PR – UHE Mauá da Serra: luta de povos indígenas, ribeirinhos, moradores, movimentos sociais e entidades, apoiados pelo MPF, em defesa da Bacia do Rio Tibagi e de seus habitantes continua longe de chegar ao fim

UF: PR

Município Atingido: Telêmaco Borba (PR)

Outros Municípios: Corbélia (PR), Telêmaco Borba (PR)

População: Agricultores familiares, Comunidades urbanas, Povos indígenas, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Barragens e hidrelétricas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Poluição de recurso hídrico, Poluição do solo

Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças transmissíveis, Piora na qualidade de vida, Violência – coação física

Síntese

Projetada para gerar 361 MW de energia e inundar uma área de 83,9 km², a Usina Hidrelétrica de Mauá da Serra está no centro de uma longa e controversa batalha judicial. Localizada em Salto do Mauá, entre os municípios de Telêmaco Borba e Ortigueira, na região centro-oriental paranaense, a usina, concedida ao Consórcio Energético Cruzeiro do Sul (CECS) ? formado pelas estatais, Companhia Paranaense de Energia (Copel) e Eletrosul Centrais Elétricas S.A – tem sido alvo de diversas ações judiciais desde as primeiras audiências públicas sobre sua construção, em meados de 2005 (apesar de seu projeto remontar à década de 1960, seu leilão aconteceu apenas em 2006), até os dias atuais.

Atualmente existem cerca de 20 ações judiciais, em diversas fases de processo, que tentam desde cassar seu polêmico licenciamento ambiental (marcado por denúncias de fraudes, má fé, improbidade administrativa e adulterações de dados), passando por tentativas de impedir sua construção ou operação.

O estado do Paraná é atualmente auto-suficiente em energia, e esse fato tem dado origem a um amplo debate na sociedade paranaense, promovido pelo Ministério Público Estadual e Federal, entidades ambientalistas, organizações da sociedade civil, associações de atingidos, sindicatos e ONGs, sobre a necessidade e a viabilidade da construção da usina.

O principal argumento daqueles que são contrários à construção é a suposição de que a mesma irá apenas beneficiar os acionistas das empresas envolvidas (que apesar de estatais têm participação de grupos privados) e os grandes consumidores (as chamadas indústrias eletrointensivas), em detrimento das comunidades tradicionais e povos indígenas da região (especialmente pequenos agricultores, ribeirinhos e índiso Kaiagang das terras indígenas Mococa e Queimadas).

Teme-se ainda que a inundação de uma área caracterizada pela presença de remanescente de minas de carvão e contaminada por resíduos de agrotóxicos possa afetar a qualidade de vida das populações urbanas a jusante do lago da barragem. É grande o risco (admitido inclusive pela companhia de saneamento estadual, a Sanepar, e previsto no EIA/Rima do projeto) de que a formação do lago possa revolver esses resíduos e transportá-los até as cidades ao longo da bacia do Tibagi, causando doenças e afetando a saúde de mais de um milhão de pessoas.

Além dos riscos á saúde, não são poucos os danos ambientais previstos: assoreamento, mortandade de peixes e animais, danos à cadeia alimentar e aos ecossistemas de uma das regiões mais preservadas do Paraná, assim como o risco de eutrofização das águas do lago, devido à transformação de um rio de corredeiras em uma formação lacustre.

Por tudo isso, a usina tem sido alvo de campanhas e ações judiciais, por parte de entidades como Ministério Público Federal (MPF), a ONG Meio Ambiente Equilibrado (MAE), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Liga Ambiental, Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab), Conselho Municipal do Meio Ambiente de Londrina (Consema), além de estudantes e pesquisadores ligados às Universidades Estaduais de Londrina, Maringá e Ponta Grossa (UEL, UEM e UEPG).

Apesar de ter sua obra iniciada em julho de 2008, o futuro da Usina Hidrelétrica de Mauá é ainda uma incógnita. As constantes mobilizações e os freqüentes reveses judiciais sofridos pelo Consórcio (com significativas vitórias) põem em risco cada etapa da obra. Até a abertura das comportas, permanece incerto se esse polêmico projeto irá entrar em operação ou se a sociedade paranaense (especialmente as comunidades mais ameaçadas) se verão livres dos riscos inerentes à atividade.

Contexto Ampliado

O polêmico projeto de construção da Usina Hidrelétrica de Mauá da Serra tem provocado denúncias de fraudes e irregularidades desde sua primeira fase: o processo de formação do inventário de hidrelétrico do rio Tibagi, que, com 550 km de extensão e cortando 41 municípios, é o segundo maior rio do estado. Possui cerca de 25.000 km² de bacia, que é considerada uma das mais preservadas do Paraná. Neste processo, o Comitê de Bacia deveria ter sido consultado, o que garantiria ampla participação da sociedade civil no processo. Essa hesitação por parte do poder público em consultar o órgão gestor da bacia também seria verificada na segunda fase do processo de instalação da usina, ou seja, a concessão da outorga prévia do uso da água.

Segundo a Lei Estadual de Recursos Hídricos, a Superintendência de Desenvolvimento de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (SUDERHSA) só poderia conceder tal outorga se o plano de bacia previsse o uso da água para geração de energia. Na ocasião da concessão, esse plano sequer existia, pois ainda estava sendo discutido pelo Comitê de Bacia. O que significa que tal procedimento foi realizado à revelia do Comitê e contrariamente ao que determinava na ocasião a legislação do próprio estado.

Durante todo o processo de licenciamento ambiental da usina, essa tendência das entidades estaduais de gestão ambiental e de recursos hídricos de emitir autorizações ?apesar da lei? vai dar origem a uma série de mobilizações e ações judiciais, especialmente por parte do Ministério Público (Estadual e Federal) e entidades ambientalistas, que tornarão o processo extremamente dispendioso e truncado para o consórcio vencedor da licitação.

Além disso, o processo de licenciamento ambiental da usina sofreu reflexos do conturbado licenciamento da Usina Hidrelétrica São Jerônimo, na mesma bacia, que após denúncias de irregularidades em seu licenciamento e diversas ações judiciais (ações civis públicas e ações populares) teve seu licenciamento suspenso e condicionado à realização de um estudo prévio de impacto ambiental que abrangesse toda a bacia, ficando suspensos novos licenciamentos até a realização desse estudo.

Cabe ressaltar, que tanto a UHE São Jerônimo quanto a UHE Mauá apresentavam apenas estudos de impacto ambiental relativo às áreas imediatamente impactadas, sem considerar os impactos cumulativos das diversas hidrelétricas existentes e projetadas para a bacia (a UHE Mauá será instalada a montante da já existente UHE Presidente Vargas, da empresa Kablin).

Essa restrição não foi obedecida no licenciamento da UHE Mauá e será a origem de diversas ações do Ministério Público, cujo imbróglio judicial só será resolvido em julho de 2008, com o julgamento de uma ação civil pública pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por esse motivo, quando em 2005 o processo de licenciamento da usina teve início junto ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP), o Ministério Público de Londrina recomendou a suspensão de todas as audiências públicas programadas para serem realizadas em agosto daquele ano, nos municípios de Telêmaco Borba e Ortigueira, e a transferência desse processo para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

A recomendação não foi seguida. As audiências foram realizadas nos dias 8 e 9 de agosto, e os leilões dessa e outras usinas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foram programados para dezembro do mesmo ano. A exclusão da hidrelétrica do leilão 002/2005, no dia 16 de dezembro de 2005, só aconteceu por determinação judicial da 1ª Vara de Justiça Federal de Londrina.

Paralelamente, o processo de licenciamento ambiental no IAP seguia seu caminho rumo à concessão da licença prévia, o que aconteceu em 7 de dezembro de 2005. Apesar de ainda não ter um empreendedor definido (tendo em vista que a ANEEL não pode incluí-la no leilão que se realizou uma semana depois), a usina de Mauá já poderia pleitear a licença de instalação, primeiro passo para o início das obras.

As comunidades ribeirinhas atingidas e outras entidades da sociedade civil, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), não permaneceram alheios a todo esse processo. Em 19 de março de 2006, realizaram na cidade de Jataizinho um ato em defesa do rio Tibagi, como forma de marcar sua oposição ao projeto e como parte de uma série de manifestações coordenadas pelo MAB, como parte do evento conhecido como Semana de Luta Contra Barragens. Esse ato foi fortemente influenciado pela CPT, contando com a participação bispo de Cornélio Procópio, Dom Getúlio Guimarães. Iniciou-se na igreja matriz da cidade e teve como ponto alto a realização de uma marcha até o rio, como o objetivo de abençoá-lo, o que demonstra a interseção entre a luta política e a luta simbólica que caracteriza esse tipo de conflito.

Em maio de 2006, foi a vez de essas entidades realizarem atos em Telêmaco Borba e Ortigueira, principais municípios atingidos pela barragem e cujas comunidades rurais teriam que ser removidas para agrovilas para a formação do lago da usina. Entre os dias 6 e 9 daquele mês foram realizadas várias reuniões com os ribeirinhos, agricultores e moradores desses municípios, objetivando esclarecer as comunidades quanto aos impactos negativos que a construção da usina e numa tentativa de articular a mobilização e organização dessas pessoas contra a UHE Mauá.

Essas ações demonstram que, apesar de terem sido realizadas audiências públicas nessas cidades, isso não garantiu a mobilização dos moradores em torno do debate da questão. A construção de uma usina é muitas vezes encarada pela população atingida como um fato consumado, e a articulação de uma frente de oposição ao projeto exige que aqueles que estão mobilizados contra o projeto realizem atividades não apenas de caráter político, como também educativo.

Enquanto o MAB e a CPT agia no âmbito simbólico na tentativa de mobilizar a população atingida, a ONG Liga Ambiental propôs, em 6 de junho, uma nova ação civil pública, na comarca de Ponta Grossa, requerendo a nulidade de licença prévia expedida pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP). O resultado desta ACP só seria conhecido dois anos depois, quando, em dezembro de 2008, o juiz federal Antônio César Bocheneck, da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa, negou liminar à entidade. A decisão indeferiu a medida cautelar considerando a falta de demonstração do perigo da demora na decisão final do processo. A essa altura, o empreendimento já havia sido leiloado, já contava com licença de instalação, já havia iniciado suas obras e acumulava 19 ações judiciais contra sua realização.

Antes disso, porém, em 24 de agosto, o Ministério Público de Londrina pediu o afastamento do Secretário de Estado de Meio Ambiente, Rasca Rodrigues, por ato de improbidade administrativa. Em ação civil pública, o MPF alega que houve fraudes no Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), elaborado pela CNEC Engenharia S.A, e irregularidades no licenciamento ambiental referentes à construção da usina.

Para o MPF, a construção da usina causaria grave prejuízo para a gestão e preservação ambientais. Os procuradores da República, discutindo os critérios utilizados para a definição da área de influência do empreendimento, produziram provas quanto à inclusão da bacia do Tibagi no território indígena Kaingang, nos termos dos artigos 13 e 14 da Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Com isso, requisitaram que a bacia fosse declarada território Kaingang, o que deverá ser considerado em quaisquer futuros estudos para a implantação de empreendimentos naquela localidade.

Além disso, o MPF acreditava que houve má-fé do empreendedor CNEC-Engenharia , do grupo Camargo Correia. A empresa rompeu o contrato de prestação de serviços firmado com a IGPLAN (contratada inicialmente pela CNEC para proceder aos estudos e elaborar o EIA-Rima), por discordar das conclusões que estavam sendo apresentadas e que contrariavam fortemente seus interesses, pois apontavam graves impactos ambientais.

Apesar da oposição do MPF, o processo de licitação da concessão continuava no âmbito administrativo. Depois de se ver impedida de incluir a usina no leilão 002/2005, a ANEEL programou sua inclusão em novo leilão, a ser realizado em 10 de outubro (leilão 004/2006). Em resposta, a auto-intitulada Frente de Proteção ao Rio Tibagi – composta pelo Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Londrina; CPT – Comissão Pastoral da Terra; MAB- Movimento dos Atingidos por Barragens; a ONG Liga Ambiental; o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Telêmaco Borba; além de inúmeras pastorais, movimentos e entidades da região – realizou no dia 4 de outubro uma série de atividades contra a construção da barragem, incluindo um seminário na UEL e a entrega de um abaixo-assinado ao Comitê de Bacia, que nesse mesmo dia aprovou moção dirigida ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à ANEEL solicitando a retirada da Usina de Mauá do leilão.

Ainda no mesmo dia, os opositores da construção da usina se viram diante de uma vitória, quando a Justiça Federal em Londrina, atendendo a um pedido do Ministério Público Federal, decidiu oficiar à ANEEL para que retirasse a usina hidrelétrica de Mauá do leilão marcado para o dia 10 de outubro. Com a decisão, também ficava reconhecida a competência do IBAMA para o licenciamento ambiental da usina, o que significava que todos os atos praticados pelo IAP estavam anulados.

Vitória provisória, pois no dia 9 de outubro a juíza federal Vânia Hack de Almeida, convocada para atuar como desembargadora na 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF), concedeu o efeito suspensivo pedido pela União e cassou a liminar da 1ª Vara Federal de Londrina. Permitida a inclusão da usina no leilão, o mesmo foi realizado na data prevista, tendo como vencedor o Consórcio Energético Cruzeiro do Sul (CECS), formado pelas estatais Companhia Paranaense de Energia ? Copel(51%) e Eletrosul Centrais Elétricas S.A (49%), a um custo de aproximadamente R$ 950 milhões.

O sucesso do leilão não significou, entretanto, o fim das batalhas judiciais. Em fevereiro do ano seguinte, o Juiz Federal Alexei Alves Ribeiro, da 1ª Vara Federal de Londrina, acatou o pedido do Ministério Público Federal de Londrina e afastou o Secretário Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, Lindsley da Silva Rasca Rodrigues, do processo de licenciamento ambiental da usina. Segundo o magistrado, haveria um conflito de interesses na posição do secretário, pois o mesmo acumulava, por ocasião do licenciamento, os cargos de presidente do Instituto Ambiental do Paraná e de membro do Conselho Fiscal da COPEL, tornando-se assim parte interessada no licenciamento pelo qual era responsável. A decisão do juiz não suspendeu, contudo, o licenciamento da usina. Isto só aconteceria oito meses depois, em decisão do mesmo tribunal.

Enquanto não viam uma decisão favorável à suas demandas, os membros das comunidades de Telêmaco Borba e Ortigueira permaneciam mobilizados contra a construção do empreendimento. Em abril de 2007, participaram de uma audiência pública na Assembléia Legislativa do Estado do Paraná (ALEPR), com a participação de membros de organizações ambientalistas, do Ministério Público Federal e Estadual, estudiosos do tema e representantes do IBAMA e do IAP. Nessa ocasião entregaram às autoridades presentes um relatório denunciando as inúmeras violações aos seus direitos ambientais, econômicos, culturais decorrentes do processo de licenciamento da hidrelétrica.

Os meses de junho e julho foram marcados por tentativas da COPEL de negociar com os ribeirinhos e pelo prosseguimento de processos administrativos federais necessários para a formalização da concessão. Em 11 de junho, a COPEL realizou reunião com as comunidades de Ortigueira e a prefeitura local sem conseguir qualquer acordo, dada a reticência dos representantes da empresa diante dos questionamentos dos moradores e do prefeito sobre os reais impactos do empreendimento. Paralelamente, a empresa conseguiu a publicação de decreto presidencial de outorga de autorização e a assinatura de contrato de concessão.

Em outubro uma nova reviravolta judicial pôs fim à aparente definição do conflito pós-leilão. O MPF conseguiu que sua ação civil pública fosse finalmente julgada e deferida. Assim, a 1ª Vara Federal de Londrina emitiu, no dia 4, sentença que impede a concessão da licença de instalação até que a Avaliação Ambiental Integrada (AAI) da bacia do Rio Tibagi (PR) esteja concluída. Essa avaliação é ponto de grande polêmica, pois tradicionalmente os empreendimentos hidrelétricos são obrigados apenas a apresentar relatórios de impacto ambiental referentes ao projeto, desconsiderando os efeitos cumulativos dos diversos projetos hidrelétricos implantados ou planejados para a bacia. A exigência desagradava os empreendedores, pois tal avaliação poderia inviabilizar a instalação da usina, na medida em que fosse constatado que os riscos de sua instalação para a bacia poderiam ser mais danosos ambiental e socialmente do que os benefícios prometidos pelo empreendimento. Isso aumentaria ainda mais a crescente oposição à usina na sociedade regional, com articulações e manifestações ocorrendo não apenas nos municípios onde a usina seria instalada, mas também em municípios ao longo da bacia e previstos para serem indiretamente impactados, como Londrina, Maringá, Cambé e outros.

Cabe ressaltar que os impactos da usina sobre a saúde da população ribeirinha podiam ser sentidos antes mesmo da instalação do empreendimento. A pressão exercida pela empresa sobre a população a ser removida começou antes mesmo da emissão da licença de instalação, e isso, além de ocasionar insegurança e nervosismo entre essa população, devido às incertezas quanto a seu futuro, trouxe conseqüências mais graves entre os idosos. Um exemplo trágico disso aconteceu no vilarejo de Palmital de Natingui, em Ortigueira.

Pressionada por funcionários da COPEL a aceitar indenizações para se retirar do imóvel onde vivera mais de 40 anos, previsto para ser alagado durante a formação do lago da usina, a agricultora Geomira Biscaia de Oliveira, de 47 anos, não suportou a possibilidade de ver-se afastada do local onde viveu toda sua vida e sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC), sendo internada em um Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Seu pai, o também agricultor Pedro Rodrigues Biscaia, de 83 anos, não agüentando presenciar o estado de saúde da filha, sofreu também um AVC, sendo também internado. A família dos agricultores contratara os serviços do advogado Gabriel Jock Granado, que em setembro de 2007 conseguiu na justiça um interdito proibitório, determinando que nenhum funcionário das empresas envolvidas poderia chegar a mais de 150 m dos agricultores, sob pena de multa diária. A decisão foi da juíza Gabriela Scabello Milazzo da Justiça de Ortigueira, e seria confirmada, em 18 de outubro, pelo desembargador Stewalt Camargo Filho, do Tribunal de Justiça do Paraná.

A decisão foi também corroborada pelo MPF, que enviou recomendação às empresas para estender essa medida a todos os ribeirinhos da região, tendo em vista que qualquer ação expropriatória antes da emissão da licença de instalação poderia ser considerada ilegal. Essa recomendação foi confirmada pela Justiça Federal em Londrina, em 31 de dezembro, através do deferimento parcial de pedido de liminar impetrado pelo próprio MPF. Além disso, o juiz estipulou multa de 50 mil reais ao Consórcio Energético Cruzeiro do Sul no caso de descumprimento da decisão.

No ano de 2008, a dinâmica do conflito não se altera, e as batalhas judiciais em torno do empreendimento se acumulam. Além das ações civis públicas que já haviam sido encaminhadas à justiça, outras foram propostas. No final do ano, 19 ações judiciais contra o empreendimento corriam paralelas em diversas instâncias do Paraná e da Justiça Federal. Os principais propositores dessas ações eram o Ministério Público, as ONGs Liga Ambiental e Meio Ambiente Equilibrado (MAE) e a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB).

Um lance novo na disputa se deu em 28 de fevereiro, quando a COPEL, conseguiu suspender na justiça, através do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, de Porto Alegre, a obrigatoriedade de uma avaliação ambiental integrada (AAI) de todo o Rio Tibagi como pré-requisito para a liberação do empreendimento. Com isso, a empresa dependia apenas da liberação da licença de instalação por parte do IAP, o que aconteceu em 24 de março do mesmo ano. Esse ?avanço? do processo de licenciamento ambiental e a perspectiva de iminente início das obras foram alvo de grande indignação por parte das entidades ambientalistas e de novas ações judiciais por parte do Ministério Público. Em conseqüência, as obra foram mais uma vez paralisadas, em 16 de maio, quando o desembargador federal Edgard Lippmann Júnior, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, revigorou os efeitos da liminar da Justiça Federal de Londrina, que condicionava a concessão de licenças de instalação das usinas no Rio Tibagi à elaboração de avaliação ambiental integrada (AAI). Mais uma vez a COPEL se via ás voltas com a necessidade de elaboração da AAI.

Enquanto tentava suspender essa nova liminar, o Governo Federal, através da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME), anunciou em meados de julho a contratação da CNEC Engenharia S.A. para realizar a avaliação exigida pela justiça. Tal avaliação estava prevista para se concluída em julho de 2009. Essa decisão foi considerada um marco na história da apropriação de bacias hidrográficas para a geração de energia no Brasil: pela primeira vez, um rio brasileiro seria completamente avaliado antes de receber uma barragem. Como muitas outras perspectivas de inovação nas ações governamentais brasileiras, esse estudo foi sustado antes mesmo de começar. No dia 25 do mesmo mês, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu a liminar que condicionava o início das obras à avaliação integrada.

Em resposta, ambientalistas, agricultores, trabalhadores rurais e ribeirinhos protestaram em agosto, em Londrina, contra a decisão do STJ e o início das obras de construção da usina. Ainda como parte de uma campanha de mobilização contra a liberação desta polêmica obra, o Ministério Público do Paraná e o Conselho Municipal do Meio Ambiente de Londrina (Consema), junto com a ONG MAE, convocaram, em outubro, uma audiência pública sobre a usina. Nessa ocasião, pela primeira vez a Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar) reconheceu os possíveis impactos negativos à saúde das populações dos municípios a jusante da barragem. A audiência pública também foi palco de denúncias de desmatamento ilegal realizado pelo consórcio para a instalação de seu canteiro de obras. A ONG Meio Ambiente Equilibrado (MAE) afirmava que o empreendedor estaria cortando mata ciliar e provocando assoreamento do rio pelo despejo de pedras, galhos e terra em seu curso.

Em novembro, a mesma entidade protocolou na Justiça Federal uma ação civil pública inibitória contra o Consórcio Cruzeiro do Sul e a União Federal, com o objetivo de paralisar as obras de construção da usina. Com base nos estudos produzidos pelo próprio Consórcio, em um documento-resposta da Sanepar ao Conselho Municipal do Meio Ambiente de Londrina (Consemma), e pareceres técnicos de pesquisadores independentes, a entidade afirma que existem ?provas abundantes? de que a construção da barragem vai contaminar a água do Rio Tibagi, manancial de abastecimento de Londrina e Cambé, entre 42 municípios da bacia. O objetivo da ação seria evitar a destruição prematura e apressada da floresta de Mata Atlântica na área, até que o Consórcio comprovasse cientificamente ser possível evitar os danos à qualidade da água descritos nos seus próprios relatórios. No mesmo mês, a Promotoria do Meio Ambiente de Londrina pediu ao Instituto Ambiental do Paraná (IAP) a suspensão da licença de instalação e a paralisação das obras de construção da usina.

O dia dois de dezembro marcou um dos últimos lances, até o momento, dessa longa guerra de liminares e ações judiciais, quando o juiz federal Antônio César Bocheneck, da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa, negou liminar requerida pela ONG Liga Ambiental, que tinha como objetivo suspender o licenciamento ambiental da hidrelétrica. A negação de tal liminar não intimidou a Liga Ambiental, que em abril de 2009 propôs nova ação civil pública junto à justiça federal, com pedido de liminar solicitando a demarcação contínua das terras indígenas Kaingang, Guarani e Xetá na região. Essa ação civil pública tinha o duplo objetivo de corrigir uma injustiça histórica cometida contra os índios ? cujas terras demarcadas ou em demarcação abrangem apenas uma parcela de seu território tradicional e lhes nega o acesso a muitas áreas essenciais à sua reprodução física e cultural, atualmente ameaçadas pelo desmatamento e pela própria construção da usina ? e inviabilizar a construção da usina, na medida em que as terras indígenas são consideradas indisponíveis, e, portanto, não passíveis de negociação ou indenização como as terras de particulares. Assim, seria necessária autorização do Congresso Nacional para que as obras continuassem.

Naturalmente essa aprovação seria incerta e dependente de um geralmente longo processo de negociação política, o que tornaria os custos da obra excessivamente altos e poderia torná-lo economicamente inviável, além de abrir a possibilidade de novas vitórias por parte dos movimentos sociais nesse hiato de tempo. A ação civil pública tinha como réus tanto o Consórcio Cruzeiro do Sul, quanto a FUNAI e a União.

Intimadas a se defender, FUNAI e União se posicionaram contrariamente à redefinição dos limites das atuais terras indígenas e se utilizaram de subterfúgios legais para sustar a pretensão dos povos indígenas de ter seus direitos atendidos, alegando que a área pretendida era urbanizada, o que inviabilizaria a demarcação contínua. A juíza responsável pelo caso acatou os argumentos dos réus e negou liminar à ação civil pública, motivo pelo qual a Liga Ambiental entrou com recurso, através de agravo de instrumento, em 26 de maio de 2009. Tanto o mérito da ação civil pública, quanto o agravo de instrumento ainda não foram julgados, permanecendo a situação indefinida.

Até o momento as obras seguem seu curso, e ainda não se sabem quantas liminares serão expedidas até o seu final ou a concessão da licença de operação, última licença necessária para o funcionamento da usina e a abertura das comportas. Como também não se sabe se isso irá acontecer.

Última atualização em: 06 de dezembro de 2009

Fontes

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