PR – Indústria fumageira utiliza “sistema integrado” que torna reféns pequenos agricultores e seus filhos, além de expô-los ao envenenamento pelo tabaco
UF: PR
Município Atingido: Tunas do Paraná (PR)
Outros Municípios: Apiaí (SP), Bocaiúva do Sul (PR), Cerro Azul (PR), Colombo (PR), Doutor Ulysses (PR), Iporanga (SP), Itaóca (SP), Ribeira (SP), São João do Triunfo (PR), Tunas do Paraná (PR)
População: Agricultores familiares
Atividades Geradoras do Conflito: Agroindústria
Impactos Socioambientais: Poluição do solo
Danos à Saúde: Doenças não transmissíveis ou crônicas, Piora na qualidade de vida, Suicídio
Síntese
Com uma área total de 79.000 hectares e uma safra anual de cerca de 158.000 toneladas, o Paraná é hoje o terceiro maior produtor de fumo do Brasil. Nessa produção destacam-se cerca de 30 municípios do Sudeste, Centro-Sul e Sudoeste paranaense que colheram mais de um milhão de toneladas em 2007 (São João do Triunfo, Rio Azul, Prudentópolis, Pien, Ipiranga, Palmeira, Irati, Imbituva, Rebouças, Mallet, Ivaí, Guamiranga, São Mateus do Sul, Rio Negro, Paulo Frontin, Quitandinha, Planalto, Agudos do Sul, Tijucas do Sul, Teixeira Soares, Três Barras do Paraná, Boa Ventura de São Roque, Salto do Lontra, Cruz Machado, Dois Vizinhos, Antonio Olinto, Mandirituba, Lapa, Capanema, Paula Freitas).
Contudo, essa prosperidade tem cobrado um alto preço para as crianças e adolescentes da zona fumígera do Paraná. Segundo levantamento da Procuradoria Geral do Paraná, cerca de 80 mil crianças e adolescentes são empregados na colheita e separação das folhas de fumo. Quando se considera toda a totalidade dos estados da região sul, esse número pode chegar a cerca de 320 mil. Essas crianças, além do desgaste físico natural da atividade rural, estão sujeitas a déficit cognitivo, lesão por esforço repetitivo, tontura, tremedeira, fraqueza, ânsias de vômito, perda parcial da visão, intoxicação por agrotóxico, além de poderem apresentar níveis de nicotina no sangue similares aos de um fumante adulto, além de todas as conseqüências futuras advindas do consumo indireto da nicotina, tais como doenças pulmonares e diversos tipos de cânceres. A intoxicação atinge também adultos e idosos, e há diversos casos relatados de suicídios de agricultores devido à intoxicação por agrotóxico.
Desde 2008, essa situação tem sido alvo de denúncias e ações judiciais por parte do Ministério Público Estadual paranaense e de audiências públicas e debates na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH da Câmara dos Deputados). Segundo o próprio MP-PR, o uso de crianças e adolescentes na lavoura de fumo é conseqüência do modo como a cadeia de produção do tabaco está estruturada no país. Através do chamado sistema integrado, a indústria do tabaco (dominada por empresas como a Souza Cruz e a Alliance One) determina as condições de negociação com as famílias de pequenos fumicultores, criando uma relação desigual onde a indústria fornece matéria-prima, sementes, assistência técnica e crédito, e o agricultor é obrigado a vender exclusivamente para a empresa compradora.
Isso diminui a margem de negociação do pequeno agricultor, que se vê devedor de seu comprador e sem opções de negociação de preço. Segundo o MP, esse sistema estaria criando no Paraná e demais estados da região sul situações análogas ao trabalho escravo, já que torna os pequenos proprietários rurais reféns das empresas, impede o progresso desses agricultores e os obriga a empregar seus próprios filhos (muitos menores de idade) como mão-de-obra a fim de honrar com as dívidas contraídas no início da safra.
Muito se discutiu sobre alternativas para modificar essa situação, mas, com exceção de esporádicas visitas de fiscais do Ministério do Trabalho e das ações e denúncias do Ministério Público, pouco se fez para criar condições para que o pequeno agricultor possa ver-se livre dessa cadeia de exploração que tanto tem desestruturado as suas famílias e colocado em risco a saúde de suas crianças.
Contexto Ampliado
As primeiras denúncias sobre a exploração do trabalho infantil na colheita e seleção de folhas de fumo, no sul paranaense, se deram em dezembro de 2007, por ocasião da entrada, por parte do Ministério Público Paranaense, de ações na justiça contra seis empresas fumageiras. Segundo o Ministério Público, são essas empresas as grandes beneficiadas pelo trabalho infantil, na medida em que é seu sistema de negociação com os pequenos fumicultores que os obriga a empregar crianças e adolescentes (geralmente seus próprios filhos, com idades entre 5 e 12 anos) durante toda a safra, pois as dívidas contraídas e o baixo preço pago pelo produto final os impediria de contratar ajudantes.
Esse trabalho concorreria para o baixo desempenho das crianças na escola, na medida em que as obriga a exercer uma dupla jornada (na escola e no campo), além de sujeitá-las a contrair diversas doenças ocupacionais, agudas ou crônicas. O mais preocupante é que, de acordo com o pesquisador da Universidade de Brasília (UNB), Guilherme Eidt, crianças que manejam a folha de fumo apresentam índices de nicotina no organismo compatíveis com uma pessoa fumante. O que significa que a atividade pode estar comprometendo não somente sua saúde atual, mas também propiciando o surgimento de doenças graves no futuro, como doenças pulmonares, enfisema, diversos tipos de câncer e outras complicações ligadas ao tabagismo.
Em maio de 2008, o noticiário do Paraná TV, programa jornalístico transmitido pela TV Paranaense (afiliada da Rede Globo no Paraná e parte do Grupo RPC, que incluí além da emissora os jornais Gazeta do Povo, Folha de Londrina e uma rádio), divulgou as ações do Ministério Público e repercutiu local e nacionalmente a situação em que essas crianças se encontravam. Tal repercussão deu origem a uma série de ações que trouxeram a questão para o debate público na mídia local e nacional e deram origem a algumas tentativas de solucionar o problema.
A primeira conseqüência dessas ações foi uma audiência pública realizada no Senado Federal, em Brasília, promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH). O requerimento para a realização do debate foi de autoria do senador Flávio Arns (PT-PR), e a audiência pública contou com as participações de representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA), do Trabalho e Emprego (MTE) e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Durante a audiência, a procuradora Margaret Matos de Carvalho (MPT-PR) confirmou as denúncias veiculadas pela Rede Paranaense de Comunicação (RPC). Além disso, disse que milhares de menores são usados nas lavouras, tanto no Paraná quanto no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina. A procuradora também acusou a indústria do fumo de praticar ?endividamento crescente? das famílias plantadoras, mantendo esses fumicultores em ?situação de servidão?, pois fornece aos agricultores os produtos necessários para o cultivo. Ela sugeriu ainda que os ministérios convidados para a audiência promovessem diligências para fiscalizar as regiões produtoras de fumo. Somente o Ministério do Trabalho e Emprego (TEM) se comprometeu a realizar fiscalização na região.
Também ficou decidido que seria constituído um grupo de trabalho para discutir o assunto, precedendo uma nova audiência pública que deve ocorrer nos dois meses seguintes. O senador Flávio Arns cobrou do Governo Federal a criação de uma política pública para colocar em prática o acordo internacional que prevê medidas de restrição ao fumo, do qual o Brasil é signatário.
A audiência contou também com a presença do presidente do Sindicato da Indústria do Fumo (Sindifumo), Iro Schünke, que alegou que os preços foram acertados entre as indústrias e a associação dos produtores. Afirmou também que as empresas ?fazem sua parte?, tentando conscientizar os produtores para que não utilizem trabalho infantil, mas que as empresas não têm ?poder de polícia?, responsabilizando os diversos níveis de governo pela falta de fiscalização.
Em agosto de 2008, as lutas contra o trabalho infantil nas lavouras de fumo ganharam força com a instalação do Fórum Permanente da Cultura do Tabaco no Paraná, criado em 21 de agosto, no encerramento do Fórum para a Diversificação das Propriedades que Cultivam Tabaco, no campus da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), em Irati. O Fórum Permanente foi criado para centralizar as políticas públicas para combater a presença de crianças e adolescentes nas plantações de fumo.
A questão foi novamente debatida durante seminário realizado na Superintendência Regional do Trabalho, em Curitiba, que contou com a participação do vice-presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Heitor Petry, do representante da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Renato Mendes, e da Procuradora Regional do Trabalho, Margaret de Carvalho. Durante o seminário houve consenso entre os debatedores sobre a necessidade de se eliminar possíveis abusos na cadeia produtiva do tabaco e da urgência de se combater o trabalho infantil nessas lavouras. Contudo, a forma de como se fazer isso causou acaloradas discussões.
Em janeiro de 2009, o Ministério Público do Trabalho (MPT) nos estados do Paraná e de Santa Catarina ajuizou nova ação civil pública contra 11 indústrias fumageiras. Essas ações ainda não foram julgadas pela justiça do trabalho e, apesar dos muitos debates sobre a situação, ainda não se têm notícia de ações efetivas para solucionar a questão.
Última atualização em: 06 de dezembro de 2009
Fontes
AGÊNCIA BRASIL. Ministério do Trabalho vai fiscalizar lavouras de fumo. Disponível em: http://www.prt9.mpt.gov.br/clipping_de_noticias/030708_mp3.html. Acesso em: 13 jan. 2009.
___________. Indústrias negam incentivar trabalho infantil nas plantações de fumo. Disponível em: http://www.prt9.mpt.gov.br/clipping_de_noticias/030708_mp2.html. Acesso em: 13 jan. 2009
AGROLINE. Indústria do fumo explora trabalho infantil no Sul. Disponível em: http://www.agronline.com.br/agronoticias/noticia.php?id=4593. Acesso em: 13 jan. 2009.
GAZETA DO POVO. 80 mil crianças e adolescentes trabalham nas lavouras de fumo no Paraná. Disponível em: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=767550&tit=80-mil-criancas-e-adolescentes-trabalham-nas-lavouras-de-fumo-no-Parana. Acesso em: 13 jan. 2009.
___________. Fórum discutirá eliminação do trabalho infantil. Disponível em: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=800573&tit=Forum-discutira-eliminacao-do-trabalho-infantil. Acesso em: 13 jan. 2009.
___________. Fumageiros mostram força . Disponível em: http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=782942. Acesso em: 13 jan. 2009.
JORNAL DO COMÉRCIO. Tirar crianças da lavoura de fumo exige recursos. Disponível em: http://www.prt9.mpt.gov.br/clipping_de_noticias/211008_fumorecursos.html. Acesso em: 13 jan. 2009.
JORNALE. Senado vai discutir trabalho infantil na lavoura de fumo do Paraná. Disponível em: http://jornale.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=11728&Itemid=56. Acesso em: 13 jan. 2009.
PORTAL ECODEBATE. Procuradora do Trabalho confirma denúncias sobre trabalho infantil nas lavouras de fumo. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2008/07/03/procuradora-do-trabalho-confirma-denuncias-sobre-trabalho-infantil-nas-lavouras-de-fumo/. Acesso em: 13 jan. 2009.