PR – Comunidade Vila Nova Costeira segue sem informações sobre remoção para construção da terceira pista de aeroporto

UF: PR

Município Atingido: São José dos Pinhais (PR)

Outros Municípios: São José dos Pinhais (PR)

População: Comunidades urbanas

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Especulação imobiliária, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos

Impactos Socioambientais: Favelização, Poluição sonora

Danos à Saúde: Piora na qualidade de vida

Síntese

A comunidade Vila Nova Costeira está localizada ao lado do Aeroporto Internacional Afonso Pena, no município São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, Paraná. São cerca de 340 famílias que, em 1992, foram alocadas no terreno pela Prefeitura depois de terem sido removidas de uma área de risco onde fora realizada a obra de construção do Canal Extravasor do Rio Iguaçu. À época, receberam do governo municipal uma autorização precária de ocupação, com a promessa de que, em até cinco anos, receberiam o título oficial de propriedade dos terrenos.

As famílias, com recursos próprios, investiram na construção de suas casas e em obras de infraestrutura básica, como calçamento de ruas e iluminação pública, uma vez que a prefeitura não executou estes serviços. No entanto, sua posse nunca foi regularizada oficialmente.

Desde 2011, a comunidade está ameaçada de remoção devido às obras de construção da terceira pista de pouso e decolagens do aeroporto. Este projeto existe para o local há quase uma década, e a possibilidade de que saísse do campo das ideias aconteceu quando o município de Curitiba foi indicado como cidade-sede de jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014.

Devido aos jogos que serão realizados na cidade e ao aumento do fluxo de turistas na região, o aeroporto precisará passar por muitas reformas em sua estrutura, inclusive a construção da nova pista. O projeto, de responsabilidade da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), foi incluído no Programa de Aceleração do Crescimento II (PAC 2), sendo, portanto, da União a responsabilidade sobre a maior parte dos recursos necessários à sua execução.

As cerca de 1.000 pessoas que hoje compõem as famílias da comunidade Nova Costeira não foram devidamente consultadas sobre o projeto e não têm obtido informações precisas dos órgãos públicos sobre a proposta de remoção. Elas vivem em uma situação de extrema insegurança por não saber se receberão indenizações e se, em caso positivo, serão suficientes para adquirir uma nova moradia digna.

Para o Comitê Popular da Copa de Curitiba, que desde 2012 acompanha de perto o conflito e auxilia jurídica e socialmente as famílias, o caso da Nova Costeira é uma típica violação dos direitos humanos: a saber, os direitos à moradia digna e de acesso à informação. É uma violação ao “direito à cidade e à função social da propriedade, bem como a sistemática violação de direitos da população fragilizada nos contextos de megaeventos”, que acontece também em outras cidades do país, como Rio de Janeiro e Fortaleza, por exemplo.

O Projeto básico da obra ainda não foi tornado público pela INFRAERO; no entanto, ações de medição das casas da comunidade já foram executadas sem que maiores informações fossem passadas aos moradores.

Contexto Ampliado

O município de São José dos Pinhais, Região Metropolitana de Curitiba, Paraná, abriga o Aeroporto Internacional Afonso Pena, principal terminal aéreo do estado. Como algumas outras capitais do país, Curitiba irá sediar jogos da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, que acontece no Brasil em junho de 2014. Para adequar os aeroportos brasileiros aos padrões internacionais e garantir a capacidade de atendimento ao aumento do número de voos, obras de infraestrutura estão sendo realizadas em diferentes regiões do país.

As obras no Aeroporto Internacional Afonso Pena são para a ampliação do terminal de passageiros e para construção da terceira pista de pousos e decolagens. De acordo com o Dossiê do Comitê Popular da Copa de Curitiba, este é um projeto que já existe no governo estadual há três décadas e está, atualmente, incluído no financiamento com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2). As obras atingirão diretamente a comunidade Vila Nova Costeira, localizada ao lado do aeroporto, que será desapropriada.

Vila Nova Costeira abriga cerca de 340 famílias desde o início da década de 1990. A comunidade surgiu a partir de um grupo de famílias que recebeu autorização precária da prefeitura local pra ocupar o terreno público ao lado do aeroporto, em outubro de 1992. Segundo o jornal Gazeta do Povo, as famílias tiveram um prazo de três meses, após a ocupação, para erguer pelo menos os alicerces das casas, e assim o fizeram. Dentre as famílias enviadas para a área, havia aquelas que estavam na fila da moradia popular no município, outras que foram removidas do Bairro Costeira devido às obras de construção do Canal Extravasor do Rio Iguaçu, e ainda, segundo o jornal, um terceiro grupo que invadiu parte do terreno.

A realocação dos moradores de Costeira para a área onde hoje se encontra a comunidade Vila Nova Costeira, segundo o Comitê Popular da Copa, foi uma iniciativa da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (COMEC) com participação do governo municipal, com atos administrativos especificamente para o caso.

A promessa do governo municipal, na época, foi de que em até cinco anos estas famílias receberiam a posse oficial do terreno. O documento nunca chegou, mas as contas de luz e água vêm todo mês, religiosamente afirmavam à reportagem.

Além do documento de posse precária, emitido às famílias em 1992, mais recentemente foi publicado o Decreto Municipal n˚ 2.347, de primeiro de setembro de 2008, que demarcou a área como Zona Especial de Interesse Social, a ZEIS Costeirinha. Com base neste decreto e no tempo de consolidação da comunidade, a prefeitura deu início, ainda em 2008, ao processo formal de regularização fundiária.

Segundo o Comitê Popular da Copa de Curitiba, havia um quadro de certa regularidade, o que conferiu segurança às famílias de investirem dinheiro próprio em obras de saneamento, pavimentação de ruas e iluminação pública, dentre outros itens de infraestrutura mínima que não foram disponibilizados pela prefeitura, que apenas nomeou ruas e numerou casas. Analisando o conflito, o Comitê entendeu que há o desrespeito à ordem urbanística que qualifica a área para fins de implantação de habitação social e frontal ofensa ao direito à moradia.

Roseli Reinaldi, moradora da comunidade há mais de 20 anos, afirmou que, quando a ocupação teve início, o local não contava com nenhuma infraestrutura básica e que vivam em meio a muita lama. Passados 20 anos, a vila está bem estruturada, com casas de alvenaria, calçada e meio-fio. Tudo o que foi construído pela luta dos moradores está ameaçado pelas obras de ampliação do aeroporto.

Sem a posse dos terrenos, os moradores não têm segurança de que receberão indenização por suas casas ou que serão realocados em outro bairro. Roseli Reinaldi contou que ela própria assentou os tijolos para construir sua casa; hoje, aposentada por invalidez, teme não conseguir fazer o mesmo: Na época que a gente veio para cá, tínhamos saúde para começar tudo do zero. Agora não temos mais.

O projeto de ampliação do aeroporto é da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO). Outras etapas, como as das obras de ampliação do terminal de passageiros, tiveram editais de contratação publicados ainda em 2009. Para a construção da terceira pista, a INFRAERO contratou a empresa IQS Engenharia para realizar os estudos básicos, com prazo de entrega para dezembro de 2013. Somente após esta etapa poderiam ser realizados os projetos básico e executivo, bem como dar início aos procedimentos de licenciamento ambiental.

Para viabilizar o projeto, cujo valor estimado na época era de R$ 220.000.000,00, foi assinado um Termo de Cooperação Técnica (N˚ n. 001-SBCT-2010) entre Governo do Estado, INFRAERO e Prefeitura de São José dos Pinhais, em fevereiro de 2010.

Segundo a ONG Terra de Direitos, o poder público e as entidades responsáveis pela construção afirmaram que a terceira pista não guardaria relação com a Copa do Mundo. No entanto, como já mencionamos, o projeto está no quadro de ações PAC 2, resultado da mobilização do poder público com relação ao megaevento. Para a Terra de Direitos, fica claro que a Copa do Mundo 2014 é um fator acelerador das obras de infraestrutura do aeroporto e, consequentemente, das remoções.

O secretário de Estado de Infraestrutura e Logística, José Richa Filho, sobrevoou a região do aeroporto no dia 17 de fevereiro de 2011 e, segundo a Agência de Notícias do Paraná, órgão de imprensa do governo estadual, afirmou que: É dever do Estado dar atenção a todos os modais de transportes e, com a proximidade da Copa do Mundo, estabelecer contatos com os órgãos federais envolvidos com a administração dos terminais aéreos para buscar soluções rápidas para o setor, confirmando a relação direta entre as obras e o megaevento.

Neste momento, o governo do estado, a pedido da INFRAERO já havia realizado o levantamento da área a ser desapropriada. De acordo com a Agência de Notícias do Paraná, foram cadastrados 242 lotes, onze deles sem construções, nove com barracões e um com ginásio de esportes. Os demais terrenos abrigam 321 casas, em uma área que abrange sete bairros de São José dos Pinhais: Jardim Suíça, Vila Quississana, Nova Costeira, Costeirinha, Vila Fontes, Rio Pequeno e Bairro Jurem.

Para que esta área seja desapropriada e repassada ao poder público, segundo a Gazeta do Povo, estava previsto um custo de R$ 80 milhões. No entanto, em fevereiro, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (SEIL) contava com apenas R$ 10 milhões.

Seguindo o cronograma de negociações entre as partes envolvidas no Termo de Cooperação Técnica firmado em 2010, o Governador do Estado do Paraná, Beto Richa, assinou o Decreto n˚ n.3.409/2011, em nove de novembro de 2011, declarando, como de utilidade pública para desapropriação, uma área de 751,5 mil metros quadrados no entorno do aeroporto, com vistas a garantir a ampliação do terminal e a implantação da terceira pista de pousos e decolagens.

Diante deste cenário, o secretário municipal de urbanismo, Marcelo Ferraz Cesar, demonstrou preocupação em declaração ao jornal: A gente tem uma expectativa junto à população, então é importante que se consolide logo para resolver os problemas habitacionais e de mobilidade, disse.

As demais áreas a serem afetadas pela ampliação do aeroporto incluem outras comunidades e algumas indústrias, todas com posse dos terrenos. Vila Nova Costeira é a única que não está regularizada. Segundo Leandro Franklin Gorsdof, coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que presta assessoria para as famílias, a área teve também uma grande valorização imobiliária, o que encareceu a desapropriação. O advogado explicou que a principal reivindicação da comunidade é a segurança da legalidade da posse, uma garantia para todos os moradores.

Para isto, as famílias estão tentando negociar com a prefeitura o pedido de posse através da cocessão de uso especial para fins de moradia(CUEM), instrumento para fins de moradia da terra pública. Para o advogado, a lógica do pedido está no fato de que, se a prefeitura não usou o terreno e autorizou há 20 anos a instalação da comunidade, eles têm sim a posse da terra. O objetivo é garantir um título igual para todos terem o direito de negociar, explicou.

Apesar da tentativa da comunidade, o diálogo com todas as esferas do poder público não tem sido fácil. Em entrevista à Radio Mais, Roseli Reinaldi e José Lino, representantes da Comissão de Moradores da Vila Nova Costeira, reclamaram da falta de informação para a comunidade sobre o seu futuro, pois não há definição sobre se serão ou não removidos.

O ano de 2012 marcou o fortalecimento das ações de resistência da comunidade e a intensificação do envolvimento do Comitê Popular da Copa de Curitiba (CPC) no conflito, apoiando os moradores com auxílio jurídico e social. De acordo com o Dossiê de violações dos direitos humanos produzido pelo Comitê, as ações começaram com a realização de assembleias com vistas a mobilizar a comunidade e agilizar a organização de uma comissão de moradores.

Dentre as ações desenvolvidas pela comunidade com o apoio do CPC destacaram-se: mobilização pela regularização fundiária por meio da CUEM e organização da documentação; divulgação com carro de som e panfletagem sobre o caso da comunidade em diferentes espaços da cidade; entrevistas com moradores para publicação em jornais de grande circulação.

Além disso, o CPC colaborou juridicamente com os moradores para tentar obter informações junto ao poder público. Segundo o Dossiê publicado pelo Comitê, foram várias as tentativas de obter dados, como por exemplo, um pedido de acesso à informação realizado através do site do governo federal com a remessa do Ofício n˚ 01/2012. O mesmo ofício também foi enviado à COMEC e à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística (SEIL), para o qual a SEIL respondeu por meio do Ofício n˚ 699/GS de 2012. No entanto, o Comitê afirmou que todas as respostas enviadas pelos referidos órgãos e entidades não traziam informações esclarecedoras sobre os efeitos das desapropriações e das obras.

O conflito da comunidade com a INFRAERO e o governo estadual ganhou espaço na rede de televisão estadual quando, em 20 de junho de 2012, foi ao ar uma reportagem no telejornal do Grupo RIC Paraná, Notícias do Paraná, que registrou a situação dos moradores. Dona Mercedes Pugliari, moradora da comunidade há 21 anos, falou sobre a falta de informação com relação à possível remoção:

A gente vai ter que sair daqui, só que não se sabe pra onde, quando, como vai ser essa indenização, quem é que vai indenizar a gente. Perder a gente não pode, porque tudo que a gente tem está aqui. […] A gente espera que alguém tome uma decisão e venha aqui e fale alguma coisa concreta, porque de promessa e conversa a gente já está satisfeito.

Na mesma reportagem, também foi ouvido o advogado Leandro Franklin, do CPC, que afirmou que o processo estava sendo levado com total descaso junto a estas famílias deste projeto; se apoia uma visão apenas técnica e burocrática dessas obras, não imaginando os impactos sociais e humanos a essas famílias.

Em agosto de 2012, a pesquisadora Fernanda Keiko Ikuta, professora no departamento de Geografia da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO) e membro do Comitê Popular da Copa de Curitiba, concedeu entrevista à Agência Pública sobre sua pesquisa, então em andamento, Moradia popular na cidade-modelo em tempos de Copa. Neste trabalho, Fernanda mapeou a cidade de Curitiba e mostrava como as pessoas seriam afetadas por todas as obras referentes à Copa do Mundo 2014 na cidade.

A pesquisadora calculou que as remoções deveriam girar em torno de 2.500 famílias em toda a Região Metropolitana de Curitiba. Mas afirmou que o processo de pesquisa foi dificultado pelo poder público, que se negou a dar dados precisos sobre as remoções:

Assim como não há dados oficiais precisos sobre as remoções no país, em Curitiba o poder público também se nega a informar com exatidão as áreas e o número de famílias que pretende remover de suas casas. Sem essas informações em mãos, a população não consegue alavancar um processo de organização e enfrentamento às intervenções urbanas que têm se apresentado de forma arbitrária.

Este é exatamente o caso de Vila Nova Costeira, onde não houve publicização do projeto oficial, e os moradores solicitam ao poder público, sem sucesso, informações precisas sobre quantas e quais famílias serão removidas. O dever do poder público de informar com antecedência às famílias sobre sua remoção não está sendo cumprido. Para a pesquisadora, a desinformação da comunidade, somada aos atrasos no processo administrativo para início das obras, mostram uma estratégia de protelação da intervenção que serve para minar possíveis embates. Ou seja, os impactos maiores, as mudanças maiores na cidade e na vida dos curitibanos, infelizmente, ainda estão por vir e, se depender do poder público, virão sem aviso prévio.

Além da violação do direito à moradia adequada com as remoções que, para Fernanda Ikuta, se encaminham para acontecer de forma forçada, as obras do aeroporto também causarão isolamento dos moradores das outras comunidades do entorno (Quissiasana, Asmovil, Buachak e Jardim Suíça), pois fecharão ruas que fazem a interligação da comunidade aos bairros da região e ao centro da cidade. Somam-se ainda os problemas de saúde relacionados com o aumento do nível de ruído e tremores provocados pelos aviões, que podem intensificar problemas auditivos e de comprometimento da estrutura material das casas.

O Grupo de Trabalho Direito Humano à Moradia Adequada da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República realizou uma série de visitas em comitiva ao longo de 2012 para averiguar denúncias de violações de direitos em várias comunidades no país. Em 24 de setembro, estiveram em São José dos Pinhais para avaliar o conflito da comunidade Nova Costeira.

Além da visita, a comitiva se reuniu tanto com moradores e apoiadores quanto com a Secretaria de Habitação do Município de São José dos Pinhais e com a Superintendência da INFRAERO. Durante a segunda reunião, de acordo com o relatório produzido pela comitiva, os representantes da prefeitura informaram não ter domínio sobre o projeto de ampliação do aeroporto, que seria todo de responsabilidade da INFRAERO e que, alguns dias antes, havia modificado o traçado da pista e ampliando o impacto nas comunidades, ao qual o governo municipal tinha restrições.

Após a visita e a realização das reuniões, os membros da comitiva constataram a situação de violação que aqui já foi exposta, e fizeram recomendações específicas sobre o conflito, em seu relatório final, à INFRAERO, ao Governo do Estado do Paraná e à Prefeitura de São José dos Pinhais:

4º Recomendar à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO), para as obras que afetam as comunidades situadas na área de implantação da nova pista no aeroporto de Curitiba/PR, para reforçar os canais de diálogo e participação e seguir os preceitos da Portaria MCidades nº 317, de 2013, visando adotar os procedimentos necessários à reparação dos danos causados a famílias que necessitam ser deslocadas, restaurando ou melhorando suas condições sociais, de vida e de renda.

5º Recomendar ao Governo do Estado do Paraná e à Prefeitura de São José dos Pinhais/PR reforço dos canais de diálogo e participação e adesão imediata à Portaria nº 317, de 2013, visando adotar os procedimentos necessários à reparação dos danos causados a famílias da área da Nova Costeira que necessitam ser deslocadas em função das obras de ampliação do Aeroporto Internacional Afonso Pena, restaurando ou melhorando suas condições sociais, de vida e de renda, bem como celeridade na oferta das casas que servirão para a realocação de moradores, quando for o caso.

O Ministério Público do Paraná (MP-PR), atento à situação da comunidade, assinou no dia 04 de outubro uma recomendação aos promotores de Justiça do estado que, segundo o Gazeta do Povo, dizia para que ficassem atentos a possíveis violações dos direitos humanos em casos de desocupações forçadas. […] E que cuidem para que os deveres dos governantes sejam cumpridos nas regiões afetadas, especialmente para que as famílias sujeitas a despejos sejam cadastradas e alojadas adequadamente.

Esteve presente na assinatura do documento a arquiteta Raquel Rolnik – professora da Universidade de São Paulo (USP) e relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada -, que, no dia seguinte, visitou diversas comunidades atingidas por obras da Copa do Mundo na Região Metropolitana de Curitiba. As visitas integraram as atividades da I Semana de Cultura e Cidade Metrópolis, evento realizado pelo MP-PR em parceria com o Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Direito UFPR, com o objetivo de debater a situação das comunidades ameaçadas de remoção.

A relatora contou, em entrevista ao Gazeta do Povo, que estuda os casos de violações de direitos relacionados à Copa desde 2008, com o apoio da ONU, e que nunca conseguiu diálogo com a Fédération Internationale de Football Association (FIFA). Raquel mencionou as visitas que já havia realizado em Fortaleza e Rio de Janeiro, onde identificou casos de conflitos semelhantes: a instalação de Veículos Leve Sobre Trilhos (VLT), em Fortaleza, que atinge 20 comunidades; e a Vila Autódromo no Rio de Janeiro, ambos os casos já relatados neste Mapa.

Sobre o caso de Vila Nova Costeira, Raquel afirmou que a violação já acontecia antes mesmo de as obras terem começado:

A primeira grande violação é no direito à informação. As comunidades vão procurar saber o que vai acontecer com elas, qual o projeto, mas não existe. Aí, aparece, um dia, alguém dentro da casa, sem papel nenhum, para dizer ah, isso aqui vai ser desapropriado e você não pode construir mais nada e começa a tirar fotografias. Isso não é a maneira adequada de informar as pessoas. Para a remoção ser legal, sob o ponto de vista dos direitos humanos, ela tem de oferecer às famílias moradia nova igual ou melhor a que ela está. Isso pode se dar por meio de uma compensação financeira ou reassentamento.

Também em outubro de 2012, o CPC realizou uma oficina na comunidade para expor as informações até então obtidas com relação ao pedido administrativo da CUEM. Foram visitadas várias casas para explicar a situação e a estratégia de ação, e colhidos documentos para os pedidos de CUEM, que foram elaborados durante os meses de janeiro e fevereiro de 2013.

A Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET/PR), órgão integrante da Secretaria-Geral da Presidência da República, por meio da Coordenação Geral de Fiscalização de Programas de Governo e de Atos de Pessoal, realizou uma Auditoria Participativa, junto ao Comitê Popular da Copa de Curitiba, a fim de avaliar as atividades desenvolvidas pelo poder público local nos processos e obras referentes à Copa do Mundo de 2014. Os dois auditores, que já passaram também por Natal/RN, Belo Horizonte/MG e Porto Alegre/RS, estiveram entre os dias 18 e 22 de fevereiro de 2013 na região de Curitiba.

A auditoria, além da análise de documentação, realizou visitas às comunidades ameaçadas de remoção na Região Metropolitana de Curitiba, para identificar impactos sociais, possíveis violações de direitos e para colher a percepção da sociedade civil, no âmbito do controle social, sobre como estavam sendo desenvolvidos os procedimentos.

O relatório final da auditoria (entregue em maio de 2013) apresentou uma série de documentos, entrevistas e informações obtidas durante a visita, que confirmaram a violação de direitos, especialmente o do acesso à informação. De acordo com o texto, os moradores relataram viver em situação de insegurança por não saberem se, e quando, serão atingidos, uma vez que não há acesso ao cronograma das obras. Afirmaram também que pessoas com aparelhos de medição e sem identificação visitam a comunidade e não passam qualquer informação.

Através do documento, é possível também ter acesso à fala dos moradores sobre sua situação, que merecem ser reproduzidas na íntegra no presente relato. No documento, eles foram identificados apenas pelas iniciais de seus nomes:

Moro aqui há 21 anos, tenho documento de posse. A Infraero visitou o local, tirou fotos e falou que os moradores terão que sair, e receberão indenização. Isso foi em 2010. Foram à Infraero e não tem informação. Conseguiram reunião com a Prefeitura (Secretarias de Habitação, Obras e Meio Ambiente), mas foi dito que os documentos não dão direito a nada. A maioria tem duas famílias; como morar no apartamento do Minha casa, minha vida? Temos direito adquirido (R.A.R.).

A gente vai até os órgãos públicos e não recebe informações, não sabemos a quem recorrer. Fazem medições na nossa região e não dizem nada. Não posso nem reformar minha casa, se vou ser despedido. Não vamos abrir mão dos nossos direitos (G.B.).

Fazem medições, dizem que são do DNER, mas não dão informações. Eles falam que estão cumprindo ordens. Não temos CEP, não temos correio. Passamos vergonha sempre. A situação é difícil (D.M.).

Nosso município arrecada muito, não temos política/assistência. Ou legaliza ou indeniza. Funcionários da Infraero tiram fotos, medem, mas não dão informação. Não temos asfalto nem esgoto (J.H.C.P.).

Eu tô construindo uma casa de madeira e mandaram eu parar de construir, não sei quem. Disseram que vão indenizar, e eu vou perder o dinheiro que gastei. Vão me dizer: você está despedida. Tô cansada de escutar besteiras da Infraero. Cadê nosso direito? (N.S.).

Em análise de conclusão sobre o conflito de Nova Costeira, a equipe da auditoria concluiu que:

Entendemos que as remoções devem ser previamente discutidas com a população atingida para que participem do processo de planejamento e identificação de alternativas de forma a minimizar os impactos sociais. Ademais, as famílias removidas devem ser reassentadas em lugares mais apropriados que aqueles em que moravam antes, ou seja, com a adequada infraestrutura de educação, saúde, esporte, lazer, dentre outros, constituindo-se assim um plano de legado socioambiental da Copa 2014, que valoriza e protege os direitos humanos.

Durante o mês de março de 2013, foram recolhidos os últimos documentos e assinados todos os pedidos administrativos de CUEM. O processo culminou com o protocolo de 69 pedidos na Prefeitura de São José dos Pinhais no dia 06 de maio, durante reunião oficial entre a Comissão de Moradores e a Prefeitura. Os demais pedidos de CUEM necessários, segundo o CPC, foram elaborados na sequência, mas não há informações sobre a data de protocolo.

A outra estratégia de regularização fundiária estabelecida pelo CPC junto à comunidade foi a construção de um projeto popular alternativo de moradia. Para isto, no dia 29 de junho de 2013, foi realizada uma reunião ampliada na comunidade para a discussão e formulação da proposta.

A mobilização pela estratégia da CUEM prosseguiu com novas reuniões no mês de junho, para esclarecimento dos moradores que ainda não a conheciam.

De acordo com o CPC, a primeira reunião entre representantes de moradores e a prefeitura aconteceu apenas em 13 de setembro de 2013, com a presença do Secretário de Habitação, do Secretário de Urbanismo e do Secretário do Meio Ambiente. A mesma teve como objetivo esclarecer os moradores sobre a desapropriação da área, mas os representantes do poder público presentes informaram que não tinham dados detalhados sobre a obra da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logística e da INFRAERO.

Segundo reportagem do Paraná Online, de 17 de setembro de 2013, até aquele momento, o projeto básico da construção d pista do aeroporto ainda não existia, e seguiam em elaboração os estudos preliminares desenvolvidos pela IQS Engenharia, contratada por R$ 1,5 milhão em licitação no início do ano e cuja previsão de entrega era dezembro. No entanto, não há notícias sobre a entrega do produto.

Uma vez que os estudos preliminares ainda não foram concluídos até fevereiro de 2014, não há mais informações sobre disponibilização de projeto básico, licenciamento ambiental e muito menos da possível remoção das famílias.

Cronologia

Outubro de 1992 – 342 famílias recebem autorização precária da Prefeitura de São José dos Pinhais pra ocupar o terreno público ao lado do Aeroporto Internacional Afonso Pena.

01 de setembro de 2008 – Decreto Municipal n˚ 2.347/2008 demarca a área como Zona Especial de Interesse Social.

2008 – Prefeitura inicia processo formal de regularização fundiária.

Fevereiro de 2010 – Assinado Termo de Cooperação Técnica (N˚ n. 001-SBCT-2010) entre Governo do Estado, INFRAERO e Prefeitura de São José dos Pinhais.

09 de novembro de 2011 – Publicado o Decreto n˚ n.3.409/2011 que declara como de utilidade pública para desapropriação uma área de 751,5 mil metros quadrados no entorno do aeroporto.

24 de setembro de 2012 – Grupo de Trabalho Direito Humano à Moradia Adequada da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República visita a comunidade.

04 de outubro de 2012 – Ministério Público do Paraná (MP-PR) assina recomendação aos promotores de Justiça do estado para que fiquem atentos a possíveis violações dos direitos humanos.

05 de outubro de 2012 – Raquel Rolnik, relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada, visita a comunidade.

Outubro de 2012 – Comitê Popular da Copa de Curitiba realiza oficina na comunidade para expor as informações até então obtidas com relação ao pedido administrativo da CUEM.

Janeiro e fevereiro de 2013 – Elaborados os pedidos de CUEM.

18 a 22 de fevereiro de 2013 – Auditoria Participativa da Secretaria de Controle Interno da Presidência da República (CISET/PR), órgão integrante da Secretaria-Geral da Presidência da República.

Março de 2013 – Nova leva de elaboração de pedidos de CUEM.

06 de maio de 2013 – Protocolo de 69 pedidos de CUEM na Prefeitura de São José dos Pinhais.

29 de junho de 2013 Reunião para discussão e formulação da proposta de regularização fundiária com a construção de um projeto popular alternativo de moradia.

13 de setembro de 2013 – Primeira reunião entre representantes de moradores e a prefeitura.

Fontes

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AGÊNCIA PÚBLICA. Pesquisadora faz mapa da expulsão de moradores por obras da Copa em Curitiba. 07/08/12. Disponível em: http://goo.gl/U80cX3. Acessado em: 31 jan. 2014.

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GAZETA DO POVO. Desalojados pela Copa do Mundo. 08/10/2012. Disponível em: http://goo.gl/bpxznQ. Acessado em: 31 jan. 2014.

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SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Relatório Final do Grupo de Trabalho Direito Humano à Moradia Adequada. Brasília, setembro de 2013. Disponível em: http://goo.gl/HBvEqO. Acessado em: 31 jan. 2014

TERRA DE DIREITOS. Comunidade afetada pela terceira pista do Afonso Pena cobra regularização fundiária. 06/05/13. Disponível em: http://goo.gl/0sRdt1. Acessado em: 31 jan. 2014.

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Filme:

O Céu é NOIZ. Novembro de 2013. Documentário produzido por Carolina Pelegrin de Almeida, Vinícius Torresan e Rafael Matheus para o Trabalho de Conclusão de Curso em Jornalismo da UFPR. Disponível em: http://goo.gl/Gm1MbM. Acessado em: 02 fev. 2014.

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