PB – Indígenas Tabajara lutam por regularização de território tradicional

UF: PB

Município Atingido: Alhandra (PB)

Outros Municípios: Alhandra (PB), Conde (PB), Pitimbu (PB)

População: Agricultores familiares, Povos indígenas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Indústrias outras, Mineração, garimpo e siderurgia

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – coação física

Síntese

O litoral sul do Estado da Paraíba, especificamente a região da Grande Mucatu, situada entre os municípios de Alhandra, Pitimbu e Conde, é palco de um conflito de disputa por território que envolve a etnia indígena Tabajara, agricultores familiares de assentamentos de reforma agrária e o Grupo Elizabeth, que está instalando uma fábrica de cimento na região.

De acordo com relato veiculado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o território em questão é tradicionalmente ocupado pelos Tabajara, que, no entanto, convivem com mais de 1.500 famílias de agricultores que foram assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) na região, ainda na década de 1970. Tal fato se deve ao entendimento dos indígenas de que, estando em posse dos agricultores, a terra estaria cumprindo sua função social.

Dessa forma, os diferentes grupos compartilhavam o uso do território sem maiores problemas até o ano de 2009, quando começaram as investidas e ameaças dos empresários do Grupo Elizabeth sobre estas terras.

O grupo empresarial tem interesse nos terrenos para a instalação de uma fábrica de cimento. Tal projeto integraria um plano maior do governo do estado da Paraíba para transformar o estado em Polo Cimenteiro. Recebe ainda grande apoio e incentivo por parte do governo do município de Alhandra, que tem interesse na instalação da fábrica devido ao potencial de geração de emprego prometido pelo empreendedor.

Desde o primeiro anúncio do projeto, agricultores e indígenas uniram forças para resistir ao empreendimento, que modificaria sua forma tradicional de ocupação do território, além de gerar impactos ao meio ambiente e à qualidade de vida da população. O cacique Ednaldo dos Santos Silva reiterou que o território é dos Tabajara, onde viveram e foram enterrados os seus antepassados, e que outros povos indígenas deverão se somar à luta de retomadas de seus territórios.

Contexto Ampliado

Alhandra é um município localizado no litoral sul do estado da Paraíba e integra a região metropolitana de João Pessoa, da qual está distante cerca de 32 Km. Sua população no Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi estimada em 18.324 habitantes. Segundo informações da prefeitura do município, a cidade é forte produtora de gêneros agrícolas na região, tendo a agricultura como principal fonte de renda.

Inserida no município, e agregando parte dos municípios vizinhos de Pitimbu e Conde, está a região denominada Grande Mucatu, que abriga os primeiros assentamentos rurais de reforma agrária da Paraíba (Mucatu, Subaúma, APASA, Sede Velha, João Gomes e Andreza), que foram instalados em 1976, e a etnia indígena Tabajara, bem anterior a eles. Agricultores familiares e indígenas fazem uso compartilhado e sem confronto deste território.

Nos assentamentos vivem mais de 1.500 famílias – segundo dados de 2011 da Comissão Pastoral da Terra (CPT) -, que ocupavam, em 2013, cerca de cinco mil hectares. Eles produzem grande parte dos alimentos destinados às Centrais de Abastecimento (Ceasas) da região, além de empregar mais de dez mil pessoas na agricultura.

A etnia Tabajara possui uma história de sucessivas migrações, devido a constantes conflitos de terras desde o período colonial. Na época da fundação da Paraíba, a etnia Tabajara, então formada por aproximadamente 5 mil indígenas, ocupava o litoral do Estado, onde fundaram as aldeias de Alhandra e Taquara. Em 2013, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), cerca de750 indígenas da etnia ainda resistiam ao longo extermínio a que foram e são submetidos os povos indígenas na região. Muitos deles moram hoje nas periferias dos três municípios que formam a Grande Mucatu, onde se encontra a única aldeia remanescente dos Tabajara, cujo território reivindicado possui cerca de 10 mil hectares.

Segundo o CIMI, a cosmologia Tabajara encontra força na profecia, que é sempre feita pelo indígena mais velho. A história da formação da atual liderança da etnia começou há pouco mais de 50 anos, quando o ancião dos Tabajaras na Paraíba chamava-se Antonio Piaba. Em seu leito de morte, Piaba reuniu a família para comunicar sua profecia: um jovem apareceria para dar continuidade ao trabalho desenvolvido por Piaba até aquele momento; o território poderia estar cheio de prédios, mas ele voltaria para as mãos dos legítimos donos.

Nesta época, no ano de 2006, Edinaldo dos Santos Silva (cacique Tabajara) era um jovem de 19 anos que pretendia deixar sua terra natal e partir para a Europa, onde seria jogador profissional de futebol. No entanto, foi questionado por um tio, que reclamava da condição que a etnia enfrentava, a de ser assentado na terra de seus antepassados. Ele questionava a razão de pagar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para morar num chão que por direito é dos Tabajara: Isso o magoava muito, mas ele pagava ou ia morar nas favelas das cidades. Foi então que Edinaldo recebeu o pedido para resolver a situação.

Atendendo ao pedido de seu tio, Edinaldo passou um mês percorrendo INCRA, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), se reunindo com advogados e buscando aliados no movimento indígena e indigenista, especialmente para tratar da questão do reconhecimento oficial dos Tabajara enquanto etnia indígena. Esse reconhecimento só viria em 2010.

Um mês não foi suficiente para resolver a questão. Edinaldo então abandonou o sonho de ser jogador de futebol e passou a fazer da luta pelos direitos dos indígenas Tabajara ao seu território a sua razão de vida. A profecia do velho Antonio Piaba Tabajara se cumpria.

A partir de 2006, os Tabajara iniciaram o processo de organização para retomada de seu território, lutando para que suas terras sejam reconhecidas como de ocupação tradicional. Para isso, deram início ao levantamento da documentação da história da etnia, articularam alianças e fortaleceram seus rituais tradicionais.

Desde o ano de 2009, agricultores e indígenas vêm sofrendo forte pressão sobre seu território para que nele seja instalada uma fábrica de cimentos da Empresa Elizabeth Cimentos. Esta empresa integra o Grupo Elizabeth, que além desta possui ainda outras empresas no ramo de cerâmica e mineração.

O projeto de instalação desta fábrica é amplamente apoiado pelos governos estadual e municipal. Segundo Tânia Souza, da CPT, este fato não é isolado, está inserido em um projeto mais amplo de construir um Polo Cimenteiro na Paraíba, cujo processo vem junto com a instalação de mais outras seis indústrias de beneficiamento do calcário na região, aliado ao projeto de ampliação da Estadual PB 008, à duplicação da BR 101 e à criação da rota turística no estado. […] Representam [todas essas obras] o Grande projeto de desenvolvimento do Governo Federal e Estadual. Resta a pergunta: desenvolvimento para quem e a custa do que?.

De acordo com a imprensa oficial do Estado, está prevista a instalação de três grandes grupos do setor nos dois anos seguintes (Brennand, CIMPOR e Elizabeth), que injetarão mais de R$ 1,2 bilhão na economia do Estado, com isso deixando a Paraíba com potencial de ser o principal produtor de cimento no país.

A fala de um das assentadas, a trabalhadora rural Wilma Monteiro, de 26 anos, reflete o momento de tensão e ameaça pelo qual passam indígenas e agricultores e que perpassa todo o conflito aqui relatado. Wilma afirmou à CPT que a comunidade não foi informada sobre os planos de construção da fábrica:

quando a gente viu, tudo isso já estava acontecendo. Nunca fomos comunicados de nada. A prefeitura nunca teve o interesse de vir aqui pra dizer o que iria acontecer. Agora eles dizem que querem dialogar, só que na verdade esse diálogo nunca aconteceu. […] A gente fica pensando o que vai ser da nossa vida se sairmos daqui [as famílias não têm para onde ir]. Nossa vida está aqui. Nossa vida é a agricultura.

Nesse sentido, no dia 09 de novembro de 2011, segundo o blog Combate Racismo Ambiental, cerca de 150 índios da etnia Tabajara realizaram ação de retomada de suas terras localizadas no distrito de Mucatu.

As terras fazem parte do território indígena reivindicado pela etnia como de ocupação tradicional, mas até recentemente estavam ocupadas por assentamentos da reforma agrária. Quanto a este fato, os indígenas não faziam objeção, pois entendiam que, estando a terra ocupada por agricultores familiares, ela cumpre sua função social. No entanto, algum tempo antes, três lotes somando 115 hectares haviam sido vendidos para a empresa Cerâmica Elizabeth, com o apoio da Prefeitura de Alhandra, para construir a fábrica de cimento.

Os Tabajaras decidiram pela ação de retomada após a venda dos lotes, conforme explicou o cacique Edinaldo: apesar de o território ser reivindicado pelo meu povo, ele cumpria uma função social. Então respeitávamos. A partir da hora que ele perdeu essa característica ao ser vendido, nossa decisão foi pela retomada. Montaram acampamento em busca de suas raízes, do território que, no passado, pertencera aos Tabajara. Os agricultores do assentamento João Gomes, na Grande Mucatu, contrários à venda dos lotes, estiveram presentes nesta ação apoiando a causa indígena.

A CPT também esteve presente no momento da retomada e a classificou, segundo Tânia Sousa, da coordenação regional da pastoral, como um marco para a luta pela terra e território na Paraíba, dada a importância da retomada de seu território pelo povo indígena e pela forte aliança para esta luta entre estes e os assentados, e alguns sem terra, camponeses e quilombolas.

Durante a ação, esteve presente na área o então deputado estadual Frei Anastásio, a quem o Cacique denunciou, segundo o blog Combate Racismo Ambiental, que funcionários da prefeitura de Alhandra e viaturas da polícia estavam rondando o local al serviço da Cerâmica Elizabeth, mesmo sem ação de despejo. Os indígenas pretendiam impedir a instalação da fábrica de cimeno e agilizar o processo de reconhecimento de seu território pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

No dia 24 de novembro, uma equipe do Ministério Público Federal (MPF) esteve na região para averiguar o caso. Segundo o portal Alhandra em Foco, na ocasião desta visita, assentados e indígenas relataram que, após o anúncio da possível construção da fábrica de cimento, os agricultores do assentamento João Gomes (implantado pelo INCRA em 1976) vinham sendo pressionados a vender suas terras, sob ameaça de desapropriação. A especulação sobre os imóveis rurais foi tanta que houve relatos de que um posseiro teria vendido suas glebas por R$ 15 mil e estas foram revendidas à fábrica por R$ 400 mil.

Tanto indígenas quanto assentados afirmaram que não foram consultados sobre a o projeto de instalação da fábrica e que não concordam que seja levado a cabo mediante a alienação de suas terras.

Após a visita, o MPF informou que tomaria providências junto à FUNAI para que os processos de reintegração fossem levados da justiça comum para a Justiça Federal.

O grupo indígena permaneceu no local da ocupação durante todo o mês de novembro, até que, no dia 30, o acampamento que havia sido montado em dois lotes do assentamento João Gomes foi cercado pela Policia Militar (PM), Cavalaria, Batalhão de Choque e Corpo de Bombeiros, em um grupo de mais de 200 policiais fortemente armados, encapuzados e sem identificação, de acordo com o blog Combate Racismo Ambiental.

Os agentes policiais apoiavam a ação dos oficiais de justiça, que cumpriam ordem de desocupar a área. Tal ordem foi motivada pela medida cautelar concedida pelo desembargador José de Brito Pereira Filho no processo (processo n˚ nº 200.2011.050.309-7/001) em que a HC Administração e Participações Sociedade Simples Ltda. requereu a reintegração de posse do imóvel rural denominado Sítio Mucatu.

Com a assessoria de advogados e da CPT, os Tabajara aceitaram sair pacificamente da área para evitar maiores confrontos com a polícia, que naquele momento apresentou posicionamento considerado por eles como agressivo e ostensivo. A situação foi denunciada à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, à FUNAI e ao Ministério Público Federal. Segundo o blog, a promotora de justiça de Alhandra encontrava-se no local, mas estava omissa diante da situação de tensão.

Em entrevista ao CIMI sobre o fato, o cacique Edinaldo relatou que todas as saídas foram fechadas e que o grupo ficou isolado. Afirmou ainda que o deputado estadual Frei Anastácio (PT) tentou furar o bloqueio e teve o braço torcido por um policial. Negociamos a saída das 4h30 até às 13 horas. De lá partimos para um terreno ao lado, onde ficamos ouvindo os tiros de seguranças que vinham em nossa direção, xingamentos e ameaças.

O discurso do poder público para apoiar o empreendimento, segundo o CIMI, é de que a fábrica trará desenvolvimento para os três municípios da região de Mucatu. A perspectiva é que gere cerca de 800 empregos, mas ao custo de desalojar 1.500 famílias e ocupar território indígena, de assentamentos. Que desenvolvimento é esse? Estão derrubando árvores, cavando o solo, fechando estradas de passagem nossa. Bichos estão aparecendo mortos e a água do subsolo corre risco de contaminação, denunciou o cacique.

Entre os dias 09 e 12 de dezembro, o cacique Edinaldo esteve em Brasília para participar da II Conferência Nacional da Juventude e denunciar as violências sofridas por seu povo. Segundo o CIMI, na FUNAI, não conseguiu sequer agendar uma audiência. A viagem do cacique não foi simples: para ir ao aeroporto, ele precisou sair da área dentro do porta-malas de um automóvel. O CIMI afirmou que, desde 2008, o cacique vem sofrendo ameaças de morte por pistoleiros. O cacique contou à ONG que na Grande Mucatu sua vida está por um fio nas mãos dos latifundiários. Queremos informar que perdemos lá o direito de circular livremente, mas não vamos desistir. Nosso objetivo é o território reivindicado.

A luta pelo território indígena Tabajara ganhou reforços na proximidade do natal de 2011. No dia 23, a Arquidiocese da Paraíba realizou missa campal nas terras do assentamento, presidida pelo arcebispo emérito da Paraíba, Dom José Maria Pires. As celebrações tiveram o objetivo de lembrar a luta pela terra no Estado e o fato que a primeira desapropriação para reforma agrária concedida pelo INCRA se deu justamente naquela área, em 1975, com apoio e participação da Arquidiocese.

Segundo o Portal Alhandra em Foco, durante a celebração, o arcebispo refletiu sobre a importância daquelas terras para o sustento de 15 mil famílias de agricultores que hoje estão ameaçadas pela empresa e pelo poder público.

Dom José ressaltou também a benção que é possuir a terra, e que ela é nossa mãe, e dela nós tiramos nossa sobrevivência. […] A região foi um marco na luta pela terra e não se pode desonrar a memória daqueles que lutaram tanto para hoje ter um pedaço de terra.

Indígenas e agricultores voltaram a ocupar a área em janeiro de 2012, e novamente houve ação policial para reintegração de posse em favor do grupo empresarial. No dia 26, cerca de 100 pessoas, entre indígenas e trabalhadores rurais ocuparam duas parcelas do assentamento Mucatu. Segundo o blog Combate Racismo Ambiental, estas terras estavam sob posse do ex-comandante da PM da Paraíba, coronel Lima Irmão, há alguns anos, para criação de gado, e foram vendidas por um ex-assentado sem registro no INCRA. No mesmo dia a PM, segundo a imprensa oficial do Estado, apoiou a execução da ação judicial de despejo dos indígenas.

Segundo Tânia Souza, coordenadora regional da CPT, houve irregularidade na ação de despejo, pois: o documento apresentado pela Polícia se referia à outra área da região, que havia sido ocupada pelos mesmos indígenas em novembro passado. Além disso, o despejo também foi irregular por ser realizado no período da noite. O grupo deixou a área, mas acampou na entrada do lote de onde foi despejado, onde montou uma barricada por questões de segurança.

No dia seguinte ao despejo, um grupo de padres brasileiros e estrangeiros, que participavam de um encontro em Campina Grande, esteve em Alhandra para visitar a região de Mucatu e prestar apoio aos índios e trabalhadores que, segundo o INCRA, haviam sido feridos com balas de borracha.

Alguns dos presentes nesta visita participaram também da reunião junto à CPT, ao INCRA e aos representantes Tabajara, no Assentamento João Gomes, onde foi anunciada a criação, pela Superintendência Regional do INCRA na Paraíba, de uma comissão especial para levantar os lotes dos assentamentos da Grande Mucatu que foram vendidos para a Cerâmica Elizabeth.

Nesta reunião, em primeiro de fevereiro, Leonildo Morais, superintendente do INCRA, atentou para o fato de que 60% dos assentados na Grande Mucatu até aquele momento ainda não haviam sido emancipados e que, portanto, não poderiam negociar seus lotes. Dessa forma, qualquer negociação que tivesse sido feita nestes casos poderia acabar com prejuízos financeiros e judiciais para compradores e vendedores, uma vez que o lote seria retomado pelo INCRA.

A Comissão já havia iniciado seus trabalhos no dia 08 de fevereiro com a pesquisa em cartórios para analisar se os lotes foram negociados ilegalmente. O levantamento começou a partir de informações preliminares obtidas pela CPT. Segundo o ouvidor agrário regional, Cleófas Caju, há a suspeita de que os posseiros estariam sendo coagidos a venderem os lotes pelos empresários interessados em implantar a fábrica de cimento, e que dois desses lotes teriam sido comercializados por um ex-comandante da Polícia Militar da Paraíba, como mencionamos acima.

De acordo com informações do INCRA, a FUNAI acompanha o caso de perto e quer que a área seja embargada para evitar qualquer ação, no sentido de implantação da fábrica, até que se conclua o processo de demarcação das terras indígenas.

Entre os dias 15 17 de fevereiro, uma equipe da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, parte integrante da estrutura do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e presidida pelo Ouvidor Agrário Nacional Gercino da Silva Filho (Desembargador aposentado do Acre), esteve na Paraíba com o objetivo de realizar reuniões com autoridades públicas, movimentos sociais e parlamentares acerca da situação das violações de direitos humanos no campo no Estado e buscar formas de solucionar os conflitos.

A Comissão visitou a região da Grande Mucatu para acompanhar o conflito dos índios Tabajara e trabalhadores rurais contra a implantação da fábrica de cimento e ouvir diretamente aqueles afetados pelo projeto do empreendimento. Segundo reportagem do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES), a comissão questionou os métodos e diversas formas de violência empregadas pela PM e pelos grupos de segurança privada nas ações de despejo dos meses anteriores. Estas situações, em que se colocava em risco a vida da população do campo, estavam no centro das atenções da Comissão.

Nesta visita, estiveram presentes muitas instituições e pessoas que apoiavam a causa indígena e dos assentados rurais: deputado estadual Frei Anastácio, vereador Valfredo José da Silva PT Alhandra (PB), Conselho Estadual de Direitos Humanos (PB), MPF, Defensoria Pública da União, Ouvidoria Agrária do Estado da Paraíba, Superintendência do INCRA na Paraíba, Ouvidoria de Polícia do Estado da Paraíba, Ouvidoria Nacional da FUNAI, Representantes da FUNAI na Paraíba, CPT, Dignitatis, Centro de Direitos Humanos Dom Oscar Romero e outros.

Durante a visita, no dia 15 de fevereiro, o grupo realizou uma audiência no Sitio Mucatu. Na audiência, o procurador regional dos Direitos do Cidadão do MPF, Duciran Farena, explicou que o órgão possuía dois inquéritos instalados sobre a demarcação da terra indígena Tabajara e da implantação da fábrica nestas terras. De acordo com o procurador, o MPF fez diversas solicitações de informações a outros órgãos como a FUNAI, a Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) a fim de instrumentalizar as ações sobre o conflito.

Duciran sugeriu a realização de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para assegurar que os Tabajara possam permanecer na área em disputa até o final do processo de demarcação de suas terras.

Os trabalhadores rurais presentes se manifestaram contrários à instalação da fábrica. Daniel Soares, agricultor da região, afirmou que os assentamento da Grande Mucatu não aceitam a instalação da Fábrica. A produção das famílias assentadas é grande, variada e abastece as Ceasas e feiras livres de João Pessoa, Recife, Petrolina, Natal e Maceió e será prejudicada caso se instale a Fábrica. O agricultor relatou à CPT que todos os meses cerca de 50 mil caixas de acerola são colhidas nos assentamentos rurais da Grande Mucatu; segundo ele, a região deveria ganhar uma fábrica de polpa de frutas e não de cimento.

Dona Wilma, trabalhadora rural, destacou que não é só o povo que clama contra a fábrica de cimento. A natureza e o meio ambiente também clamam. O meio ambiente é o Deus vivo. A fábrica vai destruir o Deus Vivo e as famílias assentadas não vão permitir que isso aconteça.

O deputado estadual frei Anastácio, que também participou da audiência, levantou a questão da geração de empregos que possivelmente seria feita pela fábrica. Para o deputado, quem afirma que a Elizabeth Cimentos vai trazer desenvolvimento para a região, com a geração de 800 empregos, não se lembra de que os assentamentos da Grande Mucatu empregam mais de dez mil pessoas na agricultura. Ressaltou ainda que as famílias vivem bem e possuem renda suficiente, sem depender de ninguém.

Segundo a CPT, o representante da Prefeitura de Alhandra, José Augusto Meireles, foi o único que se posicionou em favor da instalação da Fábrica de cimentos nesta audiência.

A única audiência pública, em Alhandra, para apresentação do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo relatório (RIMA), e discutir o empreendimento, aconteceu em 04 de maio de 2012, na Casa de Recepção Paradise.

Segundo o Portal Alhandra em Foco, o representante da empresa usou, como principal argumento para a instalação da fábrica, a geração de empregos. Ele afirmou que, durante a construção da fábrica, serão gerados cerca de 1.200 empregos diretos e indiretos e que, quando pronta, serão 400 empregos diretos.

Em 10 de maio, a imprensa oficial do governo do estado anunciou que as obras para instalação da fábrica de cimento do Grupo Elizabeth começariam na primeira quinzena de junho. O empreendimento, segundo esta fonte, ocuparia uma área de 50 hectares, movimentando mais de R$ 1 bilhão até o final de 2012.

O coordenador do Projeto Elizabeth Cimentos, Degmar Peixoto Diniz, afirmou que já foi realizada a validação do Estudo de Impacto Ambiental para a elaboração do Relatório de Impacto do Meio Ambiente. As licenças, prévia e de instalação, estariam na iminência de serem emitidas pelas Sudema.

A sugestão de realização do TAC foi acatada; no dia 21 de maio de 2012, o MPF celebrou o termo a fim de solucionar pacificamente o conflito entre indígenas Tabajara e a empresa HC Administrações e Participações, do Grupo Elizabeth.

De acordo com o TAC, a empresa HC comprometeu-se a adquirir, no prazo de 30 dias, uma área de, no mínimo, seis hectares nas proximidades do Sitio dos Caboclos, de ocupação tradicional indígena, a ser doada à FUNAI para uso exclusivo da comunidade Tabajara. A área deverá ser incorporada ao patrimônio da FUNAI e integrar a reserva indígena a ser criada na área, por ocasião de futura demarcação.

A empresa comprometeu-se ainda, segundo o Portal Alhandra em Foco, a dar apoio financeiro até o valor de R$ 10 mil para uma reunião da comunidade Tabajara com a presidência da FUNAI, em Brasília. A comunidade Tabajara, por sua vez, através de seu cacique, comprometeu-se a não promover, nem estimular qualquer espécie de ocupação nas áreas de propriedade da empresa, desocupando, no prazo de dez dias, as que eventualmente estiverem ocupadas.

Até setembro de 2013, no entanto, não há registros do início do cumprimento do TAC, e as obras da fábrica de cimento estão em estágio avançado de construção.

Cronologia

1976 Primeiras desapropriações de terra para fins de reforma agrária na Paraíba acontecem na região da Grande Mucatu;

21 de junho de 2006 Fortalecimento do processo de organização da luta pelo território e reconhecimento da etnia Tabajara, início do levantamento da documentação histórica da etnia;

2007 Cacique Ednaldo começa a consolidar alianças com o movimento indígena e indigenista;

2008 Início do reagrupamento Tabajara na Paraíba. Começam as ameaças de vida ao cacique Ednaldo;

2009 Aprofundamento dos rituais da toré, pintura, cosmologia e modo de viver Tabajara;

2010 Reconhecimento da etnia pela FUNAI;

09 de novembro de 2011 Cerca de 15 índios da etnia Tabajara fazem retomada de área localizada no assentamento rural Mucatu, adquirida pela Cerâmica Elizabeth;

17 de novembro de 2011 I Fórum de Fomento da Cadeia Produtiva do Polo Cimenteiro;

30 de novembro de 2011 Ação policial resulta na desocupação do assentamento pelos indígenas;

9 a 12 de dezembro de 2011 Cacique Ednaldo Santos participa da II Conferência Nacional de Juventude, em Brasília, e não consegue audiência com a FUNAI;

23 de dezembro de 2011 Missa campal celebrada pela Arquidiocese da Paraíba na área do Assentamento João Gomes relembra luta pela terra no Estado e importância histórica daqueles agricultores;

26 de janeiro de 2012 Nova ocupação de indígenas e agricultores em áreas do Assentamento João Gomes; são despejados pela Policia Militar no mesmo dia;

27 de janeiro de 2012 Gruo de padres e da CPT visita a região em apoio aos agricultores e indígenas;

01 de fevereiro de 2012 Anunciada a criação pelo INCRA de uma comissão especial para levantar os lotes dos assentamentos da Grande Mucatu, vendidos para a Cerâmica Elizabeth;

15 a 17 de fevereiro de 2012 – Equipe da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo visita Paraíba e a região da Grande Mucatu;

15 de fevereiro de 2012 – Oitiva no Sítio Mucatu realizada pela Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo;

04 de maio de 2012 – Audiência pública, em Alhandra, para apresentar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo relatório (RIMA) e discutir o empreendimento;

21 de maio de 2012 Assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

Fontes

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