PA – Quilombo de Gurupá, agricultores familiares e pescadores artesanais reclamam de piora na qualidade de vida, diminuição da oferta de peixes e ocupação irregular do seu território causadas por rizicultores, tendo à frente Quartiero

UF: PA

Município Atingido: Cachoeira do Arari (PA)

Outros Municípios: Cachoeira do Arari (PA), Salvaterra (PA)

População: Agricultores familiares, Pescadores artesanais, Quilombolas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Poluição de recurso hídrico

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato

Síntese

O projeto da Federação de Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa) – com apoio do Governo do Estado do Pará – de transformar a Ilha de Marajó em um Polo de Rizicultura vem trazendo transtornos à população local. A Comunidade Quilombola Gurupá, no município de Cachoeira do Arari, os pescadores artesanais e os agricultores familiares da região são os principais afetados pela instalação do empreendimento. Segundo o portal ORM, trata-se de uma iniciativa particular, com apoio do governo estadual, cuja proposta é implantar o cultivo de arroz irrigado, a partir de Cachoeira do Arari, em 300 mil hectares no Marajó durante os próximos anos.

Em 2010, o ruralista Paulo Cesar Quartiero, também deputado federal e antigo ocupante irregular de terras indígenas em Roraima (retomadas em processo de desintrusão), adquiriu propriedade no município e deu início à implantação do plantio em larga escala de arroz, inaugurando a proposta de implantação do polo e trazendo a rizicultura para a região. A monocultura faz uso de agrotóxicos que contaminam as fontes de água e trazem doenças à população. Além disso, os pescadores artesanais e quilombolas reclamam da piora na qualidade de vida, da diminuição da oferta de peixes e da ocupação irregular do seu território.

O empreendimento de Quartiero apresenta irregularidades no processo de licenciamento realizado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), que concedeu Licença de Atividade Rural e não exigiu, como previsto em lei, a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental (EIA).

Em 2013, o Ministério Público Federal (MPF) intensificou as investigações das denúncias de irregularidades sobre o caso, o que levou à realização das primeiras audiências públicas para tratar dos impactos ambientais e sociais do empreendimento sobre a população local, que é contrária ao mesmo.

Contexto Ampliado

Localizada na Região Norte do Brasil, no estado do Pará, a Ilha de Marajó tem tradição na pesca artesanal, venda de peixes e mariscos, no extrativismo e mais recentemente na criação de búfalos. Foi declarada Área de Proteção Ambiental (APA) pela Constituição do Estado do Pará em 1989, mas nunca foi implementada. Outra característica da região é a grande quantidade de comunidades de remanescentes de quilombos, totalizando 30 reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares (FCP).

Cachoeira do Arari, cenário do conflito narrado aqui, é um dos 16 municípios que compõem a ilha. De acordo com dados do IBGE, sua população é de aproximadamente 21.740 pessoas, com índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,54 em 2010. Quanto às atividades agropecuárias, a criação de búfalos é uma atividade de destaque no município, que no ano de 2012 contava com mais de 36.000 cabeças. A produção de arroz, foco do conflito a ser narrado, apresenta um crescimento na última década; em 2004, foram 20 hectares plantados e, em 2011, chegou a 2.450 hectares.

O município abriga a Comunidade Gurupá, cujo processo de reconhecimento do Território Quilombola junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) foi iniciado em 2005. A certificação de autorreconhecimento da comunidade foi emitida em 06 de julho de 2010; no entanto, ainda não foi expedida a titulação de propriedade coletiva da terra.

Além da comunidade quilombola, a região também abriga muitos pescadores artesanais. Segundo matéria do blog Combate Racismo Ambiental, são 6.000 pescadores no município de Cachoeira do Arari. Eles se dizem os mais afetados pelo plantio, segundo o pescador Luiz Augusto Martins: neste ano, os peixes não estão aparecendo.

A rizicultura em larga escala foi introduzida na Ilha de Marajó no ano de 2010, quando o ruralista Paulo Cesar Quartiero comprou uma área de 12 mil hectares, por R$ 4 milhões, no município de Cachoeira do Arari.

Paulo Cesar Quartiero, responsável pela Fazenda Reunidas Espírito Santo, é engenheiro agrônomo e deputado federal (mandato 2011/2015) pelo Democratas do Estado de Roraima (DEM-RR). Destaca-se, em sua atuação parlamentar, a participação nas seguintes comissões: Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR); Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e sua subcomissão permanente de Política Agrícola e Endividamento Rural (SUBENDIV), que tem por objetivo acompanhar o endividamento do setor agropecuário e mediar renegociações; e a comissão para análise da PEC 215/00, que propõe que a aprovação da demarcação de terras indígenas e quilombolas, e a criação de Unidades de Conservação, passe a ser competência exclusiva do Congresso Nacional.

O deputado também é titular da empresa P. C. Justo Quartiero, cujo nome fantasia é Arroz Acostumado, nome que aparecerá nos relatos do caso. De acordo com a declaração de bens apresentada à Justiça Eleitoral, em 2010, esta firma foi avaliada em R$ 100.000,00.

Quartiero possui histórico de atuação no setor da rizicultura em outros estados, com denúncias de invasão de terras indígenas (TI). No ano de 2009, segundo o blog Combate Racismo Ambiental, foi expulso, mediante ação do Supremo Tribunal Federal (STF), da TI Raposa/Serra do Sol em Roraima, onde tinha grandes plantações de arroz. O caso do conflito dos indígenas da TI Raposa/Serra do Sol contra diferentes grupos que invadiram irregularmente suas terras, dentre eles os arrozeiros, foi relatado pelo Mapa dos Conflitos de Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil em 2010.

Após esta expulsão, Quartiero tentou migrar sua produção de arroz para a Guiana. Não obtendo sucesso, acatou a indicação de um amigo e escolheu a região de Marajó como seu novo destino.

Depois de Quartiero, outros arrozeiros manifestaram interesse pela região. Segundo o Combate Racismo Ambiental, receberiam apoio do prefeito de Cachoeira do Arari, Jaime Barbosa (PMDB), que quer alavancar a economia. A Federação da Agricultura do Estado do Pará (Faepa) também apóia e incentiva a inserção da produção em larga escala de arroz na ilha, alegando ser benéfica para a redução da pobreza na região, uma vez que geraria empregos e renda local.

Este empreendimento está dentro do plano da Faepa e do Governo do Estado do Pará de transformar o Marajó em um Pólo de Rizicultura, prevendo o plantio, em monocultora, de 300 mil hectares de arroz na ilha. Os primeiro 12 mil hectares foram os adquiridos por Quartieiro. Segundo reportagem do Movimento Marajó Forte, o projeto pretende fazer da Ilha de Marajó uma referência mundial na produção de arroz. Para o Secretário de Estado de Agricultura, Hildegardo Nunes, a iniciativa da produção em larga escala vai fazer o nosso querido Marajó recuperar o tempo perdido e assumir o papel que é seu por direito na história econômica do Pará.

Em outubro de 2010, o empreendimento comandado por Renato Quartiero, filho de Paulo Cesar, recebeu da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) a Licença de Atividade Rural (LAR) LAR n˚1.388/2010 e a outorga para captação de águas superficiais Outorga n˚420/10 , conforme publicado no Diário Oficial do Estado do Pará, edição n˚ 31767, de 06 de outubro. Foram autorizados o plantio de dois mil hectares de arroz e a captação de 9.600 metros cúbicos de água por dia, do Rio Arari, para irrigar a plantação.

A população local de pescadores, quilombolas, ribeirinhos e agricultores familiares temia que a produção, feita com agrotóxicos, e a captação de água em grandes volumes prejudicassem o meio ambiente e a saúde dos moradores. Havia relatos, segundo o Combate Racismo Ambiental, de que, durante os meses de plantio (de agosto a outubro), aviões sobrevoam a área para aplicar veneno na plantação, causando distúrbios e assustando os moradores.

Em função desta denúncia, a Agência de Defesa Agropecuária do Estado fez uma vistoria à propriedade em outubro de 2011, mas não encontrou problemas no uso do defensivo químico. No entanto, não houve análise da qualidade da água. Este ponto é de extrema importância, uma vez que a água para irrigação, oriunda do rio Arari, circula por toda a lavoura e, por meio de caneletas, é devolvida ao rio.

A visão de Quartiero sobre o empreendimento é bastante distinta da dos pescadores e residentes da comunidade quilombola. Para o arrozeiro, sua produção ajudaria a economia da região e, segundo ele, a maioria dos moradores aprovaria sua atuação.

A produção cresce anualmente. Renato Quartiero declarou à Agência Pará de Notícias que a produção da fazenda começou com 400 hectares em 2010, passando para dois mil em 2011, chegando a 2.850 em 2012. O proprietário estimou o potencial da fazenda em oito mil hectares. A intensificação da produção em 2012 teve como consequência o surgimento de conflitos com as comunidades do entorno.

O Grupo em Defesa do Marajó (GDM), segundo o Gente Marajoara, lançou nota em 10 de fevereiro de 2012 sobre a iniciativa de Quartiero, se posicionando contra o empreendimento: A gente sabe, pelos jornais, do rastro de problemas da mecanização de plantio de arroz de larga escala desde o Rio Grande do Sul, no extremo sul, até Roraima, no extremo norte.

Destacaram ainda que o plantio de arroz no Marajó não era novidade; novos seriam os malefícios trazidos pela mecanização e produção em larga escala:

Quem não é destas paragens marginalizadas entre chuvas e esquecimento talvez não saiba que de forma nenhuma a produção de arroz é novidade em Marajó. […] Temos até arroz selvagem na região de campos naturais, que é o chamado arroz de marreca, […] não venham nos dizer que geração de emprego e renda local pelo cultivo de arroz é uma grande novidade no Marajó. A novidade é a mecanização com plantio comercial de larga escala… E aí é que a porca torce o rabo! Pois a larga experiência mostra que o controle de pragas pedirá em breve agrotóxicos que hão de contaminar as águas superficiais e o lençol freático, e a produtiviade comercial e industrial exigida reclama fertilizantes artificiais, que roubarão oportunidade de ostentar propaganda de produto verde. Então, adeus paraíso ecológico e ecoturismo que a gente sonhava!.

Em 28 de fevereiro, o Instituto Peabiru promoveu o debate De Roraima ao Marajó: a cultura do arroz em larga escala e as populações tradicionais, para tratar dos plantios de arroz em larga escala no município de Cachoeira do Arari, e os possíveis impactos ambientais e sociais naquela região.

Em maio de 2012, a população local e diferentes instituições de apoio (Alessio Saccardo, Bispo da Prelazia de Ponta de Pedras; Assunção Novaes, coordenador do Conselho de Desenvolvimento Territorial do Marajó CODETEM; Ima Célia Guimarães Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi; João Meirelles Filho, Diretor, Instituto Peabiru, Programa Viva Marajó) lançaram carta solicitando a realização urgente de audiências públicas para discutir os impactos ambientais e sociais do empreendimento nos municípios diretamente afetados, Cachoeira do Arari e Salvaterra.

Nesta carta, disponível no blog Combate Racismo Ambiental, foram elencados todos os impactos aos quais estaria submetida a população do entorno das fazendas. Dentre eles, destacamos os seguintes:

– Uso de agrotóxico em larga escala (lançado de aviões que sobrevoam inclusive os núcleos urbanos) ameaça a saúde da população, pelas vias respiratórias e também através da contaminação das fontes de água;

– O alagamento de grandes áreas, por longo período de tempo, pode aumentar a ocorrência de insetos vetores de doenças tropicais, como dengue e malária;

– Os moradores da sede de Cachoeira do Arari e do entorno das fazendas nunca foram ouvidos e foram excluídos de todo o processo;

– A comunidade de Cueira ficou isolada, rodeada pelos plantios e sem acesso viário para chegar ao núcleo urbano do município;

– No que tange ao patrimônio imaterial do local, as festividades do Glorioso São Sebastião (manifestação cultural tradicional da região, que passava pelas fazendas agora em propriedade dos arrozeiros) estão ameaçadas de acabar. O empreendimento, de grande porte, deveria exigir inventário do patrimônio imaterial;

– Não há estudos sobre quais impactos o empreendimento, que altera significativamente o ambiente natural (desviando rios, encharcando vastas áreas, promovendo o desmatamento, com a comprovada derrubada de árvores frutíferas, entre outros;), vai causar sobre a fauna e a flora locais. Preocupa, por exemplo, a existência de uma espécie endêmica de arroz silvestre, que poderá ser ameaçada pela expansão do plantio de arroz industrial;

– O empreendimento altera os regimes de acesso à água mediante a criação de canais, retirada de água diretamente dos leitos de rio em grandes volumes (sem medição) e desvio de curso natural dos rios sem que tenham sido realizados os devidos estudos de impacto.

Um argumento levantado nesta carta é diretamente contrário à opinião do Governo para justificar o empreendimento: o plantio de arroz neste modelo é mecanizado e gera pouco emprego, a maioria sendo ocupada por migrantes que chegaram com os arrozeiros. Este problema tenderia a aumentar, pois, com a entrada de novos fazendeiros, cresceria a atratividade da região para migrantes competindo com mão de obra local pelos poucos postos de trabalho disponíveis.

Além disso, no que diz respeito à geração de renda para o município, cabe ressaltar que o produto (arroz) sai in natura de Cachoeira do Arari para ser processado em outras localidades, o que significa baixa geração de tributos para o município.

Outra questão importante neste conflito é a titularidade das terras. Nesta região do Marajó, de áreas inundáveis, não está definida a titularidade da terra. É preciso primeiro resolver esta questão e realizar o zoneamento econômico ecológico para estabelecer se o cultivo em larga escala é viável para o local.

Há relatos de problemas com os limites da propriedade dos Quartiero, que teria colocado uma das cercas dentro do rio, dificultando a passagem dos pescadores locais. Segundo o Gente Marajoara, a comunidade Gurupá denunciou que alguns membros sofreram prisões arbitrárias por coletar açaí em seu próprio território, fato este contestado pelos fazendeiros.

Um avanço nesta questão foi a publicação, em 20 de novembro de 2012, do Relatório de Identificação e Delimitação (RTID) da Comunidade Quilombola Gurupá. Passados sete anos da abertura do processo, o resultado do estudo delimitou a área da comunidade em 10.026 hectares, ocupadas por 149 famílias. O RTID conclui a segunda das sete etapas do processo de titulação de territórios quilombolas.

Em um Balanço do ano de 2012, a assessoria de imprensa do Governo do Pará destacou a produção de grãos do Estado, uma vez que a região do Marajó foi contemplada com o Polo de Rizicultura de Várzea.

Em 18 de janeiro de 2013, o MPF e o MP/PA decidiram, durante reunião realizada em Brasília, agir de maneira conjunta para tocar as investigações sobre o caso iniciadas há mais de um ano, e que até então vinham sendo feitas separadamente. Planejaram a realização de audiências públicas para o mês de março.

Em 29 de janeiro, a Federação da Agricultura do Pará (Faepa) promoveu – em parceria com a Secretaria de Estado de Agricultura (Sagri), o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e o Conselho do Agronegócio do Estado (Consagro) – um encontro cujo tema principal foi: A importância da contribuição do arroz irrigado para o desenvolvimento do Pará e do Brasil. Destacou-se seu potencial econômico, mas, segundo a Envolverde, não discutiu as questões ambientais, fundiárias, sociais e de arqueologia que envolvem a atividade.

De acordo com a Agência Pará de Notícias, assessoria de imprensa do Governo do Estado, o evento teve a participação também de organizações acadêmicas e de pesquisa, além dos deputados federais Valdir Colatto (PMDB-SC) e Paulo César Quartiero (DEM-RR), assim como do presidente da Associação dos Arrozeiros de Roraima, Genor Faccio, e do presidente da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), José Conrado. Não foi registrada, no entanto, participação de representantes dos moradores do entorno da fazenda ou dos povos tradicionais da ilha.

O presidente da FAEPA, Carlos Xavier, declarou, segundo o Movimento Marajó Forte, que querem tornar a região do Marajó, com 52 mil quilômetros quadrados, dos quais 1/3 é constituído de campos naturais, um dos maiores pólos de rizicultura do país. […] Tal proposta é um marco norteador para as futuras ações nesta importante região.

João Meirelles, coordenador do Programa Viva Marajá, do Instituto Peabiru, acompanhou o evento e destacou os equívocos e contradições do empreendimento de rizicultura. Para ele, o conflito está na legalidade com que o processo do grande empreendimento está sendo conduzido. Meirelles afirmou que o empreendimento afetará a vida de milhares de quilombolas, ribeirinhos e moradores do Marajó e inexistem estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/RIMA).

Destacou ainda que o Marajó seria a única área do Pará sem Zoneamento Ecológico Econômico e solicitou que o Colegiado Territorial do Marajó, que acompanha o Território da Cidadania do Marajó, seja consultado no debate sobre a questão, ressaltando que, durante o evento, ninguém tocou nestes assuntos e também não abriram para o debate.

Em 10 de abril, o deputado federal Arnaldo Jordy (PPS/PA) requereu, junto à Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), a realização de mesa redonda, no estado do Pará, para discutir com entes governamentais e da sociedade civil a implantação da monocultura de arroz no Marajó. O requerimento foi aprovado.

As primeiras audiências públicas sobre o projeto de monocultura de arroz, prometidas para março, no entanto, somente foram realizadas em 12 de agosto, em Salvaterra, e no dia 13, em Cachoeira do Arari.

A realização das audiências foi fruto da ação conjunta de investigação do MPF/PA e do Ministério Público do Pará acerca das denúncias recebidas sobre o plantio de arroz. Segundo o blog Combate Racismo Ambiental, a investigação foi aberta a partir de denúncias de que estaria ocorrendo invasão de terras públicas e desmatamento ilegal.

Interessa ao MP verificar se essa iniciativa vem sendo acompanhada por órgãos ambientais, se esses órgãos estão cumprindo a obrigação de fiscalizar, se procedimentos para licenciamento ambiental estão sendo realizados e respeitados, e quais as dimensões dos impactos existentes e dos previstos.

Na ocasião das audiências, de acordo com a Agência Pará de Notícias, o Diretor de Gestão Florestal da SEMA, Emmanuel Carrolo, informou que o projeto da empresa Arroz Acostumado estaria em fase de renovação do LAR, que venceria no final do mês de agosto. Segundo informou Carrolo, um Termo de Referência está sendo elaborado especificamente para revisar o processo de renovação, e estão também sendo feitas exigências condicionantes para o desenvolvimento da atividade, como medidas mitigadoras e compensatórias ao meio ambiente e às comunidades afetadas, direta e indiretamente.

A defesa do empreendimento feita pela empresa focava no argumento, segundo a agência do Governo, de que o plantio de arroz aumentou a produção de alimentos para a população local, gerando emprego e renda e aumentando a arrecadação tributária do estado.

Durante audiência em Cachoeira do Arari, Teodoro Lalor de Lima, conhecido por seu Lalor, presidente da Associação de Descendentes de Quilombolas do Gurupá, denunciou que a comunidade vinha sofrendo perseguições de fazendeiros. De acordo com notícia divulgada pelo blog Combate Racismo Ambiental, ele havia ficado preso por dois meses sem acusação formal, a mando de fazendeiros que se sentem prejudicados pela demarcação das terras quilombolas. Declarou também que crianças da comunidade estavam sendo presas por colher açaí em áreas quilombolas e questionou os prejuízos que as famílias quilombolas sofriam devido à expansão do plantio de arroz.

No dia seguinte à audiência, representantes do Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó (Codetem), da Diocese de Ponta de Pedras, da Igreja Católica, e do Instituto Peabiru visitaram o quilombo Gurupá para averiguar a real situação dos mais de 700 moradores. Constataram que a comunidade, alarmada, pedia ajuda ao Ministério Público para que seus direitos não fossem cerceados e para que houvesse proteção a pessoas que, por ventura, denunciassem discriminação e opressão.

No dia 19 de agosto, seu Lalor foi assassinado em Belém, para onde tinha viajado a fim de participar do Encontro Estadual de Quilombolas do Pará. Segundo reportagem da Agência Brasil, ele foi esfaqueado no peito por um homem que invadiu a casa de um parente onde estava hospedado, fugindo em seguida.

Depois deste acontecimento, o MPF e o MP/PA intensificaram as investigações sobre a regularidade do empreendimento. Em 06 de setembro, enviaram recomendações à Sema e ao INCRA solicitando medidas para conter os conflitos e os problemas ambientais decorrentes da instalação das fazendas de arroz na ilha do Marajó.

No texto das recomendações, os procuradores, Felício Pontes Jr. e Bruno Araújo Valente, e as promotoras de Justiça, Eliane Moreira e Jeanne Farias de Oliveira, advertiram a Sema de que, no caso de empreendimentos com obras de irrigação ou retificação de cursos de rios, como seria o caso, se fazia necessária a elaboração de EIA/RIMA, não sendo suficiente a LAR concedida pelo órgão. O EIA deve ser elaborado antes que se dê autorização para qualquer tipo de expansão.

Na recomendação à Sema, o MPF e MP apontaram ainda outros pontos problemáticos do empreendimento que devem ser contemplados no EIA:

Possível incompatibilidade entre o empreendimento e o plano diretor do Município de Salvaterra, cuja expansão urbana restaria prejudicada; proximidade entre a plantação de arroz e a área destinada aos resíduos sólidos produzidos no Município; possíveis irregularidades no lançamento aéreo de agrotóxicos, tendo em vista a proximidade entre a área de plantação e a sede do Município.

Na recomendação ao INCRA foram destacadas as questões fundiárias envolvidas no caso que causam conflitos entre quilombolas e fazendeiros. Questões que estão inseridas em uma conjuntura nacional em que a garantia constitucional do direito à terra destas comunidades encontra-se ameaçada pelo avanço dos setores do agronegócio, somados a uma política governamental desenvolvimentista sem limites. Tal conjuntura confere à Comunidade Gurupá uma ausência de segurança fundiária: atração de grande quantidade de novos investidores para a região pode colocá-los em situação de sobreposição, e consequente litígio, com os referidos povos tradicionais.

Foi estabelecido um prazo de 30 dias, a contar a partir de 06 de setembro, para que os órgãos emitam parecer se acatam ou não as recomendações. Até o momento da elaboração deste texto, em meados de outubro, não havia manifestações de nenhum dos dois.

Ao INCRA, foi dado prazo de 180 dias para que procedimentos administrativos de titulação das áreas quilombolas, abertos no órgão e relativos às 15 comunidades do arquipélago marajoara, sejam concluídos.

Cronologia

1989 – Criada a Área de Proteção Ambiental (APA) da Ilha de Marajó pela Constituição do Estado do Pará.

2005 – Início do processo de reconhecimento do Território Quilombola da Comunidade Gurupá junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

2009 – Fazendeiro Paulo Cesar Quartiero é expulso da TI Raposa/Serra do Sol em Roraima, onde tinha grandes monocultivos de arroz.

2010 – Paulo Cesar Quartiero compra área de 12 mil hectares no município de Cachoeira do Arari.

06 de julho de 2010 – Emitida a certificação da Comunidade Quilombola Gurupá.

Outubro de 2010 – Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) concede a Licença de Atividade Rural (LAR) e a outorga para captação de água para o empreendimento.

2011 – Paulo Cesar Quartiero inicia mandato como deputado federal pelo estado de Roraima (DEM).

Outubro de 2011 – Agência de Defesa Agropecuária do Estado vistoria a propriedade e não encontra problemas no uso do defensivo químico; não há análise da qualidade da água.

2012 – Intensificação da produção.

10 de fevereiro de 2012 – Grupo em Defesa do Marajó (GDM) lança nota contrária ao empreendimento.

28 de fevereiro de 2012 – Instituto Peabiru promove debate De Roraima ao Marajó: a cultura do arroz em larga escala e as populações tradicionais.

Maio de 2012 – População local e instituições de apoio lançam carta solicitando realização de audiências públicas.

20 de novembro de 2012 – Publicação do Relatório de Identificação e Delimitação (RTID) da Comunidade Quilombola Gurupá.

18 janeiro de 2013 – MPF e o MP/PA decidem agir de maneira conjunta para investigar os conflitos.

29 de janeiro de 2013 – Federação da Agricultura do Pará (Faepa), Secretaria de Estado de Agricultura (Sagri), Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) e Conselho do Agronegócio do Estado (Consagro) promovem encontro: A importância da contribuição do arroz irrigado para o desenvolvimento do Pará e do Brasil.

10 de abril de 2013 – Deputado federal Arnaldo Jordy (PPS/PA) requer, junto à Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA), a realização de audiência pública.

12 e 13 de agosto de 2013 – Realizadas as primeiras audiências públicas sobre o projeto de monocultura de arroz em Salvaterra e Cachoeira do Arari.

19 de agosto de 2013 Assassinado, em Belém, Teodoro Lalor de Lima, o seu Lalor, presidente da Associação de Descendentes de Quilombolas do Gurupá.

06 de setembro de 2013 – MPF e MP/PA intensificam investigações e envim recomendações à Sema e ao INCRA solicitando medidas para conter os conflitos.

Fontes

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______. Impactos do plantio de arroz no Marajó são discutidos em audiências públicas. 14/08/2013. Disponível em: http://goo.gl/J3kE47. Acessado em: 08 out. 2013.

COMBATE RACISMO AMBIENTAL. Migração de arrozeiro leva conflito pro Pará. 07/04/2012. Disponível em: http://goo.gl/86eAAz. Acessado em: 09 out. 2013.

______. O impacto do plantio de arroz no Marajó. 09/05/2012. Disponível em: http://goo.gl/zVkF6i. Acessado em: 08 out. 2013.

______. PA Audiências públicas discutem impactos da monocultura do arroz no Marajó. 31/07/2013. Disponível em: http://goo.gl/zKLTY4. Acessado em: 08 out. 2013.

______. Arroz no Marajó: MPF e MP recomendam titulação de quilombolas e licenciamento ambiental. 11/09/2013. Disponível em: http://goo.gl/gFDrxq. Acessado em: 09 out. 2013.

______. Senhor Lalor, liderança do Quilombo de Gurupá, Marajó, é assassinado em Belém. Ele havia denunciado ao MPF perseguições de fazendeiros à comunidade. 20/08/2013. Disponível em: http://goo.gl/Oy4HcZ. Acessado em: 09 out. 2013.

ENVOLVERDE. Produção de arroz no Marajó ignora problemas fundiários. 30/01/2013. Disponível em: http://goo.gl/l1Etp3. Acessado em: 09 out. 2013.

FEDERAÇÃO DE AGRICULTURA E AGROPECUÁRIA DO PARÁ. Faepa quer transformar o Marajó em pólo produtivo. Disponível em: http://goo.gl/dYJPh5. Acessado em: 03 nov. 2013.

GENTE MARAJOARA. Contra força há resistência. 10/02/2012. Disponível em: http://goo.gl/kAF376. Acessado em 10 out. 2013.

______. Terra Gurupá: Uma história de luta de negros da terra e da Guiné. 13/08/2013. Disponível em: http://goo.gl/tHA6T1. Acessado em: 08 out. 2013.

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MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARÁ. Audiências públicas sobre impactos da rizicultura no Marajó (PA) serão realizadas na semana que vem. 08/08/2013. Disponível em: http://goo.gl/ROKrFK. Acessado em: 09 out. 2013.

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PORTAL ORM. Marajó é campo fértil à rizicultura. 30/04/2012. Disponível em: http://goo.gl/IC6bro. Acessado em: 03 nov. 2013.

TERRITÓRIOS LIVRES DO BAIXO PARNAÍBA. O impacto do plantio de arroz no Marajó. 09/05/2012. Disponível em: http://goo.gl/G9b57Y. Acessado em: 10 out. 2013.

UOL. Políticos do Brasil – Paulo Cesar Quartiero (2010). Disponível em: http://goo.gl/B9ztk7. Acessado em: 09 out. 2013.

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