PR – Comunidade de pescadores artesanais do Maciel luta por território tradicional e por acesso a serviços públicos
UF: PR
Município Atingido: Pontal do Paraná (PR)
População: Pescadores artesanais
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Especulação imobiliária, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Políticas públicas e legislação ambiental
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional, Falta de saneamento básico
Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
A comunidade de pescadores e pescadoras artesanais do Maciel, residente no município de Pontal do Paraná/PR, habita seu território tradicional há mais de 200 anos. A Lei Estadual 249/1949 concedeu ao poder executivo municipal o domínio sobre terras ditas devolutas que eles tradicionalmente exploravam, e que em 1951 foram doadas à Empresa Balneária Pontal do Sul S/A (Parecer Jurídico Maciel, 2016, p. 15-16).
Desde então as pressões da empresa Balneária Sul sobre as famílias se intensificaram, uma vez que ela foi juridicamente reconhecida pelo Estado como proprietária das terras, ao mesmo tempo em que o poder público ignorou a ocupação tradicional daquelas áreas pela comunidade.
Essa relação sempre conflituosa entre empresa e pescadores/as se agravou a partir de 1995 com a proposta de instalação de um porto privado sob administração da Porto Pontal Paraná Importação e Exportação Ltda, que visualizava uma oportunidade de expandir suas atividades econômicas no município (AMB, 2009; GOES, 2014).
Além da insegurança jurídica em relação ao seu território tradicional, as condições de vida e saúde das famílias sofrem com o abandono ou fechamento de serviços públicos municipais (escola pública e posto de saúde), uma vez que a Prefeitura de Pontal do Paraná considera a comunidade em vias de extinção.
Essa postura do poder público em relação aos pescadores/as de Maciel fica mais visível a partir de 2004, quando a Prefeitura passa a revisar periodicamente o Plano Diretor municipal, alterando a destinação daquela área e invisibilizando a comunidade numa perspectiva institucional, o que se reflete tanto nos diagnósticos como no zoneamento (Ação de Investigação Judicial Eleitoral, 2016).
Em 2005, a comunidade recebeu oficiais da Aeronáutica do Brasil que notificaram a desapropriação das casas em 20 dias, motivo pelo qual muitos moradores ficaram com medo e foram embora. A atuação da Aeronáutica ocorreu após a Empresa Balneária Sul doar parte das terras, a partir de Escritura de Doação datada de 1954, para o Ministério da Aeronáutica. As terras deveriam ser destinadas para a construção de um aeroporto; contudo, em 2011, foi realizada a reversão da área para a empresa doadora Balneária Sul. Com a intensificação dos processos de violações de direitos, o território que antes era ocupado livremente pela comunidade passa a ganhar cercas, dividindo-o entre as terras privadas (Empresa Balneária) e as terras da União (terrenos da Marinha).
A forma como o processo de licenciamento ambiental do empreendimento tem sido conduzido também é um fator de vulnerabilização socioambiental da comunidade. Isso porque, apesar de não ter sido realizada consulta prévia, livre e informada em face dos empreendimentos, mesmo assim, em 2015 foi concedida pelo IBAMA a Licença de Instalação do Porto e, em 2016, foi realizado o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE- Litoral), que define o território do Maciel como “Zona de Desenvolvimento Diferenciado”. No mesmo ano, o poder público aprovou o Decreto Municipal 5532/2016 que, em seu art° 3, abriu precedentes para a remoção da comunidade.
Atualmente, os empreendimentos previstos para o território encontram-se em espera devido a uma condicionante que requer a construção de uma nova faixa rodoviária para o tráfego de caminhões. Em contrapartida, a comunidade, desde 2016, tem se articulado junto ao Ministério Público do Estado do Paraná e com pesquisadoras/es da Universidade Federal do Paraná (UFPR- Setor Litoral) no processo de luta pelo território.
Contexto Ampliado
A comunidade tradicional de pescadores/as artesanais do Maciel habita o território ancestral (Secretária de Cultura, 2016) situado no município de Pontal do Paraná há quase dois séculos, possivelmente mais (LIMA, 2006, p. 23). A comunidade está localizada no Balneário Pontal do Sul, numa faixa marinha em constante relação com a Baía de Paranaguá e dentro do bioma Mata Atlântica, cujo acesso se dá apenas por via marítima.
Atualmente, a comunidade possui em torno de 94 moradores e 51 casas, sendo que apenas 42 são utilizadas de forma permanente (MPE/PR, 2016, p. 11-12). A pesca artesanal é sua principal atividade socioeconômica e cultural, porém ainda pratica-se uma incipiente agricultura de subsistência, hoje reduzida devido a diversos episódios de violência e às pressões que a comunidade enfrentou ao longo de sua história.
Segundo Luciana Lima (2006), até a década de 1970 a comunidade praticava roças de mandioca e abacaxi manejadas através do sistema de pousio, suficientemente abundantes para permitir a realização de comerciais; as roças de subsistência, a coleta de frutos silvestres e o manejo de árvores frutíferas nas proximidades das casas ajudavam as famílias a complementarem sua alimentação e renda. Contudo, da década de 1970 em diante, as famílias da comunidade passaram a enfrentar dificuldades para manter as roças e realizar a coleta devido à pressão exercida pela Empresa Balneária Pontal do Sul S/A. Com isso, a agricultura tornou-se restrita à subsistência e, atualmente, as roças estão praticamente em extinção.
É nesse contexto de injustiças ambientais que configura-se no município um cenário de disputa territorial que se agravou devido ao projeto de instalação de um complexo industrial e portuário estadual, que visa atender às necessidades das empresas envolvidas na exploração do pré-sal brasileiro, bem como aproveitar as oportunidades para exportação de commodities. O Complexo Industrial e Portuário em Pontal do Paraná tem como principal empreendimento a construção do Terminal de Contêineres de Pontal do Paraná (TCPP), e seria operado sob co-responsabilidade das empresas Subsea7 do Brasil, Melport Terminais Marítimos, Construtora Norberto Odebrecht S/A e Techint Engenharia e Construção S/A.
Segundo Jean Jesus da Silva (2015), a Techint é uma multinacional que atua em países da América Latina e Europa, capaz de construir plataformas fixas para permitir a atracação de navios com capacidade de realizar extração, processamento e armazenagem de petróleo no pré-sal.
O empreendimento da Melport previa a implementação e operação de um terminal portuário, incluindo um armazém para granéis, líquidos químicos e inflamáveis, cargas em geral, pátio de contêineres e estrutura administrativa.
A Subsea7, empresa multinacional norueguesa, propôs a instalação de uma “unidade voltada à montagem e embarque de dutos submarinos, os quais são utilizados na prospecção e exploração de petróleo e gás na costa brasileira” (SILVA, 2015).
Já o TCPP, de responsabilidade da Porto Pontal Paraná Importação e Exportação Ltda, previa a construção de um terminal para armazenagem e logística de cargas.
Para que a função econômica do empreendimento se concretizasse, o poder público foi exercendo manobras por meio de aprovações de leis e alterações em instrumentos de ordem pública, como o Plano Diretor, numa atualização de um histórico de violações envolvendo a comunidade que se inicia em meados do século XX.
Os impactos negativos da atuação estatal sobre o território da comunidade de Maciel remontam a 1949, quando foi aprovada a Lei Estadual 249/1949, que autorizou ao poder executivo estadual a cessão, gratuitamente, de terras ditas devolutas localizadas em Pontal do Sul à prefeitura local. Mais tarde, o poder público municipal de Paranaguá (que antes abrangia em sua divisão político-administrativa o Balneário Pontal do Sul e todo o território de Pontal do Paraná, emancipado apenas em 1995) doa as terras já ocupadas pela comunidade à Empresa Balneária Pontal do Sul S/A, de João Carlos Ribeiro. Com isso, o território tradicionalmente ocupado pela comunidade tradicional do Maciel passa a estar sobre terras reconhecidas pelo Estado como particulares. Desde então, o acesso às terras privatizadas passou a ser vetado, e até hoje a comunidade está restrita a uma pequena porção de faixa marinha pertencente à União (MPE/PR, 2016).
Em 1995, o mesmo João Carlos Ribeiro propôs a instalação do empreendimento denominado Terminal de Contêineres de Pontal do Paraná (TCPP) naquela área, que ficou sob a administração da recém-criada empresa Porto Pontal do Paraná Importação e Exportação, também pertencente ao Grupo JCR.
Entre 1996 e 1998, inicia-se a precarização do acesso à saúde pela comunidade, depois que o posto de saúde que a atendia foi fechado. De acordo com a historiadora Claudia Hoffman (2016), “[…] os moradores mais jovens nem se lembram da existência [do posto de saúde], considerando que faz mais de 20 (vinte) anos que esse benefício lhes foi usurpado”.
Além do direito à saúde, o reconhecimento oficial da existência da comunidade também tem sido frequentemente ameaçado por decisões administrativas da Prefeitura de Pontal do Paraná. Por exemplo, em 2004, uma 2ª revisão no Plano Diretor realizada pelo poder público municipal excluiu a comunidade do Maciel e sobrepôs um “Setor Especial Portuário” ao território tradicional dos/as pescadores/as durante o rezoneamento da área, atendendo aos interesses das empresas SubSea7, Melport, Techint e Odebrecht que, como salientado anteriormente, pretendiam se instalar no Complexo Industrial e Portuário proposto para o local (MINARI, 2016).
Em meio a esse cenário de invisibilização social e pressões sobre o seu território tradicional, em 2005 a comunidade foi submetida a uma nova ameaça, dessa vez perpetrada por oficiais da Aeronáutica do Brasil. Armados, notificaram as famílias que deveriam desocupar suas casas em 20 dias.
A participação das forças armadas nesse conflito tem sua origem numa disputa com a comunidade que já ocorria desde a década de 1950. Em 24 de junho de 1954, a empresa Balneária Pontal do Sul doou parte das terras recebidas da Prefeitura para o Ministério da Aeronáutica, supostamente, com a finalidade de permitir a construção de um aeroporto, o que nunca aconteceu.
Hoffman (2016) relata que, quando os oficiais perceberam que se tratava de uma comunidade tradicional, os mesmos se retiraram. Mas isso foi suficiente para deixar os moradores amedrontados, o que incentivou muitas famílias a se mudarem dali, ante a insegurança jurídica que pairava sobre seu território tradicional.
Em 2011, diante dos reavivamento dos seus interesses naquelas terras e como a escritura previa a devolução da área ao doador em caso da não construção da pista de pouso, a empresa Balneária requereu a reversão das terras para sua propriedade, o que foi autorizado pelo Ministério da Aeronáutica em 2012.
Nesse intervalo entre a intervenção da Aeronáutica e a devolução das terras para a empresa, em 2007, uma nova versão do Plano Diretor atendeu temporariamente às demandas da comunidade, e ela passou a (re)existir oficialmente para a Prefeitura no zoneamento da área chamado “Setor Especial do Maciel”.
Contudo, o reconhecimento formal da existência do território comunitário pela Prefeitura não evitou que os serviços públicos existentes continuassem a se deteriorar. Em 2008, a escola que atendia crianças e adultos do Maciel foi fechada, gerando, até hoje, dificuldades no acesso à educação pública.
Naquele período, o licenciamento ambiental do TCPP, iniciado em 2007, seguia em andamento, mas a empresa responsável ainda tentava obter a Licença de Instalação (LI), sob análise do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Em 2013, o IBAMA estabeleceu como condicionante para assegurar a viabilidade ambiental do empreendimento a construção de uma nova Rodovia. No mesmo ano inicia-se o licenciamento do projeto, denominado Nova Faixa de Infraestrutura, pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP).
A construção da Nova Faixa exigia a instalação de:
1) Rodovia;
2) Canal de Macrodrenagem;
3) Rede de Transmissão Elétrica;
4) Ferrovia;
5) Gasoduto;
6) Tubulação de Água;
7) Tubulação de Esgoto;
sendo oficialmente seu empreendedor o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná (DER). Ou seja, para atender aos interesses do setor privado portuário e industrial foi planejada uma obra pública estadual.
Estava previsto que o termo de referência do empreendimento fosse apreciado inicialmente pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente de Pontal do Paraná; no entanto, este conselho não se posicionou. Portanto, a avaliação de sua viabilidade ambiental ocorreu apenas na esfera estadual, quando o processo foi encaminhado para o Conselho de Desenvolvimento Territorial do Litoral Paranaense (COLIT), que concedeu a Licença Prévia para a implantação da rodovia. Ressalta-se ainda que “a estrada, de aproximadamente 23 quilômetros, integra um projeto para a construção de uma Faixa de Infraestrutura no mesmo traçado” (COLIT, 2017).
Enquanto a rodovia era licenciada, no âmbito municipal uma nova reviravolta ocorria na situação jurídica da comunidade do Maciel. Em 2014, a Prefeitura de Pontal do Paraná realizou mais uma revisão do Plano Diretor municipal e novamente excluiu a comunidade do zoneamento, criando a “Zona Especial Portuária”, sobreposta ao território e revertendo uma conquista que já perdurava por sete anos.
A vulnerabilidade socioambiental e territorial se agravou em 2015, quando o IBAMA concedeu a Licença de Instalação (LI) para o empreendimento Porto Pontal, intensificando as ameaças contra a comunidade. O MPE/PR considerou no ano seguinte que essa decisão não cumpria os preceitos legais previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é país signatário, e que prevê a consulta prévia, livre e informada junto às comunidades e povos tradicionais no processo de licenciamento de quaisquer projetos de desenvolvimento que possam afetar negativamente seus territórios ou modo de vida (Parecer Jurídico/MPE-PR, 2016).
Em 2016, o Instituto de Terras, Cartografia e Geologia do Paraná (ITCG) elaborou, a fim de “nortear ações de desenvolvimento, tanto no setor público quanto no setor privado”, o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) de sete municípios que integram o Litoral Paranaense. Em seu prognóstico, quando refere-se a Pontal do Paraná, define o território tradicionalmente ocupado pela comunidade como “Zona de Desenvolvimento Diferenciado” (ZEE, 2016). Nesse mesmo ano, o poder público municipal aprovou o Decreto 5532/2016, que dispõe sobre a emissão de alvarás de construção e funcionamento no interior da Zona Especial Portuária, reconsiderando no mesmo Decreto a existência da comunidade tradicional do Maciel no território. Entretanto, em seu artigo 3°, abre precedentes para a remoção da comunidade quando salienta:
Havendo impactos socioeconômicos a serem contingenciados, a Secretaria competente para expedição do alvará de construção notificará o requerente, com prazo de 30 (trinta) dias, para apresentar projeto que contemple: I – o dimensionamento dos impactos quanto ao número de famílias atingidas e seus dados de identificação e II – a indicação de área(s) para a realocação das famílias atingidas pelo empreendimento (grifos nossos), (PONTAL DO PARANÁ, 2016).
Com o risco de remoção da comunidade em benefício de empreendimentos privados, a crescente vulnerabilidade socioambiental devido à ausência de garantias territoriais e a negação do acesso a serviços públicos básicos, como os de saúde e educação, a partir de 2016 o Ministério Público do Estado do Paraná (MPE-PR), representado pela Coordenação da Bacia Litorânea e sob atuação da Promotora de Justiça Priscila da Mata Cavalcante, passa a atuar no caso, iniciando a produção de diversos documentos para orientar sua atuação (Relatórios de Visitas Técnicas, Parecer Jurídico e Parecer Histórico e Social da comunidade), bem como a análise dos EIA/RIMAs de alguns empreendimentos que possam afetar o território.
Esta articulação é importante, pois a comunidade se mantém mobilizada em torno da defesa de seu território, do qual não quer se desvincular nem ser reassentada.
A fim de sublinhar os enfrentamentos (diante das ameaças aos direitos sociais, ambientais e territoriais) encaminhados por meio judicial pelo MPE-PR, pela comunidade ou por parceiros na Universidade Federal do Paraná (UFPR), destacaremos, em ordem cronológica, os processos administrativos e judiciais:
– Sobre o Plano Diretor
Em 2015, o MPE-PR ingressou com a Ação Civil Pública (ACP) n° 0003849-52.2015.8.16.0189 a fim de suspender as Leis Complementares aprovadas pelo município devido à alteração e aprovação do Plano Diretor de 2014, que insere a Zona Especial Portuária no zoneamento da área. A ACP deu início a um processo de Ação de Investigação Judicial Eleitoral do ex-prefeito, e candidato na época, Edgar Rossi, em consequência de irregularidades identificadas no Plano Diretor, o qual encontra-se, desde então, liminarmente suspenso;
– Sobre a Nova Faixa de Infraestrutura
Em 2013, após submissão do protocolo de requerimento de licenciamento ambiental ao IAP pelo DER-PR, iniciou-se a abertura de Edital para contratação da empresa de consultoria para o empreendimento, processo que perdurou até 2014, quando a empresa de consultoria Engemin – Engenharia e Geologia Ltda venceu a licitação.
Em novembro de 2016, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) foi enviado ao IAP, que o publicou no Diário Oficial do Paraná, sendo agendada para 23 de janeiro de 2017 uma audiência pública para que o Estudo fosse apreciado pela sociedade civil.
Por esse motivo, em dezembro de 2016, o MPE-PR recebeu uma cópia do mesmo e constatou “graves e patentes inconsistências e omissões tanto no Termo de Referência elaborado pelo IAP, seja no EIA/RIMA”.
Em 16 de janeiro de 2017, o MPE-PR, a pedido dos empreendedores, reuniu-se com os responsáveis (DER, IAP e Procuradoria-Geral do Estado) e expôs sua preocupação com o fato do empreendimento envolver e beneficiar atividades de responsabilidade de pessoas jurídicas de direito privado, “concessionárias dos serviços de saneamento básico, fornecimento de energia elétrica, gás combustível e transporte ferroviário, que entretanto não arcaram com os custos já despendidos”.
Tais questões tornaram-se objeto de medida cautelar pelo MPE-PR, que no dia seguinte expediu Recomendação Administrativa dirigida ao presidente do IAP e entregue à Procuradoria-Geral do Estado, a fim de que fosse adiada a audiência pública prevista para 23 de janeiro.
Na manhã de 20 de janeiro, o MPE-PR foi notificado que a audiência seria mantida. A partir disso, o MPE-PR ajuizou Ação Cautelar; entretanto, devido à discussão judicial, a audiência, ainda que realizada na data agendada, contou com pouca participação da sociedade civil.
Em março de 2017, o MPE-PR entrou com Ação Civil Pública Declaratória. Mesmo com todos esses trâmites, em novembro de 2017 ocorreu apreciação do projeto e votação para concessão de Licença Prévia pelo COLIT. Os membros representativos da Mater Natura, MarBrasil, SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental) e Universidade Federal do Paraná (UFPR) realizaram pedido de vista e, no mesmo momento, o presidente do COLIT aprovou. Algumas horas depois, por interferências de pressões diretas da Procuradoria-Geral do Estado (PGE-PR), a decisão do conselho mudou: o pedido de vista foi cassado e a solicitação de Licença Prévia, concedida por 22 votos a 5.
Após esse episódio, representantes da UFPR no COLIT entraram com um pedido de liminar que assegurou à UFPR, em março de 2018, o direito a vistas ao processo. Após a concessão da liminar realizada pelo Juiz Flávio Antonio da Cruz, da 11° Vara Federal de Curitiba, em meio à disputa judicial o Governo do Estado lançou edital para licitação da Faixa de Infraestrutura.
Em maio de 2018, a UFPR, a Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), a Pontifícia Universidade Católica (PUC) e a Universidade Positivo (UP) entregaram à governadora Cida Borghetti (que assumiu o cargo após o afastamento de Beto Richa devido à sua candidatura para o Senado Federal) um documento com a posição das universidades sobre o complexo portuário em Pontal do Paraná, com considerações sobre a Nova Faixa de Infraestrutura (UFPR, 2018).
Em junho de 2018, o DER-PR suspendeu o edital aberto em março, “sem novo prazo definido para possibilitar esclarecimentos técnicos” (G1, 2018). Em outubro de 2018, o Observatório de Justiça e Conservação conquistou liminar suspendendo a desapropriação de áreas para Faixa de Infraestrutura, com multa diária de 500 mil reais caso o governo desrespeitasse a ordem judicial (Observatório de Justiça e Conservação, 2018).
Em contraponto à ação, em 23 de outubro de 2018 o Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná derrubou a liminar que suspendia a desapropriação de terras (G1 Paraná, 2018).
Até o presente momento, a obra da Nova Faixa de Infraestrutura não se encontra embargada, abrindo precedentes para sua construção e provável instalação do TCPP.
– Sobre a regularização fundiária para comunidade tradicional nas áreas da União
Em 2015, a Coordenadoria da Bacia Litorânea encaminhou à Secretaria do Patrimônio da União (SPU) o ofício n° 116/2015, requerendo o estudo e o cadastramento das famílias da comunidade, bem como a identificação da área do Maciel pertencente à União, entre outras informações pertinentes ao caso. Em resposta, a SPU notificou a ausência de corpo técnico para realizar o cadastramento e a averiguação; no entanto, encaminhou a planta com os limites das áreas da União.
Em 2018, a partir do Trabalho de Conclusão do Curso (TCC) da estudante Erica Vicente Onofre (Gestão Ambiental da UFPR Litoral), buscou-se junto à SPU, ao MPE-PR e à comunidade do Maciel caminhos de regularização fundiária através de instrumentos destinados a populações tradicionais residentes nas áreas da União. O instrumento jurídico utilizado como medida emergencial foi o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), destinado para áreas de União utilizadas por populações tradicionais. O processo de construção para a solicitação do TAUS via SPU foi iniciado em agosto de 2018, após sucessivas reuniões junto à comunidade.
Em 9 de novembro de 2018, o requerimento do TAUS na modalidade coletiva e em favor da comunidade do Maciel para as áreas de União situadas em seu território foi submetido à SPU. O processo ainda se encontra sob análise.
– Sobre as terras particulares da empresa Balneária Sul
Em relação ao caso das terras particulares concedidas para a empresa Balneária Sul através da Lei Estadual 249/1949, cabe mencionar a Ação Judicial Declaratória de Nulidade de Ato Jurídico c/c com legitimação de posse n° 5004948-82.2014.4.04.7008/PR, ajuizada em 2014 e acionada contra a Empresa Balneária Pontal do Sul, o Município de Paranaguá e o Estado do Paraná por dois pescadores artesanais da comunidade, por meio da qual requerem que seja pronunciada a invalidade:
do Título de Domínio Pleno de Terras n° 197, emitido pelo Governo do Paraná; ii) do Contrato de Concessão entabulado entre a Prefeitura de Paranaguá e a Empresa Balneária ré; iii) da Escritura Pública de Transferência celebrada entre a Prefeitura de Paranaguá e a Empresa Balneária Pontal; e iv) das transcrições e matrículas imobiliárias que tiveram como nascedouro os atos anteriores (Parecer Jurídico MPE-PR, 2016).
Em 2015, tal ação judicial foi ratificada, “deferindo parcialmente o pedido de antecipação de tutela para determinar o bloqueio dos imóveis oriundos da transcrição de n° 6624 ainda titularizados pela Empresa Balneária Pontal do Sul”. Na sequência, a Empresa entrou com interposto de Agravo de Instrumento, ao qual foi negado provimento, sendo mantida a decisão da liminar (Parecer Jurídico, 2016).
Em 2016, o MPE-PR realizou um parecer jurídico com o objetivo de “regularização fundiária de comunidade tradicional de pescadores artesanais localizada no Município de Pontal do Paraná”. As recomendações jurídicas foram:
– Criação de uma Reserva Extrativista (RESEX) na área;
– Ação Discriminatória questionando a regularidade de títulos;
– Desapropriação por Interesse Social e a Expedição de título de domínio coletivo e pró-indiviso e da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).
As recomendações ainda não foram colocadas em prática, mas salienta-se que há possíveis caminhos para o conflito territorial envolvendo as terras particulares.
– Dos Ofícios encaminhados pela comunidade
Em 2015, o então representante da comunidade do Maciel, Moacir Cordeiro, encaminhou Ofício à Coordenadoria Regional da Bacia Litorânea em resposta aos Ofícios n. 091/2015 e 120/2015, notificando “a indagação de eventual anuência, esta nunca houve por parte da comunidade para o licenciamento do Porto de Pontal do Paraná”.
Em 2016, uma moradora da comunidade registrou Boletim de Ocorrência em face de ameaça de morte provinda de “capanga” do proprietário da Empresa Balneária Sul.
Entende-se que a proteção do território, além de garantir a subsistência e a reprodução cultural da comunidade – direitos estes garantidos pela Constituição -, assegura a conservação da Mata Atlântica, dos ciclos ecológicos e ambientais.
A atuação das partes interessadas na instalação do complexo industrial e portuário certamente configura violência em forma de ameaças à comunidade. O risco de remoção forçada de seu território frente a conversão do território ancestral em zona portuária e industrial configura situação de injustiça ambiental em que os atores sociais são invisibilizados por processos institucionais que não os reconhecem, além de sofrerem pelo sucateamento de serviços básicos.
Em contrapartida, o Ministério Público vem atuando como importante parceiro nas situações de conflito que assolam a comunidade. A UFPR vem se alinhando aos processos decisórios junto às atuações do MP, buscando o fortalecimento das demandas elencadas pela própria comunidade.
Cabe salientar o envolvimento do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), responsável por desenvolver proposições como a Caminhada da Natureza no território, a emissão das carteiras de pescadores e a implementação do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF na comunidade.
Última atualização: novembro de 2018.
Cronologia
1949: Lei Estadual 249 autoriza Poder Executivo a doar terras ditas devolutas.
1951: Realizada escritura pública transferindo terras para a empresa Balneária Sul.
1995: Fundação da Empresa Porto Pontal Importação e Exportação.
1996 – 1998: Fechamento do Posto de Saúde.
2004: 3° versão do Plano Diretor cria “Setor Especial Portuário” no território da comunidade, e a invisibiliza no diagnóstico.
2005: Oficiais da Aeronáutica pressionam comunidade para que saia de seu território tradicional. O objetivo da pressão é parcialmente alcançado.
2007: Nova versão do Plano Diretor reconsidera a existência da comunidade e cria o “Setor Especial Maciel”.
2008: Escola que atende à comunidade é fechada.
2013: Inicia-se o licenciamento da condicionante representada pela “Nova Faixa de Infraestrutura” do empreendimento Porto Pontal.
2014: Nova versão do Plano Diretor exclui a comunidade do zoneamento sobrepondo uma “Zona Especial Portuária” ao território pesqueiro.
2014: Dois moradores da comunidade entram com Ação Judicial Declaratória de Nulidade de Ato Jurídico c/c com legitimação de posse acionada contra a Empresa Balneária Pontal do Sul, e contra o Município de Paranaguá e o Estado do Paraná.
2015: Ação Judicial Declaratória de Nulidade de Ato Jurídico c/c com legitimação de posse é concedida parcialmente pelo Juízo Estadual.
2015: IBAMA concede Licença de Instalação (LI) do empreendimento Porto Pontal.
2015: MPE-PR suspende versão do Plano Diretor de 2014.
2015: Comunidade envia ofício ao MP notificando que não houve anuência por parte da comunidade em relação ao licenciamento ambiental do Porto Pontal.
2016: Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do litoral do Paraná realiza prognóstico sobrepondo o território do Maciel a uma “Zona de Desenvolvimento Diferenciado”.
2016: Moradora da comunidade registra B.O em face de ameaça de morte provinda de “capanga” vinculado à empresa Balneária Sul.
2016: Decreto Municipal 5532/2016 estabelece condições para emissão de alvarás e, no art. 3°, abre precedentes para remoção da comunidade.
2016: MPE-PR realiza Parecer Jurídico com o objeto “regularização fundiária de comunidade tradicional de pescadores artesanais localizada no Município de Pontal do Paraná”.
2016: Submissão ao IAP do EIA/RIMA da Nova Faixa de Infraestrutura elaborado pela empresa de consultoria ENGEMIN.
2017: Tentativa de adiamento da audiência pública proposta pelo MPE-PR por meio de Recomendação Administrativa, a qual foi negada.
2017: Audiência Pública com os membros do COLIT para apreciação do projeto da Nova Faixa de Infraestrutura. O projeto é aprovado com 22 votos a favor e 5 contrários
2017: UFPR com representação no COLIT entra com liminar que assegura o pedido de vistas ao processo de licença ambiental prévia para o empreendimento.
2018: Juiz concede a liminar para UFPR.
2018: Governo do Estado, representado pelo ex-governador Beto Richa, lança edital para licitação da Faixa de Infraestrutura.
2018: UFPR, UTFPR, PUC e UP entregam à governadora Cida Borghetti documento com a posição das universidades sobre o complexo portuário em Pontal do Paraná.
Junho de 2018: DER-PR suspende edital de abertura da licitação para construção da Nova Faixa de Infraestrutura.
Outubro de 2018: Observatório de Justiça e Conservação consegue liminar que barra as desapropriações para construção da Nova Faixa de Infraestrutura. No mesmo mês o Desembargador do TJ-PR derruba a liminar.
Novembro de 2018: Projeto de pesquisa vinculado a estudante da UFPR Litoral propõe instrumento jurídico para as áreas de marinha que a comunidade ocupa. Requerimento é submetido a SPU e se encontra na fase de análise técnica.
Fontes
ALMEIDA, A. C. B. Relatório de Visita Técnica. 2016. Disponível em: https://bit.ly/2KWs349. Acesso em: 10 fev. 2018.
AMB PLANEJAMENTO AMBIENTAL. Relatório de Impacto Ambiental – RIMA do Terminal Portuário localizado no município de Pontal do Paraná, PR. 20 mar. 2009. Disponível em: https://bit.ly/2UPj1ud. Acesso em: 06 dez. 2018.
BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral. Liminar Ação de Investigação Judicial Eleitoral Autos n° 421-78.2016. 616. 0194 – AIJE. Matinhos, 2016.
CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO LITORAL PARANAENSE. Governo libera licença prévia para nova estrada no Litoral. Novembro/2017. Disponível em: https://bit.ly/2Pr3LOj. Acesso em: out. 2018.
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