SE – Avanço da indústria do turismo sobre territórios tradicionais e pescadores do litoral de Sergipe: aviltamento do Plano Diretor de Aracaju para satisfazer ao interesse econômico

UF: SE

Município Atingido: Aracaju (SE)

Outros Municípios: Aracaju (SE)

População: Comunidades urbanas, Pescadores artesanais

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Indústria do turismo

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida

Síntese

Pescadores e moradores da Praia de Robalo, próxima à Orla de Atalaia em Aracaju, capital sergipana, lutam desde 2004 pela manutenção do pouco que resta do ecossistema costeiro da cidade e contra os possíveis impactos negativos da instalação de um resort do Grupo CVC na localidade conhecida como Povoado de Ponta do Mosqueiro, na foz do rio Vaza-Barris.

Projetado para possuir 270 apartamentos e 50 bangalôs, ocupando uma área de 362 mil m², com 45 mil m² de área construída, o complexo hoteleiro Amarazul Eco-Resort está orçado em cerca de R$ 50 milhões e é o oitavo empreendimento do gênero projetado pelo grupo no mundo. No Brasil é o primeiro de seu gênero e é considerado um dos mais modernos da América Latina.

Devido ao volume de investimentos e empregos que um empreendimento desse porte pode gerar para o Estado de Sergipe, o projeto tem recebido apoio dos dois últimos governos estaduais, do poder público municipal e de políticos tradicionais do Estado. Tal apoio e a propaganda oficial não conseguem, contudo, esconder os grandes riscos socioambientais trazidos pela implantação de um complexo turístico desta magnitude e seu potencial para gerar novas situações de injustiça e danos ambientais no município.

Não é por acaso que o principal foco de resistência ao projeto se situe justamente na Associação Desportiva, Cultural e Ambiental do Robalo (ADCAR), entidade representativa dos moradores do bairro do Robalo, um dos que serão diretamente atingidos pelas possíveis consequências do empreendimento.

A viabilidade ambiental do projeto não está configurada. Depois de conceder a Licença de Instalação (LI) ao projeto, em 2005, a Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) voltou atrás na decisão, não concedendo a renovação da LI. A medida foi mal recebida por setores do governo estadual e tem sido criticada por parlamentares.

Contexto Ampliado

As primeiras negociações em torno da implantação do resort da Ponta do Mosqueiro foram iniciadas em 2004, quando o presidente da empresa foi à Aracaju discutir com o então governador João Alves Filho a possibilidade da construção do empreendimento no estado.

O compromisso do Governo do Estado com o grupo, segundo os opositores ao projeto, pode ser medido pela celeridade com que a licença de instalação (LI) do mesmo foi concedida pela Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema). Entre abril de 2004 e novembro de 2005 o projeto já havia sido negociado, submetido à análise dos técnicos da Adema e obtido a LI.

Apesar da presteza com que o governo estadual tratou o caso, o mesmo não se deu a nível municipal. O projeto só foi apresentado ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (Condurb) em maio de 2006, e somente em maio de 2007 a Prefeitura Municipal de Aracaju instituiu uma comissão técnica para analisar os possíveis impactos da obra sobre os ecossistemas e as comunidades vizinhas à área pretendida para o resort.

Em 17 de julho de 2007, o Relatório de Impacto de Vizinhança (RIV) foi apresentado em audiência pública realizada no Centro Administrativo da Prefeitura de Aracaju, sendo considerado satisfatório pela Empresa Municipal de Obras e Urbanismo (Emurb), de acordo com notícia publicada no portal Infonet.

A demora, entretanto, não se devia a uma avaliação negativa do projeto por parte da oposição da Prefeitura de Aracaju. Havia um obstáculo legal a ser vencido: o Plano Diretor do município não permitia construções naquela área. Isto inviabilizava a implantação do resort no local e não havia nada que a prefeitura ou o governo estadual pudessem fazer administrativamente a respeito. O impedimento se localizava na esfera legal e não na esfera executiva.

É neste ponto que os interesses políticos e econômicos dos grupos envolvidos iriam conflitar com interesses sociais e a segurança ambiental da população, conforme estabelecidos no Plano Diretor e no zoneamento do município.

Segundo a Lei Federal 10.247/2001, o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor é um instrumento de planejamento urbano e mecanismo para garantir a função social da propriedade urbana (prevista no texto constitucional de 1988). Para tanto, deve assegurar “o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas”. Além disso, o Plano Diretor é feito com a participação de todos os cidadãos interessados do município.

Segundo o Estatuto da Cidade:

“No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão: (I) a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, (II) a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos, (III) o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos”.

Todas essas premissas e determinações visam assegurar o estabelecimento de “normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.

Sob o argumento de gerar emprego e promover o desenvolvimento local, os vereadores de Aracaju – ignorando deliberações e debates ocorridos durante o processo de construção do Plano Diretor do Município e as premissas relativas à função social da propriedade urbana e do equilíbrio ambiental no Estatuto da Cidade e na Constituição Federal – atenderam, em dezembro de 2007, ao interesse do investidor privado. Nesta ocasião, o Plano Diretor de Aracaju foi alterado, de forma a permitir a construção do empreendimento turístico na área desejada pelo Grupo CVC, antes protegida pelo Plano Diretor. Assim, em nome de cerca de 500 empregos diretos e dos impostos que seriam colhidos com a operação do resort, os legisladores municipais colocaram em risco a saúde da população do entorno e o equilíbrio ambiental da localidade.

Oficialmente, o Grupo CVC estaria obrigado a promover compensações ecológicas, tais como: (1) arborização das principais vias de acesso ao hotel, (2) ações de educação ambiental com moradores da região do Mosqueiro, (3) implantação de ruas e avenidas ao redor do empreendimento e (4) a instalação de um parque ecológico no valor previsto de R$ 1,1 milhão.

Alijados do principal instrumento de garantia de seus direitos, os moradores do bairro de Robalo, organizados em torno da Associação Desportiva, Cultural e Ambiental do Robalo (ADCAR), aproveitaram a realização da 1ª Conferência Municipal do Meio Ambiente em Aracaju, em fevereiro de 2008, para abrir o debate sobre o empreendimento e suas possíveis consequências negativas. Segundo o presidente da entidade, José Dias Firmo dos Santos, o processo de discussão do complexo hoteleiro foi feito de forma a impedir o debate ou a garantir um aparente apoio popular à sua aprovação. Em entrevista ao site Ambiente Brasil, Firmo declarou que “a audiência pública relativa ao empreendimento foi convocada em cima da hora e, com isso, teve frequência irrisória”. Além disso, “só falaram de melhorias econômicas, migalhas para a população pobre da região, nada em termos ambientais”.

Além do debate na conferência, a ADCAR protocolou nos Ministérios Públicos de Sergipe (MPE) e Federal (MPF) uma representação questionando vários aspectos do resort, entre os quais: (1) Como se darão a captação, o tratamento e a destinação de resíduos (esgotos) e a ocupação de área de praia com a construção de bangalôs?; (2) Quais as medidas compensatórias à flora e à fauna locais, às atividades laborais e de extrativismo dos moradores nativos – especialmente a pesca – e aos impactos no trânsito de veículos na região, bem como em sua infraestrutura de energia, água tratada e telefonia?

Porém, com a mudança de governo houve também uma mudança na postura da ADEMA em relação ao empreendimento. Se no governo anterior a instituição atendeu rapidamente aos interesses do Grupo CVC, a partir de 2007 o órgão estadual passou a ser relativamente mais rigoroso em relação à liberação de novas licenças ou à renovação das anteriores. Esta atitude tem sido criticada por diversas lideranças políticas sergipanas. O governador Marcelo Déda, apesar das frequentes manifestações de apoio ao projeto por secretários estaduais, tem sido acusado de leniência em relação às garantias de manutenção dos investimentos da CVC no Estado. Segundo a oposição ao governador Déda, não haveria uma política voltada para o turismo, e essa situação seria um “entrave” ao desenvolvimento do Estado.

O Grupo CVC garantiu que seus arquitetos reformulariam o projeto de forma a adequá-lo à legislação ambiental e a garantir a minimização dos possíveis impactos ambientais do empreendimento. A discussão sobre a relação custos/benefícios sociais de empreendimentos turísticos desse porte tem se repetido onde quer que eles estejam instalados. Com o avanço da indústria hoteleira sobre as comunidades costeiras do Nordeste (em Brejo Grande, localidade a poucos quilômetros da Ponta do Mosqueiro a comunidade de pescadores de Resina também resiste à implantação de projeto similar), a discussão sobre o assunto se torna cada vez mais urgente. O modo como hotéis e resorts desse porte são geralmente instalados, ignorando direitos, tradições, meio ambiente e comunidades, é apenas reflexo de um modelo autoritário e desigual de desenvolvimento. Em geral, as populações atingidas chegam em pouco tempo à conclusão de que os custos socais/ambientais superam os benefícios. Esta situação, ao que parece, é a que a população de Ponta do Mosqueiro deseja evitar.

Segundo nota da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Urbanismo, Patrimônio Histórico e Cultural do Ministério Público Estadual, no fim de 2008 foi solicitada a renovação da licença de instalação do empreendimento; contudo, um parecer técnico da ADEMA condicionou a renovação da licença a estudos adicionais para ocupação de parte da área proposta do Estudo de Impacto Ambiental. O mesmo parecer negou licença para a instalação de 17 bangalôs de água em uma laguna. Desde então, o processo de licenciamento ambiental do empreendimento não foi retomado e suas obras nunca se iniciaram. Tal situação levou o Ministério Público Estadual (MPE/SE) a suspender um inquérito civil público que havia sido instaurado para investigação do licenciamento a partir das denúncias da ADCAR.

Em nota publicada no blog da entidade o vice-presidente da ADCAR, José Firmo, afirmou que a investigação do Ministério Público revelou uma vitória para o Meio Ambiente em Aracaju, já que uma imensa área ainda preservada poderia ter sido destruída sem maiores preocupações para dar lugar ao Resort.

Cronologia:

Abril de 2004: Início das negociações para implantação do resort Amarazul na Ponta do Mosqueiro entre a CVC e o governo de João Alves Filho.

Novembro de 2005: ADEMA concede licença de instalação ao empreendimento.

Maio de 2006: Projeto é apresentado ao Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (Condurb).

Maio de 2007: Prefeitura Municipal de Aracaju institui comissão técnica para analisar os possíveis impactos da obra sobre os ecossistemas e as comunidades vizinhas à área pretendida para o resort.

Julho de 2007: RIV do empreendimento é aprovado pela Emurb.

Dezembro de 2007: Câmara Municipal de Aracaju aprova mudanças no Plano Diretor do município para permitir construção do resort na área pretendida pelo empreendedor.

Fevereiro de 2008: Associação Desportiva, Cultural e Ambiental do Robalo (ADCAR) promove debate sobre o resort durante a 1ª Conferência Municipal do Meio Ambiente em Aracaju.

Agosto de 2012: Diante da paralização do licenciamento ambiental do empreendimento, MPE anuncia suspensão de inquérito civil público para investigar denúncias de inconsistências no processo administrativo.

Última atualização em: 18 dez. 2014.

Fontes

AGÊNCIA ALESE DE NOTÍCIAS. Augusto levanta preocupação com o turismo de Sergipe. Disponível em: http://goo.gl/7mnSi4. Acesso em: 28 abr. 2009.

AMBIENTE BRASIL. Câmara de Aracaju muda Plano Diretor para viabilizar resort. Disponível em: http://goo.gl/kVviqH. Acesso em: 28 abr. 2009.

______. Invasão dos resorts no litoral brasileiro está nas mãos do Ministério Público. Disponível em: http://goo.gl/zdFBs2. Acesso em: 28 abr. 2009.

CORREIO DE SERGIPE. Sergipe vai ter melhor resort de praia da América Latina. Disponível em: http://goo.gl/hCILji. Acesso em: 28 abr. 2009.

______. Arquiteto da CVC comunica mudanças no projeto de resort. Disponível em: http://goo.gl/HWFRdO. Acesso em: 28 abr. 2009.

______. Obras do Amarazul Resort ainda não saíram do papel. Disponível em: http://goo.gl/zzowkO. Acesso em: 28 abr. 2009.

LIMA, Marcus. Relatório para construção de resort no Mosqueiro é aprovado. Infonet, 17 jul. 2007. Disponível em: <http://goo.gl/rGhQyU>. Acesso em: 15 dez. 2014.

MINISTÉRIO Público arquiva procedimento sobre construção de Resort. ADCAR Robalo, 27 ago. 2012. Disponível em: <http://goo.gl/Iw2TF8>. Acesso em: 15 dez. 2014.

PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU / CONDURB. Relatório 2006. Disponível em: http://goo.gl/PHn9jH. Acesso em: 28 abr. 2009.

PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU / SEPLAN. Portaria N. 03/2007 – Designa técnicos para análise do RIV: Relatório de impacto de vizinhança, sobre implantação do empreendimento do Resort Ponta do Mosqueiro na zona de expansão urbana, no povoado mosqueiro, Aracaju/SE. Disponível em: http://www.aracaju.se.gov.br/userfiles/seplan/arquivos/audiencia_2007.pdf. Acesso em: 28 abr. 2009

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