PR – Acampamento Primeiros Passos, do MLST: ataques de milícias e lutas internas pelo poder causam violências, mortes e enfraquecem o movimento

UF: PR

Município Atingido: Cascavel (PR)

Outros Municípios: Cascavel (PR)

População: Trabalhadores rurais sem terra

Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional

Danos à Saúde: Falta de atendimento médico, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça, Violência – assassinato

Síntese

O Acampamento Primeiros Passos está localizado no trecho da BR-369 que liga Cascavel a Corbélia, próximo à Fazenda Bom Sucesso. A fazenda é reivindicada pelos militantes do Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) para fins de reforma agrária. As mais de mil famílias do acampamento convivem há cerca de três anos com a falta de infraestrutura do local, o descaso dos governos estadual e federal e a violência dos grandes proprietários de terra da região, que se opõem a qualquer tipo de redistribuição de terras ou formação de assentamentos na região. O proprietário da Fazenda Bom Sucesso obteve o apoio da Sociedade Rural do Oeste (SRO), Sindicatos Rurais Patronais de Cascavel e Corbélia, Associação Comercial e Industrial de Cascavel e Associação das Micro e Pequenas Empresas do Oeste. Todos apoiam as ações de reintegração de terras promovidas pelo atual proprietário da fazenda, e as denúncias dos movimentos sociais apontam até mesmo ações violentas.

As mesmas denúncias levantam a suspeita de que os episódios de violência ocorridos contra os sem-terra, incluindo tentativas de assassinatos e destruição de construções, tenham tido participação da NF Seguranças; segundo eles, uma milícia armada que atuaria sob a fachada de uma empresa de segurança no oeste paranaense e estaria envolvida em outros casos de violência no Estado, como o assassinato de um membro da Via Campesina no protesto contra a empresa Syngenta. Ela teria sido a responsável por outros despejos forçados em acampamentos rurais e o assassinato de um militante do MST em Santa Teresa do Oeste.

Por sua vez, o MLST tem recebido o apoio de outras entidades de luta pela reforma agrária, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Via Campesina, além de entidades e representantes da igreja anglicana e da igreja católica, como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Reverendo Luiz Carlos Gabas e Dom Mauro Aparecido dos Santos.

Paralelamente às disputas externas, os militantes do MLST de Cascavel têm sofrido com as disputas internas. A polícia civil local suspeita que o assassinato de Jocélia de Oliveira Costa, ex-coordenadora regional do MLST, e de sua filha, Emanuele de Souza, de cinco anos, seja resultado de uma disputa pelo cargo que ela ocupava.

Nesse contexto de violência, a grande maioria dos trabalhadores rurais sem terra permanece vulnerável a diversas formas de violência, ameaças, coação e doenças. Até o momento, poucas foram as ações realizadas pelos governos locais para melhorar as condições de vida dessa população.

Contexto Ampliado

O Acampamento Primeiros Passos surgiu em maio de 2006, quando o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) ocupou um trecho da BR-369 próximo à Fazenda Bom Sucesso. Segundo os militantes do movimento, a fazenda seria improdutiva e já teria sido autuada por crimes ambientais pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o que justificaria o aproveitamento da mesma para fins de reforma agrária. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) chegou a iniciar algumas negociações para desapropriar o imóvel e criar no local um assentamento rural, mas o processo não obteve sucesso. O proprietário do imóvel, Orlando Gomes, se recusou a negociar as terras e requereu a reintegração de posse da fazenda na justiça.

Desde o primeiro momento, a permanência dos trabalhadores rurais sem-terra no local se constituiu como um foco de tensão na região e foi pivô de diversos episódios de violência ou mortes. Em maio de 2006, os sem-terra de Cascavel sofreram uma tentativa de assassinato de uma de suas lideranças, quando dois homens em uma motocicleta dispararam contra Paulo Rodrigues de Lima, o Paulinho, integrante do setor de disciplina do movimento. Este atentado nunca foi esclarecido, e cerca de um mês depois o próprio Paulinho seria suspeito de dois assassinatos no acampamento.

No dia 19 de junho de 2006, dois homens assassinaram Jocélia de Oliveira, coordenadora regional do MLST, e sua filha Emanuele de Souza, de cinco anos, em seu barraco no acampamento. Os autores do assassinato ainda dispararam contra Exequias Falérius, que foi atingido num dos joelhos e atendido no Hospital São Lucas, em Cascavel. Na ocasião, suspeitou-se que o assassinato fosse resultado de uma disputa interna pelo cargo de Jocélia. Paulo Rodrigues de Lima e Ademar Alves de Lima, ambos membros do MLST, foram formalmente acusados do assassinato no dia 23 daquele mês e tiveram suas prisões decretadas.

De acordo com o delegado que investigava o caso, assim que a delegacia foi informada do crime, tiveram início os trabalhos para as prisões de Paulo e Ademar. Segundo o que havia apurado a polícia até aquela ocasião, a dupla trabalharia como seguranças no acampamento do MLST, e Paulo estaria interessado em substituir Jocélia como coordenador regional do movimento.

Tradicionalmente, a atuação dos movimentos sociais, em especial aqueles que lutam pela reforma agrária, tem recebido pouco apoio por parte da imprensa nacional (quando não angaria sua oposição). Contudo, o Acampamento Primeiros Passos recebeu o aberto repúdio da imprensa nacional, quando, em 23 de novembro de 2007, foi acusado de manter três jornalistas e dois oficiais de justiça em cárcere privado. Segundo a cobertura jornalística da época, essa ação teria sido uma resposta à tentativa de notificação dos sem-terra pelos oficiais de justiça, que teriam levado ao local um mandado de reintegração de posse, expedido pela Justiça local, para que retirassem suas plantações da área da fazenda. Em represália, os sem-terra teriam impedido a saída dos oficiais de justiça e dos jornalistas, cercando-os e gritando palavras de ordem. Tudo só teria terminado com a chegada da polícia, 40 minutos depois. As lideranças do movimento afirmaram na ocasião que o episódio não teria passado de um mal-entendido, alegando que “O pessoal (do MLST) pode ter se assustado porque houve aglomeração de pessoas”.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor-PR) emitiu uma nota repudiando a atitude dos militantes do MLST. Segundo o sindicato, “ainda que se aceite a legitimidade deste movimento, é inadmissível que a manifestação política se converta em demonstração de truculência e autoritarismo. O sindicato manifesta ainda que aceitar estas agressões é aceitar que a imprensa pode ser calada”.

Em 8 de maio de 2008, a violência seria novamente a palavra do dia. De madrugada, uma milícia privada atacou o acampamento do MLST. O ataque começou às 4h da manhã, quando homens armados invadiram o Acampamento Primeiros Passos, com tratores e retroescavadeiras, destruindo toda a plantação e estruturas do acampamento, inclusive uma escola e uma igreja. A milícia também chegou em um caminhão que possuía uma grade de ferro conhecida como quebra-mato, utilizada para destruir os barracões, e uma carroceria blindada e com pequenas janelas, de onde efetuavam os disparos. Esse veículo passou a ser conhecido como o “caveirão do agronegócio”, em referência ao apelido dado ao veículo blindado utilizado pelo Batalhão de Operações Especiais (BOPE), da Polícia Militar do Rio de Janeiro (PMERJ), para realizar operações nas favelas da cidade, o qual ostenta em sua lataria o símbolo do batalhão: uma caveira atravessada por uma faca.

Na ocasião, dez pistoleiros foram presos em flagrante, entre eles um funcionário da NF Seguranças, que também presta serviços à Sociedade Rural do Oeste do Paraná. Segundo denúncias da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no mesmo dia cerca de 20 fazendeiros da região teriam ido à delegacia pressionar pela libertação dos pistoleiros. Essa ação foi interpretada pela CPT como uma “demonstração de força” dos ruralistas. Já a Secretaria de Segurança Pública do Paraná prometeu que iria manter policiais no local para garantir a segurança das famílias.

Em resposta, o Arcebispo da Arquidiocese de Cascavel, Dom Mauro Aparecido dos Santos foi ao acampamento prestar solidariedade às famílias e exigiu que os fatos fossem apurados e os mandantes responsabilizados. Já os integrantes do MLST fecharam a BR 369 por cerca de cinco horas, para protestar contra o ocorrido.

A Polícia Civil prosseguiu com as diligências no dia seguinte, a partir de 25 depoimentos já tomados. Além dos dez detidos, a polícia ouviu os sem-terra, policiais militares que estiveram no local e o dono da fazenda, Orlando Carneiro Gomes. A prisão em flagrante dos dez funcionários e empregados temporários da fazenda foi encaminhada à Justiça, que também recebeu pedidos paralelos para libertá-los. No mesmo dia, integrantes do MLST, MST, Via Campesina, CPT e da Igreja Anglicana foram à Câmara Municipal de Cascavel para protestar, demonstrar seu repúdio às ações e exigir justiça.

Esse ainda não seria o último episódio de violência contra os acampados da Fazenda Bom Sucesso. Em 29 de junho de 2008, integrantes do MLST denunciaram que houve uma tentativa de incendiar a escola do acampamento durante a madrugada. Segundo reportagens da época, não houve danos porque um dos sem-terra que estava de guarda percebeu o fogo e conseguiu controlá-lo. Apenas algumas tábuas foram queimadas. Há relatos também de que a janela de uma das salas foi aberta e escorada com um pedaço de madeira. Uma das mesas escolares foi colocada do lado de fora e serviu de apoio para a entrada. Na sala parcialmente queimada havia apenas uma lona, que estava amontoada no chão e foi esticada pelos autores do crime. Todos esses indícios apontavam para um incêndio criminoso.

O último episódio de violência no acampamento foi registrado em 25 de janeiro de 2009, quando uma briga terminou com duas mortes. De acordo com depoimentos de algumas pessoas, acontecia uma festa na Capela do acampamento, quando três jovens não identificados, moradores do Jardim Gramado, em Cascavel, chegaram atirando contra dois irmãos que moram no local. Houve troca de tiros. Apenas uma das vítimas foi identificada, Adilson Marcos Batista, 26 anos, morador do acampamento. Ele levou uma facada no peito. Seu irmão que estava envolvido na briga conseguiu escapar em meio a um milharal. A outra vítima, sem identificação, supostamente é um dos três que chegaram atirando contra os irmãos. O rapaz aparentava ter aproximadamente 18 anos de idade. Ele foi atingido por um disparo de arma de fogo no braço esquerdo e uma facada no peito.

Esses relatos ilustram o clima de tensão e terror que impera no local. A recorrência desses episódios torna ainda mais difíceis as condições de vida dos moradores do acampamento, que cada vez são submetidos a maiores pressões e vislumbram poucas possibilidades de lograr alcançar seus objetivos e conquistar um lote para plantar. A forte oposição dos fazendeiros locais e a desarticulação interna do movimento dificultam ainda mais a vida daqueles que sonham em produzir no campo.

Cerca de cinco anos depois, em outubro de 2014, a 2ª Vara Cível de Cascavel determinou a desocupação da área, estabelecendo um prazo de 190 dias para a saída das cerca de 70 famílias, atendendo a pedido de reintegração das Rodovias Integradas do Paraná S/A (Viapar), proprietária da área ocupada por eles.

As famílias que permaneciam no acampamento se recusavam a sair, já que após tantos anos o poder público não havia oferecido qualquer alternativa à permanência no local. Uma reunião foi marcada entre as partes para a semana seguinte, 29 de outubro, para discutir o impasse. O MSLT anunciou na ocasião que apresentaria ao Incra uma proposta de reassentamento das famílias em outras três áreas.

Apesar dos acordos para a saída pacífica das famílias da área, em reportagem da CATVE os sem-terra denunciaram que máquinas dos arrendatários estavam destruindo ilegalmente casas e plantações das famílias antes que estas pudessem retiram o material utilizado nas construções ou colher o que fosse possível.

Cronologia:

Maio de 2006: MSLT ocupa área próxima à Fazenda Bom Sucesso.

– Dois homens em uma motocicleta disparam contra Paulo Rodrigues de Lima, o Paulinho.

19 de junho de 2006: Dois homens assassinam Jocélia de Oliveira, coordenadora regional do MLST, e sua filha Emanuele de Souza, de cinco anos, em seu barraco no acampamento.

23 de junho de 2006: Paulo Rodrigues de Lima e Ademar Alves de Lima, ambos membros do MLST, são formalmente acusados pelo assassinato de Jocélia e Emanuele.

23 de novembro de 2007: Sem-terra são acusados de manter três jornalistas e dois oficiais de justiça em cárcere privado. Membros do MSLT negam as acusações.

08 de maio de 2008: Milícia privada ataca o acampamento do MLST. Cerca de 20 homens são presos em flagrante.

29 de junho de 2008: Ocorre uma tentativa de incêndio da escola do acampamento.

25 de janeiro de 2009: Durante uma festa, três jovens não identificados, moradores do Jardim Gramado, em Cascavel, chegam atirando contra dois irmãos que moram no local. Durante a confusão que se seguiu, Adilson Marcos Batista, 26 anos, morador do acampamento, é esfaqueado no peito. Um dos atacantes é atingido por um disparo de arma de fogo no braço esquerdo e uma facada no peito.

Outubro de 2014: Justiça determina reintegração de posse da área ocupada pelas famílias do acampamento.

Última atualização em: 28 set. 2015.

Fontes

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FAMÍLIAS do acampamento Primeiros Passos tem 190 dias para desocupação. CATVE, 13 out. 2014. Disponível em: http://goo.gl/tPrmqc. Acesso em: 23 set. 2015.

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