PB – Detenções, espancamentos e violência de policiais e pistoleiros não impede decretação de fazenda improdutiva para fins da reforma agrária
UF: PB
Município Atingido: Pocinhos (PB)
Outros Municípios: Pocinhos (PB)
População: Agricultores familiares
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Violência – ameaça, Violência – coação física, Violência – lesão corporal
Síntese
Como tem acontecido em várias regiões onde a monocultura e o latifúndio são privilegiados, torna-se cada vez mais necessário incorporar as condições dos trabalhadores rurais que lutam para produzir alimentos às dimensões da justiça ambiental e da saúde. Trabalhadores rurais acampados sem condições satisfatórias para reprodução e manutenção de suas atividades são agredidos por formas pretéritas de acesso à terra, tal agressão é reatualizada no presente, no Estado da Paraíba. A dignidade dos trabalhadores acampados na fazenda Cabeça de Boi, no município de Pocinhos, tem sido violentamente atacada por despejos ilegais praticados por pistoleiros e policiais com emprego de torturas e aprisionamento arbitrário e ilegal de pessoas.
A fazenda Cabeça de Boi foi declarada para fins de reforma agrária por decreto presidencial de 4 de dezembro de 2008. Distintamente do alegado pela proprietária, a fazenda não seria uma reserva ambiental e, segundo vistoria do Incra, caracteriza-se como área improdutiva. A área de 747 hectares é reivindicada pelas famílias que na noite de 1º de maio de 2009 montaram acampamento nas margens da BR 230, vizinha à fazenda.
Contexto Ampliado
Na manhã do dia 2 de maio de 2009, as 60 famílias acampadas na beira da fazenda Cabeça de Boi foram acordadas com tiros e se depararam com vários policiais e pistoleiros cercando o acampamento. A ilegalidade da ação dos policiais foi clara. Por volta das três horas da madrugada de sábado, a polícia militar fardada, sob o comando do Tenente Jonat Midore Ysak, cercou o acampamento e exigiu que os sem-terra desocupassem a propriedade, mesmo sem mandado de reintegração de posse em mãos. Colocaram fogo e destruíram todo o acampamento sem preocupação com pertences das famílias nos barracos. Trabalhadores foram espancados. Durante o despejo ilegal, os policiais e capangas da propriedade prenderam acampados.
A violência praticada por policiais incluiu um agravante: em exercício extremo de repressão política, eles torturaram os manifestantes com uso de técnicas típicas do período militar, como por exemplo, banho de gasolina seguida de ameaça de fogo. Um dos sete acampados que sofreu esta ameaça teve queimaduras nos braços. Os relatos dos acampados foram divulgados por entidades em defesa dos direitos humanos. (1)
Segundo consta, no momento em que as famílias estavam montando os barracos, pistoleiros e possíveis policiais sem farda começaram a rondar o acampamento e disparar suas armas contra as famílias. Neste momento, um carro Fiat Palio, ano 2003, que servia de apoio ao movimento, foi queimado pelos pistoleiros. Segundo a CPT, a versão da imprensa contradisse o denunciado por testemunhas, ao informar que o carro teria sido incendiado pelos acampados. Foi também denunciado que a ação dos pistoleiros produziu ferimentos em várias pessoas que estavam construindo seus barracos. (1)
Depois, os trabalhadores presos seriam levados para a delegacia de Pocinhos, sendo liberados após muitas agressões. No sábado (2), por volta das 22 horas, os dois presos realizaram exame de corpo delito, apresentando várias marcas no corpo e, um deles, uma fratura na costela. Ambos foram transferidos para o Presídio Monte Santo, em Campina Grande. A juíza Adriana Maranhão Silva, do Fórum de Pocinhos, havia decretado a prisão preventiva dos sem-terra. (5)
Em 04 de maio, o MST realizou ato em frente à delegacia de Pocinhos, exigindo a libertação dos militantes presos. Na mesma ocasião, o movimento divulgou nota onde denunciava as arbitrariedades e o desaparecimento de pelo menos cinco trabalhadores rurais sem terra. (8)
Em resposta, no dia 06 de maio, o então secretário da Segurança e da Defesa Social, Gustavo Ferraz Gominho, foi à imprensa para defender a ação dos policiais. Gominho afirmou, na ocasião:
Segundo relatório, os policiais foram recebidos a tiros pelos sem terra, que atearam fogo em um carro e em uma residência da propriedade para evitar a ação da PM. Isso motivou uma reação dos policiais, que fizeram uso de meios auxiliares de contenção e uso progressivo da força para própria defesa e para controlar a situação. (9)
Naquela mesma semana, o superintendente local do Incra confirmou que o imóvel ocupado estava declarado para fins de reforma agrária através de decreto assinado pelo presidente da República no dia 04 de dezembro de 2008. Frei Anastácio confirmou ainda que o INCRA não havia sido comunicado de qualquer ação de reintegração de posse envolvendo o imóvel:
Inclusive já está sendo preparada a emissão de TDAs (Títulos da Dívida Agrária), em Brasília, como pagamento pela desapropriação da fazenda. Não entendemos porque de repente a área se tornou tão conflituosa. (10)
O Ministério Público, através do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão da Paraíba (CEDDHC), também passou a acompanhar o caso. O então presidente do CEDDHC encaminhou pedido de esclarecimentos ao secretário Gominho. O CEDDHC solicitou também informações a respeito das cautelas indicadas para a operação, tais como comunicação a órgãos públicos relacionados com a questão agrária e mediação prévia. (11).
No dia 26 de maio de 2009, dois dos sem-terra detidos permaneciam presos e o GT de Combate ao Racismo Ambiental da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (GT-CRA/RBJA) encampou pedido de revogação da prisão dos integrantes do MST, encaminhado à juíza Adriana Maranhão. Tal campanha também contou com o apoio do Comitê de Apoio à Luta Pela Liberdade dos Presos Políticos, que visitou a cidade de Pocinhos para tentar sensibilizar a Justiça, de modo que militantes do MST fossem libertados. A visita foi realizada por uma comissão formada pelo Bispo de Campina Grande, pelo Vereador Antonio Pereira, pelo presidente da ADUFCG, professor Josevaldo Pessoa Cunha, entre outros. (12)
A falta de agilidade na soltura dos presos provocou manifestações do MST em parceria com outras entidades. Foram fechadas estradas em seis pontos do Estado da Paraíba, entre os quais dois trechos da BR 230 – um entre Patos e Condado (BR 230) e outro nas proximidades de São José da Mata, no Sertão -, dois trechos da BR 101 – um no município de Monteiro e outro em Caaporã (divisa de Pernambuco e Paraíba), e dois outros trechos, nos municípios de Remígio e Mari, respectivamente nas rodovias estaduais PB 75 e PB 73). O MST pedia agilidade da justiça na liberação dos dois trabalhadores presos. (1)
O pedido de liberdade provisória dos dois trabalhadores que permaneceram presos foi negado pela juíza Adriana Maranhão Silva. Um pedido de Habeas Corpus foi então protocolado no Tribunal de Justiça da Paraíba, solicitando a libertação imediata dos dois trabalhadores do movimento.
A proprietária Maria do Rosário Rocha afirmou em entrevista à TV Paraíba que, após a ocupação da área pelos trabalhadores, solicitou a reintegração de posse para criar uma reserva ambiental no local. Vanúbia Oliveira, da CPT de Campina Grande, lembrou, contudo que a fazenda há muito tempo estava abandonada. A estratégia da fazendeira Maria do Rosário seria uma prática comum para manter o controle do seu domínio: alegar a sua suposta preservação.
Somente em 4 de junho, os agricultores foram soltos. Por liminar do desembargador Antônio Carlos Coelho da Franca, do Tribunal de Justiça da Paraíba, foi expedido o alvará de soltura para Osvaldo Soares Meira e Nilton Tavares de Araújo.
Esta decisão foi conquistada após as pressões de grupos apoiadores dos acampados e do pleito das ouvidorias agrárias regional e nacional do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), esta última representada pelo ouvidor agrário nacional adjunto, o desembargador João Pinheiro de Souza.
O relator entendeu que a juíza da comarca de Pocinhos, na decisão que decretou a prisão dos trabalhadores, deixou de guarnecer motivação concreta para a decretação da prisão preventiva dos pacientes, com base em fatos que, efetivamente, justificassem a excepcionalidade da medida, atendendo com isto à norma jurídica contida do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Cerca de três meses depois, os integrantes do movimento ainda se sentiam ameaçados. Segundo reportagem de Lívia Falcão para o jornal O Norte, o trabalhador rural identificado apenas como N.T.A. denunciou que, na ocasião do confronto com a polícia, havia sido deixado em uma casa que foi incendiada por prepostos da fazendeira. Ele conseguiu sobreviver, apesar de haver sofrido algumas queimaduras, mas até aquela ocasião ainda estaria sob ameaça de morte. (13)
Última atualização em: 13 de setembro de 2011
Fontes
(1) CONSEJO LATINOAMERICANO DE CIENCIAS SOCIALES. Cronología del Conflicto Social. Documento de trabajo Nº 228. Realizado por el Comité de Seguimiento del Conflicto Social y la Coyuntura Latinoamericana de R Brasil. Maio 2009.
(2) COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Entidades vão ao MP denunciar violência no despejo em Pocinhos. Disponível em: <http://goo.gl/gWuRE>. Acesso em: 24 jul. 2009.
(3) COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Trabalhadores Sem Terra são libertados na Paraíba. Disponível em: <http://goo.gl/UzCcw>. Acesso em: 24 jul. 2009.
(4) PB AGORA. Agricultores presos durante conflito em Pocinhos são libertados após intervenção. Disponível em: <http://goo.gl/WUQWu>. Acesso em: 24 jul. 2009.
(5) GT COMBATE AO RACISMO AMBIENTAL. Sugestão de pedido de revogação da prisão dos integrantes do MST. Acesso em: 26 jul. 2009.
(6) LISTA DE DISCUSSÃO DE GEOGRAFIA. Disponível em: <http://goo.gl/F6S2n>. Acesso em: 26 jul. 2009.
(7) MOVIMENTO TERRA, TRABALHO E LIBERDADE. MTL denuncia e registra a sua solidariedade aos fatos ocorridos na Fazenda Cabeça de Boi em Pocinhos. Disponível em: <http://goo.gl/xfqU5>. Acesso em: 25 jul. 2009.
(8) PORTAL CORREIO. MST realiza mobilização na porta da delegacia de Pocinhos. 04 maio 2009. Disponível em: <http://goo.gl/e1Sb7>. Acesso em: 06 set. 2011.
(9) IPARAIBA. Ação da PM em Pocinhos foi legal, confirma secretário. 05 maio 2009. Disponível em: <http://goo.gl/sSX4x>. Acesso em: 06 set. 2011.
(10) WSCOM ONLINE. Tortura contra Sem Terra: Incra pede informações a Segurança e comando da PM. Disponível em: <http://goo.gl/9oxnJ>. Acesso em: 06 set. 2011.
(11) MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL . Conselho de Direitos Humanos apura violência rural em Pocinhos. 05 maio 2009. Disponível em: <http://goo.gl/kpJf3>. Acesso em: 06 set. 2011.
(12) FARIAS, Wellington . Comitê quer que Justiça liberte integrantes do MST que estão presos. Portal Correio, 24 maio 2009. Disponível em: <http://goo.gl/RqK5X>. Acesso em: 06 set. 2011.
(13) FALCÃO, Lívia. Extermínio – Agricultor se sente ameaçado. O Norte, 22 ago. 2009. Disponível em: <http://goo.gl/Tx3Cp>. Acesso em: 06 set. 2011.