PA – Trabalhadores rurais reivindicam regularização da posse da terra no complexo Divino Pai Eterno, em São Félix do Xingu

UF: PA

Município Atingido: São Félix do Xingu (PA)

Outros Municípios: São Félix do Xingu (PA)

População: Trabalhadores rurais sem terra

Atividades Geradoras do Conflito: Pecuária

Danos à Saúde: Violência – ameaça, Violência – lesão corporal

Síntese

O complexo Divino Pai Eterno é uma área de mais de 10.329,2731 hectares pertencente à Gleba Misteriosa, uma terra pública federal de 230 mil hectares localizada no município de São Félix do Xingu (PA). Desde 2008, duzentas famílias de trabalhadores rurais sem-terra – ou 450 pessoas, segundo a estimativa do Tribunal de Justiça do Estado do Pará – ocupam a área e reivindicam junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a regularização da posse da terra. Lá, construíram residências, igrejas, escola e posto de saúde, e promoveram o cultivo de cacau, mandioca, banana, abacaxi, cana, pomares, hortaliças e a criação de pequenos animais.

Contudo, a área é pleiteada também por oito fazendeiros interessados em criar gado, que vêm agindo com violência contra os trabalhadores rurais. Por intermédio de pistoleiros, particularmente as lideranças da ocupação são ameaçadas, sofrem agressões físicas e prejuízos materiais.

Em abril 2014, após a justiça ter indeferido mais um pedido de posse da terra feito pelos pecuaristas – as áreas públicas da União devem ser destinadas prioritariamente à reforma agrária –, sucederam-se diversos conflitos no complexo Divino Pai Eterno. Quatro trabalhadores rurais foram agredidos: Luizmar Gomes foi espancado na frente da família e Lourival Gonçalves, Agenor Fernandes dos Santos e Francisco da Conceição foram baleados.

O ambiente de insegurança generalizado culminou com o assassinato, meses depois, do vice-presidente da Associação dos Ocupantes do Complexo Divino Pai Eterno, Félix Leite dos Santos. O crime teria sido motivado, segundo a Delegaria Especializada em Conflitos Agrários de Redenção (Deca), por conflitos internos aos próprios trabalhadores rurais.

Mesmo após a realização de operações da Polícia Civil para apreender armas e efetuar prisões dos responsáveis pelos crimes ocorridos, as ameaças aos trabalhadores rurais continuam a acontecer.

Contexto Ampliado

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No início de 2008, o município paraense de São Félix do Xingu ganhava dois recordes: comportava o maior rebanho bovino do país, com 1,7 milhão de cabeças de gado, e batia todos os índices de desmatamento boa parte dos 14,5 mil quilômetros quadrados de mata derrubados deram lugar a pastos (Salomon, 2008).

Naquele mesmo ano de 2008, duzentas famílias de trabalhadores rurais sem-terra (FETAGRI & CPT, 2014) cerca de 450 pessoas (TJ-PA, 2015) ocupavam o complexo Divino Pai Eterno, uma área de 10.329,2731 hectares (TJ-PA, 2015) da Gleba Misteriosa, terra pública federal de 230 mil hectares localizada naquele município (Portaria n. 17, 2004; Portaria n. 49, 2007). Desde então, os trabalhadores rurais reivindicam junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a regularização da posse da terra. Na mesma gleba, o órgão público realizou ao menos dois projetos de assentamento: em 2004, o Antares, com 130 unidades agrícolas familiares; em 2007, o Barra Mansa, com 200 unidades agrícolas familiares.

Os trabalhadores rurais ergueram no complexo Divino Pai Eterno casas, igrejas, escola e posto de saúde; passaram a plantar cacau, mandioca, banana, abacaxi, cana, pomares, hortaliças e a criar pequenos animais. As terras que ocupam, porém, também são do interesse de pecuaristas. Alegando deter a posse da área desde antes da ocupação pelos trabalhadores rurais (TJ-PA, 2015), os fazendeiros têm procurado obter a reintegração de posse na justiça e, ao mesmo tempo, agem com violência contra os trabalhadores rurais. Em 2011, seis deles foram ameaçados: José Goiano, Osvaldo Rodrigues da Costa, Vanderlan Rocha Freires e sua esposa, Luciano Bispo Alves e Lucimar Bispo Alves (CPT, 2011).

As denúncias das intimidações levaram a Polícia Civil do Pará a realizar, em 26 de julho, a operação Oração do Divino Pai Eterno. A atuação policial desarticulou a quadrilha de pistoleiros que atuava no local ameaçando os trabalhadores e destruindo suas casas, e prendeu cinco pessoas (G1, 2011).

A gravidade do conflito na área levou a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo a debater a situação do complexo Divino Pai Eterno em sua 305ª Reunião de Trabalho, ocorrida em 9 de fevereiro de 2012 em Marabá (PA) (Braz, 2012). Como resultado, em 5 de março daquele ano a comissão pediu ao ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) agilidade na solução da divergência de entendimento entre justiças federal e estadual quanto à competência para julgar a ação sobre o conflito de posses ali existente, que acabou sendo julgado pela Justiça Federal (Incra, 2012).

Em 13 de agosto de 2013, foi iniciada no complexo Divino Pai Eterno uma inspeção judicial, realizada por uma equipe composta pelo juiz, três servidores do judiciário, o promotor agrário e representantes da Associação dos Acampados, além do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), INCRA, Defensoria Pública Agrária, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Autoridade Policial da Delegacia de Conflitos Agrários e Polícia Militar.

Foi possível verificar que o autor da ação não mantém nenhuma atividade produtiva na área; não há gados, criações, plantios, não há movimentação de empregados e o único imóvel existente trata-se da sede, que, pela estrutura, construída há menos de um ano. Ademais, informa nos autos que apenas arrendava os pastos. Anote-se, por outro lado, que restou demonstrado que os réus estão cultivando e sobrevivendo da colheita do cacau, banana, mandioca, abacaxi, hortaliça… e alguns animais domésticos (TJ-PA, 2015).

Após sucessivas derrotas na justiça (TJ-PA, 2015) e a confirmação pelo programa Terra Legal ‒ programa de regularização fundiária do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) ‒ de que o complexo Divino Pai Eterno é uma área pública e, portanto, deve ser destinada prioritariamente à reforma agrária (FETAGRI e CPT, 2014), em 14 de abril de 2014 iniciaram-se conflitos entre os pistoleiros contratados pelos pecuaristas e os trabalhadores rurais sem-terra.

Sofreram ameaças principalmente as lideranças Félix Leite dos Santos, Roque Santos, José Rodrigues da Silva e Ronair José de Lima (CPT, 2014). Três dias depois, Luizmar Gomes foi espancado na frente da família e Lourival Gonçalves, baleado na perna (Blog do Braga, 2014). Em 23 de abril, dois outros trabalhadores, Agenor Fernandes dos Santos e Francisco da Conceição, foram feridos com armas de fogo (Agora Press, 2014).

Como resultado do conflito, em 10 de junho a Polícia Civil do Pará divulgou a operação Novo Oeste, que apreendeu sete armas de fogo e deteve o gerente dos pecuaristas, acusado de homicídio contra um trabalhador rural conhecido como Cabral (G1, 2014). Pouco mais de um mês depois, em 18 de julho, o vice-presidente da Associação dos Ocupantes do Complexo Divino Pai Eterno, Félix Leite dos Santos, foi assassinado enquanto saía de sua roça e retornava para casa (FETAGRI & CPT, 2014).

Em 12 de novembro, a Polícia Civil do Pará prendeu um dos pecuaristas que pleiteiam na justiça o complexo Divino Pai Eterno, acusado de ameaçar e envolver-se em homicídios de trabalhadores rurais (Polícia do Pará ao Alcance de Todos, 2014). Já em 23 de dezembro, a polícia deteve três acusados de matar Félix Leite dos Santos. O crime teria sido motivado, segundo a Delegaria Especializada em Conflitos Agrários de Redenção (Deca), por conflitos internos aos próprios trabalhadores rurais (O Liberal, 2014).

As ameaças aos trabalhadores continuam. Em 10 de abril de 2015, um dos pecuaristas que pleiteia o complexo Divino Pai Eterno requereu na justiça a reintegração de posse da área. O pedido foi indeferido quatro dias depois. No documento que anuncia sua decisão, o Tribunal de Justiça do Pará (2015) reconheceu que o complexo Divino Pai Eterno tem sido um dos maiores focos de conflitos agrários no sul do Pará, com vários homicídios, furto de gado, desmatamento e notícia de formação de milícias.

Dois meses depois, a CPT denunciou à Delegacia Especializada em Conflitos Agrários que o presidente da Associação Novo Oeste do complexo Divino Pai Eterno, Ronair José de Lima, vem sofrendo ameaças de morte, que partem provavelmente dos pecuaristas da região (Blog Romualdo Lima, 2015).

Cronologia

7 out. 2004: Incra cria na Gleba Misteriosa o Projeto de Assentamento Antares, com 130 unidades agrícolas familiares.

19 dez. 2007: Incra cria o Projeto de Assentamento Barra Mansa, com 200 unidades agrícolas familiares.

2008: Enquanto São Félix do Xingu (PA) bate, ao mesmo tempo, dois recordes, de maior rebanho bovino do país e de desmatamento, duzentas famílias de trabalhadores rurais sem terra ocupam o complexo Divino Pai Eterno, pertencente à Gleba Misteriosa, com a intenção de serem assentadas nessa área da União.

26 jul. 2011: Através de denúncia dos trabalhadores rurais acampados no complexo, a Polícia Civil do Pará executa a operação Oração do Divino Pai Eterno, prendendo cinco pessoas e desarticulando uma quadrilha de pistoleiros.

Mai. 2012: A Comissão Pastoral da Terra (CPT) lança Conflitos no Campo: Brasil 2011 e contabiliza seis trabalhadores sem-terra ameaçados no complexo Divino Pai Eterno: José Goiano, Osvaldo Rodrigues da Costa, Vanderlan Rocha Freires e sua esposa, Luciano Bispo Alves e Lucimar Bispo Alves.

9 fev. 2012: Ocorre em Marabá (PA) a 305ª Reunião de Trabalho da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, com o objetivo de debater os conflitos agrários referentes ao complexo Divino Pai Eterno.

5 mar. 2012: Como resultado da 305ª Reunião de Trabalho da Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, a comissão pede ao ministro do Superior Tribunal de Justiça agilidade na solução da divergência de entendimento entre justiças federal e estadual quanto à competência para julgar a ação sobre conflito de posses do complexo Divino Pai Eterno.

13 ago. 2013: A justiça realiza inspeção no complexo Dvino Pai Eterno, constatando que os pecuaristas que requerem a área não mantêm na mesma atividades produtivas.

14 abr. 2014: Iniciam-se conflitos entre pistoleiros dos pecuaristas e os trabalhadores rurais sem-terra. As lideranças Félix Leite dos Santos, Roque Santos, José Rodrigues da Silva e Ronair José de Lima são ameaçadas.

17 abr. 2014: Luizmar Gomes é espancado na frente da família e Lourival Gonçalves é baleado na perna.

23 abr. 2014: Agenor Fernandes dos Santos e Francisco da Conceição são baleados.

10 jun. 2014: A Polícia Civil do Pará divulga a operação Novo Oeste, que apreende sete armas de fogo na área do complexo Divino Pai Eterno e detém o gerente dos pecuaristas, acusado de tentativa de homicídio contra um trabalhador rural conhecido como Cabral.

18 jul. 2014: O vice-presidente da associação dos ocupantes do complexo Divino Pai Eterno, Félix Leite dos Santos, é assassinado.

12 nov. 2014: A Polícia Civil do Pará prende um dos pecuaristas que pleiteiam na justiça o complexo Divino Pai Eterno, acusado de ameaçar e envolver-se em homicídios de trabalhadores rurais sem-terra.

23 dez. 2014: A Polícia Civil do Pará prende três acusados de matar o vice-presidente da associação dos ocupantes do complexo Divino Pai Eterno, Félix Leite dos Santos.

10 abr. 2015: Os pecuaristas que pleiteiam o complexo Divino Pai Eterno requerem na justiça a reintegração de posse da área.

14 abr. 2015: A justiça indefere o pedido de reintegração de posse do complexo Divino Pai Eterno.

10 jun. 2015: A CPT denuncia para a Delegacia Especializada em Conflitos Agrários que o presidente da Associação Novo Oeste do complexo Divino Pai Eterno, Ronair José de Lima, está sofrendo ameaças de morte, provavelmente, de pecuaristas da região.

Fontes

AGORA PRESS. Manifestantes são baleados durante protesto, 23/04/2014. Disponível em: https://goo.gl/D2mC3w. Acessado em: 15 jul. 2015.

BLOG DO BRAGA. São Félix: conflito em acampamento do MST deixa um baleado e um espancado, 17/04/2014. Disponível em: http://goo.gl/wcSsm2. Acessado em: 15 jun. 2015.

BLOG ROMUALDO LIMA. São Félix do Xingu: briga pela posse da terra poderá fazer mais uma vítima, 10/06/2015. Disponível em: http://goo.gl/Mg3NTg. Acessado em: 25 jun. 2015.

BRAZ, Ademir. Em Marabá, a Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo, 09/02/2012. Disponível em: http://goo.gl/mp53cS. Acessado em: 15 jun. 2015.

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT). Conflitos no campo: Brasil 2011. CPT: Brasil, 2011. Disponível em: http://goo.gl/XeaVTu. Acessado em: 25 jun. 2015.

__________. Conflitos no campo: Brasil 2014. CPT: Brasil, 2014. Disponível em: http://goo.gl/tXEM3O. Acessado em: 25 jun. 2015.

FETAGRI REGIONAL SUL DO PARÁ & COMISSÃO PASTORAL DA TERRA DO SUL E SUDESTE DO PARÁ (CPT). Liderança é assassinada em ocupação de terra pública em São Félix do Xingu. Combate Racismo Ambiental, 23/07/2014. Disponível em: http://goo.gl/IktndS. Acessado em: 15 jun. 2015.

G1. Polícia apreende armas em região de conflitos fundiários no Pará, 10/06/2014. Disponível em: http://goo.gl/UPqXWx. Acessado em: 15 jun. 2015.

__________. Polícia prende pistoleiros suspeitos de assassinatos no Pará. Combate Racismo Ambiental, 26/07/2011. Disponível em: http://goo.gl/Lr19Ft. Acessado em: 15 jun. 2015.

INCRA. Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo e PFE/INCRA trabalham pela pacificação de conflitos agrários em imóvel rural no sul do Pará, 06/03/2012. Disponível em: http://goo.gl/4FsXzH. Acessado em: 15 jun. 2015.

O LIBERAL. Presos acusados de matar líder sindical, 24/12/2014. Disponível em: http://goo.gl/2e9RUA. Acessado em: 15 jun. 2015.

POLÍCIA DO PARÁ AO ALCANCE DE TODOS. Polícia civil prende pecuarista acusado de envolvimento em mortes e ameaças a sem terras no sul do Pará, 14/11/2014. Disponível em: http://goo.gl/U4lXyR. Acessado em: 15 jun. 2015.

PORTARIA N. 17, de 7 de outubro de 2004. Diário Oficial da União, 18/12/2004. Disponível em: http://goo.gl/DFnW9F. Acessado em: 15 jun. 2015.

PORTARIA N. 49, de 19 de dezembro de 2007. Diário Oficial da União, 24/12/2007. Disponível em: http://goo.gl/sB5fOS. Acessado em: 15 jun. 2015.

SALOMON, Marta. Com estímulo oficial, floresta vira capim. Folha de S. Paulo, 13/01/2008. Disponível em: http://goo.gl/oZuV1l. Acessado em: 25 jun. 2015.

TJ/PA. Processo n. 0002002-74.2009.8.14.0045. Diário da Justiça, 10/04/2015. Disponível em: http://goo.gl/C7YJWn. Acessado em: 15 jun. 2015.

__________. Processo n. 00025013820158140000. Diário da Justiça, 14/04/2015. Disponível em: http://goo.gl/IE36ls. Acessado em: 15 jun. 2015.

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