamentos de reforma agrária, além se ser parte da área de proteção ambiental do Corredor Ecológico Capivara-Confusões, e na qual já foram realizadas pesquisas mineralógicas, inclusive com placas da mineradora São Camilo. Além disso, atividades de lavras estariam prestes a serem iniciadas sem que nenhum diálogo tenha sido estabelecido com os moradores. Desta visita, de acordo com as informações do perfil do IV Grito do Semiárido nas redes sociais, concluiu-se que:

Estas famílias ainda não entendiam o processo e nem os impactos provocados pela mineração, mas estavam preocupadas, principalmente, com a questão da desapropriação; alguns dizem ter áreas de propriedade familiar onde já houve pesquisas. Segundo informações de famílias visitadas, a empresa entra nas terras sem autorização e perfura poços, deixando a área toda demarcada.

Algumas comunidades do Quilombo Lagoas (Angical, Lagoa do Amaro e Tobões, em Fartura-PI; Lagoa Nova, Lagoa das Flores, Caraíbas e Lagoa Nova, em Várzea Branca) receberam esta vista no dia 17 de setembro, da qual constatou-se que entre Várzea Branca, Fartura e São Raimundo Nonato, verifica-se grandes áreas de queimada de madeira autorizada pela SEMAR [Secretário de Estado de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí], segundo os executores, dentro da área quilombola ainda sob responsabilidade do INCRA para regularização fundiária.

Além disso, a equipe da visita às comunidades quilombolas afirmou que:

As famílias estão assustadas, mas ainda não sabem o que fazer, nem a quem recorrer, visto que, segundo as informações, os representantes do poder público local e o Sindicato estão envolvidos com a proposta de apoio ao desmatamento. O processo já está bem avançado, áreas numerosas de mata já estão sendo desmatadas; segundo informações, o destino dessa madeira é para a Mineradora GALVANI, em Angico dos Dias.

Durante a visita na comunidade de Lagoa Nova, onde a instalação da carvoaria já está se materializando, com 32 fornos construídos e 28 iniciados, Carlos Rodrigues de Oliveira, encarregado da empresa de carvoaria, informou que 60 fornos irão funcionar na localidade e que enquanto tiver madeira estaremos trabalhando, quando um não aguentar mais, vem outro para continuar. Mesmo estando este território sobe responsabilidade do INCRA para regularização fundiária, a Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Piauí (SEMAR) concedeu licença para retirada de madeira.

Em ambos os casos, ainda segundo o perfil do IV Grito do Semiárido nas redes sociais, foram constatados absos e desrespeitos por parte do Estado e das empresas para com as comunidades, tais como:

Intensidade da atividade de pesquisa sem a informação necessária às comunidades; atividade de lavra sem audiência pública conforme determinação legal; 100 processos de pesquisa só no município de São Raimundo Nonato, sendo um com solicitação de licença para exploração de manganês – sem que as comunidades tenham qualquer tipo de informação; realização de pesquisa e solicitação de exploração dentro da área do corredor ecológico entre os parques Serra da Capivara e Serra das Confusões sob o silêncio do Estado; […] licença da SEMAR para desmatamento sob alegação de plano de manejo dentro de território quilombola ainda sob responsabilidade do INCRA para regularização fundiária – a prática da empresa contraria as regras de plano de manejo; falta de informação sobre a função social da propriedade e ausência do reconhecimento dos impactos no modo de vida dos povos tradicionais.

De acordo com a Cáritas Brasileira, no território do Quilombo Lagoas cujas famílias foram visitadas pela ocasião da preparação do IV Grito do Semiárido, estariam sendo realizadas pesquisas em áreas dos municípios de São Raimundo Nonato, Bonfim, Várzea Branca, Fartura e São Lourenço. Foi possível verificar grandes áreas de queimada de madeira, que, segundo os executores, estão autorizadas pela SEMAR. Tudo isso acontece dentro da área quilombola ainda sob responsabilidade do INCRA para regularização fundiária. Ao todo, 60 fornos funcionarão na comunidade quilombola.

As comunidades do entorno do Morro do Mel relataram durante a visita, segundo reportagem da Cáritas Brasileira, que a mineradora São Camilo já comprou mais de mil hectares de terra, e até o momento nenhum diálogo foi estabelecido com as comunidades do entorno, como destacamos anteriormente.

Norberto dos Santos, da Comunidade de Lagoa Nova, em Várzea Branca, contou no vídeo produzido pela Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato, em setembro de 2014, durante a preparação para o IV Grito, que: Aqui é a vida de nós todos, da comunidade toda, vivemos disso aqui, tudo que criamos é dentro dessa propriedade, se ficamos sem ela acaba com tudo pra nós.

Dona Aldete de Brito, moradora da mesma comunidade, destacou sua preocupação com o futuro do local: As crianças de dois anos, três anos: se destruir toda a caatinga, como é que essas crianças depois vão chegar na idade de 50 anos? Isso aqui não existe mais!.

Segundo Claudio Marques, da comunidade Lagoa do Calango, vice-presidente da associação: A gente está diante da chegada de uma empresa que pretende explorar as nossas áreas de mata ainda virgem com carvoeiro. A gente do território não está satisfeito com a ideia dessas empresas tentando invadir as nossas áreas, porque aqui é uma área que faz parte de um território quilombola, aqui nesse território moram aproximadamente 1.500 famílias, […] a gente não tá satisfeito com essa empresa chegando aqui, não. A gente está muito preocupado com a chegada dessas empresas aqui, tanto na área da carvoaria, como da mineração.

A temática da mineração permaneceu central para a região e se manteve no IV Grito do Semiárido – Política Pública para o Semiárido e a intervenção da mineração, realizado nos dias 16 e 17 de outubro de 2014, em São Raimundo Nonato. Como encerramento do evento, foi realizada uma marcha pelas ruas do centro de São Raimundo Nonato, que contou com a participação de cerca de quatro mil pessoas, contra a implantação de mineradoras na região habitada por famílias de agricultores e comunidades quilombolas.

De acordo com matéria do Jornal de Luzilândia, o Grito do Semiárido buscou denunciar que as atividades de pesquisa mineral na região têm sido intensas – há mais de 100 registros de processos de pesquisa apenas em São Raimundo Nonato -, e que as famílias afetadas não têm recebido as devidas informações. Hildebrando Pires, coordenador da Casa Diocesana de São Raimundo Nonato, afirmou à reportagem que existem casos de atividade de lavra sem determinação legal, que destes 100 processos de pesquisa apenas um possui pedido de licença para exploração de manganês junto ao órgão ambiental, e que os demais agem sem autorização para pesquisa dentro da área do corredor ecológico que liga os Parques Nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões.

O vice-presidente da Associação Territorial do Quilombo Lagoas, Cláudio Teófilo Marques, esteve presente à marcha e declarou ao Jornal de Luzilândia e ao Portal do Dia que o movimento é uma reação à chegada das mineradoras na região e os impactos que já vêm sendo sentidos:

Nós estamos reagindo por que a mineração destrói as terras, expulsa os moradores da região para ir morar nas periferias da cidades e não ganham nada em troca. A nossa vida foi trabalhar na agricultura familiar e queremos continuar assim. […] A gente anda pela mata e vê no mínimo 40% dela morta. Isso é muito ruim não só para mim, mas para as futuras gerações. Se as autoridades não olharem para isso, não sei como será o futuro. Daqui a dez anos, se as coisas continuaram assim, nossa comunidade vai desaparecer.

Claudio disse ainda que a iniciativa busca chamar atenção das autoridades para o que acontece na região, além de políticas públicas. Para ele, segundo reportagem do Meio Norte, do jeito que está, com a região sendo ocupada pelas empresas, o povo vai deixar suas terras. Onde se instalam empresas de mineração, o futuro do povo é sair da região. Se não muda de Estado, muda sua vida inteira. Nós queremos ficar nos nossos municípios, em nossas terras.

Na época da realização do IV Grito, 42 fornos já haviam sido concluídos na comunidade de Lagoa Nova e outros 28 iniciados. Ainda segundo a Cáritas, já havia inclusive registro de atividade em um desses fornos.

Ciro Monteiro, advogado do Coletivo Antônia Afonso de Assessoria em Direito, que acompanha o caso, afirma que:

A mineradora que está atuando na Serra do Mel já está ilegal pelo fato de se tratar de um corredor ecológico e de uma área em que vivem quilombolas, porque o órgão público não pode conceder uma licença para pesquisa e lavra de minérios sem antes promover uma audiência pública. Qualquer atividade econômica em áreas tradicionais, como a dos quilombolas, tem que ser precedida de uma consulta prévia às comunidades e isso não vem acontecendo. A União e o Governo Estadual têm se omitido na aplicação das normas.

A fim de reverter a situação, o advogado informou à reportagem do Meio Norte que iria mover uma ação contra a instalação de mineradoras no corredor ecológico Capivara-Confusões e nas áreas de comunidades quilombolas, onde inclusive já estão sendo feitas perfurações. Até o momento de finalização deste texto (março de 2015) não foram encontrados registros desse processo.

Ao final da audiência pública realizada por ocasião do IV Grito do Semiárido, o promotor regional ambiental de São Raimundo Nonato, Vando da Silva Marques, afirmou que iria elaborar um relatório sobre as atividades de mineração e produção de carvão e, uma vez cientes dos fatos, instaurar investigação sobre as irregularidades denunciadas pelos movimentos. A Promotoria Regional Ambiental vai instaurar investigação até para conseguir intermediar essas ações com os interesses das comunidades locais e tomar as medidas cabíveis, declarou.

Em decorrência da sua participação na audiência pública realizada durante o IV Grito do Semiárido, Vando abriu um inquérito Civil Público no dia 09 de dezembro de 2014 com o fim de apurar possíveis danos ambientais relativos a diferentes atividades de mineração na região da grande São Raimundo Nonato, a saber:

1) atividade da empresa VALE no Município de Capitão Gervásio Oliveira-PI, com extração de madeiras e queimadas em mata virgem situada dentro do Território Quilombola Lagoas;

2) atividade de pesquisa e lavra para extração de ferro e manganês no entorno da localidade Lagoa do Mel, no Muniípio de São Raimundo Nonato, por parte da empresa SÃO CAMILO LTDA (CNPJ n.º 08.397.132/0001-00);

3) atividades de extração de minérios pela empresa GALVANI, no Município de Guaribas, na fronteira entre o Estado do Piauí e o Estado da Bahia, com consequências nocivas aos moradores do entorno;

4) pesquisa e extração de minerais na área do Corredor Ecológico existentes entre os Parques Nacionais Serra da Capivara e Serra das Confusões.

No texto do Inquérito, o promotor solicita que a SEMAR encaminhe a procuradoria no prazo de 30 dias uma lista com todos os Estudos de Impacto Ambientais e Relatórios de Impacto Ambientais (EIA/ RIMA), bem como os devidos licenciamentos ambientais (Licença Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação) para desmatamento, atividades de carvoarias e/ou mineração em nome das empresas Vale, São Camilo e Galvani, a fim de averiguar irregularidades no processo de extração mineral e vegetal e que a SEMAR proponha soluções para os possíveis problemas encontrados.

O mesmo tipo de reivindicação foi feito ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Além da solicitação de que o próprio Ministério Público do Estado do Piauí (MPE/PI) execute uma perícia ambiental nas áreas afetadas.

No dia 16 de novembro de 2014, segundo reportagem da Prefeitura de São Raimundo Nonato, mais um passo foi dado para fortalecer as comunidades do Quilombo Lagoas, quando foi criada a Associação Cultural do Quilombo Lagoas. O objetivo da Associação é garantir que as comunidades possam ter oportunidades de acesso aos direitos constituídos por lei para comunidades remanescentes de Quilombo.

Apesar de ter sido retomado em 2011, o processo de regularização fundiária do Quilombo Lagoas não obteve avanço desde então.

Em 22 de dezembro de 2014 foi lançado o documentário O Semiárido Grita!, uma produção realizada pelos jovens da região – que participam do projeto Jovens Radialistas do Semiárido, promovido pela Comrádio do Brasil e que forma comunicadores com o propósito de ampliar as discussões sobre convivência com o semiárido e garantir os direitos sociais, a partir de ações de comunicação -, que sentiram a necessidade de registrar e divulgar a luta de suas comunidades.

Cronologia

2005 – Criado o Corredor Ecológico entre os Parques Nacionais da Serra da Capivara e da Serra das Confusões.

2009 – Comunidade Quilombola Lagoas é certificada pela Fundação Palmares.

2009 – Criada a Associação representativa das famílias do Território do Quilombo Lagoas.

25 de setembro de 2009 – Raimundo Nunes Ribeiro Junior registra Boletim de Ocorrência contra a mineradora São Camilo, que o acusa de roubo de pedras de uma propriedade de sua família na comunidade de Lagoa do Nascimento, Morro do Mel.

2009 – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) informa que a mineradora São Camilo não possui licença para exploração no Morro do Mel.

Janeiro de 2011 – Retomado o processo de regularização fundiário do Território Quilombo Lagoas.

Maio de 2011 – Início da organização do Grito do Semiárido.

Outubro de 2011 – I Grito do Semiárido, realizado no município São Raimundo Nonato.

28 de novembro 2011 – Relatadas ofensivas da mineradora São Camilo contra as comunidades do entorno do Morro do Mel.

2012 – II Grito do Semiárido, realizado no município de Picos.

2013 – III Grito do Semiárido, realizado no município São Raimundo Nonato.

08 de setembro de 2014 – Entidades organizadoras enviam oficio à Promotoria Regional Ambiental de São Raimundo Nonato solicitando participação do órgão no IV Grito do Semiárido.

16 de setembro de 2014 – Visita às comunidades Nascimento, Gameleira, Pé do Morro e Lagoa do Meio, no entorno do Morro do Mel, constata que já foram realizadas pesquisas mineralógicas pela mineradora São Camilo, e atividades de lavras estão prestes a serem iniciadas.

17 de setembro de 2104 – Visita às comunidades do Quilombo Lagoas (Angical, Lagoa do Amaro e Tobões, em Fartura-PI; Lagoa Nova, Lagoa das Flores, Caraíbas, Lagoa Nova, em Várzea Branca) constata irregularidades nos processos de desmatamento e queimada de matas nativas.

16 e 17 de outubro de 2014 – IV Grito do Semiárido.

16 de novembro de 2014 – Criada a Associação Cultural do Quilombo Lagoas.

22 de dezembro de 2014 – Lançado o documentário O Semiárido Grita!.

Fontes

CÁRITAS BRASILEIRA. 4˚ Grito do Semiárido: trabalhadores e trabalhadoras da região de São Raimundo Nonato e municípios adjacentes no Piauí. 08/10/2014. Disponível em: http://goo.gl/t2uyw2. Acessado em: 02 fev. 2015.

JORNAL LUZILÂNDIA. Movimento popular realiza grito do semiárido no Piauí para barrar mineradoras. 17/10/2014. Disponível em: http://goo.gl/KvdiSr. Acessado em: 02 fev. 2015.

IMIRANTE. Mineradoras investem R$ 800 milhões no Piauí. 01/03/2008. Disponível em: http://goo.gl/QfSXBR. Acessado em: 24 fev. 2015.

INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. Operação combate caça em Unidade de Conservação no Piauí. 25/07/2012. Disponível em: http://goo.gl/VEfxuw. Acessado em: 24 fev. 2015.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. Incra agiliza regularização fundiária em comunidades quilombolas do Piauí. 01/06/2009. Disponível em: http://goo.gl/oJ7bXh. Acessado em: 24 fev. 2015.

______. Piauí terá uma das maiores comunidades quilombolas do País. 12/01/2011. Disponível em: http://goo.gl/SJjHsF. Acessado em: 24 fev. 2015

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