TO – Grandes projetos econômicos de atividades agroexportadoras levam à degradação social e ambiental da região do Bico-do-Papagaio, no Tocantins
UF: TO
Município Atingido: Araguatins (TO)
Outros Municípios: Araguatins (TO)
População: Agricultores familiares, Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atividades pesqueiras, aquicultura, carcinicultura e maricultura, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Barragens e hidrelétricas, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Mineração, garimpo e siderurgia, Monoculturas, Pecuária, Transgênicos
Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Mudanças climáticas, Pesca ou caça predatória, Poluição atmosférica, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo, Poluição sonora
Síntese
A região do Bico do Papagaio, norte do Estado de Tocantins, é parte integrante da Amazônia Legal. Confluência do cerrado com a mata amazônica, a região é banhada pelos rios Araguaia e Tocantins. A construção e a pavimentação da rodovia Belém- Brasília, nos anos 50 e 60, deram impulso à sua ocupação com atividades agropecuárias e extrativistas tradicionais. Desde o início dos anos 1980, com acentuada intensificação a partir de 1994, o Governo Federal assentou cerca de 20 mil famílias na RBP, em projetos de reforma agrária, transformando os assentados em importantes atores sociais na região. O espírito desses assentamentos, em plena Amazônia Legal, era baseado no cooperativismo e no respeito ao meio ambiente.
De outro lado estão em andamento grandes projetos econômicos de atividades agroexportadoras de carne bovina, soja e outros grãos, além de outros de infraestrutura como a hidrovia Araguaia -Tocantins, hidrelétricas e irrigação.
Contexto Ampliado
Já em 1821, o desembargador Joaquim Theotônio Segurado pregava a necessidade de se dividir o Estado de Goiás em dois, criando um novo Estado no norte, como solução para o isolamento político e econômico da Região. Numa atitude ousada, proclamou o Governo Autônomo do Tocantins que não durou mais que alguns dias, mas que serviu para espalhar e consolidar um sentimento separatista que, desde então, se transformou num movimento articulado. Em 1920, o então Ministro da Viação e das Obras Públicas do Presidente Rodrigues Alves, José Pires do Rio, defendeu a separação do norte do Estado de Goiás e sua conseqüente transformação em um novo Estado como forma de viabilizar e dinamizar o desenvolvimento da região.
A idéia da criação de um novo Estado a partir do norte de Goiás ressurgiu com toda força na década de 1970, sobretudo no contexto das discussões sobre a segurança nacional. Aquela região era considerada uma área esquecida, com parca presença do Estado e com os grandes proprietários rurais exercendo este papel, dentro da tradição das oligarquias rurais brasileiras. Essa idéia se acentuou com um acontecimento histórico que deixou marcas profundas na região: no início da década de 1970, deslocaram-se para lá militantes de diversos matizes ?esquerdistas? dispostos a formar um núcleo de resistência armada ao Governo Militar instaurado em março de 1964. Esse episódio ficou conhecido como a Guerrilha do Araguaia e, no seu auge, estima-se que tenha aglutinado cerca de 100 pessoas.
O Estado de Tocantins ocupa 3,37% da superfície nacional banhado por dois rios importantes, o Araguaia (a oeste) e o Tocantins (a leste), caracteriza-se como uma zona de transição entre o Cerrado e a Mata Amazônica. Apesar do intenso desmatamento, causado pela natureza da ocupação que converteu matas e florestas em pastos e campos de plantio, a região tem um rico ecossistema ? sobretudo aquático ? e belas paisagens. Por pertencer a uma área de encontro entre a Mata Amazônica (predominante no vale do rio Araguaia) e o Cerrado (predominante no vale do rio Tocantins), a diversidade biológica da região é muito rica.
O discurso oficial que inspirou e executou a construção do Estado guarda inclusive muitas semelhanças com o discurso e os simbolismos da construção de Brasília. Como ocorre há décadas, as atuais políticas públicas de desenvolvimento econômico para o Norte e o Centro-Oeste ? sejam federais ou estaduais ? centram-se no mais das vezes, nos aspectos de melhoria de infraestrutura ? sobretudo transporte multimodal, armazenagem e energia. O discurso oficial do Estado de Tocantins ? que encontra respaldo em setores do Governo Federal ? é bastante enfático. É possível ler no Mapa do Investidor que ?…o Estado de Tocantins apresenta características que são propensas para a produção agrícola de larga escala?; os grãos são considerados ?pilares do desenvolvimento? e tratados como prioridade.
Dos programas Avança Brasil, Eixos de Desenvolvimento e Brasil em Ação, a Região do Bico do Papagaio é diretamente afetada, em escalas diversas, pelos seguintes projetos:
– Plataforma Multimodal de Aguiarnópolis.
– UHE Luís E. Magalhães, no Rio Tocantins, com sede no município de Lajeado e já
executada.
– UHE de Estreito, no Rio Tocantins, com sede em Aguiarnópolis e em fase de planejamento.
– UHE de Serra Quebrada, no rio Tocantins, com sede em Itaguatins e já planejada.
– UHE de Santa Isabel, no Rio Araguaia, com sede em Ananás e já licitada.
– Projeto Sampaio.
– Hidrovia Araguaia -Tocantins.
– Ferrovia Norte-Sul.
A Plataforma Multimodal de Aguiarnópolis, na divisa do Tocantins com o Maranhão, é um projeto de integração rodohidroferroviária. Seria parte central do Eixo Estruturado Mutimodal do Corredor Centro-Norte (que incluiria ainda a Ferrovia Norte-Sul, Hidrovia do Rio das Mortes e Araguaia-Tocantins e segmentos da BR 163, conhecida como Belém-Brasília) e contaria com uma estação aduaneira interior. Com grande capacidade de armazenamento, a Plataforma concentraria e distribuiria, via Porto de Itaqui, no Maranhão, a produção agro-exportadora, sobretudo das regiões Norte e Centro-Oeste. Seria, assim, o centro da teia multimodal.
A atração de investimentos em usinas hidrelétricas (UHEs) faz parte da estratégia estadual de produzir grande excedente de eletricidade, podendo assim oferecer incentivos para a atração de negócios com alta demanda de energia e também exportar a energia gerada com o grande potencial elétrico da Região. Apenas as quatro usinas hidrelétricas citadas gerariam juntas 4.367,5 MW, mas potencialmente outras poderiam ser construídas. O Projeto Sampaio, que se desenvolve entre os municípios de Carrasco Bonito, Sampaio e Augustinópolis, no extremo norte da RBP, se estrutura a partir da implantação de um perímetro irrigado com as águas do rio Tocantins de cerca de 19.000 ha, destinados à produção de grãos e à fruticultura irrigada. Para viabilizar tecnicamente o Projeto, torna-se necessária a construção de duas barragens que funcionariam como reservatório de água para a irrigação.
O sucesso da soja no Eixo Araguaia – Tocantins chamou a atenção de produtores e investidores para as potencialidades da RBP se transformar na mais nova frente de expansão da soja no país. O Governo japonês ? o Japão é grande consumidor de soja e interessado na diminuição de seus custos ? é um dos principais parceiros do Projeto Sampaio. A Agência Japonesa para Cooperação Internacional ? JICA ? atua diretamente no Estado há vários anos. A Hidrovia Araguaia-Tocantins seria a principal estrutura de transporte do Eixo Multimodal Araguaia-Tocantins. Servindo diretamente os Estados de Goiás, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão, a área de cobertura (ou influência) da Hidrovia foi estimada como sendo todo o Centro-Oeste e o Norte do país. Seu principal objetivo seria diminuir o custo de transporte da produção agrícola daquelas regiões citadas, especialmente da soja destinada ao mercado externo. No já mencionado Mapa do Investidor, o Governo Estadual apresenta a Hidrovia como um canal para ?exportar pelo Atlântico Norte?. Isso, porque a Hidrovia permitiria a chegada da soja ao porto de Itaqui, no Maranhão, via Plataforma Multimodal de Aguiarnópolis. Segundo estudos da JICA, a Hidrovia diminuiria em até 40% os custos de transporte para cada tonelada de grãos. A Ferrovia Norte-Sul, em seu projeto original, corta o Estado de Tocantins de cima a baixo, entrando no Estado exatamente na RBP. É dividida em dois ramais: Ramal Norte ? de Colinas em Tocantins até a Estrada de Ferro Carajás, em Açailândia, Maranhão ? e Ramal Sul ? ligando Senador Canedo, em Goiás, ao Porto da Vila do Conde, em Belém e de lá, ao Porto de Itaqui, no Maranhão. Sua área de influência é estimada, segundo o Mapa do Investidor, elaborado pela Seplan-TO em 1,8 milhão de Km2.
Assim, o modelo de desenvolvimento oficial pensado para a região está baseado nas atividades agropecuárias exportadoras ? sobretudo a soja ? e na atração de atividades econômicas intensivas em energia elétrica e que demandem grandes áreas. A área cultivada com a soja no Tocantins aumentou em mais de 7 vezes, passando de 20.237 para 145.206 ha.
O Estado do Tocantins está marcado por históricos conflitos violentos de terra. As áreas com potencial para expansão da soja coincidem, parcialmente, com terras indígenas e de outras populações nativas, como as quebradeiras de coco babaçu, que estão ameaçadas de perderem seu sustento.
As famílias que hoje estão assentadas conseguiram suas terras atravessando um processo turbulento. Depois, investiram tempo, energia e muitas vezes dinheiro tentando viabilizar suas atividades. Mulheres que vivem da extração e da quebra do coco babaçu dependem do acesso aos babaçuais e essa atividade, para além de sua importância econômica para as famílias, tem também uma natureza cultural e de afirmação de identidade. A pesca, realizada em boa parte do ano, é a principal atividade econômica de muitas famílias e uma atividade complementar para a maioria da população.
Assentados e pequenos proprietários temem desde a inundação de suas terras até a pressão de atividades de caráter agro-exportador que os forçariam, pela própria dinâmica do processo, a venderem suas terras. Pescadores temem desde a diminuição do número de peixes, por conta da contaminação dos rios pelos resíduos químicos associados à soja, até a impossibilidade de pescarem nos rios Araguaia e Tocantins, caso se construa a Hidrovia planejada.
Repassar, um a um, todos os medos e apreensões desses grupos seria uma tarefa estéril, frente a uma evidência que coloca a questão em termos mais claros e objetivos: eles não possuem espaço no modelo de desenvolvimento econômico pensado para a região.
O desenvolvimento é pensado sempre de fora pra dentro, uma espécie de obsessão com a transposição de determinados signos de modernidade gerados em áreas externas, nacionais ou internacionais. Uma certa arrogância de natureza técnico-científica, que poderia se enquadrar na tão falada crise da modernidade, associa toda e qualquer tentativa de desenvolvimento econômico que parta dos grupos e das realidades locais a uma irracionalidade econômica e a um atraso histórico.
Seria mais um caso na história brasileira em que grupos sociais (e étnicos) teriam sua alteridade negada por não serem reconhecidos como iguais, na medida em que não compartilham os mesmos projetos e mesmas aspirações dos grandes grupos econômicos, da burocracia estatal, ou mesmo do Estado e dos interesses a ele associados. No entanto, há fatores novos nesse processo.
Última atualização em: 06 de dezembro de 2009
Fontes
http://www.bicopapagaioam.hpg.com.br/mapa.htm
Banco Temática da RBJA
http://www.justicaambiental.org.br/_justicaambiental/busca_acervo.php
Bickel, Ulrike. Brasil: Expansão da Soja, Conflitos Sócio-Ecológicos e Segurança Alimentar. Universidade de Bonn, Alemanha, Faculdade de Agronomia, Tese de Mestrado em Agronomia Tropical, 31.1.2004. Disponível em http://www.comova.org.br/pdf/observandosoja/03-Expansao_Soja_Ulrike_Bickel_2003.pdf Acesso em: 22 de setembro de 2009.
Clementino, Alessandro Medeiros & Monte-Mór, Roberto Luís M. ?Grandes Projetos e seus impactos e significados na Região do Bico do Papagaio-TO?. Disponível em
http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_eventos_abep/PDF/ABEP2004_432.pdf Acesso em: 22 de setembro de 2009.
Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo. CPDA/UFRRJ.