MG – Povo Caxixó aguarda reconhecimento e homologação de sua Terra Indígena e enfrenta a influência direta da monocultura de eucalipto que vem secando as suas águas. Conselho de Política Ambiental e entidade ambientalista fazem vista grossa para empreendimento empresarial
UF: MG
Município Atingido: Pompéu (MG)
Outros Municípios: Martinho Campos (MG), Pompéu (MG)
População: Povos indígenas
Atividades Geradoras do Conflito: Atuação de entidades governamentais, Atuação do Judiciário e/ou do Ministério Público, Barragens e hidrelétricas, Monoculturas
Impactos Socioambientais: Alteração no regime tradicional de uso e ocupação do território, Assoreamento de recurso hídrico, Desmatamento e/ou queimada, Falta / irregularidade na demarcação de território tradicional
Danos à Saúde: Insegurança alimentar, Piora na qualidade de vida, Violência – ameaça
Síntese
As comunidades do povo Caxixó sofrem os impactos da monocultura do eucalipto e enfrentam fazendeiros da região e a ineficiência dos órgãos administrativos para obterem o reconhecimento e titulação de suas terras tradicionais.
O líder Caxixó, Antônio Luiz da Silva, denunciou a situação em audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em 06/08/2004:
?A demarcação das nossas terras não saiu até hoje, ainda está no processo. Quero denunciar o desmatamento que está ocorrendo (…). Estão acabando com o Cerrado e com as frutas para plantar o eucalipto. Fica nas margens do córrego que secou. Há 15 anos, tinha muita água. Com o desmatamento, as pastagens e as plantações de eucalipto, não se vê mais uma gota d?água, salvo no período das chuvas. Outra coisa: dentro dessa reserva, havia um cemitério dos índios, onde minha irmã foi enterrada. Tudo foi derrubado, não sobrou nada. Disseram que irão reflorestar um pedaço da área, mas é mentira. Não farão isso. Só existe plantação de eucalipto.? (1)
No município de Martinho Campos, região do Alto São Francisco, atuam as empresas monocultoras de eucalipto Plantar Reflorestamentos e CAF Santa Bárbara.
O processo de demarcação da Terra Indígena Caxixó tramita na Funai, mas encontra-se parado aguardando conclusão de ações em curso na justiça federal. O reconhecimento étnico dos Caxixó foi questionado judicialmente, em 2003, por fazendeiros da região e a ação ainda encontrava-se em fase de perícia judicial, em julho de 2008. A Funai paralisou o processo administrativo mesmo já em posse do relatório antropológico de identificação e delimitação da Terra Indígena Caxixó, entregue ao órgão no primeiro semestre de 2005 (2).
Outra grande ameaça às terras do povo Caxixó é a construção de uma barragem hidrelétrica, a UHE Retiro Baixo, no rio Paraopeba, nos municípios mineiros de Pompeu e Curvelo. Pertence à empresa Retiro Baixo Energética S/A, consórcio formado pelas empresas Furnas, com 49%, Allen (10%), Logos (15,5%) e Orteng (25,5%) (3).
O empreendimento obteve Licença Prévia do Conselho de Política Ambiental do Estado (Copam), em outubro de 2005. A licença foi concedida contrariando recomendação da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), órgão responsável pela área de licenciamento no Estado , que havia considerado de péssima qualidade os Estudos e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima) do empreendimento, inclusive por ignorar a presença indígena na área atingida (1). Em 10/11/2006, o empreendimento obteve licença para instalação (LI) e as obras foram iniciadas em março de 2008, com previsão para começar a geração comercial de energia em janeiro de 2009 (3).
Contexto Ampliado
A mobilização e luta dos Kaxixó pelo reconhecimento de sua identidade indígena e titulação de suas terras remonta à década de 1980. Em 1986, a tensão entre os moradores e fazendeiros vizinhos se acirrou, com casos de violência, agressões, ameaças e destruição de roças. Foram necessários três estudos antropológicos e a intervenção do Ministério Público Federal para que a FUNAI finalmente reconhecesse a identidade indígena do grupo, em 2001 (4). Em 1998, o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes) e a Associação Nacional de Ação indigenista (Anaí) apresentaram o relatório Kaxixó: quem é este povo?, para resgatar a trajetória histórica do grupo e identificar e contextualizar a existência de sítios arqueológicos no seu território tradicional.
O desmatamento do território indígena implica na situação de insegurança alimentar e perda de acesso a bens naturais utilizados de modo tradicional na saúde indígena. A coleta de frutos silvestres e ervas medicinais assegurava as necessidades alimentares e equilíbrio nutricional (pequi, siputá, mangaba, araticum-escuro ou cabeça de nego, ananás, coqueiros diversos, guariroba, jatobá, cagaita, marmelo, maxixe silvestre, melancia de tatu e outros) (1).
A agravante destes desmatamentos é o assoreamento dos pequenos riachos que ainda possuem água corrente, embora a vazão seja bem pequena. Os riachos a que se refere são afluentes do Rio Pará que compõem a Bacia do Rio São Francisco. O local do desmatamento é cabeceira de riachos que por constante depredação ambiental já não possui vazão constante. Antes de serem expulsos das terras, quando a água era abundante a comunidade a utilizava para uso doméstico (5).
Nos últimos anos, o avanço das monoculturas (eucalipto, frutas etc) tem sido facilitado pela atuação do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). O governo estadual de Minas Gerais, a exemplo do governo federal, inchou as instâncias deliberativas do meio ambiente de representações ligadas aos interesses econômicos, normalmente representadas por grandes empresas. É o caso, por exemplo, de grandes empresas de mineração, siderurgia e dos representantes de geradoras de hidroeletricidade e da silvicultura monocultora, que fornecem o insumo energético para as atividades industriais eletrointensivas (mineração, alumínio etc) e para os altos-fornos siderúrgicos. Os colegiados ambientais são ainda dominados pelos representantes corporativos, a exemplo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e do Sindicato da Indústria de Extração Mineral do Estado (SindiExtra).
Boa parte destes segmentos são financiadores de campanhas eleitorais de governadores, presidentes da República, deputados, vereadores e prefeitos, nas regiões de suas atividades, o que vem corrompendo completamente a visão de longo prazo destes representantes nos conselhos de política ambiental e comitês de bacia hidrográfica. Algumas corporações profissionais presentes nestes colegiados esqueceram-se totalmente dos códigos de ética e dos juramentos feitos quando conquistaram seu bacharelado. Atuam mais na defesa das perspectivas de consultorias do que na defesa do interesse público e do bem comum.
Empresas como a Plantar e a CAF, ligada à Belgo Mineira (atual Arcelor Mittal), recebem inclusive apoio de entidades ambientalistas, a exemplo da Associação Mineira de Defesa do Ambiente (Amda), que conta com a presença delas e de empresas como a Vale, Companhia Mineira de Metais, Alcoa, Rio Paracatu Mineração, entre outras, na sua carteira de sócios jurídicos. No ambientalismo recente, em Minas Gerais, há casos em que a aprovação das licenças tem, como “compensação”, a criação de unidades de conservação (UCs), bancadas pelas empresas e administradas por suas parceiras não governamentais. Sob outra ótica, a criação das UCs também pode se tornar um problema para as comunidades tradicionais. Este é o caso da Etapa 2 do Projeto Jaíba e da criação de UCs que ameaçam geraizeiros da Mata Escura, na região de Itacarambi.
Além disso, a ampliação das áreas de monoculturas de eucalipto da Plantar está associada a projetos-piloto de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDL) e créditos de carbono. A demora dos processos de reconhecimento, demarcação e titulação do território do povo Kaxixó torna a população indígena mais vulnerável à depredação de suas riquezas naturais e de seu patrimônio cultural, o que dificulta a sustentabilidade futura das comunidades. Em 2008, representantes da comunidade e do Conselho Indígena Kaxixó participaram de reuniões em Brasília, com o presidente da FUNAI e representantes do Ministério Público Federal, para cobrar a retomada do processo de regularização da Terra Indígena.
Apesar das constantes pressões sobre a FUNAI, o processo de demarcação das terras Kaxixó permaneceu paralisado no órgão indigenista até março de 2013, quando a Fundação, finalmente, fez publicar o Relatório de Identificação e Delimitação da TI Kaxixó, reconhecendo 5.411 mil hectares das cidades mineiras de Martinho Campos e Pompéu como área de ocupação tradicional e permanente do povo Kaxixó. O relatório foi elaborado por grupo técnico coordenado pela antropóloga Vanessa Alvarenga Caldeira. O GT identificou pelo menos 93 Kaxixó vivendo na área identificada pelo estudo.
O relatório de Alvarenga e colaboradores explicava a perda dos principais sinais exteriores distintivos dos Kaxixó pelo processo histórico a que foram submetidos após o século XVIII com a ocupação da região por pecuaristas, quando foram reduzidos a trabalhadores e posseiros nas vastas terras do capitão paulista Inácio de Oliveira Campos. Com a morte deste e a disputa por herança que se seguiu, muitas famílias foram expulsas de suas antigas terras pelos herdeiros e outros pretendentes. Este processo foi mais intenso em Martinho Campos, motivo pelo qual algumas famílias ainda permanecem em Pompéu até os dias de hoje.
A reação à publicação do relatório foi negativa em ambos os municípios. Entrevistados pelo repórter Alex Rodrigues, da Agência Brasil, representantes das prefeituras locais se disseram surpresos com o resultado do GT e não reconheceram a existência de comunidades indígenas em seus respectivos municípios.
O deputado federal Domingos Sávio apresentou requerimento na Câmara dos Deputados para a realização de audiência pública para discutir a identificação e delimitação da terra indígena. Os prefeitos dos municípios incluídos no perímetro da TI e a então presidente da FUNAI, Marta Maria do Amaral Azevedo, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, foram convidados a participar da audiência. Em seus pronunciamentos públicos, o deputado já havia se posicionado contrariamente à demarcação.
No fim de abril, o Conselho da Comunidade Kaxixó de Capão do Zezinho fez divulgar uma carta-pública denunciando ameaças sofridas após a publicação do relatório. De acordo com o relato da comunidade, alguns dos cerca de 40 fazendeiros cujos imóveis foram incluídos dentro do perímetro da futura TI estariam se organizando para resistir ao processo de demarcação, e membros da comunidade teriam ouvido ameaças de assassinato, emboscadas e até de envenenamento da fonte de água da comunidade. Um dos principais articuladores da violência, segundo a carta, seria um fazendeiro chamado Zé do Zezinho.
A cobertura da imprensa local explicitava o crescimento da tensão na região. A identidade da comunidade como indígena é contestada pela maioria da população dos municípios, segundo reportagem do jornal O Tempo, e haveria tensões mesmo na área do Capão do Zezinho. O resgate da história dos Kaxixó e a reafirmação de uma ligação histórica e cultural com seus antepassados eram defendidos por uma parcela da população local, mas não convenceu a todos e, por isso, as lideranças indígenas encontravam forte resistência.
Em meio a esse contexto social adverso, os Kaxixó receberam o apoio da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que em 24 de maio divulgou uma nota pública apoiando a comunidade. Nesta ota, a entidade denunciava que:
(…) Tal cenário aponta para uma ação orquestrada de crescente intimidação ao povo indígena e até mesmo ao poder público, na medida em que se alardeia pela imprensa o risco de mortes, caso o processo de demarcação da Terra Indígena se consolide.
Em razão desse contexto de intimidação, é que a ABA vem a público apelar às autoridades competentes para que se garanta a tranquilidade e a segurança do povo Kaxixó, bem como o seu direito à justa demarcação do seu tradicional território de ocupação, em conformidade com os termos do competente Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação.
Em junho de 2013, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) coordenou uma série de protestos simultâneos contra a política federal de demarcação das terras indígenas e de titulação dos territórios quilombolas. Em Minas Gerais, um dos protestos aconteceu em Martinho Campos, onde produtores rurais e estudantes fecharam a BR-164, posicionando-se contra a demarcação da TI Kaxixó.
Cronologia:
1980: Início da luta dos Kaxixó por reconhecimento de sua identidade indígena.
1986: Acirramento das tensões entre os Kaxixó e fazendeiros leva a episódios de violência.
1998: CEDEFES e ANAÍ publicam relatório resgatando a história do povo Kaxixó.
2001: Após estudos antropológicos e intervenção do MPF, FUNAI reconhece os Kaxixó como povo indígena brasileiro.
2008: Conselho Indígena Kaxixó participa de reuniões com a presidência da FUNAI em Brasília para exigir demarcação de suas terras.
26 de março de 2013: FUNAI publica Relatório de Identificação e Delimitação da TI Kaxixó, reconhecendo 5.411 mil hectares das cidades mineiras de Martinho Campos e Pompéu como área de ocupação tradicional e permanente do povo indígena Kaxixó.
23 de abril de 2013: Deputado Domingos Sávio propõe realização de audiência pública na Câmara para arguição a respeito da demarcação da TI Kaxixó.
30 de abril de 2013: Povo Kaxixó denuncia ameaças sofridas.
24 de maio de 2013: ABA divulga nota em apoio à comunidade Kaxixó.
Última atualização em: 27 de agosto de 2013
Fontes
AGRICULTORES protestam em 5 estados contra demarcação de terras. O Estado de São Paulo, 14 jun. 2013. Disponível em: http://goo.gl/uBh21r. Acesso em: 26 ago. 2013
BOGÉA, Lígia. A pedido de Sávio, comissão vai debater delimitação da terra indígena Kaxixó. PSDB na Câmara, 24 abr. 2013. Disponível em: http://goo.gl/co2pRx. Acesso em: 26 ago. 2013.
CARTA-DENÚNCIA entregue à Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em 06/08/2004, assinada por 14 membros do Povo Kaxixó e datada de 05 de agosto de 2004. (5)
CEDEFES. Primeira Assembleia Geral do Povo Kaxixó é realizada em Capão do Zezinho/MG. 02 ou. 2006. Disponível em: http://goo.gl/O0TZTD. Acesso em: 17 nov. 2008. (4)
COMUNIDADE Kaxixó recebe ameaças de envenenamento e assassinatos desde que FUNAI reconheceu seus direitos. Combate Racismo Ambiental, 01 mai. 2013. Disponível em: http://goo.gl/VKgpWj. Acesso em: 26 ago. 2013.
FAMÍLIAS Aranã Cabloco. Abaixo assinado enviado ao Ministério Público Federal, à Presidência da FUNAI e à Administração Regional da Funasa em Governador Valadares-MG. Araçuaí,16 de julho de 2007.
FANZERES, Anna (coord.). Temas Conflituosos Relacionados à Expansão da Base Florestal Plantada e Definição de Estratégias para Minimização dos Conflitos Identificados. Relatório Final de Consultoria. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2005. Disponível em http://goo.gl/3iYyjn. Acesso em: 11 mar. 2009.
FAZENDEIROS dizem que FUNAI cria índios para `roubar´ terras. O Tempo, 06 mai. 2013. Disponível em: http://goo.gl/Tdf3Cy. Acesso em: 26 ago. 2013.
FURNAS. Usina Hidrelétrica (UHE) Retiro Baixo. Disponível em http://goo.gl/srkWX9. Acesso em: 17 nov. 2008.
LIMA, Ana Paula Ferreira de e SAMPAIO, José Augusto. Povo Kaxixó reivindica o direito a regularização do território. 30 jul. 2008. Disponível em http://goo.gl/26lZwt. Acesso em: 17 nov. 2008. (2)
NOTA DA ABA: Em defesa dos Direitos Territoriais do Povo Indígena Kaxixó. Combate Racismo Ambiental, 25 mai. 2013. Disponível em: http://goo.gl/A2qCFh. Acesso em: 26 ago. 2013.
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SCHLESINGER, Sérgio. Lenha Nova Para A Velha Fornalha: A Febre dos Agrocombustíveis. Rio de Janeiro: FASE, 2008.