MA – Projeto Grande Carajás, Usina Hidréletrica de Estreito e pressão agrícola sobre as Populações Ribeirinhas e os Povos Indígenas do rio Tocantins

UF: MA

Município Atingido: Estreito (MA)

Outros Municípios: Babaçulândia (TO), Carolina (MA), Darcinópolis (TO), Estreito (MA)

População: Agricultores familiares, Povos indígenas, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas, Políticas públicas e legislação ambiental

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça

Síntese

A construção de mais uma barragem, a da Usina Hidrelétrica de Energia (UHE) de Estreito, pelo Consórcio Estreito de Energia (Ceste) ” composto pelas empresas Suez Energy South America Participações Ltda., Cia Vale do Rio Doce S.A, Alcoa Alumínio S.A., e Camargo Correa Energia S.A “, alterará o regime de cheias e vazantes do rio Tocantins e, por conseqüência, afetará o ciclo de reprodução dos peixes, uma das principais fontes de alimentação das populações indígenas e ribeirinhas locais.

O modo de subsistência tradicional dos povos indígenas Gavião e Kriati, no Maranhão, Krahô e Apinajé, em Tocantins, está ameaçado pela instalação da Usina Hidrelétrica de Estreito, localizada na divisa entre os dois entes da federação. Afinal, além de se constituir como atividade de subsistência, a pesca também é meio de difusão da cultura indígena, cuja transmissão pode vir a ser interrompida ou desnaturada com o comprometimento da reprodução dos peixes.

Também os roçados dependem da oferta de terras férteis nos períodos de vazantes dos rios. A criação de lagos artificiais diminui as áreas de inundações, fundamentais para a fertilização natural da terra com sedimentos vegetais e minerais carregados pelo rio, durante as cheias. A terra tende a se tornar mais infértil, a longo prazo. A migração de pessoas à procura de trabalho nos canteiros de obra da Usina, a pressão da fronteira agropecuária e a diminuição dos espaços naturais pelos conseqüentes alagamentos das barragens, produzirão efeitos e tensões pela utilização das terras indígenas mais próximas.

Contexto Ampliado

A Usina Hidrelétrica de Estreito, de acordo com o Plano Decenal de Expansão da Oferta de Energia Elétrica 2000-2009 (Eletrobrás), é um empreendimento necessário para atender ao aumento da demanda nacional. O empreendimento, de R$ 3,1 bilhões, insere-se em contexto maior, de pleno aproveitamento do potencial hidrelétrico e hidráulico da bacia do Araguaia-Tocantins, plano iniciado no final da década de 1970, para atender à demanda de energia do parque siderúrgico do Grande Projeto Carajás. O excedente energético, do total de 1.087 MW, será por sua vez direcionado para outras regiões do país.

Tido como um projeto estratégico para a alimentação da indústria do alumínio e a viabilização da hidrovia Araguaia-Tocantins, especialmente para o escoamento da soja produzida no sul do Maranhão, a UHE Estreito incide diretamente sobre a organização, o domínio e a gestão territorial da região, atendendo a interesses de grandes grupos econômicos e das elites locais – atingindo, gravemente, os modos de viver e produzir das populações tradicionais, que sofrem o impacto direto da alteração do espaço natural e das formas de organização social.

O alagamento da área de 400 km² pressionará o deslocamento das populações ribeirinhas e pequenos produtores rurais para as proximidades das terras indígenas. O convívio forçado poderá acirrar as disputas por terras e os conflitos na região. Essa foi uma das conclusões de estudo de 2006 realizado pelo Centro de Trabalho Indígena (CTI) (1). Os alagamentos e a criação de barragens desalojarão pelo menos 1.200 famílias, que moram há várias gerações nas margens e ilhas do Rio Tocantins. Os ribeirinhos terão afetadas as atividades de pesca e sua produção agrícola familiar. A perspectiva da diminuição do potencial pesqueiro e da área de roçado traz um cenário pessimista para quem sempre viveu da agricultura de subsistência. Menos peixe e menos terra tornarão a sobrevivência mais difícil para aqueles que dependem dos recursos naturais, cuja exigüidade os tornará mercadoria escassa e mais cara. O cenário delineado pelos movimentos sociais é de concentração de renda e aumento da pobreza, já graves no sul do Maranhão.

Como prenúncio, a especulação imobiliária começa a agir de forma mais intensa na região. Na expectativa de receber indenização pelo Ceste, oportunistas estão comprando várias casas que serão alagadas, para depois revendê-las ao consórcio por um preço maior. A tática utilizada é de ludibriar a população tradicional, sem instrução, pagando preços irrisórios pelos seus imóveis. Há quatro anos, você comprava um lote por R$ 300,00. Hoje [o mesmo lote] já está R$ 12 mil e continua subindo", opina um pescador de Babaçulândia (2).

Além disso , a Agência de Notícias Repórter Brasil relatou, em agosto de 2008, que, no processo de avaliação e compra de terras pelo empreendimento, “as negociações têm sido feitas individualmente. Casos como o do Assentamento Formosa e o das comunidades do entorno (Barra do Coco e Mato Verde), em que houve participação coletiva, são exceções. O procedimento que prevalece está ligado à maneira como o próprio cadastro de atingidos foi feito”. “Aquilo que era coletivo, a comunidade com suas relações com o local e relações de parentesco, passa a ser individual, com cadastro individual e indenizações negociadas um a um”, pontua a sub-procuradora da República, Deborah Duprat" (2).

Existem relatos de emprego de chantagens para que a pessoas assinem os acordos de compensação. Uma das acusadas, de acordo com reportagem da Repórter Brasil, é a empresa Barros Engenharia, contratada pelo Ceste para fazer as avaliações . Segundo a reportagem, a empresa estaria se aproveitando da dificuldade de leitura das pessoas, que, pressionadas pela argumentação da inevitabilidade da construção da barragem, estariam assinando contratos sem seu devido exame. "Eles dizem: ´O juiz assina e nós vamos fazer a barragem assim mesmo´", conta o morador Cláudio José Vieira, liderança do assentamento Formosa (2).

A empresa responsável pelo empreendimento estaria também desrespeitando a comunidade local, de acordo com o testemunho de Mateus Raul da Silva, assentado da região. Ele revelou à Repórter Brasil que por duas ou três vezes encontrou "gente do Ceste abrindo picada [caminho], desmatando sem a nossa autorização" (2).

Outro problema seria o próprio cálculo das indenizações, em patamar inferior aos preços pagos em outros empreendimentos hidrelétricos. Também está sendo questionada a política de reassentamento dos atingidos pela barragem. O módulo mínimo para a agricultura familiar e a criação de gado oferecido pelo Ceste é inferior ao recomendado pela Fundação Instituto de Terras de São Paulo (Itesp).

Coagidos de um lado pela empresa energética e, de outro, pela fronteira do agronegócio, os pequenos agricultores e a população ribeirinha da região de Estreito vivenciam um acelerado processo de êxodo rural. O fluxo migratório se dirige para as cidades do pólo siderúrgico ou para o subemprego nas fazendas de soja e carvoarias.

A criação do lago artificial poderá levar ao desaparecimento das praias de água doce de Filadélfia, no município de Carolina, deixando sem emprego os barraqueiros que exploram o turismo da região. O Ceste declara que irá criar nova estrutura para aproveitar o turismo no entorno da barragem. Todavia, a proposta não atende aos interesses da Associação dos Barraqueiros da Praia de Filadélfia, que se posiciona contrariamente ao projeto.

Outro temor é em relação à biota aquática, fundada na experiência da Hidrelétrica de Tucuruí, construída ente 1976 e 1984. Lá os peixes deixaram de subir o Rio Tocantins, impedidos pelas turbinas das barragens. O resultado foi a diminuição drástica da variedade de espécies e o desequilíbrio na cadeia alimentar. Aqueles que alcançam os lagos têm que se adaptar a um ambiente que se assemelha a um tanque ou aquário, o que facilita a ação dos predadores. Glenn Switkes, da International Rivers Network, explica: "Em Tucuruí, o que dominou foi o tucunaré, que é um peixe que come outros peixes. Tinha dezenas de espécies na bacia e agora têm muito poucos. Tucuruí também acabou com a pesca de camarão de água doce, que tinha uma grande importância na geração de renda das comunidades" (3).

O modelo desenvolvimentista da região, plenamente encampado pelo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), almeja ligar o norte do Tocantins, sul do Pará e Tocantins aos portos de Itaqui e Belém, reforçando, dessa maneira, a “vocação” exportadora (especialmente de soja e minérios) do centro-oeste/norte do Brasil, a despeito de outras vocações e potencialidades já estabelecidas na região.

Desde as primeiras audiências públicas para tratar do projeto, em 2002, às realizadas em 2005, as populações tradicionais da região começaram a se articular. Em maio de 2006, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Associação de Desenvolvimento e Preservação dos Rios Araguaia e Tocantins, ligada ao Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ajuizaram ação civil pública (ACP), questionando a não participação da Funai na elaboração do Termo de Referência que embasou o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da Hidrelétrica de Estreito, em vista dos impactos da obra sobre as Terras Indígenas (TIs) Apinajé e Krahô, em Tocantins, e Krikati e Gavião, no Maranhão. A ação também denunciou a ausência de autorização do Congresso Nacional para a instalação do empreendimento hidrelétrico, como exige o art. 231 da Constituição, no caso de serem afetadas comunidades indígenas (1).

Em 2007 o juiz federal Lucas Rosendo, de Imperatriz, concede liminar à ACP impetrada pelo Cimi e o MAB, determinando a paralisação das obras da UHE de Estreito, em virtude das irregularidades nos processos de licenciamento ambiental, omissos em relação à presença de comunidades indígenas nas áreas afetadas (4). A liminar foi entretanto cassada, e a obra, liberada, por decisão da Desembargadora Assusete Magalhães, do TRF da 1ª Região. A liminar, de abril de 2007 foi antecedida por protesto de representantes das comunidades indígenas e ribeirinhas, que bloquearam, por mais de 10 horas, a rodovia Belém-Brasília, na altura da obra de Estreito. O ato denunciava o empreendimento e os impactos negativos da obra sobre as populações tradicionais.

Em abril de 2008, cerca de 400 ribeirinhos, agricultores, pescadores, barqueiros e barraqueiros ocuparam a entrada do canteiro de obras da UHE de Estreito, para reivindicar a criação de um fórum de discussão sobre os impactos da construção da hidrelétrica para a população da região. Em maio seguinte, é realizada audiência pública no Senado Federal, com a presença de representantes indígenas, ribeirinhos e da subprocuradora do Ministério Público Federal (MPF), Débora Duprat. Mais uma vez, são debatidas a desconsideração da presença indígena na área a ser impactada pelo empreendimento. É proposta a criação de um Fórum de Negociação, com a presença do Consórcio Ceste, indígenas, ribeirinhos e o MPF, para a discussão dos mecanismos e medidas de compensação (5).

Uma nova paralisação das obras da UHE Estreito foi deteminada pela Justiça Federal do Maranhão em junho de 2008, com a suspensão da Licença de Instalação da usina até que fossem complementados os estudos de impacto ambiental da obra, solicitados pelo MPF. No mesmo mês, contudo, o TRF cassou a liminar.

Última atualização em: 04 de outubro de 2009

Fontes

(1) CAMARGO, Beatriz e HASHIZUME, Maurício . Indígenas temem impactos e demonstram desconfiança. 06/08/2008. Repórter Brasil. Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1398. Último acesso em 28/12/2008.

(2) __________. Sob suspeita, compensações substituem políticas públicas. 04/08/2008. Repórter Brasil. Disponível em http://www.reporterbrasil.com.br/exibe.php?id=1401. Último acesso em 28/12/2008.

(3) CAMARGO, Beatriz. Barragem muda o ambiente e a vida de quem depende da bacia. 08/08/2008. Repórter Brasil. Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1396. Último acesso em 28/12/2008.

(4) GLASS, Verena. Justiça ordena paralisação imediata das obras de Estreito. 23.04.2007. Agência Carta Maior. Disponível em http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1010. Último acesso em 26/12/2008.

(5) CIMI. Ribeirinhos e indígenas questionam licenciamento de Hidrelétrica de Estreito. 12/05/2008. Disponível em http://pib.socioambiental.org/pt/noticias?id=55768&id_pov=8. Último acesso em 26/12/2008.

Hidrelétrica de Estreito consegue licença prévia. 30/04/05. O Estado do Maranhão. Disponível em http://www.gta.org.br/noticias_exibir.php?cod_cel=1391. Último acesso em 26/12/2008.

Fórum Carajás. Hidrelétrica de Estreito: À mesa com os atingidos e com os indígenas. 10/004/2008. Disponível em http://www.ecodebate.com.br/index.php/2008/04/10/hidreletrica-de-estreito-a-mesa-com-os-atingidos-e-com-os-indigenas/ . Último acesso em 26/12/2008.

Visões do Estreito – a peleja em torno de uma hidrelétrica no rio Tocantins. 08/03/2005. Disponível em http://www.riosvivos.org.br/canal.php?canal=34&mat_id=6230. Último acesso em 26/12/2008.

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