ES – Via Campesina e Movimento das Mulheres Camponesas em luta direta contra a monocultura do eucalipto

UF: ES

Município Atingido: Aracruz (ES)

Outros Municípios: Aracruz (ES)

População: Agricultores familiares, Trabalhadores rurais sem terra

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida

Síntese

Em 8 de março de 2003, durante as comemorações do Dia Internacional da Mulher, mulheres ligadas à Via Campesina e ao Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) ocuparam o Horto Florestal da Aracruz Celulose S.A em Barra do Ribeira, Rio Grande do Sul e destruíram cerca de um milhão de mudas experimentais de eucalipto. Seis anos depois, em 8 de março de 2009, foi à vez do Portocel, em Barra do Riacho, município de Aracruz, Espírito Santo, ser ocupado pelas mesmas entidades, numa ação que envolveu mais de 1.300 mulheres.

Ambas as ações foram amplamente divulgadas, debatidas e condenadas pela imprensa nacional, e, no primeiro caso, as mulheres envolvidas na ação foram criminalizadas por seu ato político em defesa da luta pela terra, pela reforma agrária e pela soberania e segurança alimentar. Ambas se deram no dia internacionalmente reservado para debates e ações a respeito das questões femininas. E, em ambas, o ataque foi contra infra-estruturas centrais paras as atividades da empresa, caracterizando uma nítida oposição à expansão da monocultura do eucalipto.

No cerne dessa aproximação entre as questões da mulher e o meio ambiente estão os impactos das atividades das monoculturas de árvores sobre a disponibilidade de terras e recursos naturais para a agricultura familiar e a garantia da segurança alimentar. As mulheres do campo identificam no agronegócio o principal empecilho para o avanço da reforma agrária brasileira e, principalmente, para a garantia de recursos naturais para sua própria reprodução física e social (e de seus familiares). Assim, a oposição ao atual modelo de desenvolvimento e ocupação do território se constitui como pré-requisito para a garantia dos direitos fundamentais das mulheres do campo. Organizadas em torno da MMC e da Via Campesina, elas defendem um feminismo que passa necessariamente pelo território.

Contexto Ampliado

Ocupando uma área de cerca de 300 mil hectares no Espírito Santo e expandindo suas atividades para outros estados, como a
Bahia e o Rio Grande do Sul, a Aracruz Celulose é hoje uma das maiores empresas de reflorestamento do país e uma das maiores produtoras mundiais de celulose de fibra curta para exportação. Tais atividades exigem grandes investimentos em pesquisa, desenvolvimento e em produção. Além disso, a exploração intensiva do eucalipto (uma árvore australiana de rápido crescimento) exige que a empresa concentre extensas áreas férteis e consuma enormes quantidades de recursos ambientais no processo, especialmente água.

A empresa também é freqüentemente acusada por populações locais, movimentos sociais e ambientalistas de desestruturar e desorganizar comunidades tradicionais e de utilizar de violência para expulsar essas comunidades de seus territórios. Os fatos de a empresa ter contato com apoio do poder público no início de suas atividades e ainda contar com investimentos de bancos públicos nos dias de hoje agravam ainda mais essa situação, levando os movimentos sociais do campo a encará-la como o principal símbolo do desenvolvimento predatório, social e ambientalmente insustentável, no quadro do agronegócio brasileiro.

No Espírito Santo, as ações têm se voltado para a ocupação de um ponto nevrálgico da cadeia de produção da indústria da celulose e papel no Brasil: o Portocel. De propriedade da empresa, o porto se constitui como o principal meio de escoamento da produção da Aracruz Celulose e de outras empresas do ramo, como a Votorantim Celulose e Papel (VCP), a Veracel (joint venture de propriedade da própria Aracruz Celulose em parceria com a sueco-filandesa Stora Enso) e Suzano, entre outras. A ocupação do porto significa a paralisação das atividades de exportação dessas empresas, e por isso tem se tornado um expediente corriqueiro para os grupos e movimentos sociais que se opõem à expansão do eucalipto na região ou que lutam pela recuperação de antigos territórios hoje ocupados pelas plantações da Aracruz.

As reações que tais ações suscitaram na imprensa dão a exata dimensão do impacto desses protestos sobre a economia da empresa e de seus parceiros. Todos os veículos de comunicação das grandes corporações de mídia foram mobilizados para condenar as ações da Via Campesina e seus parceiros. O noticiário na ocasião se voltou quase que exclusivamente para a divulgação dos impactos negativos da ocupação das mulheres camponesas sobre as exportações brasileiras, e pouco se divulgou sobre os motivos daquela ocupação. Não se discutiu os impactos sociais e ambientais das atividades da monocultura do eucalipto. Há um consenso tácito de que os danos sofridos pelas comunidades tradicionais do Espírito Santo são aceitáveis frente às divisas e recursos advindos das atividades da empresa. O poder político e econômico da Aracruz Celulose acaba por ofuscar o debate que as ocupações pretendem levantar.

Nesse cenário, a ação estatal tem se caracterizado pela omissão no dia-a-dia, pela morosidade, quando acionada pelos movimentos sociais, e pela violência, quando se posiciona em favo dos interesses da empresa. A dubiedade é também uma característica dessa atuação, pois, ao mesmo tempo em que existem grupos e organizações que estão mobilizados em torno da mitigação dos impactos negativos das atividades desse tipo de indústria (e entre eles se destaca o Ministério Público), outras entidades, como o BNDES, financiam essas mesmas atividades, injetando bilhões em recursos públicos na empresa e se constituindo num dos sócios majoritários da mesma.

Todos esses fatores caracterizam o conflito entre as organizações sociais do campo e a Aracruz Celulose como uma questão na qual a disputa por definições e por políticas públicas se torna a frente mais importante, e a luta por legitimidade assume um papel central na disputa por recursos ambientais e simbólicos.

Última atualização em: 17 de dezembro de 2009

Fontes

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Mulheres da Via Campesina ocupam porto da Aracruz no ES. Disponível em: http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=6377. Acesso em: 20 maio 2009.

OBSERVATÓRIO SOCIAL. Documento das Mulheres da Via Campesina sobre a Aracruz. Disponível em: http://www.observatoriosocial.org.br/conex2/?q=node/1199. Acesso em: 20 maio 2009.

O ESTADO DE SÃO PAULO. Aracruz: Via Campesina danificou celulose no ES. Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/geral,aracruz-via-campesina-danificou-celulose-no-es,335872,0.htm. Acesso em: 20 maio 2009.

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