PB – Mais de duzentas famílias da Ocupação Tijolinho Vermelho lutam por moradia
UF: PB
Município Atingido: João Pessoa (PB)
Outros Municípios: João Pessoa (PB)
População: Comunidades urbanas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Especulação imobiliária, Indústria do turismo
Impactos Socioambientais: Favelização
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida
Síntese
A cidade de João Pessoa, na Paraíba, possui um déficit habitacional de 20.939 habitações. Muitas famílias residem em habitações inadequadas ou não têm onde morar, estando carentes dos seus direitos básicos enquanto cidadãos. Diante disto, um grupo de cerca de duzentas famílias, organizadas pelo Movimento Terra Livre, ocupou, no dia 19 de abril de 2013, o prédio abandonado do antigo Hotel Tropicana, no centro da cidade. A ocupação foi batizada de Tijolinho Vermelho.
As famílias são de origem dos bairros pobres de João Pessoa, não tendo condições financeiras de pagar aluguel e nem outra alternativa de moradia que não seja o hotel ocupado.
O prédio estava abandonado há mais de dez anos, portanto, não cumpria sua função social. Além disso, o imóvel foi objeto de permuta entre a União e a empresa Hotel Tropicana S. A., permuta esta que foi questionada pelo Ministério Público Federal por suspeita de fraude contra o patrimônio da União. Tal processo está em julgamento.
A Secretaria de Patrimônio da União na Paraíba (SPU-PB), em parceria com o Hotel Tropicana S.A., entrou com Ação de Reintegração de Posse do imóvel. As famílias convivem com a incerteza e o medo do despejo, que, caso aconteça, irá deixá-las na rua. No entanto, contam com o apoio da Defensoria Pública da União (DPU) e do MPF, que entraram com ação civil pública pela manutenção das famílias no edifício, no intuito de que este seja oficialmente destinado à moradia social e que receba recursos federais para sua reforma e adequação.
Em dezembro de 2013, a Justiça Federal da Paraíba determinou a suspensão, tanto da ação de reintegração de posse, quanto da ação civil pública, até que esteja concluída a questão referente à propriedade do imóvel. Até lá, as famílias permanecem no prédio do hotel, sem garantia de moradia permanente no local.
Contexto Ampliado
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Não estamos ali por boniteza, mas por necessidade. (Moradora não identificada da Ocupação Tijolinho Vermelho)
O processo de urbanização do município de João Pessoa, na Paraíba, segundo o arquiteto Marco Antonio Suassuna Lima, ocorreu de forma desordenada, seletiva e excludente, com a priorização de investimentos em áreas mais valorizadas em detrimento das áreas carentes, o que gerou um aumento das desigualdades sociais ao longo dos anos. Para o arquiteto, houve segregação sócio-espacial e ineficiência dos governos em oferecer serviços públicos de qualidade. Este quadro, somado ao déficit habitacional, agravou o cenário de desigualdades na cidade desde a década de 1970. Esta situação se reflete na paisagem urbana marcada pela existência de assentamentos precários e irregulares por todo perímetro urbano, situados não somente nas regiões periféricas, mas também nos espaços intra-urbanos [… onde] ricos e pobres convivem lado a lado no espaço urbano, mas em condição desigual de habitabilidade.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município tem uma população de 769.607 pessoas (estimativa para 2013). As informações obtidas no Censo de 2010 indicam que, dos 213.623 domicílios existentes no município, 11,95% (25.524 unidades) são caracterizados como aglomerados subnormais (assentamentos irregulares conhecidos como favelas, invasões, entre outros); nestas habitações, residem mais de 91 mil pessoas, ou 12,69% da população.
A Pesquisa sobre Estimativas do déficit habitacional brasileiro (2007-2011), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em maio de 2013, indica que o déficit habitacional estimativo de João Pessoa, com base no Censo de 2010, é de 20.939 habitações, evidenciando a demanda por habitações para a população de baixa renda da cidade.
Diante deste cenário, no dia 19 de abril de 2013, um grupo de cerca de 200 famílias ocupou o prédio abandonado do antigo Hotel Tropicana, localizado no centro da cidade de João Pessoa. Segundo o Terra Livre, que colaborou com a organização da ocupação, as famílias são oriundas de áreas de risco e bairros pobres de João Pessoa, como Padre Zé, Mandacaru, Roger, Saturnino de Brito e Alameda, que há muitos anos sofriam com a precariedade dos locais onde habitavam, áreas irregulares ou em situações bastante precárias, sem condições de arcarem com o aluguel. Essas famílias há anos aguardam nas ruas, em casas alugadas a elevados preços ou em áreas de risco, serem contempladas por programas habitacionais […] insuficientes para a grande demanda habitacional do país.
Ainda de acordo com o Movimento Terra Livre, o edifício estava abandonado há cerca de dez anos, sendo um dos muitos prédios no centro da cidade que aguardam apenas a valorização imobiliária da região para serem utilizados, transformados em grandes centros comerciais, shoppings.
O edifício em questão foi objeto de uma permuta entre a União e o Hotel Tropicana S.A, no ano de 2005 (contrato firmado em 25 de maio). A União trocou dois imóveis de sua propriedade pelo prédio do antigo Hotel Tropicana. À época, a permuta foi contestada pelo Ministério Público Federal (MPF), pelo entendimento de que o acordo havia sido prejudicial ao patrimônio da União; para tanto, foi aberta uma Ação Civil Pública (ACP) pelo MPF contra a União e o Hotel Tropicana S.A., solicitando a nulidade do processo.
De acordo com informações da sentença do processo desta ACP, a permuta era antieconômica para a União; além disso, não houve desafetação prévia de um dos imóveis a serem inclusos na permuta, a saber, a sede da Superintendência da Polícia Federal na Paraíba; também houve divergência gritante entre os laudos de avaliação dos imóveis envolvidos no negócio, o que evidencia indícios de fraude armada com o fim de obter vantagem indevida em detrimento do patrimônio público federal.
Uma vez concluída a permuta, o Superintendente da Polícia Federal à época, Argipino Oliveira Netto, ao tomar conhecimento de que a sede da Superintendência fazia parte do negócio, solicitou à Câmara de Valores Imobiliários e mais duas corretoras de imóveis locais que avaliassem os imóveis. Estas análises apuraram diferenças superiores a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em prejuízo da UNIÃO.
Em 24 de setembro de 2008, a Juíza federal Cristiane Mendonça Lage decretou a invalidade da permuta. No entanto, as partes recorreram e o processo está em julgamento até o momento em que este texto foi escrito (maio de 2014).
Após a ocupação do antigo prédio do hotel, a empresa Hotel Tropicana S.A, tendo a União como assistente, entrou com ação de Reintegração de Posse contra Taís Kubik Martins, representante do Movimento Terra Livre, no dia 30 de abril de 2013.
De acordo com o Movimento, no dia 10 de maio ocorreu uma audiência, na Justiça Federal, na qual o juiz Phelipe Vicente de Paula Cardoso, da 2a Vara de 1a Instância, suspendeu o processo de reintegração por 30 dias, para que o Estado e o movimento apresentassem formas para resolver o problema social das famílias. No entanto, não houve acordo com a representante da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), a superintendente de patrimônio Daniella Bandeira, que defendeu o despejo imediato das famílias e a reintegração de posse do imóvel.
Diante desta notícia, as famílias e o Terra Livre deram início à mobilização de uma moção contra a remoção das famílias, reivindicando: retirada do processo de reintegração de posse, até que se resolva a situação das famílias; destinação do prédio para moradia, já que não existe outro planejamento por parte da União; e recursos do governo federal para reforma e adequação. Acrescentam, na nota divulgada, estarem dispostos a negociar, e que, se houver violência contra as famílias, crianças e idosos, a culpa é da União!.
O movimento por moradia na Paraíba organizou uma manifestação, no dia 14 de maio, na porta da sede do Ministério da Fazenda, em João Pessoa. Na ocasião, a superintendente do Patrimônio da União na Paraíba, Daniela Bandeira, afirmou ao G1 que o movimento pede a utilização do prédio do antigo hotel para fins de moradia das famílias que já residem no local, mas que, no entanto, não há a possibilidade de lidar com esta realidade, uma vez que o imóvel não está completamente incorporado ao patrimônio da União. Se trata de um edifício que ainda é objeto de discussão judicial.
Com o intuito de debater a situação das famílias que compõem a Ocupação Tijolinho Vermelho, o Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB) realizou uma audiência pública no dia 24 de maio. Estiveram presentes nesta audiência, segundo a ata da mesma, representantes do Hotel Tropicana, da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), da Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP), da Advocacia Geral da União (AGU), da Secretaria Municipal de Habitação, do Conselho Estadual de Direitos Humanos e dos moradores da ocupação.
Durante a assembleia, o Defensor Público Federal, Daniel Teles Barbosa, apresentou o laudo técnico do edifício que constatou, apesar do péssimo aspecto estético, as boas condições da sua estrutura, e que melhorias não seriam feitas com grandes dificuldades.
Destacou-se pela AGU, através de seu representante Petrov Ferreira, que o edifício em questão é de propriedade da União, mas que havia sido realizada uma permuta com o Hotel Tropicana, a qual foi questionada pelo MPF, uma vez que houve indícios de vícios durante o processo. E ainda que a decisão do MPF de anular a permuta se deu com base no fato de que a negociação era lesiva ao patrimônio da União.
O representante da CEHAP, Gildimar Santos, confirmou o interesse do órgão em destinar o imóvel à habitação popular e que, havendo acordo com a União para cessão do mesmo, se responsabilizaria em angariar fundos, junto ao Ministério das Cidades, para a reforma do prédio. Gildimar destacou ainda a existência de um programa federal para reabilitação de imóveis em áreas centais, e que em João Pessoa havia muitos prédios abandonados na área central da cidade, sem função social nenhuma, e que a decisão da SPU de manter a reintegração de posse iria na contramão do entendimento da CEHAP e do Governo do Estado da Paraíba.
O coordenador nacional do Movimento Terra Livra, Marcio Silva, que na audiência representava as famílias da ocupação, afirmou que o processo de reintegração de posse é regressivo, uma vez que as famílias moravam em lugares muito piores do que a realidade do prédio, pois diariamente aparecem outras famílias buscando moradia no prédio.
Duas moradoras da ocupação tiveram possibilidade de dar um breve depoimento na audiência pública e reforçaram a fala do coordenador do Terra Livre. Guimara afirmou que: é mãe de família, não ocupou o Hotel porque achou bonito, mas por necessidade, que quando chegaram havia muita sujeira no Hotel, mas está melhor do que estava antes, pois é catadora de reciclagem e não tinha condições de pagar aluguel, mas recebeu o despejo e teve que fazer alguma coisa pela família.
Aurileide, também ocupante, afirmou que foi uma das primeiras a chegar no hotel, e que lá encontrou muito lixo; que é faxineira, que quer uma moradia, que não quer nada mais que seus direitos; que tem dia que não tem o que comer, mas está lutando pelos seus objetivos, seja o que for.
Ao final da audiência, levando em consideração o grave problema social que seria gerado com o despejo das famílias, o MPF recomendou à União que solicitasse judicialmente a prorrogação do prazo concedido para a reintegração em pelo menos mais seis meses, para que fosse possível dar continuidade às negociações. Foi solicitado à SPU uma consulta à direção do órgão sobre a possibilidade de desistência das ações de reintegração, cujas respostas deveriam ser dadas em até 20 dias.
Dos governos estadual e municipal, o MPF solicitou informações, em até dez dias, sobre providências possíveis de serem adotadas para assistência aos moradores no caso de despejo judicial, e acompanhamento de situação de cada família por assistentes sociais.
A SPU, bem como os antigos proprietários do prédio – a empresa Hotel Tropicana S.A. -, indicou não ser favorável ao acordo.
No dia 06 de junho, data em que terminou o prazo de suspensão do processo de reintegração de posse para reconciliação entre as partes, as famílias da ocupação Tijolinho Vermelho organizaram um protesto, no centro da cidade, pelo seu direito à moradia. Aline Costa, integrante do movimento Terra Livre, esclareceu, em reportagem ao G1 PB, que as famílias receberam ordem de despejo, mas que não foi oferecida nenhuma alternativa de moradia. Segundo Aline, Daniele Bandeira, a superintendente [do Patrimônio] da União, entrou com uma ação de reintegração de posse e, as famílias que estão lá no antigo Hotel Tropicana, estão precisando de moradia.
A manifestação foi registrada em vídeo, por Ecliton Monteiro, e é possível ver as bandeiras de reivindicações dos moradores e a presença de muitos jovens: Ocupamos porque não temos casa para morar!.
No dia 11 de julho, nova manifestação foi realizada pelas famílias da ocupação Tijolinho no centro de João Pessoa. Desta vez, as ações integravam o Dia Nacional de Lutas, que contou com manifestações em várias capitais do país.
No início de agosto, movimentações ocorreram quanto à situação das famílias. No dia 02, na Avenida Tabajara, um novo protesto foi realizado pelos moradores contra a reintegração de posse do prédio em que estavam. As famílias cobraram uma posição do poder público sobre seus destinos em caso de despejo. Rodrigo Silva, morador da ocupação, afirmou ao G1 PB que: São crianças, idosos que vivem lá [no Hotel Tropicana]. Por isso, precisamos que o governo do estado e a prefeitura tomem uma atitude com relação à nossa situação. De acordo com a reportagem do G1, foram contabilizadas 270 famílias residindo no antigo hotel.
Nathalia Pessoa, doméstica e moradora da ocupação, e segundo a reportagem, coordenadora do protesto, relatou sua apreensão à reportagem do Click Paraíba, que registrou a manifestação:
A reintegração de posse já foi pedida, mas ainda não chegou. A gente tá querendo que não chegue a reintegração de posse, porque se chegar vão as famílias todas pra rua. […]. Não chegou ninguém pra dizer se a gente vai ter casa, se a gente vai ter oportunidade ou não. Só chega pra dizer que a gente vai ter que sair. Como é que vão sair 270 famílias de um prédio? Pra onde esse pessoal todo vai? […] Isso que a gente está fazendo é pra chamar a atenção do pessoal e ver se temos alguma resposta. Porque a única resposta que eles querem dar é a reintegração de posse, e isso a gente não quer! E se ela chegar a gente vai lutar de todo jeito, não vai aceitar!
Além de Nathalia, Dona Elsa Almeida, doméstica, também contou sua história à reportagem do Click Paraíba:
Não tenho condições de pagar aluguel porque eu recebo R$ 70,00 de Bolsa Família. Eu pagava R$ 180,00 de aluguel, e mais água, luz e bujão; eu não tenho condições de pagar aluguel. Tinha esse Hotel Tropicana abandonado, as meninas foram morar lá e eu fui também. […] Eu não tenho onde morar, não ia ficar na rua. […] Essa casa onde eu morava era na beira da maré, minha casa invadiu dágua, […] o jeito que deu foi morar lá mesmo. O que a gente quer é uma casa pra morar, uma moradia, que a gente tem direito também!
Na mesma época, uma reportagem realizada pelo próprio MPF-PB, dentro da série Interesse Público, entrevistou os moradores – em sua maioria, já inscritos nos programas habitacionais do governo federal – e demonstrou as condições do prédio em que vivem as famílias. Tudo no prédio é improvisado, desde paredes com lençóis até o fornecimento de energia que não chega a todos os quartos, mas o principal problema é o escoamento da água para a rede de esgoto, que não acontece devido ao entupimento dos canos.
Para Kailane Fernandes, desempregada e moradora da ocupação: Faz muitos anos que estou cadastrada e nunca que saiu minha casa, aquilo lá é minha casa, minha dívida! Não é minha casa, minha vida, não. […] Estamos aqui na luta, batalhando, vendo quais os órgãos que podem olhar pra gente.
O Procurador da República na Paraíba, Duciran Farena, afirmou na reportagem que:
Se for retirado o lixo e forem feitos pequenos reparos, ele se presta à moradia. Sabemos que a tendência urbanística moderna é de que as moradias sejam concentradas em prédios desocupados. Aquilo jamais voltará a ser um hotel, em hipótese nenhuma. Também não é apropriado ao funcionamento de uma repartição pública, porque não tem estacionamento. […] A tendência daquele imóvel, se você for ver os planos urbanísticos feitos atualmente, seria justamente para habitação. […] Na audiência realizada no MPF, infelizmente, não foi possível conseguir um acordo entre as partes envolvidas, principalmente pela resistência da União Federal e do ex-proprietário do hotel, que se encontra sub judice, em concordarem com a permanência provisória daquelas pessoas, enquanto elas seriam redistribuídas para outros programas sociais, na medida das possibilidades.
No dia 06 de agosto, a Defensoria Pública da União (DPU), através do Defensor Público Daniel Teles Barbosa, abriu uma Ação Civil Pública (ACP) contra a União, o Estado da Paraíba e a Prefeitura de João Pessoa. Na ação foi solicitada medida cautelar para que as famílias permaneçam no imóvel durante o curso do processo de reintegração de posse, e que caso isso não aconteça deve ser providenciada moradia digna no prazo de seis meses para todas as famílias. E que seja ampliado o prazo para que as partes cheguem a um acordo.
A petição inicial da ACP solicita também que o prédio do Hotel Tropicana seja destinado à habitação de interesse social, para atender as famílias da Ocupação Tijolinho Vermelho. E ainda que, no caso de que todas as famílias não consigam ali ser acomodadas, que a União, o Estado a Paraíba e o Município de João Pessoa providenciem uma moradia digna para as famílias, em consonância com a concepção do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.
O Defensor Daniel afirma que o argumento utilizado pela DPU é o de garantir o direito à moradia daquelas famílias, e que os ocupantes não são criminosos, pois a ação de ocupar possui a exclusiva finalidade de exercer o seu direito fundamental à moradia.
As famílias que ocupam o prédio nem sempre recebem o devido tratamento pela imprensa local, que aproveita situações trágicas para caluniar os moradores. No dia 22 de outubro, um homem foi encontrado morto a tiros no interior da ocupação, não havendo, conforme noticiado pelo G1, informações sobre a possível motivação do crime, nem sobre os autores. No entanto, outras redes de informação usaram do fato para emitir opiniões falsas sobre a ocupação. Indignados, os moradores decidiram, em assembleia no dia seguinte, redigir e divulgar uma carta pública à sociedade e à imprensa paraibana, o que foi feito no dia 26 de outubro.
Nesta carta, os moradores pedem retratações dos jornalistas Fábio Araújo, da Tevê Tambaú, e Anacleto Reinaldo, da Rádio Arapuan, que teriam caluniado as 200 famílias afirmando na televisão e no rádio que o local é uma boca de fumo ou que no prédio só tem bandidos. Ora, eles sabiam dos fatos e mesmo assim resolveram intencionalmente nos caluniar. Na carta, esclarecem também que o homem morto não era morador da ocupação e que poucos o conheciam; que todo o ocorrido foi rapidamente informado à Polícia Militar e à Polícia Civil, que chegou para recolher o corpo.
A coordenação da Ocupação, que assina a carta, afirma que:
O movimento conhece muito bem os expedientes deste tipo de jornalista, preocupado em criminalizar os pobres e comprometido com os setores mais poderosos e conservadores da Paraíba, divulgando sensos comuns sobre a violência, criados para a manutenção da repressão social.
As 200 famílias honestas que vivem há seis meses no Tijolinho Vermelho (o que inclui três crianças nascidas no local) exigem uma retratação pública dos dois jornalistas acima citados e reafirma o objetivo máximo da ocupação: garantir moradia digna das famílias e um futuro para nossos filhos.
Diante dos impasses e da falta de acordo entre as partes envolvidas, o Juiz Federal Alexandre Costa Freire decidiu, no dia 12 de dezembro de 2013, suspender a Ação de Reintegração de Posse (Processo nº 2617-38.2013) quanto à Ação Civil Pública (Processo nº 4602-42.2013), até que seja decidida a questão sobre a propriedade do edifício, que tramita em outro processo judicial (Ação Civil Pública nº 12360-53.2005.4.05.8200).
De acordo com o Movimento Terra Livre, em notícia divulgada em janeiro de 2014, a decisão da SPU da Paraíba de manter o pedido de reintegração de posse seria contrária à decisão do mesmo órgão em Brasília, que já havia indicado a intenção de transformar o prédio em moradia social.
Sendo assim, as mais de 200 famílias permanecem residindo no prédio do antigo hotel. No dia 16 abril de 2014, segundo informações de moradores da ocupação disponíveis nas redes sociais, foi realizada uma festa para comemorar um ano da ocupação Tijolinho Vermelho, demonstrando que até esta data as famílias seguiam na mesma situação.
A carta-convite para a comemoração, emitida pelo Terra Livre, traz o seguinte conteúdo:
Ao comemorar o nosso aniversário, lembramos que estas famílias tiveram que resistir à tentativa dos governos de acabar com este sonho. A União e a prefeitura acham que as famílias podem esperar anos ou décadas pela fila da moradia, pagando aluguéis abusivos para viver em áreas de risco ou de favor. Ocupamos as ruas diversas vezes para sermos ouvidos, abrimos as portas do Ministério Público e tribunais de justiça através da pressão popular. Buscamos ajuda e tivemos apoio de pessoas, entidades e movimentos que só queriam uma coisa: justiça e igualdade social.
Dia após dia, as famílias, no seu processo de luta e organização, entenderam que elas não estavam sós, mas fazem parte de milhões que também lutam pela moradia, que também resistem para garantir a sobrevivência, que são apoiados por outros milhões que sabem que a organização popular é a única saída para um futuro melhor e mais humano para a nossa sociedade.
Desde então, crianças nasceram, famílias se consolidaram, vidas foram recuperadas, e o Tijolinho Vermelho permanece forte e como uma grande pedra no sapato dos poderosos! Resistindo até a vitória!!!
O processo envolvendo a permuta do edifício entre a União e o Hotel Tropicana S.A encontra-se, em maio de 2014, na 3a Vara de Justiça Federal, desde o dia 29 de abril deste ano. Ainda carece de decisão final.
Cronologia
25 de maio de 2005 – Assinado o contrato de permuta entre a União e o Hotel Tropicana S.A.
24 de setembro de 2008 – Juíza federal Cristiane Mendonça Lage decreta invalidade da permuta.
19 de abril de 2013 – Um grupo de cerca de 200 famílias, assessoradas pelo Movimento Terra Livre, ocupa o prédio abandonado do antigo Hotel Tropicana; nasce a Ocupação Tijolinho Vermelho.
30 de abril de 2013 – Hotel Tropicana S.A. e União entram com Ação de Reintegração de Posse do prédio do hotel contra Taís Kubik Martins, representante do Movimento Terra Livre.
10 de maio de 2013 – Justiça Federal suspende o processo de reintegração por 30 dias para conciliação entre as partes.
14 de maio de 2013 – Manifestação das famílias da Ocupação na porta da sede do Ministério da Fazenda em João Pessoa.
24 de maio de 2013 – Ministério Público Federal da Paraíba (MPF-PB) realiza audiência pública sobre o caso.
06 de junho de 2013 – Termina o prazo de suspensão do processo de reintegração de posse; as famílias da ocupação realizam novo protesto.
11 de julho de 2013 – Manifestação realizada pelas famílias da ocupação integra o dia Nacional de Lutas.
02 de agosto de 2013 – Protesto realizado pelos moradores contra a reintegração de posse.
06 de agosto de 2013 – Defensoria Pública da União (DPU) abre Ação Civil Pública (ACP) contra a União, o Estado da Paraíba e a Prefeitura de João Pessoa em favor das famílias da ocupação.
12 de dezembro de 2013 – Justiça Federal decide suspender a Ação de Reintegração de Posse, bem como a Ação Civil Pública, até que seja decidida a questão sobre a propriedade do edifício, que tramita em outro processo judicial.
16 abril de 2014 – Famílias realizam festa de comemoração do aniversário de um ano da ocupação Tijolinho Vermelho.
Fontes
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Vídeos:
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MONTEIRO, Eclinton. Protesto no Centro de João Pessoa dificulta trânsito. 06/06/2013. Disponível em: http://goo.gl/WKF0eB. Acessado em: 27 abr. 2014.