Povo Tupinambá do Baixo Tapajós luta por seus direitos

UF: PA

Município Atingido: Santarém (PA)

Outros Municípios: Aveiro (PA)

População: Povos indígenas, Ribeirinhos

Atividades Geradoras do Conflito: Agrotóxicos, Atuação de entidades governamentais, Hidrovias, rodovias, ferrovias, complexos/terminais portuários e aeroportos, Implantação de áreas protegidas, Monoculturas

Impactos Socioambientais: Alteração no ciclo reprodutivo da fauna, Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na autorização ou licenciamento ambiental, Invasão / dano a área protegida ou unidade de conservação

Danos à Saúde: Acidentes, Desnutrição, Doenças não transmissíveis ou crônicas, Doenças respiratórias, Falta de atendimento médico, Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida

Síntese

O povo Tupinambá do Baixo Tapajós habita a Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, criada em 1998 como reação das comunidades locais às ameaças de madeireiras. Cerca de 20, das 70 aldeias indígenas da localidade, são formadas pelos Tupinambá (ZUKER, 16/06/2020).

O missionarismo e, posteriormente, a Cabanagem – que exterminou entre 30 e 40% da população da província do Grão Pará – contribuíram para invisibilizar as identidades indígenas das diversas etnias do Tapajós, reforçando a percepção de que teriam sido extintas (LIMA, 2015).

Junto com a criação da Resex, muitas das comunidades passaram a reafirmar publicamente sua autoidentificação como indígenas e a exigir que seus territórios fossem demarcados como terras indígenas (TIs), o que mudaria a atual classificação fundiária da unidade de conservação (UC).

Segundo Vaz Filho (2013), quando a Fundação Nacional do Índio (Funai) instaurou grupos de trabalho (GTs) de demarcação das TIs em áreas hoje classificadas como Resex, em 2001, houve uma cisão das comunidades locais.

Enquanto as autoidentificadas como indígenas demandavam o reconhecimento de sua territorialidade específica e reconhecimento de seu território tradicional por parte do Estado brasileiro, a partir da categoria jurídica de terra indígena, as comunidades que não se reconheciam como indígenas defendiam a manutenção da integridade territorial da área então classificada como Resex.

Além disso, os indígenas se queixavam da forma autoritária com que diretores e técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama tratavam a sua permanência na Resex, sendo necessário pedir autorização para fazer roças ou retirar madeira para construções (VAZ FILHO, 2013).

Atualmente, a regularização fundiária de TIs na Resex Tapajós-Arapiuns está paralisada na Funai. A morosidade do processo fez com que, em janeiro de 2017, os Tupinambá decidissem autodemarcar suas terras (ZUKER, 2017). Embora feita por etapas, os indígenas pretendem autodemarcar toda a extensão de 350 mil hectares reconhecido por eles como de uso tradicional da “Nação Tupinambá” (ARAGÃO, 30/12/2020)

Eles justificam tal iniciativa pelo fato de os Tupinambá estarem cercados por inúmeras ameaças fundiárias, todas potencializadas por obras de infraestrutura para a circulação de commodities pela região. A primeira delas diz respeito à pavimentação da parte norte da rodovia BR-163, no trecho que liga Cuiabá a Santarém, finalizada em novembro de 2019.

Há também o projeto da Hidrovia Teles Pires-Tapajós, que consiste em transformar os rios Juruena, Teles Pires e Tapajós em uma hidrovia contínua de 1.576 quilômetros de extensão (RAQUEL TUPINAMBÁ, 15/12/2018).

Em 2018, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte em Santarém (DNIT) apresentou um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da hidrovia, o que gerou protestos por parte dos Tupinambá e Munduruku da região pelo direito à Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado (CCLPI), conforme garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (CAMPELO, 1/07/2018).

Com três trechos independentes já concluídos, a hidrovia facilitou a circulação de balsas carregando madeira e insumos da mineração sem que ao mesmo tempo houvesse uma fiscalização consistente, o que fragiliza os territórios tradicionais (ARAGÃO, 19/11/2020). Por isso, entre 2018 e 2019, indígenas Tupinambá do Tapajós interceptaram barcaças com soja, madeira e carga viva que passavam pelas suas comunidades com o intuito de impedir a rota cargueira na região, que os afeta diretamente (MÍDIA NINJA, 23/10/2019).

A isso, soma-se a ameaça do projeto de construção da ferrovia EF-170, conhecida como Ferrogrão, prevista para transportar commodities, em especial a soja, pelos seus 933 quilômetros de extensão, entre os municípios de Sinop (MT) e Itaituba (PA).

Em 2020, a ANTT aprovou o plano de outorga para concessão da ferrovia e submeteu-o à análise do Tribunal de Contas da União, também desrespeitando as reivindicações dos indígenas do Xingu e Tapajós de garantia do direito à consulta prévia (CCLPI) (XINGU+, s.d.).

Ademais, uma grande ameaça aos Tupinambá diz respeito ao garimpo ilegal. De acordo com o Ibama, o desmatamento ilegal causado pelo garimpo bateu recorde em 2019, com 10,5 mil hectares de floresta desmatadas, sendo a principal região afetada a do Tapajós, o que se agrava com a pandemia de Covid-19, já que as populações indígenas se tornam mais vulnerabilizadas ao novo coronavírus por contato com os garimpeiros e as ações estatais de fiscalização no território se tornam mais escassas (Observatório da Mineração, 15/07/2020).

Outro ponto sensível de luta diz respeito à saúde. Os indígenas lutam por atendimento diferenciado pelo Subsistema de Saúde Indígena (Sasi/SUS). Em 2015, o MPF ajuizou Ação Civil Pública e, em 2017, a justiça federal determinou que a Secretaria Especial de Saúde Indígena – Sesai oferecesse atendimento diferenciado à saúde para as 13 etnias que vivem no Baixo Tapajós (MPF, 22/01/2020). Assim, os indígenas do Baixo Tapajós foram incorporados ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Guamá-Tocantins (ZUKER, 16/06/2020).

Entretanto, essa medida não foi suficiente, já que a Sesai não adequou sua infraestrutura para atender à população recém-incorporada ao DSEI. Por exemplo, deveria ter sido instalado um polo-base no Baixo Tapajós, mas uma equipe multidisciplinar não foi contratada para a região, o que impediu que os indígenas tivessem acesso à assistência à saúde que buscavam.

Por esse motivo, em dezembro de 2019, o MPF solicitou à Justiça Federal a cobrança de multa no valor de 13 milhões de reais à Sesai. Em 21 de janeiro de 2020, a Sesai decidiu contratar uma equipe multidisciplinar para a população indígena do Baixo Tapajós (MPF, 22/01/2020).

A desassistência à saúde indígena aos povos do Baixo Tapajós fica ainda mais evidente diante da pandemia de Covid-19. A Sesai não vem oferecendo atendimento à saúde adequado aos indígenas, que se queixam de falta de testes, dificuldades de comunicação, ausência de medicamentos para os sintomas e atendimento médico insuficiente (ZUKER, 16/06/2020).

 

Contexto Ampliado

O povo Tupinambá do Baixo Tapajós vive na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, onde estão estabelecidos também grupos das etnias Munduruku, Apiaká, Borari, Maytapu, Cara Preta (como também é conhecido o povo Avá-Canoeiro), Cumaruara, Arapium, Jaraqui, Tapajó, Tupaio, Arara Vermelha (ZUKER, 16/06/2020) e comunidades ribeirinhas.

Todos eles somam uma população de 18.291 pessoas ou 3.076 famílias (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL, s.d.). Cerca de 20, das 70 aldeias indígenas da Resex, são formadas pelos Tupinambá (ZUKER, 16/06/2020), que resistem a grandes projetos de infraestrutura que facilitaram o avanço de madeireiras, do garimpo ilegal e da monocultura da soja no seu território, além de projetos de exploração dos recursos naturais apoiados pela própria gestão da Resex (realizada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade– ICMBio).

A forma como ocorreu a colonização  europeia/brasileira da região contribuiu para o processo de invisibilização das identidades indígenas e para uma maior fluidez nas fronteiras étnicas outrora existentes. Quando os portugueses ali chegaram, no século XVI, encontraram a região densamente povoada por diversas etnias, que tinham formas de organização social e política hierarquizadas e amplas redes de trocas (PEREIRA, 2018).

A expansão portuguesa no final do século XVII visou, com as missões jesuíticas, cristianizar esses grupos. Foram criados aldeamentos que reuniram diferentes povos, modificando suas relações. Houve ainda massacres à população indígena e sua incorporação ao tráfico de escravos, o que determinou sua desarticulação na região, ou fuga para outras localidades.

A independência da coroa portuguesa não alterou tais violências: os massacres no Tapajós foram intensificados no século XIX como reação à Cabanagem, uma rebelião indígena-popular amazônica (PEREIRA, 2018).

Segundo os Tupinambá, o missionarismo e, posteriormente, as respostas estatais à Cabanagem – que exterminou entre 30 e 40% da população da província do Grão Pará – contribuíram para o “apagamento” da origem indígena das populações ali existentes, reforçado por um discurso oficial de que elas teriam sido extintas (LIMA, 2015).

No entanto, diversas comunidades indígenas resistiram ao longo do tempo, aceitando sua classificação oficial sob denominações de tapuio, caboclo ou ribeirinho, embora permanecessem cientes de sua origem indígena.

Ao longo do século XX, em reação a essa invisibilização social, os povos indígenas passaram a se reivindicar como descendentes dos cabanos, tornando-se protagonistas das lutas contra a ocupação predatória da região, intensificada durante o regime militar pós-1964 (BELTRÃO, 2013; IORIS, 2009; VAZ FILHO, 2013).

Durante a ditadura que se seguiu ao golpe de 1964 proliferaram planos de exploração da Amazônia, dentre eles, o de transformar o Vale do Rio Tapajós em polo madeireiro para exportação. Para tanto, foi criado o Projeto de Desenvolvimento e Pesquisa Florestal (PRODEPEF), cujo objetivo era dar suporte à “modernização” (termo que na prática se traduzia principalmente em sua mecanização) da indústria florestal e de exploração madeireira.

Esse projeto foi intensificado no II Plano de Desenvolvimento da Amazônia, em 1974. Na margem direita do rio, foi criada a Floresta Nacional (Flona) do Tapajós, unidade de conservação que se sobrepôs a diversas comunidades ali existentes.

Na margem esquerda, foi facilitada a entrada de empresas madeireiras, exercendo pressão territorial sobre os indígenas, ao mesmo tempo em que os contratava como mão de obra (ao diminuir as alternativas de autossubsistência, essas empresas encontravam uma população passível de ser cooptada em benefício dos interesses não-indígenas).

Nesse momento, os indígenas se organizaram com o apoio das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs, entidades organizadas pela corrente católica da Teologia da Libertação) para reivindicar a exclusão de suas terras da área da Flona. Essa luta se estendeu ao longo da década seguinte, e a situação só se estabilizou no final dos anos 1990, com a mudança na legislação que passou a permitir a presença humana em Florestas Nacionais (IORIS, 2009).

Já na margem esquerda do rio, o projeto de exploração madeireira continuou nos anos seguintes, com o estímulo à exploração de espécies de madeira pesada para exportação. Duas empresas se instalaram na região: a Amazonex Exportadora LTDA e a Santa Isabel Agroflorestal LTDA (IORIS, 2009). Parte da população local trabalhava para a madeireira Santa Isabel, que tinha a pretensão de desmatar a região para o plantio de soja.

De acordo com denúncia veiculada por Zuker (2017), a empresa retirava ilegalmente ipês e mandioqueiras, exportando-as com selo de sustentabilidade. A tomada da área por essas empresas teria sido incentivada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra, que só regularizava às comunidades lotes de menor interesse econômico, de várzea e perto dos rios (LEROY, 1991 apud IORIS, 2009).

Por meio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém, as comunidades conseguiram negociar áreas da mata, com o limite de 13,4 quilômetros da beira do rio, nas quais pudessem entrar e fazer uso dos recursos florestais. Já o restante era de uso exclusivo das empresas.

As comunidades se organizaram para vigiar as terras delimitadas pelo Incra e impedir que as empresas ultrapassassem os seus limites (IORIS, 2009). Até que, em 1996, começaram a se articular para a criação de uma reserva extrativista (Resex) (VAZ FILHO, 2013).

Nesse momento, os movimentos populares da região do Tapajós se unificaram para impedir o avanço das empresas que exploravam a região sem respeitar seu modo de vida. Foram criadas associações comunitárias, que procuraram o Ibama de Brasília para reivindicar a criação de uma Resex(PSA, 2015).

Após diversos encontros, foi criado o Grupo de Trabalho para a Fundação da Resex, composto por ONGs de assessoria (Grupo de Defesa da Amazônia – GDA, Centro de Apoio a Projetos de Ação Comunitária – CEAPAC, Projeto Saúde e Alegria – PSA, Comissão Pastoral da Terra – CPT, Coletivo Ajurykaba), associações comunitárias locais e entidades de base (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Santarém – STTR), além de setores do Ibama (PSA, 2015).

Em 1997, as comunidades – que até então não se identificavam como indígenas, mas como caboclos – entregaram um documento ao governo federal solicitando a transformação da área em Reserva Extrativista. Em 06 de novembro de 1998 foi criada a Resex Tapajós-Arapiuns, com área de 647 mil hectares, entre os municípios de Aveiro e Santarém. As madeireiras foram impedidas de continuar atuando na região e as diferentes comunidades que ali viviam assumiram o protagonismo na gestão daquela área.

Foi no mesmo período que muitas das comunidades passaram a se reconhecer como indígenas. De acordo com histórico de Florêncio Almeida Vaz Filho (2013), em 1997 foi criado o Grupo Consciência Indígena (GCI), que pretendia contribuir para a reafirmação da identidade indígena dos povos da região.

A reemergência étnica do povo Takuara, cujo território situa-se na Flona Tapajós, teria incentivado o processo de resgate identitário dos outros grupos que viviam na outra margem do rio Tapajós, na área da Resex (VAZ FILHO, 2013).

Entre os dias 3 e 5 de junho de 1999 foi realizada a primeira Assembleia da Terra e da Tradição com 43 comunidades da Resex, momento em que os primeiros grupos locais formalizaram seu autorreconhecimento como indígenas. Entre 31 de dezembro de 1999 e 1º de janeiro de 2000 foi realizado o I Encontro dos Povos Indígenas do Rio Tapajós, o que motivou a marcha indígena dos 500 anos da chegada dos portugueses, do Rio Tapajós rumo à Coroa Vermelha (entre Santa Cruz Cabrália e Porto Seguro, na Bahia).

Em maio de 2000, foi criado o Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns (Cita), dando maior organicidade ao movimento indígena que emergia na localidade e ganhando o reconhecimento de outras entidades do movimento indígena no Brasil (VAZ FILHO, 2013).

Nos anos seguintes, cada vez mais comunidades do Tapajós-Arapiuns passaram a se autorreconhecer como indígenas, em um movimento de resgate de suas origens, histórias e línguas. A reaprendizagem do nheengatu desempenhou papel central nesse processo. Até o século XIX, o nheengatu era a língua predominante em toda a região da província do Grão Pará. Trata-se de uma língua tupi que foi apropriada pelos jesuítas para a criação dos aldeamentos missionários.

Após o massacre indígena ocorrido na Cabanagem, o uso da língua foi reprimido pelas forças coloniais e caiu em desuso, mas sobreviveu nas comunidades que viviam nas margens da sociedade colonial. No documentário Nheengatu Tapajowara (2015), indígenas relatam que ouviam de seus avôs falas e expressões em uma língua que não reconheciam.

De acordo com o professor Antônio Neto, que participa do mesmo documentário, o reconhecimento do território onde tais comunidades vivem, como suas características geográficas e os nomes das plantas, por exemplo, passa pelo uso do nheengatu. Assim, o resgate da língua foi, também, uma forma de se reapoderarem simbolicamente de seus territórios.

Tal movimento de resgate foi amplamente legitimado, contando com o apoio do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS) e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém (STTS). Contudo, para além do reconhecimento como indígenas, as comunidades passaram a exigir que seus territórios fossem demarcados como Terra Indígena, o que mudaria a situação fundiária da Resex.

Inclusive, alguns líderes indígenas aventaram a possibilidade de toda a área da Resex ser transformada em uma única Terra Indígena multiétnica, o que gerou discordâncias por parte das comunidades não declaradas indígenas, dos movimentos sindicais e da direção da Resex (VAZ FILHO, 2013).

De acordo com Vaz Filho (2013), o ano de 2001, quando a Funai instaurou o GT de demarcação das TIs na Resex, teria sido um marco na cisão das comunidades que viviam na então Resex, colocando, de um lado, as comunidades que se autorreconheciam como indígenas, e que demandavam o reconhecimento territorial como terra indígena e, de outro, as comunidades que não se reconheciam enquanto tais, junto com o STTR de Santarém, a Associação Tapajoara de Gestão da Resex e os líderes do CNS, que defendiam a manutenção da Resex tal como estava.

Boatos passaram a circular na região de que as comunidades não indígenas perderiam suas terras para as indígenas; ou, ainda, um boato propagado por um vereador dizia que os indígenas não poderiam se sindicalizar. A desinformação foi reforçada pelos próprios diretores e técnicos do Ibama, que não tinham interesse no desmembramento da Resex em uma ou várias terras indígenas.

Havia uma preocupação, por parte dos movimentos sindicais locais e funcionários do Ibama de que o desmembramento da Resex inviabilizasse o Projeto Pixirum, com o Centro de Serviços para a Cooperação no Desenvolvimento (KEPA, que é o acrônimo para a expressão finlandesa Kehitysyhteistyönpalvelukeskus), da Finlândia, que já havia dito que não trabalharia com povos indígenas. Após essa cisão política, os indígenas passaram a sofrer aquilo que Vaz Filho (2013) classifica como “uma ampla campanha de difamação na região”.

Tendo em vista os crescentes desentendimentos entre a gestão da Resex, o Ibama, os movimentos sociais não-indígenas locais e os indígenas, em 22 e 23 de maio de 2003, foi realizada reunião entre as partes, com mediação do Procurador da República em Belém. Na ocasião, fizeram um “pacto de tolerância mútua e diálogo”, e os diretores da Resex se comprometeram a desenvolver ações comuns entre indígenas e não-indígenas. O acordo apaziguou os ânimos, mas não resolveu as tensões, que permaneceram latentes (VAZ FILHO, 2013).

Já em outubro de 2005, líderes das comunidades da Resex enviaram um abaixo-assinado à procuradora Deborah Duprat, então lotada na 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), denunciando as ações da Associação Tapajoara, então administrada por pessoas vinculadas ao CNS. Eles alegavam falta de transparência na gestão dos recursos, sobretudo dos oriundos da Finlândia, e falta de participação das comunidades, já que as assembleias passaram a ocorrer com poucas pessoas na sede da CNS em Alter do Chão, e não mais na Resex.

Tais dificuldades teriam durado até o término dos recursos do projeto internacional. Mas os problemas não se resolveram. Vaz Filho narra em 2013 que, naquele período, os indígenas se queixavam da forma autoritária com que diretores e técnicos do ICMBio e Ibama tratavam a sua permanência na Resex, sendo necessário pedir autorização para fazer roças ou retirar madeira para construções tradicionais. O poder político dos moradores estaria reduzido em relação aos técnicos se comparado aos primeiros anos de gestão da Resex (VAZ FILHO, 2013).

Assim, os Tupinambá, assim como os demais indígenas da Resex, identificavam no governo federal sua principal barreira à autonomia, reconhecimento e proteção de seus territórios. Além das dificuldades impostas pelo Ibama e ICMBio, eles denunciavam na época que a regularização fundiária de TIs que se sobrepunham à Resex Tapajós-Arapiuns tramitava lentamente na Funai.

A morosidade da Funai fez com que, em janeiro de 2017, os Tupinambás decidissem, com apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), autodemarcar suas terras, abrindo picadas na mata numa expedição que durou dez dias (ZUKER, 2017).

A autodemarcação tem sido feita de forma contínua, por etapas, mas os indígenas pretendem autodemarcar toda a extensão de 350 mil hectares do território que intitulam como “Nação Tupinambá”. O final de 2020 foi um momento importante nesse trabalho, conduzido pelas mulheres e homens Surara (guerreiras e guerreiros, em nheengatu) (ARAGÃO, 30/12/2020).

A necessidade de tal iniciativa é reforçada pelo fato de os territórios indígenas estarem cercados por inúmeras ameaças fundiárias, todas potencializadas por obras de infraestrutura que servem como malha logística para a circulação de commodities pela região.

A primeira delas diz respeito à pavimentação da parte norte da rodovia BR-163, no trecho que liga Cuiabá a Santarém, anunciada pelo governo do então presidente Luis Inácio Lula da Silva em 2003 e finalizada em novembro de 2019. Isso consolidou a posição das empresas sojicultoras na região, agilizando o transporte de mercadorias e insumos, além de estimular a construção de portos graneleiros e terminais portuários por empresas como a Bunge, a Amaggi e a Cargill. Ela também facilitou o caminho para o avanço do garimpo e a extração de madeira ilegal na região (BRANFORD e TORRES, 20/02/2017).

Além dos efeitos da pavimentação da BR-163, há também o projeto da Hidrovia Teles Pires-Tapajós, que consiste em transformar os rios Juruena, Teles Pires e Tapajós em uma hidrovia contínua com 1.576 quilômetros de extensão, facilitando o transporte de soja do Mato Grosso para portos na região Norte e dali para o exterior. Em 2018, a hidrovia foi implementada com três trechos independentes, um deles interligado à BR-163, e o projeto era torná-la navegável de forma contínua.

A obra implicaria em explodir pedras e cachoeiras sagradas para os povos indígenas da região, além de alterar a profundidade de trechos do rio, apresentando alto impacto socioambiental. A hidrovia passará por cinco terras indígenas e pela Resex Tapajós-Arapiuns, pelo Parque Ecológico Estadual Apiacás e pelo Parque Nacional da Amazônia (TUPINAMBÁ, 15/12/2018).

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) em Santarém apresentou um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da hidrovia nos dias 15 de junho de 2018, em Cuiabá (MT), e 21 de junho de 2018, em Santarém (PA). Em 14 de dezembro do mesmo ano, os Tupinambá do Baixo Tapajós organizaram um ato contra a sua construção junto com outros povos indígenas (TUPINAMBÁ, 15/12/2018).

Já os Munduruku, representados pela Associação Indígena Pariri, publicaram uma carta-denúncia sobre o projeto, que, de acordo com eles, não respeitou o direito à consulta, livre, prévia e informada às comunidades atingidas assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e já incorporado ao arcabouço jurídico nacional após ratificação no Congresso Nacional (CAMPELO, 1/07/2018).

Em 20 de novembro de 2019, ambas as etnias compareceram em audiência pública do MPF da 1ª região. Os Tupinambá apresentaram a demanda de demarcação de suas terras, bem como um protocolo de consulta prévia feito por eles mesmos a partir de oficinas ocorridas em 2018.

A ideia era que responsáveis por grandes empreendimentos – tais como o DNIT -respeitassem o protocolo indígena que versa sobre processos de tomadas de decisão coletivas relativos a empreendimentos que os afetam diretamente (ECOAMAZÔNIA, 25/11/2019). Ambos os povos também manifestaram preocupação em relação ao avanço do garimpo ilegal e da extração de madeira sobre seus territórios e o entorno.

Grandes obras de infraestrutura caminham lado a lado com atividades ilegais e predatórias. Mesmo com trechos independentes, os trechos já construídos da hidrovia facilitaram a circulação de balsas carregando madeira e insumos da mineração, já que não havia na região uma fiscalização consistente por parte do Estado brasileiro (ARAGÃO, 19/11/2020).

Os indígenas reagem a esta situação com protestos que envolvem a queima ou o bloqueio de balsas com madeira suspeita de ser ilegal. Foi o que ocorreu em 2009, quando lideranças indígenas queimaram uma balsa em protesto pela retirada ilegal de madeira das Resex Tapajós-Arapiuns e da TI Maró (do povo Borari, caso relatado em detalhes nesta ficha do Mapa de Conflitos).

Em consequência, sete lideranças indígenas e extrativistas foram acusadas de formação de quadrilha e falsidade ideológica. A ação criminal tramitou até outubro de 2017, quando o juiz da 1ª Vara Criminal de Santarém determinou que não existiam provas suficientes contra os réus indígenas (TERRA DE DIREITOS, 18/12/2017).

Entre dezembro de 2018 e outubro de 2019, indígenas Tupinambá do Tapajós, por sua vez, interceptaram barcaças com soja, madeira e carga viva que passavam pelas suas comunidades com o intuito de impedir a rota cargueira na região. Desde 2014, com a inauguração da nova rota, tais embarcações passavam cada vez mais em suas comunidades, que sequer haviam sido consultadas a respeito (MÍDIA NINJA, 23/10/2019).

A isso, soma-se como ameaça o projeto de construção da Ferrogrão (EF-170), um projeto de ferrovia para transportar commodities agrícolas com 933 quilômetros de extensão, entre os municípios de Sinop (MT) e Itaituba (PA).

De acordo com a Rede Xingu+, o projeto integra o chamado “Corredor Logístico de Exportação do Interflúvio Tapajós-Xingu”, conjunto de obras que tem como objetivo o escoamento de grãos e insumos do Centro-Norte do Mato Grosso aos portos de Santarém, Barcarena e Santana, no Pará. Os povos indígenas temem que, com a conclusão das obras, prevista para 2030, haja ainda mais desmatamento e pressão fundiária com a intensificação da produção agropecuária na região (XINGU+, s.d.).

Mais uma vez, os povos indígenas afetados solicitam a garantia do direito à Consulta e Consentimento Livre, Prévio e Informado (CCLPI), conforme garantido pela Convenção 169 da OIT, que vem sendo sistematicamente desrespeitada pelo Estado brasileiro em situações semelhantes.

Em 07 de julho de 2020, a Agência Nacional de Transportes Terrestres- ANTT aprovou o plano de outorga para concessão da rodovia por um período de 69 anos e, em 10 de julho, submeteu-o à análise pelo Tribunal de Contas da União – TCU, desrespeitando as reivindicações dos indígenas das bacias dos rios Xingu e Tapajós de garantia do direito à consulta prévia (XINGU+, s.d.).

Outra grande ameaça aos povos indígenas de toda a região do Tapajós diz respeito ao garimpo ilegal. Mineradoras empresariais acumulam requerimentos de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) na área, prática considerada ilegal pelo MPF.

As PLGs surgiram para regularizar a atividade garimpeira artesanal (praticada geralmente por pessoas, e não empresas), que é considerada uma atividade de baixo impacto ambiental.

Ela seria uma forma simplificada de emitir licenças para o garimpo em áreas pequenas e sem passar por um longo processo de licenciamento ambiental, este reservado às grandes empresas e ao garimpo de larga escala. Contudo, grandes empresas têm acumulado PLGs como forma de burlar o licenciamento, exercendo pressão sobre terras indígenas e pressionando pela recategorização de UCs.

O MPF apurou que há casos em que uma única pessoa acumulou 284 requerimentos. De acordo com o MPF, o órgão ajuizou ações pedindo o cancelamentodesses pedidos, que somados ameaçam cerca de 52 terras indígenas somente no Estado do Pará (MPF, 20/03/2020).

Em 20 de março de 2020, o MPF enviou ofício à Agência Nacional de Mineração (ANM) com recomendação para que esta tomasse medidas de combate à concentração ilegal de requerimentos de PLGs, além da revisão dos limites da Reserva Garimpeira do Tapajós, que é hoje o maior polo de mineração ilegal no Brasil (MPF, 20/03/2020). Pelo menos 30% dos garimpos da região estão dentro de áreas protegidas, como terras indígenas e unidades de conservação.

Em 21 de abril do mesmo ano, a ANM e a AGU emitiram parecer questionando as recomendações do MPF e afirmando não haver limite para as PLGs. De acordo com o Ibama, o desmatamento ilegal causado pelo garimpo bateu recorde em 2019, com 10,5 mil hectares de florestas desmatadas (ANGELO, 15/07/2020).

A legalização dessas práticas tem sido defendida pelo governo federal desde a posse do presidente Jair Bolsonaro, cujo Ministério de Minas e Energia pretende liberar a mineração em Flonas. O então vice-presidente da República, Hamilton Mourão, estaria à frente das ações do governo em favor do garimpo e mineração em áreas protegidas, de acordo com denúncias veiculadas na imprensa,mantendo relações de amizade e uma agenda governamental intensa com empresários do garimpo (ANGELO, 26/01/2021).

No tocante à Resex Tapajós-Arapiuns, além das ameaças externas, há o interesse da própria gestão da Resex em implementar projetos aos quais as comunidades indígenas já se opuseram publicamente, o que reforça sua demanda pela delimitação de seus territórios como TIs, situação jurídica que ampliaria a autonomia indígena na gestão ambiental do território tradicional, a qual seria definida segundo suas tradições e não por preceitos definidos por técnicos do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

O primeiro deles foi o de crédito de carbono, apresentado pelo ICMBio ao Conselho Deliberativo da Resex em julho de 2014 (WRM, 11/12/2015). Segundo os indígenas, o projeto contribuiria para uma “financeirização” da natureza e limitação de seus direitos territoriais, uma vez que as comunidades da Resex estariam impossibilitadas de caçar ou cortar árvores para construir habitações, desrespeitando seu modo de vida.

De denúncias veiculadas na época pelo padre Edilbert Sena, da Pastoral Social da Diocese de Santarém, o ICMBio e a Associação das Organizações da Reserva Tapajós-Arapiuns (Tapajoara) trabalhariam conjuntamente em prol do projeto, mas parte das comunidades que se opõem ao acordo procuraram o apoio da Pastoral Social para tentar obter sua anulação (VIEIRA, 30/08/2015).

Em 13 de agosto de 2015, indígenas da Resex ocuparam a sede do ICMBio para, dentre outras pautas, reivindicar a suspensão do projeto. Após acordo entre os indígenas, o ICMBio e a Funai, feito no mesmo dia da ocupação, o projeto foi suspenso (TERRA DE DIREITOS, 13/08/2015).

A gestão da Resex também tem atuado em planos de manejo de extração de madeira no interior da reserva, o que tem preocupado os Tupinambá. As mesmas madeireiras que por décadas desmataram a região, agora retornaram e contam com o apoio de alguns moradores da reserva para a extração de madeira de forma alegadamente sustentável (ZUKER, 4/03/2020).

Em 22 de maio de 2019, o ICMBio expediu a Portaria n. 223/2019, aprovando o Plano de Manejo Florestal Sustentável por cooperativas e, em seguida, iniciaram-se as reuniões com o conselho deliberativo da Resex visando sua implementação. Em vista disso, o Cita se uniu ao STTR de Santarém com pedido de liminar para a suspensão da portaria de aprovação do plano, alegando que os indígenas não tiveram a oportunidade de participar das discussões.

Assim, em novembro de 2020, um juiz federal determinou que não se prosseguisse com as reuniões do conselho deliberativo da Resex sobre o plano de manejo (previstas para 22 e 23 daquele mês) até que houvesse nova decisão judicial. A decisão ocorreu porque, em razão das restrições sanitárias impostas pela pandemia de Covid-19, os indígenas não tinham condições de serem ouvidos adequadamente conforme estipula a Convenção 169 da OIT (VIEIRA, 18/11/2020).

Essas são algumas das razões pelas quais os Tupinambás querem acelerar o processo de demarcação de suas terras, tendo mais autonomia para combaterem o avanço das madeireiras e de projetos aos quais se opõem.

Entre os dias 06 e 08 de novembro de 2020, por ocasião do 3º Encontro Ancestral do Povo Tupinambá, os indígenas organizaram um manifesto fluvial para denunciar os retrocessos que ameaçam o rio Tapajós. Seu objetivo era o de criar uma memória de resistência bem como intervir sobre as balsas que circulam pelo rio com insumos e sem fiscalização (ARAGÃO, 19/11/2020).

Em 05 de março de 2020, os indígenas encaminharam representação à Procuradoria da República em Santarém visando agilizar os processos de demarcação. O MPF instaurou Inquérito Civil Público (ICP) com objetivo de apurar a morosidade da Funai em demarcar essas TIs.

Visando instruir o ICP, a procuradoria solicitou acesso aos processos de demarcação, o que foi recusado sucessivas vezes pelo órgão indigenista sob alegação de que as informações ainda estavam incompletas.

Em vista disso, o MPF apresentou um Mandado de Segurança para que os dados sobre os processos de demarcação fossem disponibilizados, alegando risco de autoritarismo por parte da instituição, vulnerabilizando a atuação do MPF e a garantia dos direitos aos povos indígenas.

No dia 19 de janeiro de 2021, a Justiça Federal determinou à Funai, em caráter liminar, prazo de três dias para a apresentação solicitada. Essa determinação impediu a Funai de negar ao MPF o acesso a documentos sobre os procedimentos administrativos de demarcação (MPF, 21/01/2021 e MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL, 20/01/2021).

Outro ponto sensível na luta dos Tupinambá por seus direitos diz respeito à saúde. O reconhecimento étnico dos Tupinambá e dos povos indígenas do Tapajós, no início dos anos 2000, não bastou para que o governo garantisse acesso diferenciado à saúde, com atendimento pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Sasi/SUS), sob alegação do Ministério da Saúde (MS) de que esses grupos ainda não dispõem de terras demarcadas.

Em vista disso, o Ministério Público Federal instaurou dois inquéritos civis públicos, em 2008 e 2012, com o intuito de acompanhar a assistência à saúde aos povos indígenas dos rios Tapajós e Arapiuns e do Planalto Santareno, bem como determinar a implantação de DSEI ou polo-base de saúde diferenciada para atender aos povos indígenas da região (MPF, 25/05/2015).

Vale a pena relembrar que, em meados de 2015, o MPF ajuizou Ação Civil Pública e, em 19 de setembro de 2017, a justiça federal determinou que a Sesai oferecesse atendimento diferenciado à saúde para as 13 etnias que vivem no Baixo Tapajós (MPF, 22/01/2020).

A determinação previa três etapas: cadastramento dos indígenas do Baixo Tapajós, sua inclusão para atendimento na Casai de Santarém e, por fim, contratação de equipes multidisciplinares para realizarem o atendimento (CONJUR, 2/12/2019). Assim, os indígenas do Baixo Tapajós foram incorporados ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Guamá-Tocantins, que então atendia 16 municípios no Pará e um no Maranhão.

Antes da incorporação, o DSEI já atendia 8.844 pessoas de 29 etnias. Assim, foram incorporadas outras sete mil no Baixo Tapajós (ZUKER, 16/06/2020).Em agosto de 2019, a União apresentou recurso contra a sentença argumentando desconsideração do critério integracionista, ou seja, o suposto de que os indígenas deveriam abandonar suas identidades e práticas nacionais para uma suposta integração à sociedade nacional (CONJUR, 8/8/2019).

Essa perspectiva foi superada pela Constituição Federal de 1988, que assegura aos povos indígenas acesso a direitos, sendo o primeiro deles o respeito às suas tradições e formas específicas de organização social de cada etnia.

A terceira etapa da decisão, portanto, foi descumprida, e, em dezembro de 2019, o MPF solicitou à Justiça Federal a cobrança de multa no valor de 13 milhões de reais à Sesai, bem como multa pessoal à diretora do órgão, Sílvia Nobre, que desobedeceu ao judiciário ao impedir a contratação de pessoal selecionado para o atendimento multidisciplinar.

A multa solicitada pelo MPF não chegou a ser arbitrada, mas, em 21 de janeiro de 2020, a Sesai decidiu implementar o atendimento às 13 etnias do Baixo Tapajós, apresentando uma equipe multidisciplinar para tal finalidade (MPF, 22/01/2020).

A desassistência à saúde indígena dos povos do Tapajós fica ainda mais evidente diante da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Com apenas um DSEI para atender a uma ampla região, a Sesai não ofereceu atendimento à saúde adequado aos indígenas.

Notícia de junho de 2020 relatava que oito indígenas da etnia Tupinambá no Baixo Tapajós já haviam falecido em decorrência da Covid-19. Os dados não correspondem aos apresentados pelo DSEI, que havia notificado apenas dois óbitos. Os indígenas se queixam de falta de testes, dificuldades de comunicação, ausência de medicamentos e atendimento médico insuficiente (ZUKER, 16/06/2020).

Em julho de 2020, os Tupinambás perderam uma importante pajé da aldeia Marabaixo: Luzia Tupinambá. Sem atendimento, os Tupinambás recorrem às ervas e plantas medicinais para se manterem saudáveis (MADEIRO, 19/07/2020).

 

Atualização: 02 fev. 2021.

Cronologia

Década de 1970: Projetos do governo militar preveem transformar a região do Tapajós em polo madeireiro para exportação. Ocorre o estabelecimento das empresas Amazonex Exportadora LTDA e Santa Isabel Agroflorestal LTDA na região.

1996: Início das articulações para a criação da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns.

1997: Criação do Grupo Consciência Indígena.

6/11/1988: Criação da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns.

3-5/6/1999: I Assembleia da Terra e da Tradição, com 43 comunidades da Resex. Primeira ocasião de reconhecimento público de grupos locais como indígenas.

31/12/1999-1/1/2000: Primeiro Encontro dos Povos Indígenas do Rio Tapajós.

Maio de 2000: Criação do Conselho Indígena dos rios Tapajós e Arapiuns (Cita).

2001: Instauração de GTs de Identificação da Funai para demarcação das TIs da Resex. Início dos desentendimentos entre a gestão da Resex e não indígenas com os movimentos indígenas locais.

22-23/05/2003: Reunião na Procuradoria da República em Santarém. Estabelecimento de pacto de tolerância mútua entre a gestão da Resex, o Ibama e os movimentos não indígenas com os indígenas da Resex.

10/2005: Envio de abaixo-assinado dos indígenas à procuradora Deborah Duprat, da 6a Câmara de Coordenação e Revisão, denunciando as ações da Associação Tapajoarana gestão da Resex.

2008: Instauração de Inquérito Civil Público pelo MPF para acompanhar a assistência à saúde aos povos indígenas dos rios Tapajós, Arapiuns e do Planalto Santareno.

2009: Queima de balsa em protesto pela retirada ilegal de madeira das Resex Tapajós-Arapiuns e da TI Maró. Sete lideranças indígenas sofrem ação por formação de quadrilha e falsidade ideológica pelo ato.

2012: Instauração de Inquérito Civil Público pelo MPF para a implementação de DSEI ou polo de saúde diferenciada para atender aos povos indígenas da região.

Julho de 2014: Apresentação, pelo Ibama, de projeto de crédito de carbono ao Conselho Deliberativo da Resex.

13/08/2015: Ocupação da sede do ICMBio pelos indígenas reivindica a suspensão do projeto de crédito de carbono. Realização de acordo entre os indígenas, o ICMBio e a Funai, suspendendo temporariamente o projeto.

Janeiro de 2017: Início do processo de autodemarcação da Terra Indígena Tupinambá.

19/09/2017: Sentença da Justiça Federal determina que a Sesai ofereça atendimento à saúde diferenciado para as 13 etnias que vivem no Baixo Tapajós.

Outubro de 2017: Absolvição dos indígenas acusados em 2009 pela queima das balsas. O juiz conclui que inexistem provas suficientes.

21/06/2018: Apresentação, pelo DNIT, de Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Hidrovia Teles Pires.

2018: Implementação parcial da hidrovia Teles Pires, com três trechos independentes.

14/12/2018: Ato, organizado pelos Tupinambás do Tapajós, contra a construção da hidrovia Teles Pires. Interceptação de barcaças com soja e madeira no território Tupinambá.

22/05/2019: Portaria do Ibama aprova Plano de Manejo Florestal Sustentável no interior da Resex. Início das reuniões com o Conselho Deliberativo da Resex visando sua implementação.

Outubro de 2019: Interceptação de barcaças com soja e madeira no território Tupinambá.

Novembro de 2019: Conclusão das obras de pavimentação do trecho norte da BR-163.

20/11/2019: Audiência Pública do MPF com a presença dos Tupinambá e Munduruku. Os Tupinambá apresentam demanda pela demarcação de suas terras e um protocolo de consulta prévia.

Agosto de 2019: União apresenta recurso contra sentença judicial que determina à Sesai o atendimento à saúde diferenciado aos indígenas do Baixo Tapajós e Arapiuns, sob o argumento de que a decisão desconsiderou antigo critério integracionista (superado pela Constituição Federal de 1988).

Dezembro de 2019: MPF solicita à justiça federal cobrança de multa de 13 milhões de reais à Sesai e multa pessoal à diretora do órgão, que desobedeceu conscientemente a justiça ao impedir a contratação de equipe de atendimento à saúde indígena no Baixo Tapajós.

21/1/2020: Sesai apresenta equipe multidisciplinar para o atendimento à saúde das 13 etnias indígenas do Baixo Tapajós e Arapiuns.

2020: Retomada do processo de autodemarcação da Terra Indígena Tupinambá.

5/3/2020: Envio de representação à Procuradoria da República em Santarém visa agilizar os processos de demarcação junto à Funai.

20/3/2020: Recomendação do MPF à Agência Nacional de Mineração para que adote medidas de combate à concentração ilegal de requerimentos de PLGs, além da revisão dos limites da Reserva Garimpeira do Tapajós.

21/04/2020: Parecer da ANM e AGU questiona as recomendações do MPF realizadas em março.

7/7/2020: Aprovação pela ANTT do plano de outorga para concessão do Ferrogrão antes de realizar a CCLP.

10/07/2020: Submissão do plano de outorga para concessão do Ferrogrão à análise pelo Tribunal de Contas da União.

Novembro de 2020: Suspensão, pela Justiça Federal, das reuniões do Conselho deliberativo da Resex sobre o plano de manejo em função da pandemia de Covid-19.

19/01/2021: Liminar da Justiça Federal à Funai estipula prazo de três dias para a apresentação de informações sobre os processos de demarcação das TIs da Resex Tapajós-Arapiuns.

 

Fontes

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